Lire olhava para o quadro de avisos enquanto suspirava pesadamente. Era a única que ainda não tinha entrado em nenhum clube. Se sentia no dever de entrar logo e começar a fazer alguma coisa de útil, odiava se sentir desocupada, mas a lista de opções era tão gigantesca e variada que sentia que sua cabeça poderia explodir a qualquer momento. Apoiou a testa no painel em sinal de derrota, se amaldiçoando por dentro por ser tão indecisa.

—Não consegue se decidir? - perguntou uma voz masculina, chegando atrás de Lire

A loira olhou para trás, encontrando um rapaz de cabelo alaranjado sorrindo para ela enquanto se aproximava devagar com as mãos no bolso. Ela deixou os ombros caírem ao lado de seu corpo e fez uma expressão simpática de “não aguento mais”.

—Por favor, me diga que você é o anjo que trará a minha solução - implorou, apontando para um monte de posters - Nem sei por onde começar

Ryan andou até seu lado e olhou concentrado para os cartazes de todos os grupos do Campus, com os braços cruzados.

—Deveria entrar em algum que tenha algo mais a ver com você - ele se virou o rosto para ela- Qual é o seu curso?

— Relações internacionais - respondeu, trocando o olhar de Ryan para os cartazes novamente, como se algo novo fosse realmente aparecer

—Bem... - Ryan começou a pensar, e de repente se lembrou de algo que tinha ouvido de Lass, e estalou os dedos - Já sei! Soube de uma fonte confiável que irão abrir um novo departamento no grêmio estudantil para estudantes de outros países, as inscrições provavelmente começarão na semana que vem. Parece ter tudo a ver com você

O sorriso de Lire se abriu e segurou o braço de Ryan em um reflexo de sua empolgação.

—Isso seria perfeito! - exclamou, apertando-o de leve e depois soltando - Caramba, eu nem sei o que dizer. Desculpe, esqueci de perguntar o seu nome

— Ryan - ele estendeu a mão, rindo com seus dentes brancos para Lire - E você seria a...?

— Lire - ela retribuiu o riso, apertando a mão do rapaz.

Nesse mesmo instante, Lass passava pelo corredor em direção ao grêmio, carregando algumas pastas na mão, e uma mochila comprida com seu equipamento do futebol sustentada no ombro. Não estava prestando o mínimo de atenção às pessoas ao seu redor, sua caminhada mantinha apenas o objetivo de chegar em sua sala, terminar a papelada, adiantar o que pudesse, e voltar mais cedo para o dormitório para fazer o que bem quisesse. A rotina de sempre. Porém, ao ouvir uma voz familiar, foi surpreendido por si mesmo ao começar a diminuir os passos. Quando virou o rosto em direção à voz, seu olhar caiu na loira risonha que inclinava a cabeça para trás enquanto ria de algo que Ryan tinha dito. Não conseguiu explicar seu próprio comportamento, era uma cena totalmente comum. Mas a ideia de que Lire e Ryan não combinavam pingou em sua cabeça como um paraquedas indesejado. Não que tivesse algo a ver com a vida dela, concluiu rapidamente.

Caindo na real, Lass simplesmente voltou a andar, saindo de cena, sem ninguém vê-lo, como se nada tivesse acontecido.

— Bem, Ryan, muito obrigada, você me poupou de uma dor de cabeça enorme - ela colocou a mão em seu próprio peito, com alívio

— Qualquer coisa, só chamar-  ele deu aceno hype com os dedos, dando uma piscadela - Até mais, Lire. A gente se vê por aí.

—Até mais, Ryan! - ela acenou, sorridente.

Enquanto isso, no outro lado do Campus, Sieg caminhava em direção ao dormitório, perdido em pensamentos. Essa história de Amy e Jin estava se desenrolando mais rápido que  imaginava.Tinha absoluta certeza de que a rosada e o ruivo acabariam ficando juntos de alguma maneira, não se lembrava de Jin se soltando daquele jeito em muito tempo. Mas, ao mesmo tempo, por alguma razão, também tinha a certeza de que um dos dois acabaria saindo machucado dessa novela, e por uma razão mais esquisita ainda, apostava que essa pessoa seria Jin.

