A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 38
37: Kitsune Udon


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por voltarem! ♥

GLOSSÁRIO:

Bardana: A bardana é uma planta originária da Eurásia e difundida na América.

Oboroguruma: Literalmente “carro sombrio”.

Udon: é um tipo de macarrão grosso feito de farinha, popular na culinária japonesa. 



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Embora fosse uma feiticeira experiente, a mãe de Gintsune e Momiji não era uma vidente, mas ainda era capaz de ler com certa precisão alguns agouros quando realmente tentava… habilidade essa que nem sua primogênita nem seu filhote mais querido demonstraram o mínimo interesse em adquirir.

Então só podemos atribuir a um grande golpe de sorte que ambos estivessem longe da propriedade Shibuya quando eles chegaram.

O Zashiki Warashi estava pacificamente andando nos corredores dos andares superiores, cumprimentando e sorrindo aos hóspedes e aos funcionários quando os pressentiu, obviamente que foi o primeiro a senti-los, pois a pousada fazia tão parte dele quanto ele fazia parte dela, então num piscar de olhos ele transportou-se para o hall de entrada, onde Chiharu cumprimentava dois homens com hábitos de monge.

—… Dama da Cerejeira, certo? — dizia um deles.

—Sim, é, embora não costumemos mais ouvir referências a essa velha história aqui já há algum tempo. — Chiharu confirmou.

—Suponho que a árvore ainda exista. — disse o monge — Nós gostaríamos de vê-la se não fosse um incômodo.

Enquanto eles conversavam, o segundo olhou diretamente para o Zashiki Warashi e sorriu-lhe tocando levemente a aba do chapéu ao inclinar a cabeça cumprimentando-o discretamente, mas o pequeno protetor ficou tão surpreso — pois fazia agora quase sete décadas que não encontrava alguém que fosse capaz de vê-lo e fosse mais velho do que uma criança de colo — que cometeu a inconcebível grosseria de não cumprimentá-lo de volta.

—Sim, é claro, o jardim fica por aqui, por favor, acompanhem-me. — Chiharu prontificou-se, guiando-os gentilmente.

O Zashiki Warashi colocou-se a segui-los.

—Esse lugar tem uma energia muito tranquilizante e relaxante. — comentou o segundo monge enquanto caminhavam — É surpreendente! Meu pai sempre me conta histórias de que quando ele estava na escola dizia-se que a pousada Shibuya era assombrada pelos espíritos vingativos de dois proprietários anteriores que foram mortos pelo próprio sobrinho que queria reaver de qualquer forma a herança de família, pois era sua por… ouch!

Grunhiu ao receber uma cotovelada do monge mais velho.

—Perdoe-o, por favor. — o mais velho pigarreou — Na verdade, devido ás recentes calamidades ocorridas na cidade, nós estamos visitando e purificando alguns dos, assim chamados, “pontos assombrados de Higanbana”, na intenção de purificá-los, embora sua pousada obviamente não estivesse na lista, pois apesar dos boatos, sejam sobre mulheres mágicas em árvores ou espíritos de proprietários rancorosos anteriores, não há nenhum registro oficial sobre quaisquer tipos de atividades paranormais ocorridos aqui, mas como terminamos antes do previsto, acabamos tendo um tempo extra, então achamos que não faria mal dar uma olhada.

—Ah sim, entendo, eu pessoalmente nunca vi nada sobrenatural aqui, então sou um pouco cética com relação a essas coisas, mas vocês estão com sorte que mamãe tenha tirado folga por estar indisposta hoje: os boatos sobre o proprietário que matou os tios para reaver a pousada se referem ao sogro dela, cuja memória ela respeita muito, então ela fica particularmente… sensível se esse assunto é trazido à tona.

Na verdade “sensível” era uma escolha de palavras bastante generosa de Chiharu, pois Tsubaki ficaria furiosa, e o Zashiki Warashi não podia culpá-la, ele lembrava-se daqueles dois sujeitos, um par ganancioso e mesquinho que só visavam o dinheiro e não se importavam absolutamente em nada com o sonho construído tão duramente pelo avô deles, Joichirou, e sim, é verdade que um deles havia morrido ao cair de uma escada e o outro desapareceu, mas Takane não fora responsável por nada disso e tampouco seus espíritos obsessores nunca estiveram presentes na pousada!

Apenas boatos e calúnias!

—Perdão, eu realmente não tive intenção de ofender. — desculpou-se o monge mais jovem.

O Zashiki Warashi parou erguendo os olhos, pois mesmo que o monge estivesse de costas para ele, tivera a nítida impressão de que na verdade as palavras dele dirigiam-se a si.

—Está tudo bem, não há problema. — Chiharu respondeu-lhes, tranquila como sempre, enquanto abria as portas de correr que davam acesso ao jardim — E aqui está: a famosa cerejeira.

Os monges adentraram um passo no jardim… e detiveram-se.

Chiharu curvou-se.

—Por favor, podem ficar a vontade, se necessitarem de qualquer coisa basta chamar.

Então ela retirou-se, mas o Zashiki Warashi ficou para trás, engolindo em seco e parado rigidamente.

—Há algo de suspeito. — disse o monge mais velho, quando estavam “a sós”, ele passou a mão pelo queixo — Mas não consigo dizer o que… o que acha?

O monge mais jovem caminhou um pouco pelo jardim, aproximando-se da cerejeira.

—Não sinto nada de anormal, na verdade o ar aqui chega a ser tão livre de impurezas que é até reconfortante. — afirmou tocando o tronco da árvore, e olhando por cima do ombro para o parceiro, completou sorrindo: — Um lugar de bons agouros, eu diria.

Com um leve salto, o Zashiki Warashi estava no jardim junto com eles.

—Entendo o que quer dizer. — concordou o monge mais velho — De fato não sinto nada de anormal por aqui, tudo parece bem… é só um… pressentimento. — ele olhou a volta, desconfiadamente — Ou pode ser que eu esteja apenas cansado.

—Com certeza estamos cansados. — concordou o mais jovem rindo despreocupado.

Por favor, o pequeno protetor suplicou a quem quer que pudesse ouvir suas preces naquele momento, que as raposas não retornassem agora!

Pois independente de elas terem sumido repentinamente, ele sabia que voltariam em breve, especialmente aquela mais atrevida, que nunca se afastava dos calcanhares da filha de Daisuke… mas parando para pensar agora, na verdade, as raposas estavam sumidas desde cedo, o mais jovem nem havia acompanhado a filha de Daisuke à escola como fazia diariamente.

