A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 48
47: Assuntos postergados


Notas iniciais do capítulo

Hellou!
Obrigada a quem voltou por não ter desistido de mim, mas dessa vez o atraso foi por motivos de saúde, então... dessa vez tenho uma boa desculpa, certo?

Glossário:

Ichiren-bozu: Monge de contas.

Kanibozu: Sacerdote Caranguejo.

Kuro bozu: Monge negro.



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—Espera.

Yukari o deteve, antes que Gintsune se inclinasse, e ele recuou, soltando-a imediatamente.

—O que?

—Antes de q-qualquer coisa. — Yukari estava corando, mas esforçou-se ao máximo para manter o contato visual — Tem mais alguns termos que quero falar antes… certos… — engoliu em seco — limites.

O som do coração dela acelerando era quase ensurdecedor, e um dos ritmos mais maravilhosos que Gintsune já havia escutado.

—Sou todo ouvidos. — declarou sorrindo, sem sair de cima dela.

Yukari levou as mãos ao peito, talvez tentando acalmar seu coração — ou simplesmente abafar seus batimentos para mantê-los longe dos ouvidos da raposa — enquanto tentava se recompor para falar:

—Eu não dou permissão para você tentar t-tirar minhas roupas!

Ela corava de um jeito muito adorável naquele momento, e Gintsune ficou pensando sobre qual seria a reação que ela teria se mordesse sua orelha agora, mas precisava esperar que ela terminasse de falar, então se afastou um pouco mais, erguendo-se e ajoelhando-se na cama, ainda com uma perna de cada lado de Yukari, afastando também suas mãos dela, e apoiando-as sobre as próprias coxas.

—E algo mais? — Sorriu.

Yukari respirou fundo, mas seu olhar era bastante firme:

—Também não quero que coloque as mãos debaixo das minhas roupas.

—Você é bem restrita, não é querida? — ele voltou a inclinar-se para frente, apoiando-se com uma mão ao lado da cabeça dela, e a outra mão segurando-lhe o queixo — Mas ainda vou poder beijá-la, certo?

Yukari engoliu em seco, mordeu o lábio inferior e então… acenou afirmativamente com a cabeça.

—Perfeito. — afastando a mão do queixo dela, ele pegou uma de suas mãos e levou-a ao próprio peito, espalmando-a ali — Em troca você pode me tocar onde e quando quiser, seja por cima das roupas… ou não.

Yukari se sobressaltou e o vermelho das bochechas se espalhou para o resto de seu rosto e desceu pelo pescoço, mas não pareceu inclinada a se afastar, deixando Gintsune deliciado. Era todo o incentivo que precisava, ele voltou a se aproximar dela… e parou a centímetros de sua boca.

—Também tenho um pedido a fazer. — murmurou com os lábios quase juntos aos seus. A respiração de Yukari estava quase suspensa a essa altura, mas ela ainda pôde franzir o cenho para ele, o que quase fez Gintsune rir, ele aproximou-se de sua orelha esquerda e sussurrou: — Você pode soltar as tranças para mim?

Ele voltou a afastar-se sorrindo, sentando-se sobre os próprios joelhos para poder apreciar a expressão dela.

—Quer que eu solte meus cabelos? — ela repetiu apoiando-se sobre os cotovelos e olhando-o como se estivesse duvidando que tivesse ouvido corretamente ou, o que era mais provável, desconfiando que ele estava aprontando alguma coisa — É só isso mesmo?

—Poderia suplicar enquanto beijo seus pés, apenas por essa visão. — ele jurou passando a língua sobre os lábios.

—Hum… — Yukari desviou o olhar, afastando-se um pouco dele para sentar-se — Tudo bem.

Lentamente ela puxou os elásticos das pontas das tranças, ainda o olhando desconfiadamente pelo canto dos olhos a cada mínimo movimento, como se esperasse que ele planejasse fazer mais alguma coisa, no entanto Gintsune não se moveu nem um centímetro sequer enquanto as tranças se desatavam, deixando as madeixas caírem até a altura dos seios e abaixo das omoplatas… e seu sorriso foi sumindo.

Muito quieto, Gintsune afastou-se um pouco mais, se sentado e cobrindo a mão com a boca, e ela com certeza devia estar vendo errado, porque não era possível que Gintsune estivesse corando, por mais sutil ou por qualquer razão possível.

Ele continuou observando-a até Yukari começar a se sentir constrangida e desviar o olhar, colocando uma mecha atrás da orelha.

—Você não vai dizer nada? — murmurou e, tentando sorrir, acrescentou: — Sou ainda mais sem graça do que você imaginava cert…?

De repente Gintsune atirou-se sobre ela, deitando-se na cama com a cabeça em seu colo e os braços em torno da cintura dela.

—Ah… você é tão perfeita, e… minha! Acho que realmente nunca a deixarei ir!

E antes que Yukari pudesse dizer alguma coisa, ele ergueu-se, apoiando-se em um braço enquanto passava a mão por detrás da nuca dela e avançando até beijá-la.

Yukari havia lhe imposto limites e Gintsune os cumpriria… mesmo porque, ela nunca havia dito nada sobre ele tirar as próprias roupas, e tudo o que precisava fazer era convencê-la a tirar as próprias roupas também.

Ele começou por beijar suas pálpebras, fazendo-a fechar os olhos, depois lhe beijou a ponta do nariz, o canto da boca e, quando Gintsune mordeu a ponta de sua orelha, Yukari estremeceu e agarrou-lhe os ombros instintivamente, mas suspirou relaxando quando ele finalmente alcançou sua boca de maneira calma apoiando uma mão na lateral de seu quadril enquanto a outra sutilmente passava por detrás de sua cabeça e entrelaçando os dedos entre seus cabelos.

Yukari afastou-se momentaneamente, e então ela mesma beijou-lhe cuidadosamente os cantos de sua boca, como se, de certa forma tentasse decorar os contornos de sua boca enquanto o estudava de um jeito até inocente que o cativava, então, tanto quanto pôde, Gintsune se conteve, queria ver até onde Yukari iria por si mesma, deixou que ela definisse o ritmo.

Mas talvez tenha sido ele quem usou a língua primeiro.

E quando uma das mãos dela deslizou de seu ombro para o tórax, ele não viu problema em agarrar-lhe uma coxa e puxá-la para ainda mais perto… estava tocando-a por cima das roupas, então tudo bem.

—Espere… espere um pouco… — ela murmurou ofegante, quando a boca de Gintsune desceu para seu pescoço. — Eu disse… sem…! Sem marcas…!

