A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 46
45: Já não podes escapar!


Notas iniciais do capítulo

Um outro nome sugerido para esse capítulo foi... respira e não surta.
Meus personagens tudo precisando de uns calmantes aqui.
KKKKKK

Glossário:

Shikigamis: São espíritos conjurados para servir a um mestre, podem assumir as mais variadas formas, a depender da habilidade daquele que os conjurou.

Uchikake: Um quimono formal com longas mangas que serve como sobretudo e pode ou não possuir uma barra almofadada, atualmente faz parte do traje de noiva tradicional.

Yuki onna: segundo as lendas, ela é um espírito de uma mulher das neves que canta para atrair os homens para as nevascas, estes acabam morrendo perdidos e sufocados pela neve.

Se houver alguma palavra que não entendam, me avisem!



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Ah… não era sobre aquilo que ele e Arisu haviam conversado certa vez?

—Então você é um canalha e não quer machucá-la, por isso acha que é melhor ela continuar ignorante sobre tudo o que realmente sente e vocês continuarem apenas amigos para sempre? — a empresária recostou-se no divã batendo a ponta do cigarro no cinzeiro sobre a mesa.

—Não diga “apenas” com se fosse pouca coisa! — Gintsune fez uma careta quando virou a garrafa sobre o copo e percebeu-a vazia — Meus amigos são muito valiosos! Eu…

—É um completo imbecil arrogante. — Arisu se sentou. — Mesmo se quiser protegê-la, você não pode simplesmente tomar essa decisão por ela, digo, ela já tem… quantos anos ela tem? Antes que eu fale qualquer coisa que faça apologia a um crime.

—Fará dezoito no final do inverno.

—Ótimo, então ela já é grandinha e sabe o que faz.

—Mas eu…!

—Ahã, eu não estou subestimando o seu poder de manipulação e sedução ou você não me seria tão valioso. — ela descartou o cigarro no cinzeiro e cruzou as pernas — Mas vamos tomar como exemplo o sujeito que você acertou no meu bar, quando nos conhecemos.

Gintsune cruzou os braços e virou o rosto.

—Eu não vou pagar pelos cuidados médicos!

—Sim, já sei, não estou aqui para bancar a psicóloga ou a voz da consciência, mas lembra do que me disse sobre aquela vez?

—Ele brincou com uma preciosa amiga.

—Mas ela sabia ou não que ele era casado?

—O que?

A um sinal dela, um dos empregados aproximou-se e encheu os copos de ambos, deixando a garrafa na mesa, aquele pessoal era sempre tão silencioso que Gintsune constantemente se esquecia da existência deles… talvez, na verdade, ela fosse algum tipo de feiticeira que comandava shikigamis.

—Ora, Gin, só estou lhe dizendo que talvez nós mulheres não sejamos tão boas e indefesas como vocês, homens grandes, fortes e protetores, tendem a pensar e se ela já sabia que ele era casado, então não era como se ela não soubesse as “regras do jogo” onde estava se metendo, portando, será que era realmente ele o único culpado naquela história? — Arisu bebeu um pequeno gole de whisky — Mas não estou aqui para julgar ninguém e, por favor, também não estou dizendo que você deve bancar o justiceiro e ir atrás da mulher. — Gintsune fez uma careta, ele não tinha a menor intenção de se meter nos casos de infidelidades alheios… nesse momento. — Meus negócios prosperam em grande parte graças a canalhas como aqueles.

Aquela altura Gintsune já estava enchendo o copo outra vez, ele saber que era um cretino que facilmente conseguiria manipular e seduzir a mente de uma garota inocente não tinha nada haver com o fato de ele ser homem — até porque muitas vezes ele não o era — e sim por ele já ter feito exatamente isso com inúmeras pessoas ao longo dos séculos.

—E o que isso significa?

—Até onde eu entendi, sua garotinha do campo sabe da sua canalhice, ou você se faz de bom moço para ela? — Gintsune deu um ronco tentando segurar o riso e Arisu abriu um sorriso cínico — Então apenas explique as regras do jogo para ela e deixe-a decidir.

Na verdade o argumento de Arisu não era, nem de longe tão convincente assim, pois havia um grande abismo entre mulheres inescrupulosas como Arisu e aquela amante, e jovens moralistas como Yukari, além de que a manipulação e sedução estavam tão entranhadas em Gintsune que ele temia usar Yukari mesmo se não fosse sua intenção, apenas por pura força do hábito, mas talvez… só… talvez…

Gintsune inclinou-se para frente apoiando a mão livre no colchão ao lado da jovem enquanto a outra mão, que antes estava no rosto dela, deslizava para sua nuca, apoiando sua cabeça e a induzindo a reclinar-se lhe dando ainda mais acesso.

Ah certo, as regras… talvez ele tivesse se esquecido um pouco dessa parte.

A mente de Yukari estava absolutamente em branco, imóvel, com os punhos fechados sobre o colo e os olhos arregalados ela não sabia o que estava acontecendo quando sentiu algo úmido abrir caminho por entre seus lábios.

—Hmmm! — Um punho tocou suavemente o ombro de Gintsune e ele afastou-se minimamente. — O que… o que está fazendo?

Ela já estava sem fôlego só por aquele leve toque? Que fofa. Gintsune sorriu de lado.

—Eu também me pergunto… o que será? — o polegar fez movimentos lentos e circulares o pescoço dela — Por que não abre um pouco a boca para que descubramos?

A outra mão dele pousou sobre a mão que ela ainda tinha sobre seu ombro, segurando-a ali.

—Por que eu faria i…?

—Para que eu possa fazer isso.

Ele voltou a inclinar-se sobre ela, beijando-a.

E a língua dele entrou em sua boca.

A mão em sua nuca desapareceu e foi substituída pelo colchão. Quando havia se deitado? Quando havia fechado os olhos? Gintsune estava sobre ela, ainda a beijando e sua mente era um vazio absoluto.

—Se quiser que eu me afaste… — ele começou a distribuir pequenos beijos por sua face — Ou pare… — estava descendo agora por seu pescoço — É só me falar.

Yukari ofegou incapaz de formular sequer um pensamento completo enquanto ele erguia-se, afastando-se brevemente, para abrir o zíper da jaqueta acolchoada e jogá-la longe, antes de voltar a se curvar e ela, instintivamente, deslizou ambas as mãos pelos ombros dele, agarrando-se ao seu pescoço em busca de algum apoio enquanto arqueava as costas ao sentir uma mão que, sorrateiramente, entrava por sua blusa e subia-lhe pelas costas.

—Eu… — tentou dizer.

Gritou surpreendida, abrindo os olhos quando o sentiu morder a curva de seu pescoço e, simultaneamente, sua outra mão agarrou-lhe uma coxa por sobre a saia e puxou-a para cima, dobrando seu joelho na altura do quadril.

—Me diga o que quer Yukari… — ele murmurou roucamente, lambendo junto ao local onde antes havia mordido e então esfregando o nariz ali — E eu farei tudo que você quiser…

Sua voz soava quase como uma súplica, fazendo as entranhas de Yukari se contorcerem e levando-a a, mais uma vez, reclinar a cabeça para trás e, inconsequentemente, fechar os olhos.

—G-Gintsune tem algo…

—Isso, chame meu nome… — ele murmurou rouco. — Diga-me para ficar… — Aquela mão, antes em suas costas, moveu-se lentamente sob a blusa de Yukari, buscando lugares mais perigosos para explorar — Por favor, por favor, não me mande embora… agora… não…

Gintsune estava começando a ficar ofegante também, o rosto a centímetros do de Yukari e, sem pensar, ela pegou-lhe o rosto com ambas as mãos e puxou-o para que a beijasse novamente, despertando na raposa um som gutural de puro contentamento quando lhe agarrou o seio sob a blusa.