Se espreguiçou sob a luz do luar e sentiu o vento gelado em seu rosto. Minutos de tranquilidade lhe eram raros nos últimos tempos, tinha esquecido totalmente o que as palavras paz e sossego significavam, principalmente depois que Elesis tinha entrado como gerente do time de futebol. Ela era implacável quando queria alguma coisa, podia entrar em uma selva de leões que, em minutos, todos estariam com a cabeça baixa em estado de choque total. Seus lábios se curvaram em um sorriso. Era exatamente o que tinha acontecido no time de futebol.

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Ao descobrirem que compartilhavam a mesma matéria durante alguns dias da semana, Amy e Sieg quase que pularam um no outro para fazerem os trabalhos juntos, já que tinham que colocar centenas de assuntos aleatórios sobre Jin em dia. Sieg falava mais que a boca, e Amy dava pilha tagarelando de volta. Como nenhum dos dois ficavam quietos durantes as aulas, a aproximação deles foi instantânea. Os dois gargalhavam e faziam piadas como se conhecessem há anos.

No meio da tarde, o alarme da faculdade simbolizou o término da aula naquele dia.

—Senhorita Amy - Sieg, que andava ao lado de Amy em direção à saída, girou o corpo e parou à sua frente, impedindo-a de continuar o caminho - Vou ser direto no assunto, um certo alguém me pediu para te levar em um lugar aí neste exato momento, e como não estou afim de pensar uma maneira de te enrolar, você poderia me seguir, por favor?

Amy ergueu os lábios e riu da maneira que Sieg fazia as coisas sem se importar, ele era relaxado demais.

— E quem seria? É algum admirador secreto? - perguntou como quem não queria nada, apesar de já imaginar a resposta

—Você vai descobrir isso na hora. Vem, garota rosa. - pegou o braço da rosada com delicadeza e começou a puxá-la sem esperar uma resposta.

Os dois foram caminhando em direção ao lado B do Campus, e à medida que se aproximavam, uma maravilhosa melodia ecoava pelos ares. Amy olhou para Sieg e ele sorriu, andando em silêncio até chegarem ao enorme espaço aberto, conhecido como o jardim Harmony, lugar onde a orquestra costumava tocar ao ar livre para o público de vez em quando. Uma multidão tomava conta dos arredores do palco, que parecia uma grande oca majestosa. Todos apreciavam a música sentados e espalhados pela grama, olhando o grupo tocar o “show de demonstração”, como explicava uma placa de apresentação no topo da oca.

Sem perceber, Amy foi parando de andar aos poucos até ficar de frente para o palco, totalmente hipnotizada pela apresentação daquele grupo. Apesar de estar longe devido à multidão, seu ouvido conseguia apreciar cada nota tocada da partitura. A perfeição daquela orquestra era tão inacreditável que sua mente foi parar em outra dimensão quando fechou os olhos, precisava sentir aquele momento. A sincronia dos instrumentos, a intensidade da dinâmica, a harmonia entre os integrantes. Meu Deus, aquilo era simplesmente... Maravilhoso.

Os instrumentos subiram, a tensão musical aflorou, os violinos trilharam um caminho rápido entre as cordas e os trompetes irromperam em um agudo que fez Amy se arrepiar toda. Sua alma foi sendo puxada aos poucos por toda aquela harmonia perfeita, e nem percebeu o que Sieg estava falando. Na verdade, estava tão enfeitiçada que nem tinha se dado conta que ele lhe dizia algo. Um pensamento raiou em sua mente ao ouvir os instrumentos diminuírem a intensidade. Eles não estavam sozinhos, caramba, é claro que alguém os estava regendo. O maestro estava fazendo um trabalho divino, estava tecendo o manto de elegância daquele grupo incomparável. Amy nunca tinha parado antes para admirar o maestro, mas dessa vez, para sua própria surpresa, seu encanto não estava apenas no cenário grupal, estava também em uma pessoa em especial. Ela abriu os olhos e seu olhar caiu sobre o maestro de cabelos vermelhos.

A música arrebatou a todos e, quando ela terminou, o público explodiu em palmas e assovios. Amy estava prestes a pegar o celular para gravar a próxima música quando, de repente, o grupo todo saiu do palco ao mesmo tempo, deixando Jin sozinho no meio do cenário. Todos se entreolharam e o burburinho começou a se alastrar, principalmente por vozes femininas. Jin girou o corpo e acenou para o público, mostrando que estava tudo bem. Foi nesse momento de apaziguar as outras garotas, que Jin encontrou Amy parada de pé no meio do campo e seus olhares se cruzaram, fazendo-o sorrir sinceramente para ela. Um sorriso confiante e amável.

