Primeiro, eu matei o meu pai... escrita por Myu Kamimura, Madame Chanel


Capítulo 7
Capítulo VI:




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Kammy e Sammyrah já eram jovens e promissoras aspirantes. Misty já expunha a vontade de colocar a francesa para testar suas habilidades de luta. Seus dotes eram semelhantes aos da mãe, porém Camus o advertiu a não forçá-la demais. Ele ainda tinha medo que aquele assombroso poder desperto em Chantilly a dominasse.
Do outro lado, Afrodite treinava Sammyrah com certas regalias. A garota era poderosa, mas como tinha o direito de visitar os pais a cada 6 meses, estava sempre atrás das demais, mas isso não era empecilho para que ela, juntamente com as amigas, debochasse da jovem que chegou praticamente ao mesmo tempo que ela na terra santa:
—Hey, krest'yanek (camponesa)... Toma cuidado pra não varrer a arena com seus ventinhos - Maggie passou, batendo em um dos ombros da loira indo em direção das amigas
—Eu vou dilacerar essas...
—Calma - Misty a segurou - não caia na provocação delas. Elas só querem te desestabilizar.
—Tem razão - inspirou profundamente - sinto muito, Mis... Vamos voltar ao que importa.
—É, Filhotinha do Vento… - Disse Astrid, se levantando de seus alongamentos - volte para seus campos de lavanda, de onde você nunca deveria ter saído
—Senhor Misty, por favor, vamos treinar em outro lugar?
—Isso, volte pro Morro dos Ventos Uivantes, Catherine! - a ruiva seguiu debochando - Sem bem que, com essa cara de plebe, tá mais para Heathcliff!
—VAI PRO INFERNO!
A explosão de cosmo gerou um vendaval tão grande, que não afastou apenas Sammyrah, mas também Maggie e Astrid. Misty a olhou atemorizado:
—Deuses! Kammy você está...?
—Eu estou bem... - jogou os cabelos para trás.  Seu mestre percebeu que ela iria cair a qualquer instante - Eu só queria mesmo ter mandado essazinhas pros confins da terra.
—Eu sabia... - a ruiva levantou,  rindo e ajustando a máscara - É tudo real, Naslednik vetrov.

—Mantenha sua garotinha atormentada longe da minha discípula, sua Lagartixa Prateada! - o Cavaleiro de Peixes bradou. Estava ao lado de Geisty, que auxiliava Maggie e Astrid a ficarem de pé.

—Eu não tenho culpa se sua pupila vive a provocá-la, Rosa Venenosa! - revidou o cavaleiro de prata - Comece a ensinar bons modos a ela, ao invés de ficar de conversa com suas asseclas.

Misty virou para Kammy, que já estava sentada em uma rocha levemente ofegante. Ao perceber sua aproximação, a prima de Camus ergueu o rosto prateado para ele:

—Dessa vez ela não me chamou de camponesa...  A frase em russo não pareceu uma ofensa. O que ela disse, Mestre Misty?
—Ela... Te chamou de Herdeira dos Ventos.
—O q-… - percebendo que ele continuava espantado, questionou - Isso não tem nada a ver com nossa habilidade de controlar o vento, não é mesmo?
—Isso é sobre... Me desculpe, Kammy, mas não posso falar sobre isso.
—Por que não? Uma única vez na vida eu quero uma explicação. Por que tudo sobre mim é um mistério? Todos falam maravilhas de minha mãe, mas quando pergunto sobre meu pai, desconversam...
—Aimée... Você não precisa saber disso.
—NÃO PRECISO SABER DO QUÊ, THIERRY?!
—NÃO! EU NÃO POSSO! - desviou o olhar, contendo as lágrimas que se formavam - Não cabe a mim contar isso... Eu sou apenas... Um filho do vento, tal como você.
—Um filho... Do vento? Mestre eu não...
—Vá até Aquário! O Senhor Camus irá te explicar tudo.
—Mas o Crystal... Ele...
—Crystal voltou ontem para a Sibéria... O Senhor Camus está só. Ele é primo de Dorothée... Somente ele pode te contar a verdade - a loira saiu correndo em disparada. Misty respirou fundo, sentando-se na rocha onde a discípula estava anteriormente - Ela já tem idade suficiente para saber a verdade… Talvez isso até desperte seu cosmo por completo... Sammyrah teve sorte. Se Kammy estivesse 100%, ela não teria sobrevivido àquele golpe.

