Solta o som escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 11
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Amores, perdão. Esqueci que estamos em fusos diferentes, então aparentemente aí não é mais dia 15. :( Mas tá aqui o capítulo de hoje.



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— Ele não vai, ele vai pra Jukes.

— Jukes, aquela balada nova?

Caíque não tinha ideia de quem eram aquelas pessoas, mas escutou os comentários às suas costas no café da manhã. Então não era o único que iria à Jukes naquela noite. Se é que iria; ainda não havia decidido. Foi a ideia de encontrar gente nova – após aqueles cochichos e muitas listas mentais de prós e contras – que o fez voltar da última aula e separar a melhor roupa sobre o colchão. Contou as horas, uma por uma, até Philipe girar na cadeira da escrivaninha e resmungar depois da quinta vez que sua cama rangeu enquanto se movia fora de controle:

— O que tá acontecendo, hein?

Levou um instante para decidir o que exatamente deveria responder. Que estava ansioso para ir à balada? Era uma mentira. Que estava com muita vontade de conhecer gente nova? Também não era uma boa verdade. Que precisava fugir um pouco de si mesmo e que talvez encher a cara pudesse ajudar? Era algo mais próximo do que estava acontecendo. Suspirou em silêncio e fez o estrado de madeira gemer novamente ao se virar sobre o colchão, de frente para o amigo. Ele não deu tempo para começar a falar.

— Eu sei, tem pó de mico na sua cueca. Eu quero saber por quê.

Caíque se pegou rindo com a careta incomodada que Philipe fazia. Sabia que ele estava brincando; já estava acostumado com aquele humor de quem parecia estar sempre irritado, quando na verdade não estava. Foi esse mesmo riso que o fez amolecer o corpo agarrado no travesseiro e pensar um pouco mais antes de tentar se explicar. Quem sabe isso não fizesse com que ajeitasse as coisas do lado de dentro também, antes de externá-las?

— Você sabe. Remo.

Philipe demorou tanto tempo para reagir depois do comentário, que Caíque quase acreditou que ele não sabia de nada. A reação seguinte também não foi a que esperava.

— Oh — ele disse simplesmente, de um jeito que fez Caíque sorrir porque teve certeza de que era uma interjeição em inglês. Os gêmeos pareciam ter uma condição familiar bem diferente da sua; não financeira exatamente, porque seus próprios pais o haviam arrastado para uma ou outra viagem internacional quando era pequeno. A diferença era que havia perdido o dinheiro deles bem cedo na adolescência; o dinheiro, a companhia e, assim, algumas viagens, então nunca havia tido contato com a língua inglesa após realmente aprendê-la. Agora estava curioso sobre os Lipes, mas deixou para perguntar depois, nem que fosse para invejá-los um pouco e sonhar com o momento em que ele próprio estaria no Central Park antes de assistir a uma apresentação de Wicked em seu berço, a Broadway. — Você gosta dele, né?

Falhou em conter uma risadinha, que teimou em sair pelo nariz. O modo como Philipe falava sobre aquele tipo de coisa chegava a ser fofo de tão ingênuo, o que fez Caíque se sentar e cruzar as pernas sobre a cama. Era muito diferente do nível de confidência que costumava ter com as amigas no ensino médio – um pouco mais Nicole do que Melissa, por motivos que ficaram muito claros mais para frente em sua amizade –, mas era bom resgatar um pouco disso, ainda que de outra maneira. Sentia falta de conversar com alguém que não fosse vó Dirce, alguém que não tivesse a cabeça tão descomplicada quanto ela. Queria ter o direito de se enrolar naquele sentimento da forma que ele parecia exigir e, ao contrário do que ela havia sugerido, andar até Rômulo e perguntar se era tudo coisa de sua cabeça não fazia parte dos planos.

— É esquisito. Eu acho que não conheço ele, nem um pouco. O último cara que eu gostei assim — Caíque enxergou os olhos azuis de Michel enquanto olhava para o travesseiro que puxava para o colo, mas decidiu simplificar a história porque era vergonhosa demais para o momento —, eu sabia tudo sobre ele. — Não era hora de contar que ele não existia de verdade. — Agora aparece o Remo e, ao mesmo tempo em que eu acho que ele gosta de mim, Cauê diz que não. E ele fica beijando aquela menina por aí, Joana. E depois eu escuto dizerem que ele foi embora da festa porque eu fui pro quarto com o Ítalo.

— Você foi pro quarto com alguém?

— Não importa. — Caíque fez um gesto com a mão, junto com um suspiro. — Ele me chama pras festas, aí eu chego lá e ele mal fala comigo. Mas eu apareço perto dele e ele fica encostando em mim, e eu sinto essas coisas que nunca senti com ninguém. Um calor gelado, eu não sei explicar. Mas eu fico tendo vontade de... Não sei, de chorar, eu acho. Porque nunca parece ser nada do que eu tô pensando, porque ele não dá sinal nenhum, ele não corresponde. E eu queria conseguir ficar perto dele mesmo assim, mas eu não consigo.

Tomou fôlego enquanto sentia que os pensamentos estavam se confundindo outra vez. Quando ergueu os olhos para Philipe, viu que os dele estavam baixos também. O amigo brincava com os dedos, apoiados sobre as pernas juntas; os joelhos comprimidos um no outro. Caíque se perguntou que tipo de sentimento ele estava segurando tão firme neles, quase para que não fugisse.

