Após vários segundos de choque sem conseguir esboçar qualquer reação, Diana por fim fechou os olhos e se permitiu aproveitar a deliciosa sensação que era ter aquela boca tão macia e inocente sobre a sua.

Por puro instinto, Emma tocou com suavidade os lábios de sua amiga com a língua, logo recebendo passagem para tornar o beijo mais intenso.

E naquele momento, embora o cérebro de ambas estivesse anestesiado e distante, centenas de milhares de emoções explodiam nos corações das duas garotas.

...Antes...

Depois de tirar uma foto com uma bela garota de cabelos coloridos vestida como Daring Do, Diana agradeceu e seguiu para seu alvo inicial dentro do evento Winter Geek Week: o stand da editora ELAS.

Porém, quando estava quase alcançando seu destino, reconheceu há alguns metros de distância uma cascata de cabelos azuis.

— Em? — O apelido carinhoso escapou de sua boca, onde um sorriso se formava com a agradável surpresa, já se aproximando. — Emma Sparkes?

E esta, por sua vez, reconheceu a voz suave e feminina antes mesmo de se virar, também sorrindo.

— Diana Diamond. — Cumprimentou em tom radiante. — Ou será que eu deveria dizer Shadow Spade? Caramba, essa fantasia tá simplesmente perfeita.

— Awn. Muito obrigada, querida. — Diana sorriu ainda mais enquanto fazia uma pose enigmática como a de sua detetive favorita da ficção.

— Não. Eu estou falando muito sério mesmo! — Emma reforçou, tirando um instante para observar os detalhes da roupa. — É impressionante, parece que pegaram a descrição exata da Shadow Spade nos livros e colocaram numa impressora 3D ou algo assim. Tá impecável. Onde você comprou essa obra de arte vulgo fantasia?

— Fui eu que fiz. — A garota de cabelo roxo sentiu o ego inflar dentro de si, porém logo o brilho confiante em seus olhos se apagou e uma fagulha de insegurança o substituiu. — Espero que Scarlet Olsen fique tão impressionada quanto você ficou. Estou louca pra conseguir um autógrafo dela. Se conseguir uma foto junto com a criadora da minha saga de livros preferida, acho que infarto de felicidade. Mas valeria a pena.

— Scarlet Olsen! Eu tava indo agorinha pra fila da ELAS pra pegar um autógrafo dela. — Em lembrou. — Vamos juntas?

— Claro. — Como no dia em que se conheceram, Diana a segurou pelo pulso e a puxou, praticamente a arrastando evento adentro.

Porém, mal chegaram a andar mais que dois metros e um garoto de cabelos em um tom bem escuro de cinza e olhos cor de carvão se aproximou sorrateiramente da garota de cabelos roxos e a agarrou pela cintura, sussurrando próximo ao seu ouvido. — E aí, gatinha?

— Sai, Kian. — Diana exigiu, tentando empurrá-lo.

— Quem é você? — Emma perguntou com o cenho franzido de leve.

— Não é óbvio? Namorado dela. — O tal Kian respondeu com um sorriso convencido.

— Já falei mil vezes que a gente não namora. — Diana decretou entredentes, tentando com mais afinco se livrar das mãos em sua cintura. — Te bloquear no insta, no face, no whatsapp e até mesmo no twitter não foi o bastante pra te fazer desencanar?

— Oh, amorzinho. Todo casal briga. — Kian murmurou com uma voz mansinha, roçando a barba rala no pescoço da garota, fazendo-a ficar desconfortável ao extremo.

— Diana Diamond. — Emma disse em tom bem sério, após pensar rápido. — Se você for mesmo namorada desse... Fulaninho, é melhor me dizer agora! Por que eu não quero e com certeza não vou ser A Outra de ninguém, tá me ouvindo? Não. Vou.

Por uma fração de segundo uma expressão confusa ameaçou estampar o rosto de Diana, porém ela logo entendeu a estratégia e tratou de entrar no teatrinho.

— Não, amor! Eu juro, só tenho olhos pra você. — Respondeu com um toque perfeito de desespero contido na voz.

No mesmo instante, Kian largou a garota e se afastou, dando alguns passos para trás e passando repetidamente as mãos no casaco de marca como se quisesse limpá-las.