—Não se preocupe querida. — ele riu um pouco ainda beijando-lhe o pescoço — Eu sei bem como ocultar meus rastros.

—Libertino.

Ouviu-a resmungar antes de voltar a beijá-la, empurrando-a vagarosamente para trás, até que estivesse deitada.

Foi quando ele parou.

Deitada ali com a respiração ofegante, as faces coradas e os cabelos escuros, soltos e espalhados pelo travesseiro… era como se Gintsune pudesse admirá-la para sempre.

—Pare. — o pedido de Yukari o sobressaltou, e Gintsune enrijeceu arregalando os olhos quando ela cobriu os olhos com o antebraço e virou o rosto de lado. Merda. Ele tinha feito best…? — Pare de me olhar assim, eu fico constrangida.

Ah, então era só isso? Gintsune suspirou aliviado. Tão linda.

—Mas como posso não olhá-la se, nesse momento, você é o que mais me cativa no mundo? — ainda segurando-lhe a coxa, ele a fez dobrar a perna de forma que fosse enlaçado por ela… se sua saia subiu um pouco com o movimento, não era culpa dele, ele com certeza não estava tirando as roupas dela. — E, além disso, estou muito feliz. — com a mão livre, Gintsune pegou-lhe delicadamente o pulso, descobrindo-lhe o rosto, e levou-o até os lábios — Você está usando meu presente.

Depois de beijar-lhe o pulso, ele beijou-lhe também cada um dos dedos, como se quisesse apreciar cada centímetro dela.

—Você se esforçou muito de forma honesta por isso. — Yukari respondeu soltando a mão de seu agarre e apoiando-a novamente em seu ombro — Eu valorizo isso.

—Ah… — Gintsune cobriu o rosto com uma das mãos, como se não pudesse mais se conter — Eu acho que quero valorizá-la pelo resto da minha vida…! Como pode ser tão irresistível?!

Ele voltou a inclinar-se sobre ela, sentindo-a arquear as costas quando a puxou pela cintura e beijando-a agora de forma mais urgente do que antes, Yukari agarrou-se a ele, abraçando-o e pressionando a parte de trás de seu pescoço, o puxando para ela, até que Gintsune voltasse a traçar beijos pela linha de sua mandíbula e descer o pescoço, onde a mordeu.

—Ah! — a garota sobressaltou-se, socando-lhe o ombro com irritação — Por que continua fazendo isso?!

—Talvez porque eu não consiga me conter? — ele respondeu com voz rouca, ainda ocupado com o pescoço dela

Yukari tocou-lhe o topo da cabeça.

—Suas orelhas estão de fora, sabia disso? — perguntou ofegante — E a cauda também.

—Estão? — ele afastou-se, apoiando-se sobre os cotovelos, piscando. De repente Yukari cobriu a boca fazendo um som estranho, não era um som de satisfação como os anteriores, era… Gintsune arregalou os olhos. — Você está rindo! — acusou-a — Como pode rir uma hora dessas?!

Ela nunca ria, mas resolvia começar agora?!

—Desculpe, é só que… — movendo-se sob ele, ela virou de lado encolhendo-se ainda com as mãos na boca, e quanto mais parecia tentar conter-se, mas acabava rindo — É tão estranho, já perdi a conta de quantas vezes as vi, mas de repente você pareceu-me tão fofo…! E isso é absurdo, porque eu sei exatamente o tipo de cretino que é!

Aos poucos ela foi se acalmando e se silenciando… mas sua risada era tão rara e maravilhosa! Gintsune gostaria de poder memorizar a risada dela e ouvi-la para sempre!

—Fofo! — animou-se fazendo sua cauda agitar-se — Você disse que eu sou fofo! — deitou-se junto a ela, abraçando-a por trás na altura da cintura e mergulhando o rosto entre seus cabelos, sentindo o perfume de seu xampu — Já é um adjetivo a mais do que você tinha me dado antes: Agora tenho um lindo rosto e sou fofo também! E você não pode mais retirar o que disse!

Sua cauda envolveu uma das pernas dela, mas Yukari não o respondeu e só levou alguns segundos para Gintsune ouvir seu ressoar e perceber que ela tinha adormecido.

Ele aspirou o cheiro de seu xampu por mais alguns segundos, afastou-lhe os cabelos para o lado e beijou-lhe a nuca, antes de sentar-se, gostaria de ficar ali com ela pelo resto da noite, mas havia prometido à sua linda irmã que levaria mais comida para ela e o poço sem fundo no estômago do fedelho.

*.*.*.*

A segunda perola já havia se tornado quase completamente negra.

Tamaki rosnou.

—Eu quero meus filhotes de volta Tamaki, você precisa trazê-los de volta para mim… Então me traga os ingredientes, por favor…! Traga-os…! — ela agarrara suas mãos, como se precisasse disso para sobreviver… antes de afastá-lo abruptamente — Mas somente quando a última perola escurecer você poderá voltar ao meu lado, e não antes, a menos… que reúna todos os ingredientes.

Ele não podia esperar até todas aquelas miseráveis pérolas escurecerem por completo para poder vê-la novamente, então Tamaki iria revirar esse mundo do avesso e varrer todas as cinzas para encontrar pelo que sua amada ansiava o quanto antes.

Mil anos de orações proscritas.

Era o que ela havia lhe pedido ao lhe entregar as sete pérolas brancas.

E o único lugar onde se podiam encontrar orações… era em um templo.

Furin sempre ficou muito preocupada e foi contra Tamaki atacar religiosos, mesmo se ele apenas o fizesse para proteger sua família — ninguém jamais voltaria a tocar seu sangue —, mas em um mundo como aquele, um templo religioso talvez fosse à última coisa que se esperava encontrar… porém se Furin lhe dizia que encontrasse um templo, então ele o encontraria.

O templo ficava em um rochedo marinho bastante distante da costa e isolado.

Diferente das yuki-onnas, a maioria dos monges ali não tentou lutar: eles gritaram e correram quando a primeira explosão aconteceu.

—Rezem aos céus, se acham que alguém os escutará. — avisou-os saindo de entre os escombros e a fumaça. — Mas não vão.

O primeiro deles era uma criatura asquerosa que fedia a peixe podre, muito apropriado para quem vivia em meio ao mar, sua pele era negra e viscosa, as roupas também escuras, imundas e em farrapos, um kuro bozu, ele gritou ao ver o monstro e fugiu, mas Tamaki o deixou ir, não era o tipo que procurava.

