O Leitor escrita por Cláudia Batiston


Capítulo 2
Capítulo 2




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Elderwood, 1790

Mais um lindo dia de verão, de sol quente, céu azul e pássaros voando iniciava. Ainda era possível sentir o orvalho que caíra de madrugada molhando alguns cantos do jardim interno da residência do duque de Elderwood.

Aquele era o horário que ele mais gostava, era quando todos estavam trabalhando, longe o suficiente para permitir que ele ficasse sentado em seu jardim particular, imerso em algum novo tratado filosófico, botânico ou com algum texto de William Wordsworth ou Samuel Taylor Coleridge, autores que, apesar de criticarem a coroa e seu modo de dirigir o reino, ele se divertia lendo.

Sabia que em breve, as obrigações com o ducado iriam obriga-lo a sair desse estado de descanso e contemplação para se mergulhar em números, administração da vila e na responsabilidade com todos aqueles que estavam sob seus cuidados e encargo.

Não raro o jovem Modred Wherlocke, duque de Elderwood, achava que o mundo não fora muito justo consigo mesmo, afinal, além do estranho dom que possuía, havia assumido o ducado dias depois de ter completado quinze anos, quando seu pai tirará a própria vida.

Junto com as terras e o título veio também a responsabilidade por todos de sua imensa família, os Vaughn e os Wherlockes, bem como pelos colonos, vassalos e serviçais de sua enorme residência. Era impossível não passar um único dia da sua vida sem ter que se preocupar com parteiras e seus ofícios, ou com plantações e criações diversas ou com moradores da vila de Elderwood e suas necessidades mais básicas.

Na verdade, quem via sua calma àquela hora da manhã acreditaria piamente que ele não tinha muitas preocupações com a cabeça enterrada em “The Rape of the Lock”, de Alexander Pope, seu autor favorito, mas isto não era verdade.

Modred sabia que era um homem bonito, até mesmo considerado belo por demais para o juízo de qualquer mulher, fosse ela solteira ou casada, donzela ou experiente, com seus cabelos pretos e olhos verdes como o mar, aos vinte e nove anos, não tinha nenhuma pretensão de se casar.

Temia passar para seu herdeiro o dom que tinha recebido, não queria deixar para os filhos a capacidade de ouvir e sentir o que as pessoas a sua volta normalmente pensavam ou sentiam.

Ele sempre fugia da maioria das mulheres disponíveis, pois sabia que era visto como um prêmio a ser conquistado: um título atrelado a um homem bonito.

Ele sabia que um dia seu título e as terras ficariam sem um herdeiro, por isto, já tinha preparado o testamento, iria deixar para seu primo Argus o título, as propriedades atreladas a ele e a responsabilidade por cuidar daquela família de excêntricos, onde todos eram muito bonitos e com uma variedade de dons que fariam com que muitos desejassem se afastar deles.

Não iria casar apenas para ter um herdeiro e um reserva como faziam à maioria das pessoas da ‘maldita’ sociedade que frequentava.

A única pessoa que tinha mexido com sua cabeça, fora Maze. A cada dia a ideia rondava com mais força em seus pensamentos e pensava que estava na hora de assumir o compromisso que tinha para com o ducado de forma plena, ter uma mulher e filhos. E essa ideia vinha fortalecendo dia a dia com o convívio com Maze.

Era preciso manter o foco, tinha que responder imediatamente a carta enviada pelo Rei George, que precisava de conselho pessoal. Ele era amigo pessoal e conselheiro informal de George III, e sempre que lhe era solicitado, atendia os pedidos do Rei ou comparecia à corte para atender ao pedido daquele que tinha vasto poder sobre toda sua família.

Família que adorava rodar pelas bordas do poder, fosse servindo à coroa, fosse lutando às guerras deles ou rodando nas camas de alguma alma desavisada de que estava sendo usada para dar algum segredo precioso demais para o reino. Não era prudente negar um pedido de seu amigo, a carta que iria mandar seria suficiente para acalmar os ânimos de sua Alteza.

Mas, apesar de todos os deveres que tinha pela frente, apesar dos chamados da coroa, sua mente insistia rodar em torno do outro problema: Maze!

Aquela mulher vai me levar a loucura cedo ou tarde. Acordo pensando nela e durmo sonhando com os beijos que nunca roubei. Ainda bem que sou eu quem pode ler as mentes dos outros e não o contrário! Com certeza seria o motivo de piada de toda a família’.