 

Kammy subiu apressada pelas doze casas. Algumas estavam vazias, pois os jovens Cavaleiros de Ouro algumas vezes deixavam o santuário para realizar treinamentos especiais ou missões em algum lugar do mundo. No caminho até Aquário, parou apenas em Câncer,  Escorpião e Capricórnio. Encontrou seu primo em seu estado natural: sentado na poltrona, usando seus óculos de grau e imerso em um livro de Júlio Verne. A amazona se fez notar através de uma leve pigarreada:

—Quem deseja passar por Aqua-... - ele abaixou o livro e, ao ver a loira, mudou de semblante - O que deseja, jovem? Não deveria estar treinando com Misty agora?

—Sim, deveria! Mas estou cansada de todos cochichando quando eu passo ou, de alguns menos discretos, soltando piadas que não entendo - respirou fundo - Eu exijo saber a verdade, Senhor Camus. A começar pelo porquê de você me tratar como uma completa estranha, quando eu tenho belas recordações de meu primo parisiense.

—Nós não temos nenhuma ligação, Kammy - desviou o olhar - e ignore essas fofocas. Preocupe-se com seu treinamento. 

—Fofocas, Senhor Camus?! Olhe para mim e diga que são meras lorotas! - tomada pela fúria, ela arrancou a máscara e atirou-a nos pés do dourado - OLHE NOS MEUS OLHOS, DIDIER, E DIGA QUE ISSO TUDO É FRUTO DA MINHA IMAGINAÇÃO!  QUE O OLHAR ASSOMBRADO DO MESTRE MISTY PARA MIM AGORA POUCO FOI APENAS UM DELÍRIO! 

—Aimée... - respirou fundo e fechou o livro - Está bem... Por favor, coloque sua máscara. Irei preparar um chá de camomila para nós. Você precisa se acalmar... E eu preciso de calma, para te contar tudo.

—C-certo.

—Sente-se... Se quiser ler algo enquanto espera, sabe onde fica minha biblioteca.

—Não use a leitura para me distrair - colocou a máscara e sentou - Eu vou aguardá-lo bem aqui.

O protetor da 11º casa foi até a cozinha e pediu a preparação de um chá com alguns petiscos. Também disse a seus servos que conversaria com a jovem a sós na biblioteca e que não queria ser interrompido nem se o Santuário pegasse fogo:

—Apenas me chamem se a própria deusa solicitar minha presença. Caso contrário, nem sonhem. 

O jovem, carregando a bandeja com o lanche, voltou a sala. Encontrou a aprendiz de Misty estalando os dedos:

—Vamos para a biblioteca - Camus falou em um tom sereno - Prefiro que essa conversa seja em um local onde não seremos interrompidos.

—E em um local apropriado para histórias,  não é? - respondeu marrenta, levantando do sofá e indo em direção a biblioteca.

Camus nada disse. Apenas seguiu a jovem até seu cômodo preferido. A biblioteca de Aquário tinha o segundo maior acervo de livros do Santuário. Existiam livros de todos os tipos e todas as eras. Crystal costumava dizer que o gosto pela leitura parecia um pré-requisito para ser um Cavaleiro de Aquário: 

—E então? - Kammy perguntou, tirando novamente a máscara e servindo-se de um Muffin 

—Por que tirou a máscara dessa forma?

—Porque ela não se aplica a você. Você não respeita Kammy, a aprendiz de Misty. Pra você ela não é ninguém, é uma aspirante como outra qualquer. Mas eu sei que, se você olhar fundo nos meus olhos, verá a Aimée, sua pequena prima, que gostava de correr entre os campos de lavanda, cavalgar e ouvir as histórias que você lia. Se existe uma forma de ouvir essa tal verdade é tentando expor o que ainda resta dessa criança. 