A segunda criatura o atacou por trás.

Uma imensa garra malhada de cinza e vermelho quase se fechou em torno de sua garganta, mas a estúpida criatura explodiu em chamas azuis arroxeadas e afastou-se, atirando-se no chão gritando de agonia.

—Não quero você também. — avisou ao kanibozu, pisando em sua garganta e extinguindo as chamas — Mas talvez você possa dar a resposta ao meu enigma: Onde, nesse mundo sem deuses, posso encontrar cem anos de orações proscritas? — sorriu cruelmente abaixando-se e segurando-o pelo braço, quebrando a dura carapaça apenas com a pressão de suas garras — E lhe recomendo que responda corretamente, pois estou nessa caçada há quase três dias agora e estou faminto.

Mas ao invés de seguir a sensatez, a estúpida criatura tentou reagir e atacá-lo novamente.

Pois bem, Tamaki não havia mentido quando afirmou estar faminto.

Porém ele não estava ali à procura de seres repugnantes conhecidos por usar sua falsa aparência religiosa para atacar e enganar humanos desavisados, ele queria mais, queria aqueles que durante décadas foram usados como utensílios para comunicar-se com os deuses até serem descartados e esquecidos… e mesmo assim, mesmo abandonados e proscritos, ainda mantinham sua fé no poder divino.

E ali estava, a mais miserável das criaturas, escondido no santuário, rezando para Buda ou qualquer divindade, esperando que assim fosse salvo, mas era tudo em vão, pois nada poderia se interpuser entre a besta coberta de sangue e fuligem que invadia a sala, e seu desejo insaciável para acalentar o coração de sua amada esposa.

—Seus deuses já o responderam, Ichiren-Bozu? — rosnou agarrando o tsukumogami pelas vestes e o arrastando para longe do santuário.

Como os outros antes dele, o tsukumogami debateu-se e tentou escapar, mas diferente deles não parecia inclinado a qualquer tentativa de ataque.

—Repensem os seus atos filho, ainda não é tarde demais para arrepender-se! — ele clamou.

—Não tenho arrependimento algum. — respondeu sucinto.

—Oh piedade! — lamentou-se ao passarem pelos restos de crosta e sangue de seu companheiro devorado.

Mas seu destino seria muito diferente desse, no entanto, Furin havia lhe exigido 1.000 anos de orações proscritas, e isso atava um pouco as mãos de Tamaki, pois o corpo não deveria ser danificado, então estripar e desmembrar estavam fora de questão e ele não era um usuário de venenos… foi quando avistou sua solução: a fonte de água para lavar as mãos.

—Desconheço a piedade. — retrucou forçando-o sobre os joelhos, diante da fonte — Não será rápido e nem indolor.

Ele lutou, claro que lutou, segurou-se à borda da fonte e tentou a todo custo manter-se longe da água, todos sempre lutavam.

—Por que está fazendo isso? — chorou o idoso tremulo — Não lhe causamos mal algum, nós somos pacíficos!

—Eu o faço por amor. — respondeu impassível. — Minha senhora está devastada, e se isso é o que preciso para acalentá-la…

—Esse não é o caminho! — o Ichiren-Bozu suplicou — Você ainda pode encontrar a redenção filho, arrependa-se e seu caminho se iluminará e você ainda poderá ser salvo…!

Tamaki empurrou a cabeça dele para a água.

—Tolo, não existe redenção para seres como nós e não há luz para mim, com exceção dela.

Ainda enquanto o monge inumano se debatia, a água começou a ferver.

Foi quando um grande vazio se formou na mente da raposa prateada, um silêncio que parecia quase ensurdecedor comparado ao caos de chamas, morte e explosões que o cercava, não… não exatamente silêncio, Tamaki conseguia sim ouvir alguma coisa, era o som do assovio do vento, e dos galhos de uma árvore cedendo sob o peso da neve e deixando um monte cair no chão.

Em sua mente agora havia a nítida imagem de um lugar calmo, repleto de neve e o que parecia ser sepulturas, tão vívida que ele soube que se fechasse os olhos, seria como estar lá pessoalmente.

Era a máscara o chamando.

Mas Furin já não portava mais a máscara — Tamaki estava sozinho, pela primeira vez em séculos — então havia somente outra opção para a ligação…

—Ola pai. — ouviu a filha falar-lhe tão claramente como se estivesse justo ao seu lado.

Um ambiente invernal era muito apropriado para sua primogênita de coração gélido, é claro.

No entanto, a criatura debaixo de sua mão ainda se debatia e contorcia na água fervente, então não podia se dar ao luxo de tal devaneio, de forma que se limitou a responder em voz alta, ainda bem atento à sua tarefa:

—Sua mãe está preocupada e desolada, onde estão seus irmãos?

—Por perto. — respondeu sucinta.

E estavam mesmo, pois agora que Tamaki prestava atenção, ele podia ouvir os garotos à distância também, pareciam estar em alguma briga — com chutes e socos talvez — enquanto discutiam… algo sobre uma palavra estranha e desconhecida… mash… mash… melões?

—Então os chame.

Em sua mente, sua filha olhava-o diretamente nos olhos ao responder impassível:

—Não quero.

Seus filhotes sempre foram impertinentes, todos eles, de certa forma isso agradava Tamaki, eles eram corajosos e livres… mas não hoje.

Ao menos Furin ficaria mais tranquila ao saber que seus três filhotes estavam reunidos e que Anko estava saudável e cheio de energia.

—Já contataram sua mãe?

—Não foi possível.

Tamaki quase esmagou o crânio do monge sob sua mão, ele rosnou, contendo sua força.

—Furin está completamente arrasada, como podem negligenciar o amor de sua querida mãe? — a filha resignou-se e não respondeu — Sua mãe está devastada. — repetiu — Contate sua mãe o quanto antes e a tranquilizem, porque se eu a reencontrar e descobrir que minha amada permanece em escuridão, e vou esfolar aos três e usar suas peles para aquecê-la, acalentá-la e secar as lágrimas dela. — fez uma pausa, dentro de sua cabeça, os frios olhos dourados de sua primogênita sequer vacilaram, Tamaki deu seu ultimato: — É melhor voltarem para casa agora, antes que eu mesmo vá buscá-los, garanto que será pior se eu for… avise seus irmãos disso também.

—Como voltamos?

—Mokujin tem as respostas.

Ele provavelmente tinha as respostas, porque Tamaki certamente não as tinha, já que os sortilégios de sua esposa nunca foram um assunto dele.