Aquilo fez Yukari pular de susto e ficar completamente imóvel no mesmo instante.

O que estavam fazendo?

Seu rosto ficou em chamas.

—Não… agora não… — Gintsune lamentou-se junto ao seu pescoço. — Por favor, Yuk…

Aquela mão ainda permanecia naquele lugar indevido, parada, como se esperasse não ser notada, mas as garras da outra mão brincavam ladinamente com o decote de sua blusa, tentando afastá-lo.

Porém, foi só quando algo lhe deslizou por sob a saia roçando suavemente em sua pele nua que Yukari reagiu.

—Não. — ofegou espalmando as mãos em seu peito — Pare.

Derrotado, Gintsune suspirou e deitou-se de lado junto a ela, com as pernas de ambos entrelaçadas e sua mão atrevida descendo agora para a cintura dela, mas não abandonou o esconderijo sob a blusa, tal como o rosto, que ele manteve escondido na curva do pescoço dela sem dizer uma palavra sequer, quem sabe buscando tempo para juntar a vergonha na cara que precisava para conseguir encará-la novamente.

Yukari também não sabia onde enfiar a cara agora, vermelha e ofegante ela permaneceu olhando o teto por alguns bons segundos, sua vontade era sair correndo dali e esconder-se no primeiro buraco que encontrasse, mas tinha a nítida sensação que suas pernas não seriam capazes de sustentar o peso de seu corpo caso tentasse se levantar… e aquele pensamento a fez corar ainda mais.

Por que ele tinha feito aquilo?

Abriu a boca para pergunta-lhe isso quando, novamente, sentiu aquele mesmo roçar em sua perna, subindo ainda mais por sob sua saia e, arregalando os olhos, afastou o que percebeu ser a cauda dele dali com uma tapa e sentou-se na cama.

—Temos que falar sobre seu filho! — soltou num fôlego só, antes que aquela raposa a distraísse novamente.

—O que?

Gintsune sorriu confuso apoiando a cabeça sobre a mão livre, já que a outra ainda estava abraçada a cintura dela e, ao contrário dela, ele não parecia nenhum pouco constrangido, cretino.

—Seu filho. — repetiu odiando a cada instante mais sua respiração desregulada e coração acelerada que sabia que ele era capaz de escutar.

Gintsune olhou-a com uma ponta de humor e sua mão apertou a cintura dela, como se tencionasse puxá-la mais para perto.

—Ouça Yukari, provavelmente deveria ser a sua mãe, ou até a sua avó, a te falar sobre isso, mas deixe-me adiantar apenas umas coisas: uma mulher não ganha um bebê só porque um casal trocou alguns poucos beijos na cama.

—Eu já sei disso, seu libertino!

Se Yukari ficasse mais vermelha ainda talvez ela desmaiasse por superaquecimento no cérebro e isso o divertia, mas, ainda assim, seu olhar irritado e acusatório não vacilou.

O que deixou Gintsune intrigado:

—Espere. — ele piscou desfazendo o sorriso — De quem você está falando?

É claro que Gintsune não tinha ideia que ela estava se referindo ao pequeno menino que, desde o começo da noite, estava no cemitério esperando pelo retorno de seus criados.

Anko não era nenhum espírito medíocre para servir uma reles humana em troca de alguns meros doces estúpidos, afinal sua mãe já havia lhe contado sobre o perigo de acordos e também sobre aquele horrível humano que a havia aprisionado por décadas a fio, mas… não havia nada de errado em emprestar seus criados um pouquinho, afinal eles eram espíritos medíocres.

Mas por que aqueles idiotas estavam demorando tanto?!

Para o bem deles era bom que aquela mulher tediosa houvesse mandado seus marshmallows!

—Estamos de volta jovem mestre!

Ele sentou-se diante da lápide partida ao meio ao ouvir aqueles inúteis chegando.

—Já não era sem tempo! — reclamou — Por que demoraram tanto? Eu disse para fazerem um favor para aquela mulher, não para virarem os novos lacaios dela!

—Cumprimos a missão! — a primeira raposa tubo anunciou orgulhosa.

—Em troca de marshmallows!

—E voltamos!

—Como ordenado!

Os três riram e chiaram dando voltas ao redor dele, mas Anko semicerrou os olhos para eles, longe de demonstrar a mesma satisfação.

—Mas estamos com problemas!

—Sim, problemas!

—Sim, estou vendo! — com um movimento rápido agarrou bruscamente um dos criados e rangeu os dentes — Onde estão meus marshmallows, seus idiotas?!

 

Duas das três kudakitsunes arregalaram os olhos.

—Ela não nos entregou! — chiaram surpresos — Fomos tapeados?!

Anko sacudiu o criado que tinha em sua posse.

—Imbecis!

A terceira kudakitsune enroscou-se ao braço de Anko, talvez tentando detê-lo, ou apenas chamar sua atenção, ele não se importava.

—Jovem mestre, nós temos problemas maiores agora! — tentou alertá-lo — Aquela pousada já é um território ocupado e a mestra nos disse para sempre pedir licença antes de entrarmos em um território já ocupado!

—A menos que decidamos tomá-lo. — a terceira raposa tubo ponderou com um sorriso cruel, junto à orelha de Anko. — Nesse caso só nos livramos dele.

—Quem disse isso foi o mestre! — as outras duas protestaram.

—E a mestra não retrucou. — a terceira riu agudamente.

—Cumprimentá-lo ou exterminá-lo e roubar sua terra, eu não ligo! — Anko agarrou também a raposinha em seu ombro — Quero meus marshmallows!

—Mas era um zashiki warashi! — a única raposinha ainda à solta, que continuava enroscado ao seu braço, protestou estridente: — Eles são pequenos deuses da boa sorte!

Anko deteve-se por um instante.

—Pequeno deus…?

—Ficou parado no canto do salão durante a festa toda. — os criados lhe contaram — A garota o sentiu lá, mas não pode enxergá-lo, então o confundiu com o jovem mestre!

—Mas que…! Mas que droga é essa?! — no auge de sua irritação, Anko jogou ambos os criados que tinha em mãos para longe — E vocês simplesmente a deixaram achar que era eu lá? Seus estúpidos! E se aquela mulher estúpida der meus marshmallows para aquele amuleto de boa sorte ambulante?!

—Mas… ela não pode nos ver!

—Nem nos ouvir!

—E como poderíamos tomar a oferenda de um pequeno deus?

Os criados tentaram se justificar entre lamentos chorosos, mas só conseguiram irritar ainda mais ao jovem mestre:

—Não eram oferendas eram meus marshmallows seus idiotas! Ei você aí, pedaço de pau otário! — ele voltou-se para o shikigami sentado ao seu lado com a cabeça entre os joelhos — Já que você é o único que ela pode ver, vá buscar meus marshmallows! — Mokujin não se moveu — Oi! Não está me ouvindo seu otário?!

Fez menção de chutá-lo para obrigá-lo a se mexer de uma vez, porém o shikigami o deteve, agarrando seu tornozelo em um piscar de olhos.

—O que é isso? Largue meu pé, estúpido! — reclamou puxando, mas a mão do shikigami nem vacilou.