Ele respirou, sentou e tomou um longo gole da caneca de chá fumegante. Abriu os olhos e encarou a jovem.

Très bien . Eu vou te contar toda, mas toda a verdade por trás das nossas vidas.

—Nossas?!

Oui. Para você entender o porquê de eu, nas suas palavras, ignorar você, existe a necessidade de conhecer também a minha vida... Você sabe que detesto interrupções.  Então, se quiser algo, fale logo.

—Só quero que comece...

—Pois bem…

 

"Eu nasci no subúrbio parisiense. Numa casa fétida, que não tinha nada... Tudo que lembro da mulher que me pôs ao mundo era que ela passava o dia embriagada, fumando ou com algum homem no quarto. Eu era um mero estorvo. Um acidente que ela, provavelmente, não conseguiu evitar. Se eu não a chamo de mãe, é porque ela nunca foi isso para mim, assim como eu não era nada para ela. Eu sequer tinha um nome, ela apenas me chamava de Morveux*. Sobrevivi graças a boa vontade de um velho padre chamado Albert, que me dava abrigo e comida sempre que a situação ficava insuportável em casa. Um dia, a mulher que me pôs no mundo simplesmente sumiu de casa. Um, dois.. No terceiro dia, eu tive certeza que ela não voltaria mais. Estava largado a própria sorte. Padre Albert, como que enviado pelos céus, apareceu e me levou para viver com ele na casa paroquial. Foi ele quem me alfabetizou, me fez pegar gosto pela leitura e me deu finalmente um nome: Didier. Segundo ele, o nome de um garoto que o ajudou muito nos tempos de criança. Como não sabia nada de minha genitora, ele me 'emprestou' seu sobrenome, Belmount. Finalmente eu era uma criança. Sorria, brincava e até ganhei dele um cãozinho de presente, Boule de Neige, um viralatinha branco que abandonaram na porta da igreja. Mas o Universo parecia não gostar de mim. Quando eu tinha 7 anos, o Padre Albert veio a óbito e o novo pároco, contrariando tudo que o cristianismo prega, me colocou para fora em pleno inverno. Vaguei por dias pelas ruas de Paris com Boule de Neige pedindo esmolas, comida... E percebi como o mundo era um antro de pessoas cruéis e desalmadas. Um dia, uma forte nevasca nos atingiu. Naquele dia, eu senti a morte sussurrando meus ouvidos. Estava faminto e com frio. Meu cãozinho, não aguentando me ver naquela situação,  fez o impensável para mim: roubou uma baguete para que eu me alimentasse. Na hora, nem me passou pela mente como ele tinha arrumado aquele pão: eu só tive forças para rasgar um pedaço e comê-lo com vontade. Eu ouvi um tiro... E vi meu cãozinho cair sangrando em minha frente. Dois homens vieram atrás do "cachorro ladrão e seu dono imundo".

—O cachorro teve um fim rápido, mas você vai sofrer, Fedelho!

Foi o que um deles falou, sacando um canivete. Eu não me importava em morrer, mas por que fazer aquilo com um pobre cãozinho? Eu me enfureci. Achei uma pedra e atirei-a contra o cara da faca, que desviou rindo. O outro colocou a pistola em minha testa... E foi o pior erro da vida dele, pois naquele momento meu cosmo se manifestou pela primeira vez. Arma e braço totalmente congelados. Fiquei apavorado, claro. Era algo que não sabia de onde vinha, mas cada vez que encarava o corpinho sem vida de Boule de Neige, sentia meu corpo mais quente e gerando mais frio. A neve começou a cair em forma de cristais e finalmente vi o olhar apavorado nos bandidos.  Quando eles criaram coragem para enfiar a faca em meu coração, um ar mais frio ainda cortou os céus e eles caíram mortos:

 -Dorothée... Você sabe que nao pode usar o cosmo contra civis!

—Por Athena, Zephiros! Eles iam matar essa criança... Essa criança talentosíssima. 