Maze amiga de infância de sua prima Olímpia, era alguém que ele havia conhecido quando jovem e depois se afastaram por ele ter se tornado um recluso, trancado dentro das paredes de Elderwood, fugindo da presença daqueles que ele poderia ler a mente com facilidade.

Ao descobrir que os muros mentais de Maze eram sólidos, resistentes e impenetráveis, Modred passou a deseja-la ao seu lado a cada instante que lhe era permitido. Ele vivia procurando por ela, para conversar os mais variados assuntos. Sua inteligência o motivava cada vez mais a estar perto da jovem.

Era uma benção ter alguém em que pudesse tocar, ainda mais alguém tão linda, de sedosos cabelos vermelhos, incríveis olhos azuis, pele clara, com algumas sardas e que os dias de labuta não haviam danificado sua beleza.

Ter ao seu lado alguém que ele não conseguia ouvir seus pensamentos, e nem suas emoções era uma benção pra ele. Estava em êxtase com aquela jovem.

O fato dela ser tão próxima de Olímpia desde a infância, não foi suficiente para acalmar o impacto que sentiu quando a viu entrando em sua casa pela primeira vez quatro meses atrás. De imediato sentiu que algo o ligava a ela, mas não sabia dizer o que era.

Quando Olímpia apareceu com ela no ducado, Maze estava com um hematoma feio no rosto e sem disposição alguma de conversar com ninguém. Levou um bom tempo para que parasse de chorar e outro para que começasse a querer sorrir de volta.

O que será que havia acontecido com ela? É terrível não poder ler sua mente. De todas as pessoas na fase da terra, por que, justamente ela, eu não consigo ouvir?

Olímpia tinha dito que quando chegasse o momento, a própria Maze iria contar o que havia acontecido, mas a atração que ele vinha sentindo pela mulher somada a curiosidade com o passado dela, estavam tirando o sono dele.

Não raro sonhava com ela e quando acordava de manhã, era por ela que ele procurava. Parecia que ela tinha vindo para o ducado somente para tirar sua paz de espirito.

Respirou profundamente e tentou voltar sua atenção ao problema imediato, o conselho que iria dar ao Rei George, mas sua atenção fora atraída para algo largado ao pé do imenso carvalho que ficava no jardim interno, era uma pessoa.

Aproximando devagar, ele olhou pensativo para a jovem que dormia a sono, se a governanta ou o mordomo a encontrasse dormindo durante o expediente de trabalho ela poderia ser demitida. E ele não queria isso.

— Maze, Maze, acorde. – Com todo cuidado do mundo, ele a chamou. Esticou a mão para tirar uma mecha que caía sobre a testa e levou um susto, ela ardia em chamas, a febre estava tão alta que ele sentiu receio de se queimar.

Ele não conseguiria cuidar da jovem sozinho, precisava leva-la para casa antes que ela morresse lá debaixo daquela maldita árvore. Pegando-a no colo com muito cuidado, observou que ela não mexeu um músculo, estava inconsciente.

Gritando pela tia Dot, ele entrou pela porta que era usada pelos criados e saía na cozinha. Logo o caos se instalou pela ala dos empregados, enquanto ele fazia questão de levar a jovem para um dos quartos de visitantes.

Era um quarto relativamente pequeno, limpo, com paredes em tom de pêssego, pesadas cortinas que filtravam a luz do dia, armário, uma enorme cama de casal e um reservado para a higiene pessoal.

Deixou sua tia examiná-la enquanto o mordomo da família se desculpava por ter sido tão negligente mais cedo.

— Você está me dizendo que a jovem estava doente, febril, mal aguentando ficar em pé e ainda assim você e a senhora Norma a obrigaram a trabalhar hoje? – A raiva passava por sua cabeça enquanto ouvia o que ele dizia.

Voltou para a cozinha e exigiu a presença de todos os empregados. Era algo raro, normalmente os assuntos domésticos eram resolvidos por sua tia Dot, que sentia um prazer enorme em manter a casa como se fosse um pequeno quartel general, que apesar do número reduzidos de empregados que viviam dentro da casa, ainda assim havia desde o menino que cuidava das botas até a pesada governanta. A maioria se sentia privilegiada por estar servindo alguém da alta nobreza.

— Quero a atenção de todos, e que sirva para o empregado da mais alta posição até aqueles que estão na mais baixa: Eu os proíbo de trabalhar doente, seja que tipo de doença tiverem, trabalhar doente é algo que eu não vou admitir. E caso eu venha a descobrir que alguém esteve trabalhando doente, irei despedir seu superior imediato sem ter nenhuma consideração.