Onde será que estavam?

Só esperava que não estivessem na cidade causando mais problemas, isso era ruim para os negócios.

Na verdade, isso até seria uma possibilidade, já que Gintsune havia explicado à irmã que poderiam encontrar facilmente tudo o que precisavam no supermercado da cidade — Está certo que ele não era nem metade tão “super” quanto os que haviam encontrado nas cidades grandes, mas ainda dava para o gasto — porém sua querida irmã preferia recolher os ingredientes ainda puros e evitar tanto quando possível que sua comida fosse tocada pelas mãos imundas de reles humanos.

Então foram à nascente do rio que cruzava Higanbana e, espreguiçando-se, Gintsune acomodou-se em sua forma animal em um galho enquanto observava a irmã perambulando por entre as árvores com uma cesta pendurada no braço, para recolher tantas raízes e vegetais comestíveis quanto possível.

Sinceramente nenhum deles tinha grandes habilidades culinárias, e por que teriam? Afinal esse era o estilo de vida ao qual foram ensinados: Gintsune sempre tomou tudo o que quis e sua irmã era tão encantadora que todos se atiravam aos seus pés e imploravam para servi-la assim que a conheciam, mas ele sentia que, por alguma razão, ela ainda gostava de simplesmente passear pela floresta e colher coisas por si mesma.

Mesmo estando apenas no começo, o inverno já levara quase por completo toda a folhagem das árvores, fazendo a paisagem ser tomada por tons secos de marrom, cinza e preto, então hoje as roupas trazidas de Kyoto por sua linda irmã, que tinha crisântemos estampados com tons de marrom sobre marrom no furosode e as hakamas vermelho escuro praticamente deixavam-na camuflada, fazendo-a desaparecer e reaparecer continuamente por entre as árvores enquanto ele imaginava que tipo de lendas encantadas os humanos criariam se a vissem naquele momento.

Seus olhos estavam pesando e já haviam começado a se fechar…

—To-chan, talvez seja melhor partimos logo.

Gintsune ergueu a cabeça repentinamente.

—O que?! — surpreendeu-se.

A irmã acomodou mais algumas coisas em sua cesta enquanto se aproximava.

—Você se lembra das regras de papai? — ela sentou-se sob a árvore onde ele estava, deixando a cesta ao seu lado — Não é bom ficarmos parados em um mesmo lugar por muito tempo, isso pode atrair… atenções indesejadas.

—Não… não estamos atraindo atenção alguma. — mas enquanto dizia isso, sentiu as palavras se embolarem em sua boca e a língua tornar-se pesada, aquilo não era realmente verdade, era? Ele definitivamente não poderia mentir para ela — Bom… talvez um pouquinho.

Precisava falar-lhe sobre os monges e o plano de purificação da cidade que eles tinham.

—Você disse-me que queria ouvir algumas histórias daquele contador, nós já as ouvimos. — Momiji olhou-o paciente — Temos que ir agora.

—Mas…

—Ontem encontrei com alguns monges. — ela contou-lhe arrancando algumas folhas longas da grama próxima de si.

—O que?! — Gintsune colocou-se de pé sobre o galho com um pulo, fazendo a árvore perder a maioria das poucas folhas que ainda lhe restavam.

A irmã continuou calmamente arrancando a grama.

—Eles não me viram. — acrescentou começando a trançar a grama — Mas eu ouvi uma parte da conversa deles, acho que estavam ali para algum trabalho de purificação genérico, talvez, então não é como se estivessem caçando especificamente a nós ainda, mas mesmo assim…

Ah… ele precisava falar-lhe agora.

Gintsune saltou para o chão, e sentou-se envergonhado e de cabeça baixa diante da irmã.

—Os monges… — ele não conseguia encará-la — Eles acham que a raposa de Higanbana se libertou depois que a estátua foi quebrada, e agora está amaldiçoando a cidade, por isso querem fazer uma cerimônia de purificação.

Momiji ergueu o olhar deixando seu trabalho de grama trançada sobre o colo.

—Bem, eu estou livre. — concordou — Mas não estou amaldiçoando ninguém, coisas como rancor e vingança é apenas um grande e desnecessário gasto de energia e tempo, especialmente quando não resta ninguém vivo de quem eu supostamente deveria guardar algum ressentimento. — Sua irmã era mesmo tão sublime…! — Mas isso só torna a situação ainda mais séria do que eu imaginava, To-chan, precisamos ir o quanto antes, imediatamente seria melhor.

Momiji suspirou retomando seu trabalho de trançar a grama.

O coração de Gintsune bateu descompassado, sua irmã tinha razão, ele sabia que tinha, mas ainda assim…

Sem erguer os olhos de seu trabalho, Momiji declarou:

No dia em que eu for infiel a você;

As ondas do oceano;

Irão alcançar o pico do Monte Suenomatsu.

Ela firmou um último nó e completou:

Minhas mangas surradas e machadas de lágrimas;

Certamente irão te provar que a esperei;

Esperei até ver as ondas encobrirem o monte Suenomatsu.

Gintsune fez uma careta, inclinando levemente a cabeça.

—Eu sei que estivemos muito tempo separados enquanto esperava por mim, mas…

—Não me refiro a mim.

—Não?

Os olhos da irmã ergueram-se, límpidos e dourados, olhando-o como se desvendasse Gintsune desde o âmago, inclusive as partes desconhecidas a ele próprio.

—É a garota.

—O que? — piscou desconcertado, erguendo a cabeça.

—Isso está errado.

—N-não é bem assim…! — Gintsune espantou-se, atrapalhando-se com as palavras — Eu só…!

Mas sua irmã estava olhando para o boneco de palha torto e mal finalizado que tinham na mão.

—Não era bem assim que mamãe os fazia…

Ela apertou suavemente os lábios, desfez o boneco e começou a refazê-lo.

Mas dessa vez sua querida irmã estava enganada, não era por Yukari que ele queria ficar em Higanbana… não era por ela, quer dizer, ele apenas gostava da cidade, era um lugar interessante, só isso, bem diferente daquela colegial ranzinza de trancinhas!

Agora mesmo ele apostava que ela estava na escola, comendo um almoço bem sem graça e pensando no quão tediosa sua vida era sem ele…

Yukari sobressaltou-se, ofegou e estremeceu, balançando-se inconscientemente de um lado para o outro, mas por fim seus braços penderam e ela suspirou derrotada.