Amy sentiu o estômago fisgar, o feitiço da música ainda percorria seu corpo, mas aquele sorriso. Meu Deus, aquele sorriso tinha lhe tirado o fôlego.

Jin andou calmamente até o piano, sentou-se, e um silêncio se fez no gramado. O lugar parecia ter entrado em modo suspenso, a expectativa pairava no ar à espera do próximo passo de Jin. Quando o primeiro acorde foi tocado, Amy fechou os olhos e seu coração acelerou. Sabia que música ele iria tocar.

Ele tinha se lembrado. A música que Jin tocava era aquela que Amy tinha se apresentado no dia em que apareceu no ensaio sem querer. Ele era tão bom, que tinha decorado exatamente a forma como ela havia tocado, as mesmas pausas e ritmos, a mesma paixão e performance. Então, ela se deu conta de algo. Jin sabia que ela iria aparecer para vê-lo reproduzir sua música, ele tinha preparado tudo propositalmente para que ela soubesse que ele ainda a queria, que tinha realmente prestado atenção nela. Amy abriu os olhos para encarar o ruivo tocando e não conseguiu segurar o sorriso, ele a tinha pegado direitinho.

— Quero saber quando vai parar de me ignorar - Sieg resmungou com os braços cruzados.

—Desculpa - Amy piscou os olhos despertando de sua hipnose momentânea e olhou para Sieg.Tinha esquecido totalmente de sua presença - Não percebi que estava falando comigo

— Eu percebi - ele revirou os olhos - Só estou falando que estou indo para o meu quarto - Sieg tirou um papel do bolso e entregou a Amy - Se precisar falar comigo, tem meu número. Te vejo depois, rosada.

Sieg deu um beijo na bochecha da rosada e saiu caminhando, despreocupado como sempre. Amy abriu o papel e percebeu que era um convite para a festa dos novatos, com uma pequena anotação de Sieg no canto, escrita:  “É proibido faltar”, o que a fez dar uma risadinha.

Logo que ela dobrou o papel, Jin tocou suas últimas notas no piano. O silêncio do seu final foi preenchido em segundos por uma salva de palmas e gritinhos maravilhados. Ele acenou para o pessoal, e andou elegantemente até o microfone, e seus olhos caíram diretamente em Amy. Ela prendeu a respiração.

—Vocês viram nesta tarde o que nossa orquestra é capaz de fazer. Farei cada um de vocês se apaixonarem por esse grupo - ele deu um sorriso arrebatador, e as garotas soltaram um “já estou apaixonada!”, o fazendo desviar os olhos e rir para a platéia, deixando Amy com o nariz torcido devido às fãs atiradas - E é por isso que, para aqueles que têm interesse em se juntar ao nosso grupo, ainda há tempo de fazer parte. Na festa dos novatos estaremos abrindo uma oportunidade única para vocês mostrarem seus talentos - Jin levou novamente o olhar para Amy, e dessa vez não desviou os olhos nem por um segundo - Estarei  esperando ansiosamente.

Nessa hora, a euforia irrompeu pela galera e todos entraram em estado de êxtase descomunal. Jin piscou o olho para a rosada e desceu despreocupado pela parte de trás do palco. O choque geral fez-se ouvir onde Amy estava. Segundo os comentários, eles nunca abriam novas oportunidades depois que o maestro dava a palavra final nas audições, era quase como uma tradição intocável. Mas cá estava Jin, o maestro famoso por ser um cara rigoroso com seu grupo, mudando o status quo e dando uma nova chance a quem quisesse tentar. Isso não era só inacreditável, era a oportunidade do ano.

Amy, de todas as pessoas concentradas ali, sabia o que ele queria. Ela tinha pedido um motivo para entrar em sua orquestra, e ele tinha dado. Estava quebrando uma tradição para que ela não desse apenas uma chance à orquestra, mas ao seu próprio coração. Parecia que ele conhecia o que realmente se passava em seu interior.

Amy olhou novamente para o folheto amassado em suas mãos. Festa dos novatos, é?

Guardou a folha no bolso e fitou aquele piano vazio em cima do palco. Iria seguir seu coração e, dessa vez, nada iria impedi-la.