Sim... O ar congelante foi disparado por Dorothée de Flamingo, sua mãe. Eu caí desmaiado em seus braços. Estava com as forças esgotadas, com frio e fome. Acordei horas depois, em frente a uma lareira. A moça de cabelos azuis estava sentada à minha frente, esperando eu acordar:

—Hey, mocinho... - o francês dela era impecável - Eu fiz uma sopa para você.

Estava limpo, enrolado em um cobertor e vestia uma camiseta feminina enorme. Tomei 3 tigelas daquela deliciosa sopa de legumes. Enquanto me alimentava, ela apenas sorria e me olhava:

—Satisfeito? - ela me perguntou

—Sim. Muito obrigado mesmo, senhora... Mas por que me salvou?

—Porque você é único - chegou mais perto, ficando a altura dos meus olhos - Como você se chama?

—O falecido padre Albert me batizou Didier Belmount. 

—E, presumo que, depois que ele morreu te jogaram na rua.

Apenas balancei a cabeça de forma positiva e a vi abaixar a cabeça.

—Isso é horrível. Se soubessem o quão especial você é - bateu a mão na testa - Eu nem me apresentei, desculpe. 

—Dorothée... Aquele homem loiro de olhar frio te chamou assim. Ele falava latim ou grego... Eu ainda não consigo distinguir bem os dois idiomas.

—Além de poderoso, você é inteligente. Uma peça única, Didier... Eu vou te explicar de uma vez, tudo bem?

—Por favor... Porque, até agora, só sei que seu nome é Dorothée e que você fala outra língua. Eu vou ser traficado ou algo assim?

—Eu prefiro não perguntar o que você sofreu antes de encontrar o Padre Albert... Enfim... Apesar da descendência francesa,  nasci na Grécia e meu nome e destino já estava escrito nas estrelas da constelação de Flamingo. Meu nome é Dorothée Belmount. Acho que nos faz primos - riu - Bem, lá onde nasci, fui treinada para ser uma guerreira sagrada. Uma defensora da justiça abençoada pela deusa Athena. Mas, algumas vezes, guerreiros como eu nascem em outras partes do mundo, manifestando seu poder em momentos de estresse ou perigo iminente. 

—Você está querendo dizer que...

Você acha que aquela nevasca seria capaz de congelar a arma e o braço daquele bandido? - balançou a cabeça em negação - Você fez aquilo, Didier. Algo que eu também sou capaz de fazer.

Ela pegou a colher que usei para tomar sopa, segurou-a em pé e simplesmente a congelou. Eu sorri e, nesse momento, o homem que a acompanhava chegou, trazendo algumas sacolas:

—Conforme você pediu, Dot, roupas para o moleque. 

—Obrigada, querido - ela sorriu, pegando as sacolas - Ainda bem que decidi fazer uma ronda antes de voltarmos ao Santuário. 

—O importante é que recuperamos a Fragarach.. Sabe-se lá o que aconteceria se isso caísse nas mãos dos Cavaleiros Negros, por exemplo.

—Melhor nem pensar nisso - voltou o olhar para mim - Didier, esse é Zephiros de Cervo, meu esposo e companheiro de batalha. Eu pedi a ele que comprasse algumas roupas para você, já que as suas não estavam em boas condições. Pode tomar um banho decente. Amanhã iremos voltar para Athenas. Se você quiser vir conosco, é mais que bem vindo.

—Eu não tenho mais nada e nem ninguém aqui. Já que tenho esse poder, o melhor será usá-lo para o bem.

Quando cheguei ao Santuário, foi me dado o nome Camus e fui brindado com a notícia de que estava destinado a ser um Cavaleiro de Ouro. Dorothée seria minha mestra. Ela realmente me tratava como se fosse da família. O Zephiros também era legal, mas sumia às vezes, voltando meio estranho mais tarde. Comparado a Dorothée, que só tinha o Crystal e, posteriormente, a mim, ele tinha muitos aspirantes. Eles se auto intitulavam "Filhos do Vento". Thierry era um deles. Tinha sido resgatado quase da mesma forma que eu, mendigando pelas ruas de Nice. Ele se afeiçoou muito a Dorothée, mas dada a natureza de seus poderes, ganhou o nome Misty e acabou no grupo de Zephiros.