É claro, afinal Furin havia criado aquele boneco para perseguir seus filhotes, e embora não tivesse lhe dado grande velocidade, ela não faria algo frágil que quebraria por qualquer coisa.

Anko ainda estava cuspindo uma série de impropriedades pela ousadia daquele mero servo quando, de repente, todo o corpo do shikigami estremeceu e ele ergueu a cabeça largando o filhote que caiu de costas no chão.

Como se fosse um fantoche movido por cordões, ambos os braços de Mokujin foram erguidos e então ele próprio levantou-se, parecendo ser puxado por uma força desconhecida, sua cabeça ainda pendia e balançava não parecendo acompanhar o movimento do corpo.

—Ei otário! Para onde está indo?! Não é por aí!

Anko reclamou do chão quando, ainda movido por aquela mesma força misteriosa, o shikigami virou-se para oeste e começou a traçar uma linha de passos trôpegos e desajeitados, no qual os pés se adiantavam ao corpo, até que, cerca de sete passos depois, ele simplesmente parou, endireitou a postura e ficou ali.

—Mas o que aconteceu com ele? — uma das raposas tubo aproximou-se, curiosa com aquele comportamento.

—Será que quebrou? — outra das raposas tubo se aproximou, pairando junto ao “rosto” do shikigami, mas ele permaneceu estático com a cabeça voltada para o alto, sem dar sinal de vida. — Ou talvez a energia tenha acabado?

—Mas então como prosseguiremos com a missão?! — a ultima das kudakitsunes se aproximou em pânico — Jovem mestre! O que faremos agora?!

Mas quando se viraram novamente, Anko já havia desaparecido, e deixado para trás somente o tubo de bambu e as três máscaras diante do túmulo de lápide partida.

—O jovem mestre desapareceu! — os três entraram em pânico — Deve ter ido atrás dos marshmallows!

Duas delas fizeram menção de voar de volta para a pousada, mas a terceira impediu-as, agarrando-as pela cauda:

—E quanto ao Mokujin, o que faremos com ele?

—Ele está quebrado, deixe-o aí! — a primeira respondeu.

—Se ele já não serve mais, depois descobrimos junto com o jovem mestre o que poderemos f…

A segunda estava dizendo antes de o shikigami ser assolado por outra convulsão — assustando as raposas tubo, que se afastaram rapidamente como se acreditassem que ele iria explodir — e seu braço esquerdo ergue-se a um ângulo de 60°, novamente parecendo puxado por aquela mesma força invisível de antes.

A tatuagem de raposa havia rastejado ao longo de seu braço até as costas da mão do shikigami com tamanha velocidade que quase saltou da ponta de seus dedos de madeira.

Estava vindo!

Um instante mais tarde um rastro prateado cortou os céus como um cometa.

E, como se atraído por um ímã, a tatuagem de raposa desceu com velocidade novamente pelo braço esquerdo e subiu pelo braço direito, puxando o shikigami imediatamente naquela direção, mas Mokujin agarrou aquele braço e o puxou de volta, olhando ao redor a procura do filhote negro.

Não podia perder um filhote para ir buscar outro.

Mas a tatuagem de raposa subiu por seu pescoço e cabeça, virando-a e puxando-a na direção que deveria seguir agora.

Encontrar o filhote negro seria impossível naquelas condições, pois, estando seu irmão mais velho tão próximo, a energia dele se transformara, praticamente, em uma gota d’água no oceano… então precisava ir atrás do filhote de prata primeiro.

O shikigami recolheu o tubo de bambu e as máscaras abandonadas antes de partir, enquanto os criados debatiam às suas costas:

—Devemos segui-lo?

—Ele deve estar indo atrás do filhote da mestra, é nossa missão…

—Mas e quanto ao jovem mestre?

—Mokujin está com o tubo de bambu!

—Temos que seguir a missão!

—O jovem mestre sumiu…

Mas, se tivessem sorte, talvez o filhote negro houvesse partido na frente ao encalço do irmão perdido, ele certamente era audacioso e inconsequente o bastante para tentar algo como aquilo e, de qualquer forma, se ele não estivesse lá, poderia rastreá-lo depois de ter se encontrado com o filhote mais velho.

De qualquer forma não era como se o menor pudesse ir muito longe… Mokujin havia garantido isso.

Ele só esperava que, depois de todo aquele tempo de espera, aquela mulher servisse bem ao seu propósito e conseguisse deter o filhote prateado no lugar por tempo o bastante até o shikigami conseguir alcançá-lo.

Ele havia retornado apenas por ela, então seria natural que se demorasse ao lado dela… e Gintsune estava tão incrédulo que poderia muito bem ter ficado paralisado ali pela noite inteira sem nem se dar conta.

Piscando, Gintsune ergueu a mão.

—Espere um pouco, tem algo que não se encaixa de jeito nenhum nessa história que está me contando Yukari: eu nunca tive filhote algum!

Yukari cruzou os braços, com uma expressão cética.

—Pode mesmo afirmar isso com absoluta certeza após tantos séculos de devassidão?

Gintsune ficou boquiaberto.

—… posso!

—Você hesitou!

—Não hesitei! — ele passou as mãos pelos cabelos, exasperadamente — Um moleque sujo e grosseiro? E com ele poderia já ser tão velho, com sangue youkai e estar nesse mundo? As contas simplesmente não batem! Não é meu, estou dizendo! — Yukari franziu o cenho silenciosamente, e Gintsune colocou-se de pé com um pulo — Você não acredita em uma palavra do que eu digo, não é?!

Yukari suspirou.

—Se eu acredito ou não, não é o ponto aqui…

—Esse é exatamente o ponto aqui!

O ponto, é que um garotinho youkai causando caos na cidade há semanas e particularmente me fazendo de alvo porque está a sua procura, junto com o criado da mãe dele, e as chamas que você colocou em mim os atraíram.

Ouvi-la mencionar as chamas tão abertamente de repente, fez com que Gintsune se enrijecesse por um momento.

O quanto ela havia se aproximado da margem?

Até que se deu conta de algo.

—O que quer dizer com “fazendo você de alvo”?

Ele avançou e, quando Yukari deu por si, estava novamente deitada de costas sobre a cama, com Gintsune sobre si, as mãos dele de cada lado de sua cabeça e o corpo dele parecendo tornar-se uma gaiola para ela.

—Gintsune, eu disse saia…!

Yukari ergueu as mãos para empurrá-lo, mas Gintsune pegou-lhe uma mão e aproximou-a do rosto, beijando-lhe o lado interno do pulso e fazendo um gritinho morrer estrangulado na garganta da garota.

—Eu senti as explosões das chamas, mas achei que você estava estressada por causa do período de provas ou algo assim.

Confessou esfregando suavemente a ponta do nariz pela pele clara da colegial e subindo lentamente por seu braço.

—Gin…! — Yukari tentou chamá-lo quando a raposa aproximou-se demais.

Deitado com ela, Gintsune a abraçou, enterrando o nariz na curva de seu pescoço.

—Está ferida em alguma parte? — murmurou com voz abafada — Deixe-me ver…

A mão dele estava, vagarosamente, erguendo sua blusa novamente até expor o sutiã com estampa de morangos.

—Gintsu…!

Yukari corou até a raiz dos cabelos, ficando praticamente da mesma cor dos morangos estampados em sua roupa de baixo, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa Gintsune rapidamente afastou-se, sentando-se ereto com uma expressão rígida.

—Alguém acabou de invadir sua casa.

—O q…?! — ela arregalou os olhos sentando-se com um salto.