—Yuki você perdeu de novo. — Kaoru comentou sorrindo diante dela, com o rosto apoiado entre as mãos.

Ah… ela parecia um pouco melhor agora.

Yukari deu de ombros e sorriu derrotada, devolvendo o celular para a amiga.

—Sou ruim com jogos. — admitiu — E… com celulares em geral, na verdade.

As duas estavam almoçando sozinhas, pois a representante fora chamada à sala dos professores — se para resolver assuntos de representante de classe ou para ser repreendida novamente por seus brincos, meias pretas e saia curta, elas não tinham como dizer.

—Shibuya como estão seus planos para o próximo final de semana? — a representante perguntou-lhe retornando de repente.

—Planos? — Yukari franziu o cenho — Acho que vou trabalho, só isso.

Podia até estar vendo coisas, mas por um instante teve certeza que o olhar da representante dizia claramente “que tédio” enquanto ela se sentava.

—Hum… — ela fez apoiando o rosto em uma das mãos e girando o hashi entre os dedos da outra — mas será que não poderia ter uma folga?

As sobrancelhas de Yukari se uniram ainda mais.

—Para que?

—Para que você não tenha um curto circuito de tanto trabalhar. — a representante suspirou alto — Não, falando sério escute: parece que todas aquelas histórias sobre raposas e maldições assustaram Nishiwake para valer mesmo… — ah, ela não fazia ideia do quanto, Yukari desviou o olhar rapidamente para seu almoço — Por isso eu sugeri que fôssemos juntas à cerimônia de reinauguração e purificação da estátua da Raposa de Higanbana, para tentar deixá-la mais tranquila, entende? E Hongo também vai, não é Hongo?

—Minha família precisa mesmo de um pouco de boa sorte. — Kaoru admitiu encabulada — Quero dizer…! Estou mais aliviada agora que tio Daisuke nos ofereceu o dinheiro necessário para reabrir a loja, embora provavelmente não seremos capazes de o fazer antes do próximo ano, nós todos estamos realmente muito gratos, inclusive vovô. — Yukari assentiu, mas Kaoru era muito gentil em suas palavras, o pai de Yukari não havia simplesmente emprestado o dinheiro pela bondade de seu coração, ele havia investido e certamente esperava algum retorno disso, além de que para Yukari era difícil associar um sentimento como “gratidão” a alguém como o tio-avô Tatsuemon — Mas ainda assim seria bom rezar e agradecer por um pouco de proteção e boa sorte.

—Ah, mas acima de tudo Nishiwake foi bem incisiva ao insistir que você deveria ir também Shibuya. — a representante prosseguiu — Então é melhor arranjar um tempinho livre e ir, entendeu?

—Eu… — Yukari não soube como responder àquilo, em primeiro lugar porque ter ou não algum tempo livre não dependia dela, e em segundo porque ela realmente não queria ir.

Mesmo que Aoi-chan estivesse tão apavorada e preocupada com ela, pelo que quer que tivesse visto e ouvido, Yukari ainda assim destruíra impiedosamente o amuleto de proteção que ela lhe presenteara, e agora ela a queria presente em uma cerimônia que supostamente serviria para repelir raposas.

Ah… de jeito nenhum Yukari queria ir naquela cerimônia, sinceramente, essa devia ser a primeira vez em sua vida que ela se sentia aliviada por ter um pai tão rígido

Mas Yukari não queria afastar Gintsune de si… embora talvez fosse melhor para ele que se mantivesse longe agora, talvez já até tivesse ido, afinal ela não o vira hoje pela manhã…

Um braço envolveu-lhe os ombros e a puxou.

—Yo Yukari! — a dita raposa cumprimentou-a repentinamente — O que faz por aqui?

Yukari quase pulou para fora de seu casaco cor de rosa e, do fundo de sua garganta, ela emitiu o que foi provavelmente o som mais estranho de toda a sua vida.

—Sou eu quem devia te perguntar isso! — ela tentou empurrá-lo, mas ele não se afastou nem um centímetro sequer — Me solte estamos no meio da rua!

—Apenas se acalme ou vai acabar caindo. — ele respondeu calmo enquanto a soltava cuidadosamente.  

Ele ainda estava usando o quimono que ela lhe fizera, mas hoje colocara também o conhecido chapéu de palha que lhe cobria metade das feições, além de um haori e um cachecol — quase certamente roubados.

—É você quem acaba com a minha calma. — ela acusou-o por entre os dentes, puxando a gola do casaco para cima de um jeito constrangido. — Como pôde fazer uma coisa dessas na frente de tanta gente?!

Gintsune cruzou os braços, inclinando a cabeça de lado, fazendo o grande chapéu de palha oscilar.

—Então tudo bem quando não tiver ninguém olhando?

—Não foi o que eu quis dizer! — ela chiou. — Minha mãe pediu-me para ir à farmácia depois da escola, vovó está indisposta hoje, mas eles não fazem entregas a domicílio e nem ela nem papai podem sair da pousada agora.

—Indisposta? — ele sorriu-lhe zombeteiro — De ressaca, você quer dizer.

Yukari franziu o cenho, e recomeçou a caminhar em passos largos.

—E não mude de assunto, por que ainda está aqui? — questionou contrariada, quando ele se pôs ao seu lado, e seu tom de voz foi baixando gradativamente: — Eu te disse que era perigoso… os monges…

—Ah sim, aquilo… na verdade eu falei com a minha linda irmã e ela também ficou um pouco preocupada. — ele falava de uma maneira absurdamente despreocupada, como se não fosse nada demais — Mas hoje mais cedo nós colhemos muitos vegetais e achei que seria uma pena partir sem comê-los antes, então pensei que deveríamos fazer um ensopado com eles, e vim até a cidade conseguir uns últimos ingredientes. — só então ela reparou que ele estava segurando uma sacola de supermercado em uma das mãos. — Ah, dessa vez, não roubei nada do que está aqui. — ele garantiu ao perceber o olhar dela — Peguei a carteira de Kakeru emprestada para pagar por tudo!

Oh céus! Pobre professor Haruna!

Yukari estava revirando os olhos de desgosto quando Gintsune agarrou seu braço.

—Você devia vir hoje à noite ao jardim e comer conosco. — sugeriu de repente.

