Gone escrita por NickLander


Capítulo 1
One Shot




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O dia seguinte amanheceu, quente, úmido e brilhante, de modo que parecia um mundo distante da chuva torrencial da noite anterior. Acordou como se não houvesse dormido tempo suficiente. Isso, o fez perceber lentamente, que tudo que aconteceu não havia simplesmente terminado, e sim apenas começado: aquela dor iria perdurar o resto de sua vida. Foi o que ele concluiu enquanto seus dedos infantis, apertavam com força o seu peito, como se o gesto físico pudesse tirar todo o torpor emocional infundido em seu peito.

Mas, entre um dia e outro, ele nem conseguia se lembrar de como a manhã de ontem tinha sido, só sabia que esta manhã estava tudo errado. Mamãe não o acordou para a escola; ele dormiu mal, teve pesadelos e a chuva dificultou-lhe ainda mais o sono, sentou-se na cama, esperando que o relógio batesse às sete horas, para que pudesse rastejar para fora dela novamente. Ela também não fazia café da manhã; um vizinho gentil trouxe uma refeição pronta para ele e seus irmãos. Seu pai ainda estava em estado de choque, resolvendo “coisas” sobre a morte de sua mãe. Ichigo refletira enquanto mordiscara a torrada, mas tinha um gosto horrível, concluiu ele sabendo o quanto seus pensamentos estavam tomados pela ingratidão. De qualquer forma, estava tudo errado.

Alguns vizinhos levaram Karin e Yuzu para a escola, ofereceram-se para acompanhá-lo também, mas ele insistiu que ficaria bem sozinho, ele esforçava-se para manter-se firme, mesmo quando seus olhares penalizados o alcançavam, sussurrando audivelmente, como se fosse surdo, sobre como difícil ele estava sendo, outros comentavam de sua apatia e frieza, como se houvesse uma norma para a dor.

Ele não estava sendo difícil. Ele ainda tinha algo para fazer; ele teve que voltar para o rio. Escorregando e descendo a encosta ainda enlameada, ele olhou para a água cinzenta seguindo o fluxo de seu caminho, o garotinho observara atentamente o movimento das águas tentando lembrar, onde o corpo de sua mãe teria ido. Perto da ponte, ele decidiu no final; suas lembranças de ontem tornaram-se confusas, de modo que ele não conseguia nem lembrar o que ele tinha feito depois de ter visto o sangue nas costas dela, muito menos onde eles estavam. Mas tudo bem; ele teria o dia todo para observar aquele lugar e quem sabe formular alguma resposta.

Então ele começou a andar. Ele seguiu o rio até onde podia andar antes de ficar tão cansado que teve de se sentar; então ele se virou e voltou para onde ele começou a tentar o outro lado. De novo e de novo, o dia todo passando por ele lenta e vagarosamente, até que tudo que ele podia ver era o rio e o banco e a grama marrom seca debaixo de seus pés enquanto andava de um lado para o outro, para frente e para trás. Como se cumprisse penitência.

Se ele andasse o suficiente, com força suficiente, esforçando-se até a última fibra de seus ossos, resistindo a exaustão, ele estava certo que a encontraria. E provaria que todos estavam errados: sua mãe não estava morta, não completamente. Ela estava voltando, ela tinha que voltar, ele sabia que ela estava voltando. Ela não iria apenas sair assim; ela os amava. Ela teve que voltar para vê-los novamente, sorrir para eles uma última vez, dizer adeus e dizer-lhe para cuidar de todos por ela.

Ela não podia deixá-los assim. Yuzu continuou chorando; Karin estava tentando parecer forte, mas seus olhos escuros e sem vida, não escondiam seu coração partido; até o seu papai chorou quando achou que ninguém estava olhando, enxugando as lágrimas rapidamente antes de puxar os três em seus braços para deixar as meninas gemerem em seu ombro. Então ele ficou quieto. Ela tinha que voltar, para que Ichigo pudesse encontrá-la e correr para casa para todos e arrastá-los até aqui e ... e deixá-los dizer adeus, pelo menos.

Mamãe teve que voltar ... Ichigo teve que dizer a ela que sentia muito.

Desculpe, desculpe, desculpe ... Ele só queria ajudar, ele não queria ser descuidado, então ela teve que salvá-lo e morrer e com isso deixá-los e... Tudo se tornar tão errado!

E sua garganta estava sufocada e queimando quando ele fechou os olhos, esfregando asperamente com a manga enlameada de sua camisa. Ele não podia chorar, não conseguia fechar os olhos assim, podia sentir falta dela quando sorrisse. Ele teve que continuar andando.

"Ichigo!"

No final, foi Tatsuki quem o encontrou, descendo para o rio enquanto sua mãe estava na margem, olhando para baixo preocupada. Ela estava diante dele, cautelosa e desajeitada enquanto olhava inexpressivamente para ela. 

"... Ichigo? Você está ... bem? É o pôr do sol, breve vai ser a hora do jantar. Você não tem que ir para casa? Seu pai deve estar preocupado, suas irmãs precisam de você, está me ouvindo Ichigo?"

Ele balançou fracamente a cabeça sem entender coisa alguma, depois humildemente deixou-a puxá-lo para a ponte, deixá-los levá-lo para seu pai, enquanto a Sra. Arisawa explicou que o encontraram no rio enquanto saíam para fazer compras; ele deve ter estado lá desde que a escola terminou. Tatsuki alternou entre olhar para o chão e olhar para ele e não disse nada sobre ele perder a escola.

Ele seguiu voltando lá por uma semana inteira; andando da manhã até o anoitecer até parecer que seus pés deviam ter se tornado deformado pelos calos e ferimentos resultado do atrito constante com o solo, ele ainda assim andava sobre ele com tanta frequência que decorara cada detalhe daquele solo íngreme e lamacento. Sete dias, com uma vaga lembrança das velhas histórias que ouvira sobre como os espíritos sempre voltavam sete dias após a morte, ele se obrigou a andar. 

Mas, então quando seu pai e suas irmãs, foram até eles, ele então ele se obrigou a parar. E, ele então se permitiu chorar todo o choro, represado em seu peito, constatando dolorosamente que era tarde demais. Ela realmente se foi. Ela não iria voltar.

Mas, sua família estava ali, e por isso ele iria permanecer, mesmo desejando com cada pedacinho de sua alma, ir juntamente com ela. Ainda assim ele iria continuar, protegendo-os do mesmo jeito que ela havia o protegido. Isso era o mínimo que ele poderia fazer para honrar sua memória.


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