—Então nos considere avisados. — respondeu impassível.

A ligação se encerrou aí.

Debaixo de sua mão, o sacerdote havia parado de se mover, e seu corpo começou lentamente a desfazer-se em poeira e afundar na água, até que a raposa estivesse segurando somente um rosário de contas escuras.

Tamaki o sacudiu e enrolou-o em volta do punho.

Ali estavam 100 anos de orações proscritas, faltavam 900.

*.*.*.*

O trabalho de sua mãe sempre foi primoroso, mas Momiji provavelmente nunca deixaria de se surpreender com ele, pois apenas uma rápida ligação com uma pequena máscara de madeira fora capaz de imprimir uma presença tão forte que Momiji quase acreditou estar diante de seu próprio pai e não um mero fantoche de madeira, e mesmo depois, quando a ligação se encerrou e o shikigami se desmantelou no chão, quase jurou ainda poder sentir o cheiro de morte que o pai sempre trazia impregnado consigo.

Mas aquilo que realmente reverberou no coração e mente de Momiji foram suas últimas palavras:

Mokujin tem as respostas.

Momiji tamborilou brevemente com os dedos sobre a coxa, havia uma forma de ir embora, de abandonar aquele mundo indigno e afastar seu auspicioso príncipe daquela reles mulher.

E quanto antes eles partissem melhor.

—Mok…

—Você esteve com aquela mulher tediosa, não negue! — o bebê reclamou não longe dali, investindo com uma cabeçada no esterno de seu precioso príncipe e o derrubando de costas no chão — Está impregnado com o cheiro dela! Cadê meus marshmallows?!

—Mas do que você está falando, fedelho?! — To-chan, com sua forma infantil e adorável, o acertou com o joelho no estômago e jogou-o para longe em arco sobre sua cabeça — Que história de marshmallows é essa?! E pare de se referir a Yukari assim, você vai ficar bem longe dela também!

As duas crianças se engalfinharam e rolaram na neve por entre as lápides, trocando socos, chutes e pontapés, seu querido To-chan era mesmo alguém bastante atencioso: ele poderia facilmente nocautear o bebê, mas ao invés disso colocava-se no nível dele.

—Eu quero meus marshmallows, entendeu?! — o mais novo mordeu a perna do mais velho.

To-chan deu um grito curto, mesclado com ganido e o chutou, duas ou três vezes, mas o menor continuou com as presas firmemente fincadas na perna do irmão, até Momiji suspirar e decidir que já era hora de intervir:

—Chega. — proferiu suavemente ao mesmo tempo em que uma tímida centelha branca se ergueu do chão entre eles, obviamente não tinha intenção de machucá-los, apenas separá-los — To-chan, não seja intransigente com o bebê.

O advertiu pegando-o no colo

—Ele não é novo demais para engolir os dentes…!

To-chan tentou saltar do colo dela, mas Momiji o segurou no lugar.

—E bebê, de que marshmallows estava falando… o que são marshmallows? — porque era melhor para todos que estivessem brigando por algum jogo, brinquedo ou guloseima do que por algo envolvendo aquela mulher ordinária, ou então… que os deuses ajudassem aquela mulherzinha vulgar se ela fosse a causa de conflitos entre seus amáveis irmãozinhos.

—São coisas fofas, brancas e muito doces! — o filhotinho respondeu sentado no chão — E aquela mulher prometeu dá-los a mim se eu ajudasse com o aniversário!

—Yukari fez um trato com a praga de uma criatura sobrenatural?! — To-chan exclamou abismado — Essa mulher ficou louca?!

—Com certeza ela está. — Momiji comentou em tom baixo, semicerrando os olhos — Como ousa enganar uma adorável criancinha assim?

—Ela não mentiu! — Anko colocou-se de pé com um salto — Ninguém me faz de otário!

Ele virou-se pronto para sair correndo atrás daquela estúpida mulher que achava que podia passar a perna nele! Mesmo que na verdade não houvesse como sair do cemitério sem a permissão de um dos irmãos, mas foi detido quando a irmã repentinamente pisou em sua cauda e o fez cair de cara no chão de novo.

—Não tão rápido Zu-chan. — sua irmã o deteve em tom gentil, ela só podia mesmo ser uma sádica! — Já está quase amanhecendo, você precisa dormir.

Anko virou-se, apoiado sobre os cotovelos.

—Eu não sou um bebê, então pare de me tratar como se fosse! — protestou — Na verdade nem bebês dormem a essa hora!

—Mas dormem alguma hora. — ela retrucou com altivez — E os criados me contaram que você não fecha os olhos desde antes de vir para esse mundo.

Malditos linguarudos! Anko iria dar um nó neles com as próprias línguas!

Anko levantou-se batendo o pé.

—Eu estou ót…!

De repente Gintsune pulou dos braços da irmã e caiu sobre o irmão mais novo, montando em sua barriga e usando as pernas para prender-lhe os braços junto ao corpo enquanto usava as mãos para empurrar seus ombros contra o chão coberto de neve.

—Neném quer nanar? — provocou.

—Não me subestime seu otário! — Anko lutou em vão para levantar-se, rosnando e chutando o ar repetidas vezes.

Mas só conseguiu divertir ainda mais Gintsune, a raposa prateada inclinou-se com um sorriso irritante até seus narizes quase se tocarem.

—Pronto, pronto, bebês sempre ficam irritadiços quando estão sem dormir, não é? — zombou — Mas já, já, você vai ficar bem calminho, quer ver?

—Vai à merd…!

Gintsune tampou sua boca e nariz com uma das mãos, e não levou mais do que sete segundos com o filhote aspirando ao gás, antes que ele parasse de se debater e fechasse os olhos.

—É mesmo um fedelho cheirando a leite!

Gintsune levantou-se limpando as mãos e retomando o tamanho adulto, enquanto Anko encolhia-se de lado, dobrando os joelhos junto da barriga e se embrulhando com a própria cauda, conforme diminuía e retornava à sua forma animal.

—É difícil descansar quando se está em um estado de total alerta em um lugar desconhecido e hostil. — Momiji comentou, gentilmente recolhendo o irmãozinho do chão.

—Não caia nessa, irmã! — Gintsune girou os olhos, sentando-se sobre uma lápide ali perto — Esse fedelho veio até aqui fugindo de nossa mãe, ele só se recusa a dormir porque ainda está fugindo…! Irmã? — piscou quando Momiji passou por ele, ainda carregando o irmãozinho nos braços — Onde está indo?