Ela puxou o braço, olhando-o alarmada.

—Está louco? Sua irmã odeia-me, ela sempre me olha como se me quisesse ver morta!

—Ah, isso? — Gintsune enfiou as mãos nas mangas — Não leve para o lado pessoal, a irmã olha assim para praticamente todos, com exceção de mim, é claro.

Ás vezes a despreocupação com relação a praticamente tudo dele não era só desconcertante e absurda, mas também muito irritante!

Yukari suspirou alto, vendo o ar se condensar diante de seu rosto.

—Ouça Gintsune, minha convivência com você certamente me levou e ainda leva a fazer muitas coisas imprudentes, mas eu não vou…!

—Por favor. — ele a interrompeu de repente, e aquela mera palavra pareceu tão deslocada em seu vocabulário que Yukari inclusive parou de andar, subitamente surpreendia — Quero dizer, eu já lhe disse que não há como esse plano de purificação dos monges ser eficiente em longo prazo, mas ainda assim não tenho como ter certeza de quando voltarei… — ele desviou o olhar enquanto puxava o cachecol sobre a boca e o nariz, cobrindo o pouco do rosto que ela ainda era capaz de ver — e você certamente vai acabar sentindo falta desse meu belo rosto e se arrependendo de não ter ido despedir-se de mim.

Yukari olhou-o entediada.

—Não se preocupe, eu ficarei bem, e independente de eu estar levando para o lado pessoal ou não, eu definitivamente não quero me tornar um para raio para Momiji-san!

—Isso não precisa ser um problema! — ele voltou repentinamente ao normal, já lhe vindo com a resposta na ponta da língua: — Fique perto de mim: aqueles raios doem a beça em mim e minha querida irmã jamais me machucaria!

E lhe ofereceu o braço como se esperasse que ela se pendurasse a ele desde já.

Yukari olhou-o inexpressiva, ficar grudada a ele bem diante da sua passional e potencialmente mortal irmã? A mesma que certa vez lançara um raio em um homem que ameaçara cortar a árvore onde ela estava e cujas presas Yukari ainda podia ser capaz de sentir bem próximo a sua jugular apenas por ter tocado no irmãozinho dela enquanto ele dormia?

Oh, é claro, por que não? Como se ela já não estivesse andando sobre gelo fino o suficiente! Francamente! Às vezes Yukari não sabia se Gintsune era realmente despreocupado ou só um total sem noção!

Gintsune não sabia o que havia dito de errado, mas aos seus olhos Yukari de repente começou a parecer tão furiosa que ele temeu que ela fosse espantá-lo dali imitando um cão ou algo assim, mas ao invés disso o gesto seguinte de Yukari foi ainda mais inesperado e incompreensível: ela curvou-se diante dele!

—Por favor, tenha uma boa viagem. — disse toda formal — Fique bem e tente não criar muitos problemas. Se possível mande um cartão postal.

Ela estava despedindo-se tão formalmente dele, para que não lhe restassem dúvidas de que definitivamente não iria ao jardim naquela noite!

E antes que Gintsune pudesse fazer alguma coisa, Yukari ergueu-se e escapuliu para dentro da farmácia às suas costas, dessa vez Gintsune não a seguiu, que coração de gelo era o daquela garota tão desalmada e insensível!

Mas uma coisa era certa: nunca devia subestimar-se o poder de fofocar de uma cidade pequena, pois a notícia de que “a filha dos Shibuya estivera passeando pelo centro comercial acompanhada de um desconhecido com roupas tradicionais” chegou mais rápido a pousada do que ela própria.

*.*.*.*

Quando Ryosuke suspirou, fumaça espiralou por entre seus dentes, nunca entenderia por que todos pareciam gostar tanto de colocá-lo naquelas roupas pesadas e abafadas. Às vezes ele realmente gostaria de não ser sempre tão gentil.

É claro que aquela onda maciça de energia violenta que varreu seu território e deixou todos em pânico só poderia significar problemas, isso ele já sabia antes mesmo de Kanji invadir seu escritório todo esbaforido, espalhando penas e gritando que a raposa havia mostrado suas presas.

—Isso não tem nada haver com raposas, Kanji. — avisou-lhe quando o amigo finalmente fez uma pausa para respirar e, balançando o bilhete que recebera cerca de uma hora atrás completou: — Parece que Ohika-chan e o pai, juntamente com dezoito de seus onis, virão para uma visita de última hora.

Claro que uma “horda de onis” — quer fossem vinte ou duzentos não importavam — se aproximando não era muito melhor que uma raposa assassina, assim como Kanji deixou bem claro quando, seguinte em frente com seu frenesi, começou a tagarelar sobre todos os preparativos que seriam necessários para receber alguém da estripe de Ohika-sama:

— Ainda que Ohika-sama seja da estima do mestre e prometa manter seus onis sob controle, não podemos esquecer-nos que são onis, criaturas de força monstruosa e fácil ira, e estarão escoltando sua deusa ainda por cima! Será perigoso, muito perigoso, estaremos aqui todos pisando em gelo fino tentando não ofendê-los, mestre! Isso sem falar de toda gama de problemas que Ohika-sama e seu sangue divino trazem! — ele dizia andando de um lado para o outro fazendo suas mangas esvoaçarem e penas voarem com movimentos agitados de suas mãos — Devemos encontrar carregadores? — ponderou em meio ao seu estado de agitação, e respondeu a si mesmo no instante seguinte: — Encontraremos carregadores, é claro! Cinquenta homens talvez possam carregar o tanto de bagagem que dezoito onis possivelmente trarão… precisaremos de almofadas novas, arroz, carvão, pratos… deveríamos providenciar um banquete para recebê-los? Ohika-sama é uma convidada da mais alta estripe, imagine se não a recebêssemos sem os devidos… a estrada! O séquito de Ohika-sama certamente virá por terra, deveríamos pavimentar a estrada principal com pedras brancas chatas!

Ele falava tão acelerado que mal fazia pausas para respirar — se é que as fazia — e Ryosuke não conseguia encontrar em momento algum uma oportunidade para se intrometer, mesmo tendo tentado pelo menos meia dúzia de vezes:

—Kan…

—Mas a estrada só existe dentro dos limites dos muros da cidade, e se vamos receber Ohika-sama nós teremos de estendê-la até os limites do território no mínimo! Ryosuke-sama, eu sei que o senhor foi contra a derrubada de mais árvores e que prefere manter as matas tão virgens quanto possível, mas levando-se em conta o fator emergencial… céus! E o que faremos com a neve?! Irá nevar em breve, e se o séquito de Ohika-sama não chegar antes da primeira neve?! Temos de estar preparados para deixar o caminho desobstruído em tempo integral, precisaremos contratar…!