Conforme os anos se passavam, a situação ficava ainda mais insustentável. Zephiros estava cada dia mais esquisito, distante e com um ar maligno. Uma noite, Misty bateu a porta de nossa cabana. Entrou correndo e mandou trancar a porta. Estava tremendo de tão desesperado: 

—Dot, perdão. Perdão mesmo, mas eu não podia me calar...

—Mis... Thierry, por favor, o que está acontecendo? 

—O mestre Zephiros... Ele... E todos os outros Filhos do Vento enlouqueceram.

—Como assim os outros Filhos do Vento? Até onde sei, só restaram você, Ellen e Ananda. Os demais todos desapareceram em missões e treinamentos extra-campo

—Lorota, tudo lorota! Isso era apenas uma desculpa. Uma desculpa por mais poder.

—Eu não estou entendendo...

—Você lembra da espada Fragarach.? Ao que tudo indica, ela encontrou o mal dentro do mestre. E abriu uma brecha maior na barreira que mantém os Cavaleiros Negros na Ilha da Rainha da Morte. Segundo relatos do próprio Zephiros, ele foi abençoado por um grande poder naquela ilha... E prometeu recompensar todos aqueles que jurassem lealdade a ele. Eu fingi que aceitei pra ver se alguém perceberia que tudo era uma mentira, mas agora que só restam 3 de nós,  me apavorei.

—Isso é grave... Gravíssimo! - ela se sentou, parecia enjoada - Um de vocês... Preciso de água.

—Sente-se mal, Dot? - perguntei, ajoelhando-me a seu lado, enquanto Crystal pegava água. 

—Foi apenas um enjoo passageiro. Agora que você falou isso, Mis... Eu vou precisar de proteção. Primeiro, porque estou esperando um filho... E em segundo... Zephiros está chegando. Escondam-se, rápido. Ele não notará a presença de vocês.

Mesmo escondido, vi quando Zephiros entrou. Ele parecia outra pessoa:

—Dorothée, minha linda... - a beijou ternamente - Eu vim te buscar.

—Me buscar? Acaso temos alguma missão? 

—Não, minha amada... Nós temos que ir para outro lugar. Um lugar onde possamos usar todo o nosso poder. Um lugar onde podemos ser deuses!

—Eu... Não estou te entendendo, Zephy. Que lugar é esse?

—A Ilha da Rainha da Morte. Os demais Filhos do Vento estão me esperando lá. Ananda acabou de partir. Misty e Ellen sumiram, mas eles são fracos demais para meu propósito. Agora você, minha amada Dot... Você será minha rainha.

—Você está falando em deserção? Em trair Athena e unir-se aqueles malditos sanguinários de subcategoria?

—Os Cavaleiros Negros foram injustiçados. Rejeitados por Athena e por todos os outros deuses. Condenados a viver em uma ilha vulcânica onde nunca nascerá uma flor. Eu e você temos o poder suficiente para sermos os deuses deles. Eu, o senhor dos ventos e você, a dama da água e do gelo.

—CALE-SE! Eu nunca imaginei ouvir tamanho absurdo, Zephiros. Eu... Eu deveria te matar agora mesmo... Trancar-te para sempre em um caixão de gelo.

—Mas você não consegue, não é mesmo?

Misty, Crystal e eu estávamos embaixo da cama, observando tudo. A vimos erguer os punhos e elevar o cosmo. O frio tomou conta daquela cabana, mas ela hesitou:

—Eu não consigo... Infelizmente, eu amo você. E meu amor não me permite cumprir meu dever. Saia daqui... Eu vou alertar os guardas. Os alarmes irão soar... Uma hora ou outra você será pego.

—Eu também te amo, Dot... E te juro: o dia em que tiver meu exército e for amado como um deus, irei te buscar - ele baixou brevemente o olhar e falou - Não importa onde vocês estejam.