Momiji parou, olhou-o por cima do ombro e sorriu-lhe afetuosamente.

—Por que está me perguntando isso, To-chan? — e então o sorriso desapareceu-lhe do rosto e seu tom tornou-se muito mais mortífero ao completar: — É óbvio que estou indo buscar com aquela reles garota o que ela prometeu ao nosso doce bebê.

Gintsune arregalou os olhos e, na pressa de se levantar, chegou a tropeçar em seus próprios pés e cair de cara na neve.

—E-espera irmã! — chamou-a tão agitado, que inclusive retornou à forma animal quando se pôs a correr atrás dela — Deixe que eu vá! Eu mesmo busco os marshmallows desse fedelho! Irmã!

Mas Momiji não parecia disposta a cessar sua marcha por nada nesse mundo.

Pois quando uma tormenta de tais proporções se aproximava, só restava correr e buscar abrigo.

—Olha só esse céu! — Ichinose Sakura admirou-se se colocando de repente ao lado de Yukari enquanto caminhavam.

—Bom dia Sakura-chan. — Yukari inclinou a cabeça brevemente — Achei que vinha de bicicleta para a escola.

—Meu tio teve uma pequena conversa com minha mãe, parece que ele se preocupou comigo pedalando pelas ruas cobertas de gelo, e de repente eu estava a pé até a primavera… francamente, nem está tão frio assim. — Sakura-chan girou os olhos — Mas olhe para essas nuvens: Parece até que o mundo vai desabar!

Yukari ajeitou o cachecol em volta do pescoço, o clima era a última coisa em sua mente agora, quando acordou pela manhã havia duas novas marcas em seu pescoço, uma de cada lado, que a deixaram horrorizada e em estado de quase absoluto pânico com a certeza de que havia feito uma grande besteira!

Onde ela estava com a cabeça?!

Yukari já estava certa de ter se deixado influenciar por aquele cretino e a meio caminho da libertinagem e planejando dizer que estava doente para não ir à escola — uma marca podia passar despercebida, mas três?! — até reparar na minúscula estatueta cinza em formato de raposa, como aquelas que ficavam em templos, mas que não ultrapassava a altura de uma moeda de ¥500, sentada sobre uma pequena nota: “Eu lhe prometi que sabia bem como encobrir meus rastros, viu só como você me tem na palma da mão?”.

E, em um passe de mágica, assim que ela tocou o diminuto amuleto, as marcas em seu pescoço sumiram como se nunca houvessem existido, mas é claro que existiam, pois bastava soltá-lo para que elas se mostrassem ali.

Mas quer as marcas estivessem visíveis ou não, Yukari, talvez por saber que elas estavam ali, não conseguia desviar o olhar de seu pescoço sempre que se via refletida em algum lugar e, automaticamente, seu rosto avermelhava-se com isso.

Felizmente o efeito de disfarce ainda perdurava mesmo se o objeto estivesse apenas no bolso de sua saia escolar… mas por que precisava ser tão pequeno?! Desse jeito Yukari poderia perdê-lo a qualquer instante! Bastava um descuido pequeno seu…!

Como resultado, Yukari ficava apalpando o bolso a cada cinco ou dez segundos só para ter certeza de que ainda estava lá, então é claro que ela não tinha tempo para se preocupar com o clima ou raios… raios?

Yukari franziu o cenho para Sakura-chan.

—Não há raios no inverno.

—É claro que há, eles são raros, mas existem, e ouvi dizer que são muito mais perigosos que os raios de verão também! — a colega olhou nervosamente para cima — O dia amanheceu tão bonito… e agora olhe essas nuvens, ainda não é sequer 8h, mas já está escuro como se fosse madrugada, nesse ritmo iremos precisar de lanternas para andar na rua ao meio dia! Como foi que o tempo fechou assim tão rápido? — Sakura estremeceu abraçando-se — Eu diria que se há um dia para haver raios no inverno, é hoje! Mas não dizia nada disso na previsão do tempo, não é? Espero que amanhã o dia seja mais claro, seria uma pena se… você já tem a quem dar seus chocolates amanhã, Yukari-chan?

—Eu? — Yukari sobressaltou-se, com uma mão sendo levada instintivamente a apalpar o bolso da saia por sob o casaco.

O dia dos namorados é verdade, depois das duas últimas noites, ela provavelmente deveria dar algo a ele amanhã.

—Oh… vejo que tem alguém em mente. — Sakura-chan comentou astutamente com um sorriso travesso — Essas bochechas coradas não podem ser apenas por causa do frio, não é?

O rosto de Yukari tornou-se ainda mais vermelho.

—Eu… hum…

—Sim, estou vendo que sim. — Sakura-chan riu piscando-lhe, antes de puxá-la para sussurrar em seu ouvido, pouco antes de chegarem ao portão da frente: — Mas se ele estudar conosco é melhor ser discreta, porque o Sr. Hyde ainda não superou a desilusão do natal e tem planos para amanhã!

Yukari franziu o cenho.

—Que tipo de planos?

Planos bastante simples na verdade: toda e qualquer troca de chocolates estava vedada dentro dos limites da escola durante o dia 14 de fevereiro. O motivo alegado era que o evento causava muitos transtornos — embora Sakura-chan insistisse que o real motivo era “dor de cotovelo” — e a sanção para quem descumprisse a determinação era desde uma advertência até dois dias de suspensão.

—Aposto que tem dedo do Hiroshin nisso, ele deve estar se esquivando de precisar me agradecer em março. — a representante comentou tremendo de frio no caminho entre o ginásio e a sala de aula após o anúncio, pois simplesmente havia esquecido o casaco na sala enquanto os primeiros flocos de neve começavam a rodopiar em queda pelo ar — Mas não tem importância: vou pegá-lo na floricultura, e ele vai me recompensar com aquelas anotações!

—É uma pena. — Kaoru assentiu suspirando, e sua respiração condensou-se diante de seu rosto — Nós do clube estávamos fazendo algumas embalagens personalizadas… eu ia dar chocolates á vocês, mas agora…

—Quer dizer que além de atrapalhar minha oportunidade de chantagear o senso de dever de um respeitável ex-membro do conselho estudantil, também estão me impedindo de ganhar os deliciosos chocolates caseiros da Hongo?! — a representante reclamou ultrajada.

Estavam agora virando o corredor em direção às escadas, Yukari franziu o cenho para o armário sob as escadas.

—Isso me lembra, Hannyu-senpai meu deu uns cupons de desconto do Raposa Encantada, como um pedido de desculpas depois que me derrubou das escadas, poderíamos ir lá amanhã. — Aoi-chan comentou inexpressiva.