Kanji.

Ryosuke o chamou batendo tão firmemente sobre sua mesa de trabalho com a palma da mão aberta que as prateleiras e inclusive as portas e janelas do escritório estremeceram, e somente isso conseguiu por fim ao frenesi de Kanji, que imediatamente deteve-se e esfregou as mãos enquanto olhava-o cheio de ansiedade.

Somente assim Ryosuke conseguiu explicar calmamente que não era necessário nada tão extravagante assim, pois Ohika-chan possuía uma personalidade afável e alegre e passara a vida inteira protegida dentro de uma caverna, sem jamais ver nada além dos territórios de seus selvagens onis, então já ficaria bastante satisfeita em receber a hospitalidade sincera deles.

—Quanto à estrada, não a necessidade e tampouco tempo para pavimentá-la ou estendê-la. — ele prosseguiu — Eles certamente já estarão sobre nós antes do crepúsculo, além do mais são onis, nada é capaz de ficar em seu caminho. — a garra tamborilou novamente sobre aquele bilhete, enquanto Ryosuke ponderava. — Na verdade justamente por isso realmente é melhor que providenciemos um aviso para que os cidadãos deixem a rua principal tão vazia quanto possível até que os onis tenham passado… Kanji providencie para que o pavilhão sudoeste seja preparado para eles. Ah. — lembrou-se — Satoshi-san e sua família são amigos de Ohika-chan, ela provavelmente irá querer vê-los quando chegar, talvez seja por isso que esteja vindo… E alguém chame Yuri-chan para mim.

Mesmo em meio aos caos subsequente suas instruções foram seguidas quase à risca… exceto quando ele lhes disse que não precisava usar roupas tão formais para receber Ohika-chan.

“Esse era o protocolo”, Kanji insistia, mas quem havia criado esse protocolo? E quando Ryosuke havia concordado com ele?!

O dragão em forma humana voltou a suspirar e mais fumaça espiralou por entre seus dentes, provavelmente estava entre um dos papéis das centenas de pilhas que Kanji o fazia assinar diariamente… pelo menos podia se reconfortar com o fato que ele não era o único desconfortável e infeliz ali: seus honoráveis convidados obviamente também não gostavam nenhum pouco daquelas roupas formais pesadas e abafadas.

O filho do meio tenha sido obediente em seguir o pessoal do castelo para ser banhado, penteado e vestido — mesmo relutante —, contudo o filho mais velho causou um verdadeiro escarcéu, precisando praticamente ser arrastado do treino de armas enquanto esbravejava e lutava feito um gato selvagem prestes a ser fervido, e só se aquietou quando a mãe retornou e o repreendeu… mas ela própria também não ficou muito satisfeita quando também foi cercada, porém aceitou tudo com relutante resignação.

—Mestre! Mestre! — Kanji sibilou por entre os dentes, logo ao seu lado — Aí vêm eles, mestre, por favor, endireite-se!

—Hã? Ah sim.

Ryosuke colocou-se ereto e fez o que pôde para demonstrar sua expressão mais digna, enquanto um barulhento e aterrorizante oboroguruma entrou correndo em alta velocidade  ribombando com suas rodas no pátio do castelo, erguendo nuvens de poeira e berrando ordens:

—DE JOELHOS TODOS! SAIAM DO CAMINHO! DE JOELHOS PARA A MINHA SENHORA!

A carruagem parou com um tranco, fazendo uma grossa nuvem de poeira erguer-se do chão, bufando, babando e rosnando a poucos centímetros do rosto de Ryosuke que tentou manter-se impassível e digno, mas seus lábios tremiam enquanto ele lutava contra o riso, enquanto isso alguém começou a tossir freneticamente por toda a poeira levantada, Ryosuke não olhou para trás para identificar quem, mas teve plena consciência de que o resto de seu grupo havia se posto obedientemente de joelhos — pode ser que Satoshi tenha tido que empurrar as cabeças dos filhos para baixo.

—Saudações, grande dragão! — um oni imenso de pele e cabelos vermelhos gritou agachado no alto da carruagem segurando um kanabô sobre o ombro, quando ele sorriu alguém na comitiva de Ryosuke desmaiou.

—Saudações, amigos! — Ryosuke respondeu erguendo os olhos — Uma chegada bastante sutil como esperado!

O oni gargalhou e deu algumas batidas na lateral da carruagem youkai

—Deixe Hikari sair e esticar as asas!

O oboroguruma bufou, fazendo os cabelos esverdeados de Ryosuke se erguerem brevemente, mas ele afastou-se e começou a dar a volta em seu próprio eixo, enquanto os onis que o guardavam formavam um anel protetor à sua volta, quando as cortinas de sua traseira se abriram para revelar seu interior, Ryosuke perdeu completamente a pouca compostura que ainda lhe restava:

Entre almofadas rasgadas e plumas que pairavam no ar, Tennyo Hikari, estava jogada com os cabelos sobre o rosto e, a primeira vista, parecia que ela havia sido amarrada e jogada ali dentro, porém logo se via que na verdade estava enroscada em suas próprias roupas, o braço esquerdo estava jogado por sobre a cabeça e o direito sobre a barriga, mas seu corpo estava torcido de maneira tão estranha que de alguma forma a manga direita havia ficado presa por debaixo de seu próprio peso, além de que a saia havia se erguido até deixar um de seus joelhos de fora, mas a outra perna estava completamente enroscada ali.

Quando a jovem deusa oni tossiu, um par de plumas foi soprado de sua boca.

E curvando-se para frente, Ryosuke começou a gargalhar ruidosamente.

—M-m-mestre! — ouviu os murmúrios gaguejantes e nervosos de Kanji ao seu lado, um tanto abafados, pois o amigo se encontrava com o rosto pressionado contra o chão — O senhor está rindo muito alto, mestre! C-controle-se eu imploro!

Ele estava certo, é claro, mas Ryosuke não conseguia parar de rir.