Mas Gintsune já havia desaparecido de suas vistas, e se materializado no andar de baixo, saltando sobre o intruso e jogando-o de costas no chão a metros de distância da entrada da casa.

—Você deve ser realmente azarado ou muito estúpido para invadir justamente essa casa quando eu…! — estava dizendo com a mão entorno da garganta do infeliz e o joelho cravado em suas costelas, quando notou algo: o intruso vestia-se como um monge guerreiro peregrino. Gintsune arregalou os olhos, soltando-o e saltando para longe: — Que droga é essa?!

Exclamou sem pensar.

Mas, agora que o via com atenção, havia outras coisas estranhas a respeito daquele sujeito: monge ou não, qualquer ser humano teria esboçado alguma reação, por menor que fosse a um ataque repentino como aquele.

Mas o monge deitado no chão permanecia em absoluto silêncio, não só não emitiu nenhum grito, reclamação, maldição ou gemido, como Gintsune era incapaz de ouvir inclusive… seus batimentos cardíacos, e também não tinha presença alguma.

—Quem é você…?

Era quase como se ele não fosse um ser vivo, mas sim meramente algum… Gintsune arregalou os olhos.

O que era mesmo que Yukari havia dito?

Um garotinho grosseiro e o criado da mãe dele que o estavam procurando.

Ele certamente não sabia quem era o fedelho, mas, mesmo que não fizesse o menor sentido como aquilo poderia estar nesse mundo, só conhecia um ser capaz de criar um boneco daquele nível apenas para procurá-lo!

O problema… era que ela nunca estava só.

Seu corpo enrijeceu quando ele cravou as garras nas palmas das mãos em alerta máximo.

No entanto, Gintsune se auto avaliou cuidadosamente um instante depois, ele ainda estava com todos os membros colados ao corpo e a cidade não havia se tornado um inferno de fogo na terra, então obviamente eles não haviam vindo pessoalmente — menos mal —, mas por que agora?

O que havia mudado?

E o quanto eles já sabiam sobre seja lá o que tivessem descoberto? Até que ponto exatamente Gintsune estava realmente encrencado?

—O jovem mestre!

—Finalmente o encontramos!

—A mestra ficará tão feliz!

As vozes estridentes e alegres o cercaram de repente, o surpreendendo, não restava dúvida: os servos de sua mãe.

Gintsune os capturou com uma única mão.

Yukari disse que eles a estavam seguindo, então quanto já haviam contado para a mãe dele…?!

—Escutem com atenção camaradinhas, porque eu tenho algumas perguntas…

Mas se deteve quando percebeu que o falso monge havia voltado a se mover: erguendo uma mão, ele retirou o próprio rosto — que acabou revelando-se uma máscara — e levou a outra mão ás costas, puxando de lá um objeto negro tão familiar a Gintsune que ele sentiu a espinha congelar no mesmo instante.

Instintivamente Gintsune correu e chutou a máscara negra para longe antes que o boneco pudesse colocá-la, quase arrancando a mão dele junto, mas as máscaras eram como uma manifestação de seus pais, o que significava que se a máscara da mãe estava ali, então o par dela havia vindo junto, e ele estava preste a tirar essa também do falso monge…!

—Gintsune! —… quando Yukari o chamou da porta de casa, um grande baú com alças, que Gintsune não havia reparado antes, estava ao lado dela, mas assim que ela percebeu o falso monge, retraiu-se se abraçando pelos cotovelos — Ah, finalmente ele te encontrou, então isso significa que vai parar de me seguir agora, certo? Ele me dá arrepios. E onde está seu filho?

Ela não fez qualquer menção de se aproximar, muito pelo contrário: parecia pronta para recuar, fechar a porta e fingir que não viu nada a qualquer instante, pois aquele “servo” causava a ela um desconforto tamanho que Yukari sequer sabia explicar.

—Eu não tenho filhos, mulher! — Gintsune protestou.

Mas ela tinha razão, onde estava o moleque?

Talvez ele não fosse mais do que uma falácia daquele grupinho problemático preso em seu punho naquele exato momento, que haviam possuído alguma criança aleatória na rua, já pressentido que o coração de gelo de Yukari era mais fraco com fedelhos ou, no máximo, outra das criações refinadas de sua mãe, como aquele falso monge ali, pois Gintsune com certeza sabia, mais do que ninguém, como era volúvel e imprevisível o humor de sua mãe.

Muitas perguntas precisavam ser feitas, especialmente: como, quando, por que e quantos criados sua mãe havia enviado atrás dele? E aquele moleque misterioso, era uma criança que eles haviam possuído, ou outro dos shikigamis bem elaborados dela?

Mas acima de tudo:

—Por que estavam perseguindo Yukari? E o quão longe vocês foram para as chamas dela se ativarem tantas vezes? — Ele abriu a mão para libertar as três minúsculas criaturinhas e permiti-lhes alguma defesa, mas não sem antes avisar-lhes: — E é melhor terem uma boa explicação, porque aquela senhora tem centenas de servos e não vai se importa com três a menos… ou quatro, ela também pode fabricar shikigamis sempre que quiser afinal.

Aparentemente sua mãe não havia imbuído o shikigami de madeira de emoções desnecessárias como medo, pois ele nem estremeceu, mas as raposas-tubo suficiente senso de autopreservação e — talvez acreditando que dessa forma poderiam se esquivar mais facilmente de um possível ataque, ou ainda que despertariam alguma misericórdia no gentil filhote de sua mestra — estremeceram se diminuindo até serem quase tão pequenos quanto palitos de fósforos.

—O jovem mestre nos ordenou! — a primeira confessou estridente.

—Ele é o líder da missão! — a segunda concordou imediatamente.

—Nós precisamos encontrar os filhotes da mestra, mas o jovem mestre disse que seria mais fácil atraí-los até nós do que persegui-los, e aquela mulher era a isca ideal!

Eles disseram “os filhotes” o que significava que não estavam apenas atrás dele, mas de sua linda irmã também, então talvez Gintsune não estivesse em nenhum tipo de problema e os criados enviados por sua mãe fossem simplesmente mensageiros.

Mas e aquela história de “jovem mestre”? Porque as kudakitsune se refeririam a um shikigami assim? Será que sua mãe havia criado um a imagem e semelhança de Gintsune quando filhote e por isso agora Yukari estava tão certa que ele tinha um filho? Isso era bem possível… a mãe dele sempre teve um senso de humor imprevisível e incompreensível.

Do ponto de vista de Yukari — que não podia enxergar as raposinhas — era apenas como se Gintsune estivesse tendo sua pergunta ignorada por aquele falso monge que não queria ou não podia respondê-lo, e por isso ele decidiu mudar de pergunta:

—E cadê esse jovem mestre que os está lid…?

Mesmo tão longe, a explosão foi tamanha que deu a impressão de ter sido ouvida por toda a cidade, bem como o clarão que iluminou momentaneamente os céus quando um raio invertido de cor verde subiu aos céus.

—O jovem mestre!

Os três criados gritaram em pânico antes de dispararem como flechas, voando para aquela direção.

—Eu voltarei logo! — Gintsune prometeu apressadamente a Yukari colocando-se diante dela com um piscar de olhos — Essa coisa não vai mais te seguir, e tranque a porta!