Partiu. De nada adiantaram os alarmes, ele conseguiu escapar. Fomos falar com o Grande Mestre, que concordou em esconder Dorothée em algum lugar. Ela foi enviada a Chantilly. Misty, e eu fazíamos visitas regulares a ela, enquanto Crystal ficou na França, a vigiando de perto, até que ela deu à luz a uma criança, uma menina. 

O resto da história você conhece"

 

Kammy estava petrificada. Tomou um gole de seu chá, inspirou e expirou algumas vezes... E então ficou de pé, gesto que assustou Camus:

—Você tá querendo me dizer que eu sou filha de um traidor, duas caras safado? De um cara que chegou ao nível mais baixo da Cavalaria de Athena? De um cara que vendeu a alma aos Cavaleiros Negros? E, a pior parte: Você tá me dizendo que eu, Aimée Belmount, filha de Dorothée de Flamingo, aos 5 anos de idade, em minha primeira manifestação cósmica, matei meu próprio pai?! Eu, sem saber de nada, matei um traidor? Um traidor que, de certa forma, me pôs no mundo? Didier, o que você colocou nesse chá?!

—Camomila, água e açúcar - respondeu, ainda espantado.

—Ah, então deve ser isso... EU DETESTO AÇÚCAR! Eu só posso estar baratinada. Louquinha de doce! Porque nada disso faz sentido.

—Naquele dia... Quando você eliminou Zephiros de Cervo Negro, seu cosmo chegou a níveis assombrosos. Chegou quase ao mesmo nível que aquele de agora há pouco.

—Como você...?

—Eu senti. Senti a alteração de seu cosmo. Senti o ódio te possuir.

—Agora sei porque você passou a me odiar desde que vim para o Santuário - ela virou de costas e ficou encarando uma das muitas prateleiras de livros, controlando as lágrimas que queriam sair - Sequer somos parentes... Obrigada por me contar a verdade

—De nada... Só que você está enganada em uma coisa - ele ficou de pé, observando-a - eu não te odeio.

—Então apenas despreza minha existência? - questionou, ainda sem se virar.

—Não. Sabe quem te deu o nome Aimée?

—Minha mãe?

—Não... Quando você nasceu, te peguei nos braços e disse "mon petit bien-aimé". Dorothée gostou da rima que fazia com o nome dela e decidiu te chamar de Aimée. Eu amo você desde o momento que minha Mestra disse que estava gestante. Eu contava os dias para receber a ordem do Grande Mestre de ir te visitar. Quis te dar o gosto da leitura tal como o padre Albert fez comigo quando era criança.

—ENTÃO PORQUE AGE COMIGO COMO SE FÔSSEMOS ESTRANHOS? - bradou, virando de frente para ele. As lágrimas saíram sem que percebesse.

—Justamente por te amar. Por amar tanto você, como se fosse minha própria irmã, eu tenho medo de falhar... De fraquejar... De te perder num campo de batalha - fechou os olhos, suspirou e prosseguiu - Ainda no navio, pedi a Thierry que cuidasse de você, que fosse o responsável pelo seu treinamento. Dei a desculpa que ele havia sido um "Filho do Vento",  saberia controlar a natureza dos seus poderes... Mas a verdade é que eu jamais seria seu mestre. Eu não conseguiria... Eu...

—Se um dia eu viesse a falhar, como Zephiros fez... Você faria o mesmo que minha mãe: me deixaria ir.

Ele apenas balançou a cabeça de forma positiva. Inspirou profundamente e falou:

—Agora que você entendeu tudo... Agora que você sabe sua verdadeira origem,  ou melhor, a nossa origem... Antes que você coloque essa máscara e volte a ser Kammy, a discípula de Misty de Lagarto... Antes que você volte a me chamar de Senhor Camus... Por favor, me abr-...

Ele não precisou terminar a frase. O abraço veio cheio de amor e sentimento. Um sentimento guardado há seis anos. Algumas lágrimas finas escorreram de ambos os lados, mas os dois "corações de pedra" não dariam o braço a torcer. 

Mon petit bien-aimé... Nunca se esqueça.

—Jamais me esquecerei! E você não esqueça que também sou filha de Dorothée. Mais dela que do tal Zephiros. Posso ter os poderes dele, mas não sou ele.