— Eu decidi que vou numa balada nova que tem aqui perto hoje. Seu irmão, Cauê e todo mundo vão pra Augusta, então talvez eu consiga enxergar alguma coisa nova sem ser o Remo. Olhar pra mais alguém sem o filtro que ele é no meio do caminho.

— O que tem de errado com o Ítalo?

Caíque encolheu os ombros. Demorou mais do que gostaria para responder, porque tudo que conseguia elaborar era que Ítalo não era Rômulo. Desistiu de ensaiar quando imaginou que nunca conseguiria pensar em algo inteligente o bastante.

— Nada, eu acho. Só que eu tentei e não vai dar em lugar nenhum. Quer dizer, se fosse, eu ainda estaria conversando com ele depois do que aconteceu, mas eu sumi primeiro e ele sumiu também. Agora não acho que vai sobrar alguma coisa nessa distância.

Os olhos de Philipe piscavam com calma na direção dos seus. Quando achou que ele fosse dizer algo para ajudar, viu a cadeira girar de volta para o computador e acabou por esboçar um sorriso resignado enquanto ele concluía apenas:

— Parece muito complicado.

Caíque sabia que era, mas não se convencia de que ele achava muito isso. Tinha toda aquela curiosidade sobre o que havia transformado o amigo naquela pessoa escorregadia, e ela começava a reaparecer. Deixou de lado a questão que o fazia suar frio em ansiedade e se levantou da cama. Andou até a escrivaninha e se sentou sobre ela, de olho no menino que agora erguia a cabeça em sua direção.

— O que aconteceu pra você, Phil? — perguntou com cuidado, embora não tivesse a delicadeza de entender que o outro encarava esse tipo de assunto com uma carga muito mais pesada que ele. — Me deixa te ajudar se eu puder. Eu não sei o que fazer, mas se eu puder...

Philipe piscou algumas vezes e chegou a baixar os olhos. Caíque imaginou ter visto algumas lágrimas, mas, quando ele ergueu novamente o rosto para encará-lo, percebeu que estava somente projetando nele o seu próprio sentimento sobre o assunto. Philipe não estava chorando. Tinha uma barreira firme ao redor do coração, mas não parecia magoado como Caíque estava ao pensar que ele tinha sido machucado. Só não pensava que tinha sido machucado da maneira como ele mostrou em seguida, ao erguer o punho.

As cicatrizes eram vermelhas, do tipo que pareciam arranhões que ele havia feito na noite passada e logo desapareceriam. Haviam enganado bem nas últimas semanas, em que Caíque nem mesmo havia reparado nelas, mas não era porque eram pequenas que eram, bom, pequenas. As marcas que realmente haviam ficado não eram aquelas na pele branca.

De estômago enjoado, preferiu não insistir na pergunta. Não quis saber detalhes, tentou não cair aos prantos e roubar dele o direito de chorar por aquilo, embora quisesse tomar seu lugar agora que ele já não o fazia. Também não queria dizer algo que pudesse fazê-lo voltar a chorar. Para sua sorte, Philipe resumiu de ombros encolhidos:

— Eu sempre gostei dos idiotas. — Voltou para o computador em seguida. — Se não o cara que fica comigo porque não conseguiu o Felipe, o que já aconteceu uma dezena de vezes, o cara que me faz nunca mais querer ficar com alguém. E eu não quero.

Caíque pousou a mão sobre a cabeça dele e se inclinou para beijar seus fios loiros. De olhos úmidos, pegou as roupas e foi digerir aquilo sozinho no banho. Estava se trocando no banheiro compartilhado quando enviou uma mensagem para Danilo. “Se você machucar ele, eu parto a sua cara no meio. Bem no meio, e eu espero que você lembre disso todos os dias quando acordar.”

Não esperava que o colega respondesse, e foi exatamente assim que aconteceu. No entanto, a mensagem surtiu um efeito bem diferente. Uma hora depois, quando recolheu a carteira e o celular para sair, estava indo até a porta quando escutou uma batida leve. Os olhos de Danilo subiram do chão para os seus, passando por toda a sua roupa até encará-lo com um remorso que Caíque não se importou se deveria ser dele ou não. Era bom que o sentisse; quem sabe assim não fizesse qualquer besteira.

— Vão sair? — ele perguntou com hesitação na voz, depois foi buscar Philipe dentro do quarto com o olhar. — Eu trouxe umas coisas pra gente comer.

— Eu tô saindo — Caíque respondeu enquanto se virava para o quarto. Philipe ainda estava na escrivaninha, de onde nunca parecia sair. Era exaustivo só de ver a quantidade de livros empilhados ao lado do notebook. — Phil, você quer comer?

Ele já estava virado para a porta àquela altura. Demorou um instante para decidir, alternando os olhos entre os seus, Danilo e as sacolas que ele trazia. Caíque já estava pronto para enxotar o amigo de infância quando Philipe ergueu os ombros.

— Tá bom, pode ser.

E, por mais que houvesse tido suas diferenças com Danilo nos anos de escola, fechou a porta e seguiu até o portão do campus; os ombros leves por saber que era ele quem acompanharia Philipe pela noite.


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