— Você é sapata!? — Exclamou, indignado.

— O termo correto é lésbica, queridinho. — Diana sentenciou de cabeça erguida, indo ficar ao lado de Emma e unindo suas mãos.

— Que nojo. — Kian praticamente cuspiu as palavras. — Não acredito que encostei em uma aberração. Vou pra casa me lavar com agua sanitária.

— Vai tarde, meu anjo. — Diana retribuiu o tom de desprezo. — Aproveita e passa um pouco no cabelo pra ver se fica com uma cor decente. Assim você ganha ao menos o mínimo de estilo, já que além de feio, é uma pessoa escrota que ninguém suporta!

O garoto não se deu ao trabalho de responder, apenas bufou e se virou para sair daquele evento de nerd’s idiotas, os quais jamais se misturaria se não fosse para ver aquela vadia lésbica. Que desperdício de seu precioso tempo.

Assim que Kian saiu de seu campo de visão, Diana soltou o ar que nem ao menos havia percebido estar prendendo.

— Obrigada mesmo, querida. — Disse ela, aliviada. — Aquele... Argh! Aquele bruto não amassou meu sobretudo, amassou?

— Não precisa agradecer, sei que você faria o mesmo por mim. — Emma respondeu com um sorriso de canto enquanto a puxava para voltarem a andar. — E não, não se preocupe. Você ainda está absolutamente fabulosa. Mas agora sério, quem é aquele cara?

— O nome desse embuste é Kian Foster. — Diana revirou os olhos automaticamente ao pronunciar o nome. — Mas podiam chamá-lo de “discórdia” já que ele só causa problemas.

— Foster? Foster tipo...

— Penélope Foster, sim. É a mãe dele. — Confirmou sem esperá-la acabar a pergunta que já esperava ser feita. — Conheci o Kian em uma sessão de fotos de uma das coleções da minha mãe. A Penélope Foster é meio louca e bem... Excêntrica, mas tem ótimos olhos pra moda. Enfim... O filhinho embuste dela ficou me encarando por quatro fucking horas. É claro que eu não tenho certeza porque não estava olhando de volta pra saber, só que... Sabe quando você sente o olhar de alguém queimando na sua pele?

— Mais ou menos. — Emma corou, não tinha uma beleza como a de Diana para alguém encará-la assim, embora Fred Sanches tenha feito com que sentisse algo parecido. — Espera aí, a Penélope Foster só fotografa peixe grande, por assim dizer. A sua mãe é famosa?

— Digamos que... Bastante. — Diana riu, finalmente parando no fim da fila da editora ELAS. — Mas não comenta isso com ninguém, tá? Por favor. Quando eu conseguir fazer minha marca, quero que seja por mérito meu, não por herdar dela.

— Tudo bem. Do jeito que eu sou antissocial, nem teria com quem comentar mesmo. — Concordou com um sorriso divertido. — Mas... Só por curiosidade... Quem é a sua mãe?

— Eu não vou contar.

— Fala sério, amorzinho. Que tipo de namorada eu seria se não soubesse o nome da minha sogra? — Brincou fazendo a outra rir.

— Boba. — Murmurou percebendo apenas naquele momento que ainda estavam de mãos dadas, todavia não fez questão de separá-las. — Vamos combinar de ver algum filme na minha casa. Aí você descobre por si mesma e eu tenho uma desculpa pra te chamar pra ir lá.

Emma sentiu as bochechas esquentando outra vez enquanto sorria tímida. — Porque quer uma semi-estranha na sua casa?

— Querida, você me salvou daquele embuste do Kian Foster. Somos oficialmente amigas agora. — Diana respondeu como se fosse óbvio e tirou o celular de um dos bolsos internos do sobretudo. — Pega. Salva seu contato.

Enquanto digitava o número, Em pediu. — Continua contando. Como acabou chegando nesse ponto?