—Saykis-senpai te derrubou das escadas? — Sakura-chan assustou-se.

A porta do armário de vassouras estava cada vez mais próxima, tinha algo de muito suspeita sobre ela… mas não podia ser, por que Gintsune se esconderia em um armário de vassouras…?

Ela com certeza só estava super consciente sobre aquele cretino, e é por isso que ele não saía da cabeça dela, corou apalpando o casaco na altura do bolso da saia, só para ter certeza que o amuleto ainda estava lá.

—Semana passada, eu tive uma luxação no tornozelo. — Aoi-chan confirmou sem se importar muito.

—Por que não nos contou algo assim?! — a representante reclamou.

—Mas estou contando agora… — Aoi-chan virou-se para subir as escadas — Então vamos todas juntas ama…?

Yukari não ouviu o final da pergunta, pois aquele armário — que parecia tão suspeito, mesmo não havendo nada demais sobre ele — de repente se abriu e uma mão saltou de lá, tragando-a para dentro e fechando-se silenciosamente às suas costas, tudo em uma fração de menos de um segundo.

Piscando com a súbita escuridão quase completa e prensada contra a parede, Yukari socou-lhe o ombro ou peito, ela não saberia dizer.

—O que está fazendo no meu colégio?! — murmurou por entre os dentes.

Gintsune riu roucamente junto ao seu ouvido, passando os braços em torno de sua cintura e a trazendo para mais perto do que o aceitável enquanto escondia o rosto na curva do pescoço dela, a única iluminação ali dentro era o tênue brilho de seus cabelos prateados.

—Como assim? Eu senti sua falta, está dizendo que não sentiu a minha…? — Yukari estremeceu e se arrepiou por inteira quando ele beijou-lhe o pescoço — No bolso? Jura…? — ele suspirou, e as pernas de Yukari fraquejaram — E eu que tinha esperanças de você guardar dentro do sutiã… — ela sentiu dedos atrevidos mexendo na gola de casaco e se aproximando do botão —… hoje são morangos também?

Yukari conteve-se para não gritar e ser pega ali dentro por alguém abrindo a porta repentinamente — Gintsune podia sumir em pleno ar, mas ela não! —, enquanto tentava empurrá-lo para longe, e o fato de estar escuro ali não a fazia sentir-se melhor, pois tinha certeza que estava tão vermelha que seu rosto estava incandescente, fora o fato de que sabia que ele conseguia vê-la no escuro também.

—Não se esqueça das regras! — arfou com o coração na garganta. — E fique mais para lá, seu cretino libertino!

Mas ao invés disso ele agarrou-se ainda mais forte a ela.

—Desculpe linda, é que aqui está tão apertado… — ele riu junto ao seu ouvido.

Yukari remexeu-se ainda tentando afastá-lo de si.

—E por que me puxou para cá afinal?

Gintsune a pegou pelo queixo e virou-lhe o rosto em sua direção para beijá-la, a outra mão ainda estava bem posicionada no final de suas costas puxando-a para junto dele, Yukari sabia que deveria, mas não quis afastá-lo dessa vez.

—Eu me esqueci de te dizer isso ontem à noite, mas gosto muito de beijar você também. — ele contou-lhe ainda com os lábios muito próximos aos seus, e as testas apoiadas uma a outra. — Mas pelo visto eu não fui o único que me esqueci de dizer algo, certo? — ele voltou a abraçá-la e suspirar junto à sua pele, enquanto escondia o rosto na curva do seu pescoço — Devia sentir-se grata por minha linda irmã achá-la tão insignificante que nunca se atentou aos seus horários, ela foi te procurar em casa e na pousada, só assim pude chegar primeiro a você!

Yukari enrijeceu no mesmo instante.

—O que sua irmã quer comigo?

Agora que ela finalmente parecia ter estrutura o suficiente para manter-se de pé sozinha — e de quem era a culpa pelas pernas dela terem virado gelatina?! — Gintsune afastou-se minimamente, escorando-se ao outro lado do armário de vassouras, embora o espaço fosse sim, muito estreito, e Yukari conseguiu definir sua forma cruzando os braços.

—Onde é que você estava com a cabeça, Yukari? — perguntou com um tom mais sério de antes — Eu fico fora por uns dias e você começa a fazer acordos com youkais?!

Yukari franziu o cenho.

—Não sei do que está falando.

—Você prometeu marshmallows para aquele fedelho imundo, e sei que não foi só por causa do rostinho lindo dele, não é?

—Ah, isso? Ele só me ajudou com uma coisa…

—Isso é justamente fazer um acordo, mulher! — Gintsune levou as mãos aos cabelos.

—Sh! Não grite, vão nos pegar aqui! — exasperou-se erguendo as mãos e procurando a boca dele, tentando calá-lo — E ele é só uma criança!

Gintsune segurou-lhe os pulsos, detendo-a.

—Ninguém vai nos encontrar, mesmo se um alarme disparasse aqui dentro. — garantiu-lhe — E as crianças são as piores! Crianças não têm controle ou bom senso, são cruéis e guiados puramente por instinto, como animais! É simplesmente o estado mais bruto da natureza! E é pior ainda nesse caso porque ele é um animal! E um youkai ainda por cima! Yukari, não baixe a guarda só porque ele é filhote, melhor ainda: levante duas vezes mais a guarda porque ele é filhote! Já viu crianças brincando de arrancar asas e pernas de insetos? Você para ele não seria mais do que um inseto nesse caso! Foi com uma criatura dessa magnitude que você cometeu o disparate de forjar um contrato e não cumpri-lo! Agora some a isso a minha linda e super protetora irmã, é muita sorte esse prédio ainda não ter ido pelos ares com um raio!

Yukari trocou o peso do corpo de um pé para o outro, franzindo o cenho.

—Mas eu não quebrei acordo nenhum…

—Qual exatamente foi o acordo? — não era confortável levar sermão de um libertino, cretino e irresponsável, mas mesmo assim, ainda que relutante Yukari explicou-lhe o ocorrido e Gintsune voltou a suspirar — E no fim você não deu os marshmallows a ele, isso é uma quebra de acordo Yukari, e aquele fedelho estava fazendo um senhor escândalo por isso até eu pô-lo para dormir, então pode imaginar porque minha irmã não está satisfeita com você nesse momento.