Prometeu pegando-a pelos ombros, beijando-a rapidamente e desaparecendo antes que ela pudesse expressar qualquer reação e então, quando Yukari deu por si, aquela coisa — que Gintsune havia acabado de dizer que não a perseguiria mais! — estava vindo diretamente na direção dela, se aproximando mais do que em quaisquer uma das vezes anteriores. E, com o coração aos saltos, ela percebeu que, no lugar de um rosto, havia somente uma face lisa de madeira, até que vestiu uma máscara humana para adquirir uma face, mas… estava errado, pois seu novo rosto tinha uma aparência humana com traços finos e definidos e, de forma alguma, parecia uma máscara de madeira.

—Não chegue perto ou eu…!

Ignorando-a completamente o shikigami abaixou-se para pegar o baú do chão e colocá-lo nas costas, e puxou do cinto o que parecia ser uma máscara de raposa branca ao levantar-se.

As máscaras de raposas eram como ímãs: a raposa negra sempre atrairia a raposa prateada para si e vice-versa. Então o shikigami ergueu a máscara diante dos olhos — sem realmente colocá-la no rosto — e olhou para a direção onde a máscara de raposa negra havia desaparecido.

Não demorou mais do que dez segundos até seu par responder e vir voando de volta da direção para onde fora chutada antes.

Certo. Mokujin amarrou as duas máscaras juntas — como elas deveriam ficar — e prendeu-as ao cinto, ele não podia continuar perdendo tempo, os filhotes de sua mestra o aguardavam.

Ele se foi pela direção onde ficava a ladeira dos fundos, talvez Yukari devesse sugerir ao pai que cercassem aquela área e instalassem algum portão afinal… passando a mão pelo pescoço rígido, ela entrou e fechou a porta atrás de si, mas parando por um momento, olhou para a porta fechada, será que realmente faria alguma diferença se, a partir de agora, eles passassem a usar trancas e cercas?

Provavelmente não.

Deu de ombros e voltou para o quarto.

Estava tudo bem…

Por alguma razão, essa frase ficava se repetindo como um mantra em sua cabeça a cada passo.

A jaqueta de Gintsune ainda estava caída no chão, assim como os sapatos dele, quando ele havia tirado os sapatos?

—Ai minha n…! — Yukari ofegou.

A cama dela estava uma bagunça também.

—Ai minha nossa!

As bochechas da garota se tingiram intensamente de vermelho e a cor se espalhou a partir dali por seu rosto, pescoço e, inclusive, orelhas como um incêndio avassalador.

Cobriu a boca com uma das mãos, fechando os olhos momentaneamente sem saber para onde olhar, antes de cambalear até a cama e sentar-se com a respiração pesada, o espelho da porta de seu guarda roupa refletiu a cama bagunçada atrás dela.

De jeito nenhum! Colocou-se de pé com um salto e pôs-se a caminhar de um lado para o outro no quarto.

O que… o que, em nome dos céus, tinha acontecido ali?!

Ela havia dito para ele rejeitá-la, tinha certeza disso, puxou as tranças como se quisesse se enforcar com elas e ele também havia falado sobre não dever ter pensamentos impróprios com uma amiga, então como haviam acabado naquela situação?! O que ele estava pensando? O que ela estava pensando? E ele tinha até mesmo visto…! Ai!

No limite, Yukari abaixou-se com o coração latejando nos ouvidos e, escondendo o rosto entre os joelhos e apertando firmemente as mãos contra a boca, gritou abafadamente até perder o fôlego, contorcendo os dedos dos pés até que, de repente, colocou-se de pé novamente, ofegante, e voltou a puxar as tranças antes de jogar-se na cama, usando agora o travesseiro para cobrir seus gritos enquanto sacudia as pernas, como se estivesse nadando as olimpíadas.

Ela provavelmente havia enlouquecido.

*.*.*.*

A maioria dos onis não tinha a capacidade de voar, mas Hikari não era como a maioria dos onis, afinal ela era a deusa oni!

E nos céus era livre!

Abrindo os braços, a pequena deusa riu e rodopiou, aproveitando sua liberdade.

Se ela quisesse, Hikari poderia até mesmo atravessar os mundos e chegar ao plano divino, e não apenas isso, mas seu dom divino também permitia a ela ver o futuro sempre que quisesse, especialmente quando se tratava de seu próprio futuro, por isso, por mais que muitos desejassem consumir seu coração divino, ela nunca fora pega desprevenida… até agora.

A dor lacerante a atingiu antes que Hikari pudesse gritar.

De repente suas costas haviam sido rasgadas por garras cruéis e as imaculadas asas brancas — sua herança divina — arrancadas por uma besta em pleno ar.

—Para ver o sorriso dela, rasgarei céus e terra e inclusive tomarei essas alvas plumas divinas, ainda que as tenha que macular com sangue.

A fera rosnou-lhes enquanto a visão de Hikari turvava-se e obscurecia-se com tons de vermelho e negro.

E então ele a soltou e a pequena deusa despencou dos céus.

Hikari abriu os olhos de repente, estava deitada sentindo o coração pulsar em seus ouvidos e a respiração irregular, estava viva, inteira.

O que foi isso? Um sonho ou uma premonição? Nem sempre era fácil diferenciá-los, então para certificar-se seria melhor se desse uma espiada no destino agora mesmo, ou era o que pretendia fazer se não tivesse sido surpreendida por uma pequena mãozinha pegajosa se espalmando no meio de sua testa.

—Abuh!

O pequeno Akio estava sentado ao seu lado olhando-a com seus grandes e redondos olhos púrpura, enquanto uma bolha de baba estourava em seus lábios.

O único problema é que ele estava sentado no colo da raposa feiticeira.

—Ora querida, nós a acordamos? Sinto muito.

A raposa riu despreocupadamente quando Hikari sentou-se sobressaltada.

—Onde está meu pai? E os outros onis? — ofegou.

—Oh bem… talvez a bebida que preparei tenha sido um pouco forte demais para eles? — a raposa deu uma risadinha — Mas não se preocupe minha querida, eles são onis adultos, então mesmo se era um veneno forte o suficiente para derrubar metade dessa cidade… ou um pouco mais, certamente eles acordarão em uma hora ou duas. Eu precisei fazer isso, entende? Homens são tão super protetores às vezes… e se eu tivesse simplesmente os trancafiado com um selo ou enfeitiçado, o dragão apareceria aqui em um piscar de olhos.

Após todo aquele período recolhida com sua dor, um dia Furin e o marido havia simplesmente abandonado o castelo e voltado à floresta como antes, porém dessa vez não havia pegadinhas nem youkais se perdendo, e a raposa prateada sequer surgia para eliminar os insolentes que vinham em busca do coração de Hikari — consequentemente, perturbando a paz de sua amada esposa — e, se não soubessem, era como se nem sequer estivessem lá.

Mas estavam.

Tudo era tão estranho que Ryosuke inclusive viera em busca das previsões da deusa oni para a cidade e as raposas.

“Eu vejo duas formais terríveis e mortais: a sombra prateada leva a morte para onde quer que vá, e brevemente ele partirá em busca dos cinco tesouros, mas a sombra negra permanece na floresta aguardando em silêncio sepulcral, porém a cidade e seus habitantes não serão tocados: eles não possuem o que é necessário”.

Essas palavras haviam tranquilizado o dragão até certo ponto, mas Hikari ainda estava um pouco inquieta, “não serão tocados” significava realmente que ficariam bem, ou apenas que as raposas não sujariam suas mãos quando quisessem eliminar todos?

Era suspeitosamente com a calmaria antes da tempestade.

E agora ali estava a raposa negra de volta ao castelo onde seu amado bebê havia desaparecido, o que significava que a raposa prateada já iniciara sua caçada ao tesouro.