—Ohika-chan… — tentou dizer — É um prazer… recebê-la…

—O que? Já chegamos? — Ohika-chan ergueu a cabeça e afastou os cabelos do rosto — Eu disse a eles que poderia vir voando sozinha, mas insistiram em me entocar aqui dentro, durante o caminho todo e mal consegui ver uma pedra sequer!

Reclamou com olhos arregalados, seu cabelo, que antes certamente estivera preso em um belo e ornamentado penteado, estava uma completa bagunça e vários fios haviam se enroscado aos chifres, havia grandes marcas vermelhas em sua bochecha direita e testa — como se ela tivesse dado de cara algumas vezes — parte de sua blusa havia escorregado, expondo de ombro esquerdo, a saia estava toda amarrotada, e a estola estava enroscada em volta de seu pescoço e braço.

—Você está adorável e graciosa como sempre, Ohika-chan. — conseguiu dizer, controlando o tremor nos lábios.

—É claro que estou, porque eu sou uma deusa! — ela concordou, e quando tentou mover-se e colocar-se de quatro, um pedaço de sua manga prendeu-se sobre o joelho e rasgou-se, mas ela não pareceu se importar ou mesmo dar-se conta — Fui sacolejada e jogada de um lado para o outro aqui por cinco dias, mas confesso que até que foi divertido!

Ela jogou a cabeça para trás e riu abertamente, mesmo enquanto transportava sua venerável deusa, onis não faziam ideia do que era delicadeza!

Mas eles não tentaram detê-lo quando Ryosuke pisou com o pé direito sobre a carruagem e estendeu a mão pra seu interior.

—Então me deixe ajudá-la a descer. — ofereceu sorrindo de lado. — Então você poderá ver tudo o que quiser e também me contar a razão da sua vis…

—Ah!

Ohika-chan exclamou e seu rosto iluminou-se (literalmente) quando ela, parecendo esquecer-se completamente da existência de Ryosuke, saiu voando da carruagem e atirou-se de braços abertos sobre Mayu, que gritou surpreendida, derrubando-a no chão e gargalhando alegremente, enquanto os primeiros flocos de neve do ano caiam sobre eles.

*.*.*.*

Seu amado príncipe sempre foi a mais adorável das criaturas, porém isso não anulava o fato de, em certas ocasiões, ele tornar-se teimosamente intransigente.

—Não podemos ir ainda, irmã! — ele teimou. — Só mais essa noite… por favor!

Suplicou olhando-a com aqueles grandes e meigos olhos cinzentos.

—To-chan, entenda, nós não podemos ficar, temos que partir imediatamente.  — pediu-lhe calmamente, estendendo a mão para acariciar seus macios pelos prateados — O pequeno protetor disse-me que hoje monges vieram aqui e…

Mas inesperadamente To-chan esquivou-se ao seu toque, saltando habilmente para trás, Momiji recolheu a mão para junto do peito, olhando-o assombrada.

—Sim, mas claramente os monges não deixaram nenhuma armadilha aqui e com certeza também não voltarão no meio da noite, além de que a cerimônia de purificação só está marcada para o final de semana, então não tem problema ficarmos aqui só mais uma noite. — ele insistiu, ah, aqueles grandes e meigos olhos cinzentos, Momiji não tinha defesa contra eles — Podemos partir antes do amanhecer, prometo! Só… só quero comer o ensopado antes.

O sorriso de sua irmã foi gentil e cheio de compaixão.

—To-chan. — chamou-o pacientemente — Podemos comer o ensopado aonde quer que formos.

Sem jeito, Gintsune remexeu a terra com uma de suas patinhas.

—Sim, eu sei. — murmurou amuado — Mas então Yukari não poderá comer conosco.

Ele viu as sobrancelhas da irmã se arquear e os lábios pintados de vermelho se entreabrir, apenas no mais leve e sutil sinal de incredulidade.

—O que? — murmurou.

—Eu a convidei para vir hoje à noite. — confessou.

A irmã cobriu os lábios com a ponta da manga esvoaçante.

—Convidou uma humana para vir a um território mágico durante a noite e compartilhar uma refeição com criaturas sobrenaturais? — falou lentamente — Quer dizer… que vai atraí-la até aqui e fazê-la comer lama e grama enquanto pensa que está se banqueteando com as mais refinadas iguarias, ou então encantá-la para que acredite estar dançando diante dos deuses, quando na verdade está a se humilhar girando nua pateticamente diante de nós até que seus pés comecem a sangrar, ou fazê-la beijar um peixe e pensar que se tornou numa sereia?

Gintsune se lembrava bem de todos esses jogos, de quando sua mãe encantava e atraía humanos tolos para que todos brincassem com eles, de como o pai deles dava risadas secas e diabólicas entre seus rosnados e inclusive sua linda irmã, que desprezava tudo aquilo, sorria vendo a distância como Gintsune se divertia com os patéticos humanos enfeitiçados.

Tudo era muito divertido e inocente, mas ainda assim ficou surpreso pela irmã sugerir que ele realmente pensaria em usar Yukari, que era sua amiga, como joguete daquela forma.

—Não, nada disso! Ela virá comer o ensopado conosco, só isso! — esclareceu. — Eu só quero… — limpou a garganta — Me despedir, a sua vida é muito enfadonha e sei que ela vai ficar desolada quando não puder mais ver meu lindo rosto.

A irmã passou um longo momento em silêncio, olhando-o por debaixo dos compridos cílios prateados.

—To-chan. — chamou-o suavemente — Todos os teus amigos são assim tão queridos para você?

—Claro que sim. — respondeu piscando surpreso.

Sob a ameaça de monges espreitando, seus pais o teriam levado para longe independente de suas súplicas, mas a irmã era completamente impotente perante seus grandes e adoráveis olhos cinzentos, então tudo o que restou a ela foi estender uma mão em sua direção para acariciar-lhe atrás da orelha e aceitar resignada.

—Partiremos antes do amanhecer. — ela determinou.

—Antes do amanhecer. — ele prometeu.

Assim, enquanto Momiji cortava os vegetais e deixava a bardana de molho, To-chan arrumou uma grande panela de ferro e utensílios de cozinha, acendeu uma fogueira e cercou-a com pedras para que pudessem apoiar a panela sobre elas ao cozinhar… mas o arroz já estava pronto, e a lua já se erguia alta no céu quando a água para o ensopado já começara a ferver, e nem sinal daquela reles humana.