— Bom... A história é meio longa e super chata, então vou resumir. — Disse, fazendo uma pausa para rir quando pegou o celular de volta e viu o contato salvo como ♡ Momolada ♡. — Boba. Enfim... O Kian me stalkeou em tudo que é rede social pra poder fingir ter os mesmos gostos que eu, ficava aparecendo nos lugares que eu ia e puxando papo. No começo parecia um príncipe e a gente começou a ficar. Não durou muito, foram uns dois meses que, na verdade, deve dar uns oito dias porque só saíamos nos fins de semana. Mas foi tempo o bastante pra ele achar que era, sei lá, meu dono e querer controlar o que eu fazia e vestia. Aqui é Diana Diamond, querida, claro que eu cortava logo e ele ficava bravo. Até que eu decidi parar de vez de sair com ele e desde então esse estorvo não para de me perseguir pra me encher o saco me pedindo pra “voltar” sendo que a gente nem chegou a namorar. Vê se eu posso isso.

— Nossa, que chato. — Emma resmungou indignada. — E quanto tempo faz isso?

— Sei lá. Um ano e meio ou dois. — Respondeu depois de pensar alguns segundos. — É, mais ou menos isso.

— Como é que é!? — Exclamou de olhos arregalados. — Aquele idiota tá te enchendo o saco há pelo menos dezoito meses?

— Ele é um Foster, não é? Não deve tá acostumado a levar “não’s”. Se eu soubesse que era só apelar pra boa e velha lesbofobia, já tinha arrumado uma namoradinha há muito tempo. — Diana deu de ombros e riu. — Mas vamos parar de falar desse coiso ruim. Me conta sobre o seu encontro daquele dia com o tal carinha.

— Ah, foi legal. — Emma sorriu de canto, mas não estava exatamente empolgada para falar sobre o guitarrista de topete azul. — Ele me levou pro cinema e deixou eu escolher o filme, depois demos uma volta pela praça na frente do cinema, conversando e tomando sorvete. Foi diferente do que eu imaginei que seria. O Fred me escuta de verdade e temos mais assuntos em comum do que eu esperava.

— Ai, que fofo! — Diana bateu palmas duas vezes e manteve as mãos juntas por alguns segundos. — Só... Toma muito cuidado pra não acabar com um Senhor Discórdia Stalker no seu pé, como eu. Me conta, querida, ele beija bem?

— Ah... Eu não faço ideia. — Murmurou com um riso nervoso enquanto se sentia corar.

De repente era incapaz de continuar olhando para Diana, então desviou as íris lilás para a moça na frente delas na fila. Ela usava uma peruca azul escura, quase preta, com algumas sutis mechas roxas que descia passando pelas perfeitas asas negras até o meio das costas, não dava para ver todos os detalhes da roupa só observando-a por trás, mas ainda era possível saber que aquela fantasia era da Princesa Luna de Everfree, protagonista incompreendida do livro (e futuro filme) A Lua do Pesadelo.

Emma anotou mentalmente para pedir uma foto caso visse a garota desconhecido no evento outra vez depois de conseguir um autografo de Scarlet Olsen.

— Sério? Não rolou nem um beijinho? — Diana insistiu no assunto, surpresa de verdade.

— Talvez o Fred até quisesse me beijar, mas eu não dei uma abertura pra isso, então ele entendeu e me respeitou. — Respondeu Em, dando de ombros. — Não que precise ser no dia do meu casamento ou com um namorado sério, mas vai ser meu primeiro beijo. Quero que seja mais especial do que um simples primeiro encontro.

— Tá certíssima, querida. Vai no seu tempo. — Incentivou com um sorriso. — Eu perdi meu bv com onze anos só pela pressão de umas “amiguinhas” da escola. Mesmo depois de doze anos continua com o título de O Pior Beijo da minha vida. Fiquei um bom tempo achando beijar uma coisa superestimada até encontrar alguém que me fizesse sentir as tais das borboletas no estômago e todo o resto do clichê.

— Eu não sei se vou sentir isso com ele. — Replicou com sinceridade. — Ainda estamos nos conhecendo. Mas ele é, ou pelo menos parece ser, um cara bem legal. A fila andou. Olha só, você já é a próxima.

— Ai meu Deus! — Diana exclamou sussurrando, pois sabia que não conseguiria subir mais o tom e controlar a vontade de gritar. — Em, eu to bem mesmo? A roupa tá fabulosa ou só legal tipo “ai que bonitinha”?

— Você tá muito além do “incrível”, Diana Diamond. — Emma sorriu e fez carinho no dorso da mão da amiga com o polegar. — Respira fundo e só... Sorria. Esse vai ser um momento maravilhoso que vai virar uma ótima lembrança.