Na verdade Yukari tinha a nítida impressão de que Momiji não estaria satisfeita com ela, a menos que deixasse de respirar e estivesse apodrecendo em alguma vala, mas mesmo assim a colegial ainda sentia que tinha algum direito a uma defesa:

—Eu não quebrei o acordo! Nós não chegamos a combinar um ponto de encontro e hora para que eu entregasse os marshmallows, estou desde então os carregando comigo esperando que ele venha buscá-los, eles estão na minha mochila agora mesmo!

—Podia tê-los dado a mim para entregá-los no seu lugar! — Gintsune soltou seus pulsos e colocou as mãos nos ombros de Yukari, apoiando sua testa à dela.

—Não sei se percebeu, mas eu não estava com cabeça exatamente para marshmallows nas duas últimas noites em que você foi me ver! — Yukari declarou, corando violentamente logo após perceber o que tinha dito, era aquela proximidade lhe tirando o juízo! E, apoiando as mãos em seu tórax, tentou conseguir alguma distância entre eles e corrigir-se: — E como eu saberia se você não comeria os doces todos?!

Gintsune jogou a cabeça para trás com um suspiro alto.

—Até eu tenho meus limites sobre o quão vou ferrar com meus amigos, Yukari. — declarou, antes de voltara olhá-la e parecer prestes a sacudi-la: — E me intrometer em um acordo sobrenatural alheio, feito de forma completamente insensata, com certeza está muito além deles! — ele deslizou uma das mãos para a nuca dela, e com a outra brincou com a ponta de uma de suas tranças — Mas pelo menos agora que eu nocauteei aquele fedelho, ele deve ficar quieto por umas horas… ou dias, se os deuses forem bons, e se a minha querida irmã já te encontrou, ela também está ciente de que estou aqui e não vai explodir o prédio, então basta eu pegar os marshmallows na sua mochila e entregar e deve ficar tudo bem. — Ele beijou a ponta da trança dela e deitou a cabeça em seu ombro, apoiando as costas à parede atrás de si enquanto trazia-a para mais perto, prensando as mãos dela, que ainda estavam em seu peitoral, entre eles, e praticamente imobilizando-a — E então… você vai ao raposa encantada amanhã com suas amigas?

—Como eu poderia? — Yukari franziu o cenho, olhando-o de lado — É dia dos namorados, seria mais plausível meu pai ligar para a escola e pedir dispensa, para que eu possa trabalhar em período integral.

A mão de Gintsune, que estava em sua nuca, desceu ao longo de suas costas, enquanto a outra ainda brincava com a ponta de sua trança.

—Mas se não tivesse que trabalhar, você iria? — perguntou aconchegando ainda mais o rosto na curva de seu pescoço.

Yukari podia sentir a respiração dele em sua pele, os dedos das mãos contorceram-se com nervosismo, mas ela fez o melhor que pôde para que sua voz não falhasse:

—Claro que sim. — mas Gintsune manteve-se quieto por tanto tempo, apenas respirando silenciosamente em seu pescoço, que Yukari já começava a imaginar ser capaz de ouvir os próprios batimentos descompassados ou até seu engolir em seco — Gintsune?

A outra mão dele deixou de brincar com sua trança, e ele a apertou um pouco mais contra si, fazendo sua voz soar abafada quando reclamou em tom insatisfeito e queixoso:

—Você tinha tempo quando eu a chamei, mas não quis ir até lá comigo mesmo assim.

Yukari franziu o cenho.

—Quando foi que… ah. — lembrou-se de repente — Isso já faz mais de um ano! E não se faça de desentendido, você sabe perfeitamente bem porque seria impróprio que eu fosse com você naquela confeitaria… a-a-ah! — Exclamou esganiçada quando Gintsune a interrompeu, mordiscando e lambendo sua orelha — P-pare com isso!

Reclamou com voz falha ao mesmo tempo agarrando-se às roupas dele em busca de suporte — já que, para a surpresa de ninguém, suas pernas havia se tornado geleia novamente — para não cair, e socando-o debilmente.

—Mas nossa relação está em outros termos agora. — ele murmurou descendo para junto de seu pescoço mais uma vez, a abraçando ainda mais para perto, e Yukari instintivamente fechou os olhos descansando a cabeça em seu ombro — Isso significa que amanhã poderíamos ir…

Yukari abriu os olhos e ergueu a cabeça de repente, afastando-se com ainda mais firmeza dessa vez, embora não tenha conseguido mais do que alguns centímetros de separação, já que ele continuava abraçando-a pela cintura.

—Não. Pare! — negou-o resoluta, fazendo Gintsune conter, inclusive, a respiração, e, ainda com as mãos espalmadas no tórax dele, franziu o cenho e reclamou: — Você quer realmente falar disso quando, a cada segundo, sua irmã está mais perto de explodir a escola e não deixar nem as cinzas para minha família velar?!

Gintsune piscou… e então arregalou os olhos.

—Eu… quase me esqueci disso, a culpa é sua!

—Minha culpa?! — olhou-o afrontada.

Gintsune largou-a tão repentinamente que Yukari cambaleou para trás e, se não fosse o espaço tão estreito, com certeza teria caído sentada no chão.

—Você é quem fica me seduzindo e distraindo! — ele passou as mãos pelos cabelos.

Yukari olhou-o boquiaberta.

—Seu libertino cínico e sem vergonha!

Não parecendo escutar nenhuma palavra, Gintsune repentinamente a encurralou espalmando ambas as mãos na parede em cada lado de sua cabeça.

—Eu quase ia me esquecendo. — afirmou muito concentrado — Mas elas já se extinguiram por completo.

—O que…? — Yukari franziu o cenho.

Com um estalar de dedos, uma pequena labaredas azul iluminou o espaço confinado, queimando na ponta dos dedos médio e indicador da raposa.

—Como se não bastasse queimá-las até a extinção, o fedelho com certeza é um linguarudo que anda por aí falando do que não devia… mas dele eu cuido mais tarde. — resmungou aproximando as chamas do rosto dela.

Como da vez anterior, Yukari acabou fechando os olhos por reflexo, embora soubesse que não se queimaria, e continuou dessa forma enquanto ele pronunciava baixinho aquele cântico tão estranho e inteligível e, quando tudo terminou, foi surpreendida com um novo e rápido beijo nos lábios.

—O sinal está tocando, você devia correr para a aula, diga que se atrasou porque estava no banheiro ou algo assim, não se preocupe: eu vou cuidar da minha linda irmã e se sair agora ninguém a verá. — sussurrou-lhe rapidamente, com os lábios ainda quase se tocando. — Ah é, e mais do que nunca eu te recomendo não perder esse pequeno amuleto em seu bolso, se é que me entende.