Todos olhavam para ele com respeito e ao mesmo tempo envergonhados. O tom de voz dele, não deixa dúvidas que estavam diante do duque e que usaria seu poder para ter sua vontade atendida.

Apesar do duque não ser dado a violência, ser recluso e um tanto arredio a ter que lidar com os estranhos, ele tratava todos com respeito e consideração. Por isso suas palavras eram pesadas e cheias de comando, comando este vindo de quem era responsável pelo ducado Elderwood.

O modo como a criada fora encontrada havia se espalhado entre eles como um rastilho de pólvora e sabiam que a governanta era a pessoa responsável pela mulher ter trabalhado doente.

Destacou uma pequena e delicada arrumadeira para cuidar de Maze, mandando que a mesma lhe informasse diretamente sobre o estado de saúde dela e convocou a governanta para o escritório.

O escritório ficava dentro de sua ampla biblioteca, na parte inferior de sua enorme casa de três andares, vários quartos, diversas salas, tijolos aparentes, dois torreões de cada lado e enormes vitrais que permitiam a luz entrar e inundar o piso de mármore claro do hall de entrada, do qual acessava aos vários cômodos da casa.

A enorme mesa de escurava ficava debaixo da janela que recebia o sol da manhã, era aconchegante e com prateleiras que cobriam todas as paredes, preenchidas com livros, dos mais delicados aos mais grossos, de tratados de botânica a romance água com açúcar.

Sentou-se de frente para a senhora Ethel e ficou esperando que ela desfilasse a ladainha cheia de “ses” e desculpas esfarrapadas.

— Senhora Ethel, – Ele a interrompeu com sutileza e firmeza. – desde quando a senhora está trabalhando comigo?

Ela alisava suas mãos rechonchudas sobre o avental que usava, estava transpirando de medo e receio. Levantou os olhos castanhos em sua direção e com as imensas bochechas rosadas respondeu:

— Há quase dez anos, Vossa Alteza.

— E neste tempo todo a senhora não aprendeu como eu zelo pelo bem estar dos meus empregados? Não observou que eu não gosto de lidar com situações como a que enfrentei hoje?

Com muita dificuldade, fazia de tudo para manter a raiva controlada, os muros da mulher estavam rachando e ele começava a ouvir ecos de pensamentos que ela deixava passar, seu medo gritava nos ouvidos dele.

— Senhora Ethel, levante seus muros, agora!  Por favor. Respire fundo, acalme-se, precisamos conversar e resolver isto e não consigo fazer isto ouvindo suas lamurias silenciosas.

Depois de uma demora considerável, ela conseguiu se acalmar e subir os muros internos da mente.

— Eu não pretendo despedi-la, mas colocar um pouco de juízo em sua cabeça. A senhora sabe que prezo pela lealdade e respeito, que pago bem meus serviçais para que eu possa contar com a confiança, a discrição e a lealdade deles. Também sabe sobre meu dom, sabe o quão difícil é achar pessoas com fortes muros para manter ao meu lado. Por isso preciso que entenda que uma empregada, por menor que seja sua posição dentro desta casa merece ser tratada com respeito e consideração. Nunca mais quero que ninguém seja obrigado a trabalhar doente. Estamos entendidos?

 - Sim, Vossa Alteza.

— E após Maze melhorar ela exercerá uma função de administradora do ducado ao meu lado. Ela e o meu secretário irão se entender e ajudar nos cuidados que o ducado precisa.

Ela fez uma enorme cara de espanto, abriu a boca para dizer algo, mas decidiu fechar. Com certeza tinha ficado escandalizada com o fato de uma mulher assumindo uma função que era relegado somente aos homens.

— Por que o susto? Maze é inteligente, possui educação formal e pode muito bem ajudar nas finanças do ducado. Nunca as deixei relegadas, mas será bom ter alguém para ajudar. Além do que, isto irá afastá-la das más línguas da cozinha que ficarão comentando que eu a trouxe desmaiada para dentro de casa. Vai dizer que já não tem gente fofocando por aí?

— Sim, Vossa Alteza, provavelmente já existe um ou dois comentários que não condizem com a realidade dos fatos. Mas acredito que coloca-la para trabalhar diretamente com o senhor somente irá alimentar tais fofocas.

— Bem, somente se nós desejarmos, não? Posso contar que a partir de agora, a senhora irá ajudar a manter bocas fechadas e fofocas longe da minha cozinha no que diz respeito a Maze?


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