Agora a feiticeira parecia quase ter voltado ao seu estado “normal” — embora não houvesse nada de normal naquela mulher —, deliberadamente rindo enquanto invadia os aposentos alheios, envenenava incautos e sequestrava bebês — pois Hikari duvidava que Mayu-chan simplesmente tivesse deixado Akio com aquela mulher instável — mas ainda tinha os cabelos desgrenhados e roupas rasgadas, além da pele notavelmente mais pálida demarcada pelos arranhões não totalmente cicatrizados feitos por suas próprias garras e espalhados pelo rosto, pescoço e braços.

Na verdade ela parecia até meio louca agora.

Mesmo assim, com certeza era engraçado imaginar como estariam embaraçados seu pai e o resto dos onis, guerreiros tão orgulhosos, quando acordassem e descobrissem que foram enganados e nocauteados por uma simples garrafa de bebida ao acaso, sequer um ataque ou um feitiço de verdade.

—Ah, compreendo, espero que papai não fique com dor de cabeça. — Hikari riu unindo as mãos junto ao rosto — Amo-os, mas meninos às vezes atrapalham demais. — ela estendeu as mãos para o bebê no colo da raposa — É claro que não estamos falando de você, fofinho.

—Oh não, ele é tão querido, como poderíamos estar falando dele? — a raposa concordou entre risadas.

—Mas por que veio até mim, raposa feiticeira? — Hikari perguntou esfregando a ponta do nariz no nariz do bebê, enquanto ele esticava as mãos tentando agarrar seus chifres — Por acaso quer uma previsão? Mas já aviso que elas não são gratui… ai! Ai! Ai!

Akio tinha uma força de agarre surpreendente para um bebê tão pequeno: tão logo ele conseguiu alcançar um dos chifres da deusa oni, agarrou-o com ambas as mãos e pendurou-se ali como se tentasse arrancá-lo.

—Suas previsões, garotinha? — o sorriso congelou no rosto de Furin e ela inclinou a cabeça levemente de lado, segurando o próprio antebraço com força — Por que eu estaria interessada nas visões de uma criança que sequer pôde avisar-me sobre meu querido bebê desaparecendo naquele evento horrível? Ou pior: em um futuro onde não tenho nenhum de meus amados filhotes?

O sangue começou a pingar do antebraço de Furin, resultado dos quatro novos machucados que ela própria se provocara, cravando as garras na carne, manchando o futom de Hikari, e a cor escarlate brilhante pareceu chamar a atenção de Akio, que largou o chifre da deusa oni.

—Abuh!

Balbuciou inclinando-se na direção do sangue, mas Hikari o segurou onde estava.

—Que pena senhora, mas só sou capaz de prever livremente o meu próprio destino, se quero prever o destino de terceiros, alguém deve perguntar-me sobre eles primeiro.

De repente Furin agarrou o rosto da jovem deusa oni com ambas as mãos, manchando sua bochecha com sangue e encarando-a com olhos vítreos.

—Então como não previu o que poderia acontecer-te se essa pobre e dedicada mãe que vos fala fosse afastada de seu último pequeno e indefeso filhote? — perguntou com voz impassível.

De repente as portas do aposento da deusazinha foram abertas com a chegada de uma nova intrusa:

—Furin-sama! — Mayu ofegou em seus trajes de dormir — Será que a senhora pode, por favor, parar de sequestrar meu bebê?!

—Ah, Mayu-chan, bem vinda querida! — Soltando a deusazinha, Furin voou direto para Mayu e abraçou-a. — Não era minha intenção preocupá-la, mas você devia ser mais cuidadosa: seu lindo bebezinho estava engatinhando sozinho pelo castelo e seguiu-me… pode imaginar?

—E foi ele também quem deixou um boneco de neve no cesto e um bilhete? — Mayu afastou-se dos braços da raposa negra. — Levei um susto quando fui amamentá-lo!

—Que menino prodigioso, não concorda? — Furin riu dobrando as pernas sob o corpo e unindo as mãos enquanto flutuava no ar. — Eles são tão preciosos nessa idade, me lembro dos meus pequeninos: bolinhas de pelos adoráveis, com os olhinhos fechados, se arrastando e fungando enquanto farejavam o leite materno… oh, que infeliz eu sou!

Ela soluçou sofregamente caindo de joelhos no chão e curvando-se.

—Fuirin-sama, por favor, os seus filhotes estão bem, tenho certeza… Gintsune sabe se cuidar, e certamente a irmã dele não é diferente. — Mayu ajoelhou-se preocupada, segurando-a pelos ombros numa fraca tentativa de ampará-la — E o pequeno Anko é muito esperto… e não está sozinho também!

—Mas então por que ainda não entraram em contato com essa linda e preocupada mãe?! — Furin ergueu-se de repente, agarrando os braços de Mayu — Eu sinto em meu coração cada centelha disparada por meu raio de sol, mas ainda assim não posso alcançá-lo Mayu-chan! Como isso é possível? Estaria meu querido raio de sol insensivelmente evitando sua linda mãe e se recusando, inclusive, a fechar os olhos para não me ver?!

Ela estava fora de si! Mayu compreendeu um pouco assustada.

—E o que faz uma mãe desesperada quando parece que nada mais se pode ser feito? — Tennyou Hikari provocou-as com um tom jocoso enquanto distraia o pequeno Akio balançando os dedos luminosos diante do rosto dele — Recorre à providência divina! É por isso que está aqui, não é senhora? Veio ou não em busca de minhas previsões?

Afinal, por mais descontrolada que estivesse, a feiticeira não fora até ali com uma intenção hostil, Hikari saberia se assim fosse.

Ela nunca seria atacada de surpresa.

E se suas razões não eram hostis, que outro motivo teria para ir vê-la?

—Oh minha doce e ingênua deusa oni. — Furin suspirou ao ouvido de Hikari, abraçando-a por trás, mesmo entre youkais, a habilidade dela de estar e um lugar e depois outro era de arrepiar — Acho que acabei de dizer-lhe isso, mas que interesse eu teria nas previsões de uma criança que sequer pôde dizer-me sob minha preciosa luz sendo tomada?

—E então?

Akio conseguiu capturar um dos dedos luminosos da oni e colocou-os na boca ao mesmo tempo em que a raposa tocava com as pontas dos dedos o ponto entre suas escápulas.

—Eu estive estudando dia e noite sobre como reaver meus amados filhotes, e penso que há certos… tesouros, que poderiam ajudar-me a rever nossos amados filhotes. Mas havia algo nos agouros que li e pareceu-me um tanto dúbio, por isso precisava confirmar por mim mesma.

Enrijecendo, de repente Hikari teve sua mente tomada pela lembrança do sonho que tivera e sentiu a visão turvar-se com vermelho.

—A que tesouros você está referindo, se é que posso saber, Furin-sama?

Mayu perguntou cuidadosamente.

Ouvindo a voz da mãe, o pequeno Akio perdeu o interesse nos dedos da deusa oni e soltando-a, moveu-se para sair de seu colo e começar a engatinhar na direção de Mayu.

—Madeixas forjadas como lâminas, para cortar o véu espiritual; o assoalho da ponte divina, para fazer a travessia; dor cristalizada, pois em dor fomos separados e pela dor serei guiada; mil anos de orações proscritas, pois será o passe divino que estarei usurpando; e uma imaculada prova de amor divino, como alicerce.