—Na verdade eu a chamei. — To-chan comentou deitado na grama com sua forma humana e admirando a lua enquanto comia cogumelos. — Mas ela não disse que viria.

Momiji estava prestes a adicionar os primeiros vegetais ao ensopado, mas quando ouviu isso os hashis caíram ruidosamente dentro da panela de ferro e ela colocou-se de pé com um único movimento, aquela reles humana ousava ignorar um convite tão especial feito por seu amável príncipe?! Momiji estava inclusive cozinhando!

Que tola insolente!

—Irmã? — Gintsune apoiou-se sobre os cotovelos olhando-a desconcertado quando ouviu as centelhas estalando no ar.

—Ela deve ter adormecido. — afirmou impassível, para consolá-lo — Estou indo buscá-la.

Não permitia que ninguém ferisse os sentimentos de seu querido To-chan!

Os olhos de Gintsune se arregalaram, e ele sentou-se alarmado.

—Ah, espere um pouco, se esse for o caso eu mesmo posso…!

Momiji girou tempestuosamente em seus calcanhares… e ali vinha ela.

Yukari entrou no jardim trazendo junto ao peito uma sacola de plástico e encolhendo-se dentro de seu casaco cor de rosa, com um gorro enfiado na cabeça, meias de lã e chinelos nos pés e luvas nas mãos.

Gintsune mal pôde conter um suspiro de alívio.

—Yo, Yukari. — ele acenou-lhe descontraído.

Ela parou franzindo o cenho.

—Boa noite, eu não sabia que horas deveria vir. — explicou-se.

Na verdade nem sequer estava pretendendo vir, mas acabara tomando aquela decisão por impulso — de outra forma jamais faria algo tão insano.

—Não tem problema, nós ainda não começamos a comer. — Gintsune riu indo até ela e pegando a sacola para bisbilhotar o que trouxera.

Momiji deu-lhe as costas e voltou a sentar-se para continuar cuidando do ensopado.

—Trouxe ovos e udon. — Yukari anunciou, abraçando-se — Está frio aqui.

Se não tivesse agido tão impulsivamente. Censurou a si mesma enquanto começava a tremer. Teria pensado em algo melhor do que simplesmente jogar o casaco por cima do pijama para se esquentar!

—Sim, já estou vendo seu nariz ficando azul! — ele zombou-lhe, pondo a mão em suas costas e empurrando-a levemente para que continuasse andando — Sente logo perto do fogo. — então se inclinando e aproximando os lábios de sua orelha completou sussurrando zombeteiro: — E lembre-se de sentar-se perto de mim também se não quiser virar um para-raios!

A proximidade inesperada fez a cor subir imediatamente às faces de Yukari que enrijeceu e instintivamente cobriu a orelha com uma mão enluvada enquanto Gintsune afastava-se rindo e ia sentar-se também junto ao fogo comentando que “pelo menos ela já parecia ter começado a se esquentar”.

Cretino!

Mas Yukari lançou um olhar cuidado à Momiji, que calmamente parecia ignorá-la enquanto jogava pedaços de cenoura, nabo e cogumelos dentro da panela e, só por precação, decidiu conter a língua e sentou-se ao lado de Gintsune. Sabia que estava pisando em gelo fino, mas ela provavelmente não lhe lançaria um raio se isso significasse correr o risco de acertá-lo também.

Ah… ela só podia mesmo estar ficando maluca.

—Nós não temos nenhum tipo de carne, então vamos ter que cozinhar os ovos também. — Gintsune comentou alegremente jogando o udon dentro da panela.

A panela, as tigelas, as facas, os pratos e até os hashis, Yukari reconheceu cada um daqueles utensílios: todos vindos diretamente da cozinha da pousada.

Ela duvidava que qualquer uma das raposas fossem colocar tudo no lugar depois, então concluiu que ela mesma teria de fazer isso.

—Vocês não têm nenhuma carne? — estranhou franzido o cenho.

A grama sob seus joelhos estava gelada e ela sentia o frio entranhar-se por suas roupas.

—É que não estávamos planejando exatamente fazer um ensopado, apenas aconteceu de pegarmos vegetais demais e a ideia ocorreu-nos, então não cacei nada. — Gintsune respondeu batendo o ovo na borda da panela e o quebrando ali dentro, enquanto a irmã mexia — Eu comprei alguns ingredientes, é claro, mas o dinheiro na carteira do professor não era o suficiente para comprar carne.

Pobre professor… espere.

—E por que você simplesmente não pegou a carne? — Yukari franziu o cenho.

Gintune sorriu torto.

—Ora Yukari, você agora está me dizendo que eu devo simplesmente pegar tudo o que quiser? — ele passou o braço em torno de seus ombros e a puxou mais para perto — Não que eu já não soubesse disso desde sempre, mas é que você sempre foi tão certinha e estraga prazeres… quer tanto assim comer carne?

—Não é nada disso. — Yukari protestou tentando afastá-lo de si — Eu só estou intrigada: nunca ouvi falar que você se deteve de apropriar-se de algo simplesmente porque não tinha como pagar.

—Sei, sei. — ele sorriu de uma forma irritantemente cínica. — Acho que ultimamente eu estou me divertindo mais vendo a cara das pessoas quando percebem que seu dinheiro simplesmente desapareceu do que vendo a cara delas aos abrir as caixas registradoras e ver que estão cheias de folhas… — ele deu de ombros e deitou a cabeça em seu ombro fazendo-a colocar-se ereta e enrijecer instantaneamente — e no final das contas eu preciso fazer algo com o dinheiro, mas se você precisa tanto de carne…

—To-chan. — Momiji chamou-o estendendo-lhe uma tigela com ensopado, e Gintsune automaticamente desgrudou-se de Yukari para pegá-la — Eu fiquei realmente intrigada quando me disse para não comer os peixes desse lago To-chan. — comentou olhando para trás por cima do ombro — Pensei que os humanos aqui criassem os peixes para consumo próprio, até que compreendi que na verdade esses peixes são ornamentais. — ela virou-se sorrindo para o irmãozinho — Mas ainda assim teria sido muito interessante assistir algum humano ridiculamente mergulhando e tentando capturar um peixe com a boca, porém este lago não é muito profundo, ele deve ter apenas uns… hum… quarenta centímetros, então quem sabe eu também não conseguisse assistir algum quebrando a cabeça contra as rochas no fundo?