— Você tem razão, querida. — Diana inspirou profundamente, esperou um instante e soltou o ar, arrumou a postura e virou para frente.

Observar o sorriso e a irreverência com que Scarlet Olsen atendia a fã que vestia os trajes da Princesa Luna de Everfree acalmou mais seu coração e a fez relaxar um pouco, mas ainda assim estava com as mãos trêmulas quando pegou o livro onde pediria o autógrafo dentro de um dos bolsos internos do sobretudo.

— Uau. Quando saí de casa pra vir pra cá eu não sabia que daria um autógrafo para a própria Shadow Spade. Espero que tenha vindo pra isso, não pra me matar pelo final do volume 5. — A autora brincou assim que Diana se aproximou da mesa. — Sério, essa sua fantasia tá... Eu evito usar a palavra “perfeita”, mas acho que é a única pra descrever. Onde conseguiu ela?

— O-obrigada, se-senhorita Olsen. — Respondeu tão extasiada pelo elogio que nem tentou não gaguejar. — Na verdade, eu mesma que costurei. Não só tentando deixar parecido por fora, mas fiz todos os compartimentos internos descritos nos livros. O que não foi nada fácil de fazer e ainda manter o bom caimento da peça no corpo.

— Primeiro, me chama de Sky ou me sinto uma velha. — Scarlet replicou rindo. — E segundo, fala sério! Você conseguiu mesmo?

— Sim, é verdade. — Diana ganhou um pouco mais de confiança em si pelo tom de sua autora favorita e abriu o sobretudo. — Demorou muito tempo e tive que testar vários materiais, mas valeu a pena cada segundo de trabalho.

— Sem dúvidas. — Ela respondeu se inclinando sobre a mesa para ver melhor. — Posso tirar uma foto com você?

Diana comprimiu bem os lábios para não gritar de emoção e apenas balançou a cabeça com um pouco mais de energia que o necessário, fazendo Scarlet rir por se lembrar de quando começou a ficar famosa e acabou conhecendo algumas pessoas do meio artístico e literário.

Depois de tirar a tal foto, a autora voltou a sentar à mesa e, enquanto autografava tanto o livro que Diana levou quanto o volume seis que havia acabado de comprar. — Qual é o seu @ no Instagram pra eu te marcar quando for postar?

— Me marca no pessoal e no profissional. — A garota respondeu sorrindo embora não achasse que a foto realmente seria postada. — @DDiamond e @BoutiqueCarrosel.

— Eu sabia que você era familiar! — Sky ergueu seus olhos cinzas e encarou sua fã com um enorme sorriso. — Eu sigo esses dois perfis, adoro seu trabalho. Aguarde algumas semanas. Talvez eu entre em contato para tratar de assuntos que ainda não posso mencionar. Se é que a senhorita me entende.

Outra vez Diana apenas balançou a cabeça, então pegou seus livros e se afastou para que a fila pudesse voltar a andar.

Emma pegou seu autógrafo e também comprou o novo livro da coleção, então enlaçou seu braço no da amiga para voltarem a andar juntas pelo evento, porém só até se afastarem o bastante do stand da editora ELAS e então Diana estancou no lugar.

— Em. — Ela murmurou quase sem expressão.

— Sim?

— Aconteceu o que eu acho que aconteceu ou eu apaguei e alucinei por alguns minutos?

— Eu não ouvi o que ela te disse porque é um evento barulhento e eu tava atrás da fita vermelha, mas seja o que for, aconteceu mesmo. — Emma respondeu com um largo sorriso.

Diana finalmente deixou que toda sua felicidade e empolgação contida explodissem e começou a gritar e pular sem dar a mínima se estava no meio de centenas de pessoas que agora a olhavam como se ela fosse louca. Scarlet Olsen pediu para tirarem uma foto e se declarou uma fã do seu trabalho! Sentia-se como se tivesse zerado a vida e já poderia morrer feliz.

No geral Emma odiava chamar atenção e se estivesse com qualquer outra pessoa iria com certeza sair andando e fingindo que não a conhecia, mas com Diana tudo que ela conseguiu fazer foi sorrir observando a cena e achando uma gracinha toda aquela animação.