A cor fugiu ao rosto de Tennyo Hikari, ninguém jamais poderia atacá-la de surpresa…

“… tomarei essas alvas plumas divinas, ainda que as tenha que macular com sangue.”

…mas nem sempre era fácil definir o que era sonho e o que era premonição.

*.*.*.*

Aquele pedaço de pau estúpido!

Como ele ousava prender Anko dentro de uma barreira?!

O pequeno filhote rosnou irritado eriçando os pelos.

A magia protetora de sua mãe repelia qualquer ataque ou feitiço que fosse lançado contra ele, por isso aquele boneco estúpido não conseguia capturá-lo com seus selos de segunda mão espalhados pela cidade, mas uma barreira era uma história diferente, porque aquele encantamento não procurava atacar ou aprisionar o filhote, mas meramente mantê-lo afastado.

A barreira estava repelindo-o e o encanto de sua mãe repelia a barreira, como resultado ele não conseguia sair da cidade, era exatamente o mesmo truque que sua mãe usava quando o prendia no território dela.

E mesmo quando insistiu, tudo o que conseguiu foi esgotar os raios de sua mãe, mas mesmo que não estivesse mais o repelindo, a barreira ainda era como uma parede intransponível e ele continuavam preso naquela droga de cidade!

Quem aquele shikigami achava que era? Anko o transformaria num monde de lenha para o inverno!

E agora aquelas coisas nojentas estavam se acumulando e se aproximando ainda mais do que antes em torno dele, chamando-o incessantemente:

—Pobre filhote… pobrezinho…

—Oh coitadinho… ele está sozinho…

—Sozinho… ei venha cá… vamos brincar…

—Não precisa ficar sozinho…

—Sabemos onde é a saída… vem cá…

—Vem cá filhotinho…

Eles ainda estavam hesitantes em se aproximar depois de todos aqueles raios, mas não demorariam a cair sobre ele, não importava, pois Anko não tinha medo deles:

—Deixem-me em paz, estou tentando pensar! — ladrou raivosamente.

Dar atenção àquelas criaturas era a pior coisa a se fazer sozinho em uma floresta à noite, mas o filhote não tinha tempo para pensar sobre isso, toda barreira precisava de um alicerce para ser mantida, e destruindo ou incapacitando o alicerce, desfazia-se a barreira, geralmente o alicerce era o próprio ser que a invocava, mas isso era impossível para aquele boneco estúpido, pois ele não tinha energia própria, o que significava que ele só podia ter usado algum item preparado antecipadamente por sua mãe para estabelecer a fronteira.

Se ele conseguisse achar o alicerce e quebrá-lo, estava livre.

O problema era que, dependendo da extensão da barreira, o alicerce podia estar em qualquer lugar, então como ele acharia essa coisa? Os raios de há pouco haviam incendiado duas ou três árvores perto dali, e as chamas haviam começado a se espalhar, mas o pequeno filhote não estava interessado nisso enquanto resmungava consigo mesmo e tentava encontrar uma maneira de localizar aquele pedaço de lixo inútil… pelo menos não até que uma ventania de repente pôs fim às chamas, tal como se apagassem velas e, antes que ele se desse conta, algo o agarrou pela parte de trás do pescoço e arrancou-o do chão.

E o pequeno filhote já não contava mais com nenhuma proteção mágica.

—Me solte! — esperneou tentando morder e arranhar — Ou juro que vai pagar caro!

—Uau, essa coisa fedida está imunda! — uma voz mais alta e clara que a das estranhas e nojentas criaturas que constantemente assediavam o filhote falou — Eu quase o confundi com um daqueles insetos asquerosos, se não fosse pelo fato de que eles estavam tentando devorá-lo até agora pouco!

É verdade, não só o fogo havia sido apagado, mas aquelas coisas haviam desaparecido também, como se houvessem simplesmente batido em debandada.

O filhote foi erguido ainda mais alto e virado para ver-se olhando de cima para… o rosto do pai. Ele ficou sem ação por meio segundo, até perceber que não havia qualquer traço sanguinário ali, e os olhos cinzentos só transpareciam curiosidade e, talvez, alguma aversão… ah, então devia ser esse o filhote tão amado de sua mãe.

—Não me diga que é você o fedelho de quem ouvi falar? — o recém chegado cobriu a boca e o nariz com a mão livre — Caramba, como Yukari confundiu essa bola de lodo com um filhote de raposa?

O estúpido irmão mais velho de Anko!

Trincando os dentes o filhote negro assumiu repentinamente sua forma humana e chutou aquele otário bem no meio da cara, usando-a como impulso para saltar para longe, livrando-se do idiota.

—UOU! Seu pequeno…! — Gintsune curvou-se pressionando o nariz dolorido.

—Há! Otário! — riu saindo correndo por entre as árvores.

Mas assim que se virou novamente, acabou trombando com a raposa mais velha novamente e caindo de costas no chão.

—Aquilo doeu seu moleque sujo, você podia ter quebrado meu nariz! — Gintsune reclamou diante dele com um leve tique no olho esquerdo e um sorriso irritado enquanto limpava com as costas da mão o filete de sangue que lhe escorria do nariz. — Ninguém te ensinou a não tocar no rosto de alguém bonito?! Minha beleza é meu único atrativo para Yukari!

—Então é bem feito para você seu estúpido! — Anko mostrou-lhe a língua e tentou levantar-se para fugir novamente, mas acabou sendo pego e erguido pelo calcanhar — Argh! Me solta!

Ele tentou chutar o mais velho novamente, mas dessa vez Gintsune já esperava o golpe, e acabou agarrando seu outro pé também.

—Não tão rápido pirralho!  — Gintsune torceu o nariz, com as duas mãos ocupadas ele era obrigado a ficar sentindo o cheiro daquela criatura — E afinal, o que é você?

Ele era agressivo demais para ser um dos shikigamis de sua mãe, e obviamente tampouco se tratava de uma criança possuída qualquer, é claro que era um youkai, mas que tipo?

Yukari podia insistir que era filho dele, e os criados o tratavam como “jovem mestre”, mas, para começo de conversa, as raposas tubo nunca foram as criaturas mais espertas do mundo e não era como se Yukari possuísse um grande conhecimento em categorização de youkais.

Porém, mesmo para Gintsune, estava difícil identificá-lo, pois não havia nada em seus sentidos que lhe apontasse alguma resposta: a energia daquele moleque era quase nula, e estava praticamente impossível se concentrar nela porque seu cheiro era tão repugnante que seria mais fácil confundi-lo com um gambá morto!

Tudo o que sabia era que definitivamente não era seu filhote!

—Por que não vai catar pulgas na sua cauda e me deixa em paz? — o garoto respondeu agressivamente.

Esse pirralho…!

—Oi. — Gintsune arqueou as sobrancelhas — Esse aí é o uchikake que minha linda irmã ofereceu ao deus Inari? Por que você pegou algo tão precioso, quer receber uma punição divina…?

—Jovem mestre!

Os três criados gritaram descendo repentinamente do céu e Anko acabou se aproveitando da distração momentânea daquele imbecil para diminuir de tamanho e escapar das suas mãos.

—Por que demoraram tanto seus imbecis?!

Porém, ao invés de irem ao seu encontro, como de costume, os pequenos grandes traidores voaram direto para o mais velho se avultando em torno da cabeça dele.

—Oi, vocês três, porque esse fedelho sujo está usando o valioso uchikake de minha irmã, que foi dedicado a deus? — Gintsune perguntou-lhes seriamente, sem desviar o olhar do pirralho, do contrário o moleque podia muito bem desaparecer em um piscar de olhos. — Mamãe sempre teve dezenas de criados, mas vocês devem ser os mais descuidados de todos… ou querem morrer tanto assim?