Completou com uma risadinha travessa.

Quando ela abriu os olhos, estava só.

Escondida em um armário de vassouras, beijando alguém… Yukari corou até a raiz dos cabelos, lembrando-se das últimas palavras de Gintsune.

E agora ainda estava sob ameaça de morte!

Raposas davam muito dor de cabeça… e bem mais do que ela podia imaginar, pois agora não era apenas Anko quem queria ganhar doces de Yukari: Gintsune também estava na expectativa.

Ele havia estado tão ocupado nos últimos dias, que se esquecera completamente disso, mas agora não conseguia tirar o tema da cabeça! Chocolates! Será que ela havia preparado algo para ele…? Mas esse não parecia ser o caso, Gintsune balançou a perna com inquietação, ela se esquivou completamente do assunto e nem quis falar sobre sair com ele também… mas talvez isso se devesse ao fato de ela estar um pouco tensa com a vida em risco daquele jeito, o que significava que ele precisava tirar os marshmallows das mãos dela o quanto antes, para que pudesse finalmente se concentrar no que era importante de verdade: como iria surpreendê-lo e mimá-lo amanhã!

Ele sabia que, se tivesse a chance e soubesse onde estavam os malditos doces, sua irmã entraria naquela sala e faria uma linha reta até a mochila de Yukari, fulminando qualquer um que ficasse em seu caminho… e já conhecia o fedelho bem o bastante para saber que ele mandaria os criados causarem uma balburdia imensa com gritos e alarmes de incêndio na primeira oportunidade que tivesse, mas Gintsune havia prometido para Yukari ser rápido e discreto, então mesmo que não fosse um dos truques favoritos de Gintsune, — embora de longe fosse com certeza o mais fácil de todos —, pois nunca se sentia confortável em um corpo inferior e não tão lindo quanto o seu, dessa vez ele precisou recorrer à possessão!

E tempos desesperado pediam medidas desesperadas!

Por isso Yukari não podia julgá-lo por ter possuído o colega de classe no assento atrás dela, e não tinha porque olhá-lo de forma tão alarmada no instante em que colocou o pé na sala, os olhos dela eram realmente um perigo crescente, para si mesma e para os outros — e Gintsune ainda ia dar uma lição naquele fedelho porque sabia que ele é que era o responsável por aquela evolução — mas provavelmente ficaria tudo bem, Yukari podia reconhecer Gintsune independente da forma que ele assumisse, mas ele nunca antes havia feito uso de possessão, então, mesmo desconfiando de algo, ela não teria como ter certeza absoluta, pois seus olhos apontariam, ao mesmo tempo, que aquela ali sentada na cadeira era um garoto normal e um ser sobrenatural… mas ela realmente estava encarando-o demais.

Gintsune pigarreou e baixou a cabeça para o caderno, nunca havia percebido como os olhos de Yukari poderiam ser desconfortáveis.

—Shibuya-san, se já acabou de interromper minha aula, sente-se, por favor. — a intransigente professora a advertiu.

—Oh, me desculpe! — Yukari desviou a atenção de Kijima Tenji e sentou-se.

Porém estava inquieta, havia alguma coisa errada com Kijima-kun, ela tamborilou nervosamente com a caneta na mesa, talvez ela apenas estivesse muito nervosa pela ameaça de morte pairando sobre sua cabeça, mas era exatamente como naquele dia com Nishitake Keita, ou naquele outro, com os três rapazes com bolas de beisebol.

Não era Momiji, se fosse Momiji, Yukari já estaria morta a essa altura… mas se fosse o garoto então…

—É melhor ficar calma, antes que tenha um infarto. — Kijima Tenji sussurrou atrás dela.

Quer dizer, a voz pertencia ao Kijima, mas no instante em que o escutou… soube que era Gintsune.

Ela bateu com o punho na mesa e quase se virou.

—O que está fazendo?! — sussurrou por entre os dentes, mal movendo os lábios, mas sabia que ele a escutaria.

—Eu vim pegar os marshmallows, e já estão bem aqui comigo. — ele sussurrou de volta, antes de repentinamente erguer a voz: — Professora, eu posso sair um pouco, por favor?! — e quando a professora estava prestes a dizer um redondo não, ele completou: — Acho que vou vomitar!

A professora arregalou os olhos empalidecendo:

—Vá! — proferiu na mesma hora.

E Gintsune levantou-se cambaleante, curvando-se com os braços em torno da barriga enquanto segurava o riso antes de sair correndo, com os marshmallows surrupiados bem escondidos debaixo do blazer do uniforme.

Os humanos realmente tinham uma hipocrisia engraçada, ele diziam que as palavras mágicas eram, “por favor”, e “obrigado”, mas na verdade as verdadeiras palavras mágicas para se sair de qualquer situação eram “Eu vou vomitar” ou então “Estou com diarreia!”.

Agora tudo o que precisava fazer era enfiar aquelas bombas de açúcar molengas na goela do fedelho, até ele sufocar…!

Quando Kijima Tenji voltou a si, ele estava parado no telhado da escola, tremendo enquanto a neve caía com cada vez mais intensidade e sem a menor ideia de como fora parar ali.

 


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi programado com antecedência, então, provavelmente, na hora em que ele for postado estarei na mesa de cirurgia tendo a vesícula retirada... por que não deixam um comentário para me animar quando eu voltar do hospital? ^_^

Bestiário:

Ichiren-bozu: Um youkai do tipo tsukumogami que surge a partir de contas abandonadas por mais de um século.  Diferente de outros youkais nascidos de objetos abandonados,  Ichiren-bozu não se ressente nem tenta causar mal a humanos, pelo contrário, ele tenta guiar outros youkais ao caminho da retidão e alcançar a iluminação junto com ele.

Kanibozu: São youkais caranguejos que se disfarçam como monges e assombram templos, eles se instalam em templos velhos e abandonados e quando um sacerdote verdadeiro aparece o youkai surge diante dele e lhe propõe um enigma, caso o monge responda de maneira incorreta, o youkai o devora.

Kuro bozu: Um youkai com a aparência que lembra um monge budista, embora de forma indistinta, todo o seu corpo é negro, assim como suas roupas em farrapos, ele possui feições bestiais e uma língua muito comprida, cheira a peixe podre, pode mudar de tamanho e alcançar altas velocidades, costuma invadir casas durante a noite e atacar humanos (especialmente mulheres) roubando seu fôlego e os adoecendo gravemente.



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