—Falando nisso... - soltou o abraço, mas ainda permaneceu com as mãos em seus ombros - Acho que é melhor batizar aquele golpe novo. 

—Excelente ideia... Aquela princesinha sem-teto mandou eu voltar para o Morro dos Ventos Uivantes e eu quase mandei ela para lá. O que acha de Wuthering Heights?*

—Um excelente livro, uma música maravilhosa, um filme mediano e um belo nome para um ataque secreto.

—Sua aprovação é importante para mim - o abraçou novamente e colocou a máscara. - Vou atrás do Mestre Misty agora, Senhor Camus.

—Isso... Continue se empenhando, que logo mais teremos uma nova amazona no Santuário. Uma amazona tão ou mais poderosa que Dorothée de Flamingo.

A loira fez um sinal de positivo com a mão e saiu da 11ª morada. No meio do caminho entre Sagitário e Capricórnio, cruzou com Sammyrah, que voltava para Peixes:

—O que diabos a plebe faz no Zodíaco de Ouro?

—Será que dá pra largar do meu pé? - A loira resmungou - Acho que você já atingiu sua cota de me encher o saco hoje.

—Sim… - Sammyrah riu, parando ao lado da loira - Agora que você sabe toda a verdade sobre seus pais, não tem mais graça te zoar. 

—Tá falando do quê, menina? - Kammy colocou a mão na cintura indignada - O sol tá corroendo seu último neurônio bom?

—Não... - A ruiva abafou uma risada - Eu sei algumas coisas de algumas pessoas, Kammy… coisas que, muitas vezes, nem elas sabem sobre si mesmas… - Ela cruzou os braços endireitando a postura - É um donzinho que tenho desde criança. 

—M-mas como assim? Nem treinar direito você treina, garota! 

—Bom, chega de perder tempo contigo - A ruiva saltou um degrau e se virou - Tenho um banho quente de espuma me esperando em Peixes. Boa sorte no riacho perto da sua cabaninha no bosque.

A francesa observou a ruiva acenar para ela e subir tranquilamente as escadas até a casa de peixes. Kammy não entendia o porquê das garotas implicarem gratuitamente com ela. Verdade seja dita, ela não ligava para os privilégios da ruiva, na verdade não faria a mínima questão de viver em Aquário:

—Bem, talvez apenas pelos livros e pela companhia do meu primo

Pensou, enquanto descia as escadas. O que ela realmente invejou por muito tempo foi o fato dela ter uma mãe que a acompanhava e cuidava dela  independente de onde ela estivesse. Ela sentia falta de Dorothée, principalmente da sua companhia: 

Como seria a minha vida se maman ainda estivesse aqui?— naqueles questionamentos, seguiu o seu caminho até sua cabana, imersa em mil e uma possibilidades. 


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Notas finais do capítulo

-Acho que ainda não citamos que a Dorothée de Flamingo, recebeu seu nome em homenagem a apresentadora francesa Dorothée, que era apresentadora do programa infantil que apresentou CDZ ao ocidente. Obrigada, franceses, por terem nos dado Cavaleiros como conhecemos (mas ainda não perdoo vocês por 1998, 2006 e por ter tirado a seleção feminina na copa de 2019! Nunca confiem em alguém de nome Henry!)

—As falas em negrito e itálico são para ilustrar Dorothée e Zephiros conversando em grego, sem que o pequeno Camus de 7 anos entendesse.

—Nosso querido Cavaleiro (LUA) de Crystal é um pouco mais velho que o Camus. Mais para frente vocês vão entender o contexto "mestre do meu mestre".

—Em contra partida, a Ananda é mais nova que o Zephiros, mas não vamos nos aprofundar nisso agora.

—Wuthering Heights, traduzido no Brasil como "Morro dos Ventos Uivantes" é o único romance da escritora britânica Emily Brontë; ou uma música da Kate Bush, que ganhou uma regravação do Angra (saudades, André Matos) e também é um filme de 1939 (existem outras versões em filme, mas o citado pelo Camus é esse, considerado a melhor adaptação).

Espero que gostem do capítulo



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