Ah sim, o precioso príncipe de sua mãe sempre era gentil, sorridente e carinhoso… a menos que envolvesse a linda irmã dele.

“Ele é muito sério sobre sua irmã, e pode realmente lembrar um pouco meu Tamaki nesses momentos”.

Estremecendo, as três raposas tubo praticamente se atropelaram umas as outras para responder:

—Está frio e o jovem mestre é só um filhotinho!

—Inari-sama certamente não se irritaria!

—Deus não deixaria uma raposa desamparada!

—Nem a pequena dama, que ama seus irmãos!

Aquilo pegou Gintsune tão desprevenido que, momentaneamente, ele até esqueceu-se de ficar de olho no moleque fedido:

—Como é?!

—Eu me chamo Kazuki, sou o terceiro filhote da união entre a raposa feiticeira Fuuko e a besta prateada Katsuo. — Anko apresentou-se com um sorriso pretensioso, colocando-se de pé de volta à forma humana — E fui enviado aqui para rastrear e capturar os dois filhotes desgarrados: a bela Masami, e o auspicioso…

O fedelho ainda seguia falando totalmente arrogante e pomposo, mas Gintsune só conseguia ouvir um zumbido em seus ouvidos.

Não era seu filho, mas ainda assim compartilhava um laço com ele, um irmão.

Que loucura era essa?!

Mas tinha que ser verdade, afinal o moleque até conhecia seus nomes.

Cambaleando um passo para trás, Gintsune agarrou, por reflexo, o bracelete prateado no pulso esquerdo.

—Irmã! Pensou com os olhos arregalados — Masami!

*.*.*.*

Tudo era silencioso e tranquilo aos olhos da mulher que, deitada no chão, via um mundo cor-de-rosa, e sentia-se como se embrulhada em um calor letárgico.

Sorriu hesitante.

Ela não sentia dor alguma também, será que alguma vez já havia sentido esse calor em sua vida ou tamanha paz?

Esse momento, porém, foi quebrado quando seu algoz percebeu que ela ainda vivia e, agarrando-a bruscamente pelos cabelos, puxou-a para cima, forçando um grito lancinante a rasgar sua garganta.

—Por quê? — suplicou lhe arranhando o punho com garras já frágeis e quebradiças — O que lhe fizemos?! O que você quer?!

Como era possível?

Elas eram yuki-onnas em seu próprio território coberto de gelo e neve e, ainda assim, aquela besta de fogo conseguira sozinha dizimá-las como meros insetos.

Certamente não era somente uma fera caçando, pois os corpos de suas irmãs ainda jaziam mortos e mutilados espalhados em volta deles, manchando a neve, antes imaculada, com tons de vermelho e rosa, sem que ele houvesse devorado nenhuma delas.

Com mais um firme puxão de seus cabelos, o agressor forçou-a a encará-lo, seus olhos eram terríveis e pesados como chumbo.

—A mim? Nada. — ele a largou de volta na neve com descaso — O que faço é por amor apenas.

De alguma forma era ainda mais terrível ouvir aquela besta sanguinária falando de forma tão civilizada.

—Amor? — gemeu.

—Não importa se desmembra uma mulher das neves, não há dor que as fará chorar. — ele comentou como se pensasse em voz alta — Mas vendo que nem testemunhando todas as suas irmãs morrerem diante de seus olhos a fez chorar, me pergunto o que mais fará…

—Nossas lágrimas? É tudo o que quer? — uma risada de escárnio arranhou sua garganta, até ser afogada no sangue que começou a tossir — Por que iria querer algo assim… ah, na verdade não importa, é inútil, pois você e seu amor não as terão… e seu amor morrerá conosco, besta de fogo.

O rosto da fera transfigurou-se, e ele parecia a ponto de incinerá-la, podia não ter conseguido as lágrimas daquelas mulheres, mas não era como se elas fossem às últimas no mundo… até que um lamento mal contido o deteve.

Uma criança?

Tamaki virou-se, as yuki-onnas eram brancas de pele e cabelo, cheiravam tal qual a neve e nunca deixavam pegadas, mas os filhotes eram sempre os piores para serem rastreados, pois quase não emitiam energia sinistra.

—Se tivesse ficado calada, eu não a teria notado. — comentou enfiando as garras dentro da pequena cova e arrancando a criança dali.

Ela debateu-se, chutou e lamentou, enquanto engasgava-se desesperadamente a procura de ar, mas o pescoço sob os dedos dele era tão frágil que bastaria apenas um pouquinho mais de pressão para quebrá-lo.

“Se uma delas tiver uma criança” — Furin havia lhe dito — “Deixe-as em paz Tamaki, a dor de uma mãe que perde seu bebê é imensurável”.

Mas para ele não importava nenhuma dor que não fosse a de Furin, e se era por Furin, Tamaki podia suportar todos os pecados do mundo, além disso, ela não precisava saber sobre aquilo, pois só o que importava era a felicidade dela.

Ele ergueu a menina acima de sua cabeça.

—Vocês não precisam morrer aqui também. — avisou-a — Tudo o que quero são suas lágrimas, aquela ali me disse que não chorará até o fim, mas isso ainda se manterá mesmo se eu matar você diante dela como fiz com as outras? E quanto a você? Não derrama nenhuma lágrima mesmo após eu ter matado todas as suas preciosas irmãs enquanto você assistia quieta, sabendo que apenas algumas poucas lágrimas teriam as salvado? Eram todas suas irmãs, certo? Ou alguma delas era sua mãe? Está tudo bem para você que a morte delas tenha sido sua culpa também? Ou será que, na verdade, odiava a todas e estou apenas lhe fazendo um favor? Se for assim, executarei esta última e não há porque chorar por ela, mas… seja ela sua irmã ou sua mãe, se a ama de alguma forma e ainda assim não chorará por ela… será como se você mesma a tiver matado.

—Pare…! — a mulher moribunda tossiu mais um pouco de sangue, tentando arrastar-se até eles — Não diga essas coisas a ela…!

Tamaki a olhou com indiferença.

—E nenhuma lágrima ainda? Seu orgulho é realmente maior que seu amor por essa criança, ou você apenas não quer que ela morra sabendo que você sempre lhe foi indiferente?

Tamaki apertou um pouco mais o pescoço da criança.

—Pare…!

—Parece que até o final nenhuma de vocês chorará pela morte da outra, então se são ambas indiferentes à outra, que diferença faz…?

A criança em seu poder soluçou e, quando Tamaki afrouxou um pouco o aperto, uma lágrima após outra caiu dos olhos da pequena e se cristalizaram ainda rolando em seu rosto pálido, se estava chorando porque amava a irmã, ou porque a irmã não a amava o bastante para chorar por ela, ou simplesmente porque não queria morrer, pouco lhe importava, com a outra mão ele apanhou as joias em pleno ar, eram onze ao todo.

—Se quiserem buscar vingança contra mim, não recuarei, pois se deve sempre estar preparado para as consequências de seus atos. — declarou soltando-a.

Fechando o punho com as joias, Tamaki beijou os nós dos dedos.

Ele tinha agora o primeiro dos itens que Furin lhe pedira: a dor cristalizada.


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Notas finais do capítulo

Apesar dos personagens surtando e dificultando meu trabalho eu diria que esse capítulo foi mais tranquilo... certo?
Me contem o que acharam! XD



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