Nesse momento os gélidos olhos dourados da raposa, que sempre pareciam ignorar veementemente a presença de Yukari, pareceram relampejar por uma fração de segundos em sua direção, que empalideceu.

—Exceto pelo fato que humanos não pescam assim, querida irmã. — Gintsune riu servindo uma segunda porção de ensopado em uma nova tigela e entregando-a a irmã — Ah, e o lago tem setenta e dois centímetros de profundidade.

—Só estou dizendo que seria divertido de assistir. — ela concluiu aceitando a tigela com um delicado aceno de cabeça — Itadakimasu.

Yukari mal percebeu quando uma tigela de ensopado foi entregue também a ela, mas ao sentir o calor emanando de suas mãos baixou os olhos engolindo em seco.

Ela definitivamente não precisava tanto de carne assim.

—… certo Yukari?

—O que? — Yukari ergueu os olhos, com os hashis a meio caminho da boca.

—Os peixes são muito queridos para Tsubaki, por isso não podemos comê-los, certo? — Gintsune repetiu alegremente.

Céus, havia um udon balançando da boca dele!

—Vovó batizou cada um deles com o nome de um antigo proprietário da pousada. — respondeu provando o ensopado. — Aquele todo preto é “Daisuke”.

—Está vendo irmã? — Gintsune chupou o fio de udon para dentro da boca e abriu um grande sorriso — Tsubaki é a humana idosa que cuida das flores aqui, e ela teria ficado muito triste se o “filho” dela houvesse sido devorado.

—Estou vendo, To-chan, você sempre foi tão atencioso e gentil. — a irmã concordou “pescando” mais alguns vegetais da panela e logo depois quebrando dois ovos ali dentro.

—Está vendo Yukari? — Gintsune virou-se animadamente para ela — E sou lindo, egoísta, cretino e extremamente atencioso e gentil!

Falava enquanto enchia sua tigela novamente, mesmo que ela mal houvesse terminado metade da primeira porção, Yukari olhou inexpressiva para sua tigela novamente cheia, não tinha certeza se seria capaz de comer tudo se ele ficasse enchendo sua tigela o tempo todo daquela forma, mas ao menos o calor da refeição era bem vindo: quanto mais tempo ela passava ali, mais parecia que suas extremidades começavam a adormecer com o frio.

Momiji observou aquela reles e tremula humana comendo grosseiramente em silêncio, sem nenhuma palavra sequer de agradecimento para seu adorável To-chan, mesmo que ele estivesse lhe dispensando especialmente toda aquela atenção, inclusive submetendo Momiji a ter que comer na presença de tão insignificante criatura, que garota tão insubordinada…!

—Irmã. — To-chan a chamou — Para onde você gostaria de ir dessa vez?

Momiji sorriu-lhe calidamente.

—Por que não escolhe dessa vez To-chan? — sugeriu — Eu gostaria de ver agora um lugar que você queira ir.

O quão longe daquela garota ele seria capaz de ir por conta própria?

—Ah! Se é assim deveríamos ir para Tóquio! — To-chan se animou de imediato.

—Tóquio?

—Nome estranho, não é? — ele riu entornando sua tigela e bebendo o resto do caldo que havia ali — É o novo nome da antiga Edo. — ele fez uma pausa, parecendo levemente desconfortável — Ela mudou de nome quando o imperador mudou-se para lá, mas nessa época você estava… fora.

Era estranho para Yukari ouvir falar de fatos históricos registrados em livros como se tivesse acontecido há apenas alguns meses, no máximo, mas se absteve de fazer comentários e continuou comendo em silêncio.

—Acho que li alguma coisa a respeito disso. — Momiji concordou — Por isso Kyoto agora é chamada de a “antiga capital”… To-chan!

Repreendeu-o quando o irmão mais novo começou a comer udon direto da panela.

—Desculpe. — Gintsune riu, chupando o macarrão.

Ele era obviamente aquele que mais estava comendo ali, Yukari não tinha tanto apetite assim — ainda mais estando com o frio que estava e no estado de tensão em que se encontrava, com Momiji-san a encarando de tempos em tempos — e ainda precisava esperar para tomar o ensopado na temperatura certa: quente o suficiente para aquecê-la, mas não o bastante para queimar sua boca.

E Momiji-san comia sempre a pequenos e refinados bocadinhos de cada vez, embora em uma velocidade rápida e constante.

—Tóquio é ótima nessa época do ano, querida irmã, as luzes são realmente lindas! — Gintsune seguiu falando, quebrando ovos, e jogando verduras e udon dentro da panela — É impressionante, juro!

O sorriso de To-chan quando se animava e falava daquele mundo humano que tanto amava, era o mais encantador de todos.

—Tenho certeza que sim, To-chan. — Momiji concordou pegando mais ensopado para si — Estarei ansiosa.

De repente To-chan virou-se novamente para aquela garota.

—Yukari, você já patinou no gelo alguma vez?!

Momiji apertou os lábios, ele supostamente não pretendia levá-la com eles…

—Não. — ela respondeu deixando a tigela pela metade no chão diante dos joelhos — Nunca patinei no gelo, não há pistas em Higanbana e o inverno nunca foi severo o suficiente a ponto de ser seguro patinar no rio.

—Ah sim, a mesma vida entediante de sempre, eu já devia saber. — o irmãozinho sorriu apoiando o rosto de lado em uma mão e o cotovelo sobre o joelho, inclinando-se em direção aquela reles garota. — Eu e minha linda irmã nunca patinamos também, não se fazia isso antigamente… mas bem, eu tenho boas habilidades físicas e minha querida irmã é infinitamente graciosa, por isso tenho certeza que poderemos aprender facilmente.

A garota afastou-se significativamente dele, reclinando-se para trás, com o corpo apoiado em uma mão.

—Ora, me desculpe por ser tão desajeitada então! — retrucou bufando grosseiramente. — Quando… quando vocês pretendem voltar?

—Não tenho certeza. — To-chan respondeu — Tudo vai depender de quanto tempo essa “onda de purificação” irá demorar em se corromper, mas deve ser breve.

—A sua noção de tempo é péssima! — ela reclamou.

Isso fez To-chan rir.

—Ora, se ficar solitária pode abraçar o Ginko!

—Eu o chamei de Kon. — ela retrucou, e Momiji não tinha ideia do que eles estavam falando, mas o mais desconcertante… — Mas mais importante: a representante me chamou para ir com ela e as garotas…

A garota parou de falar.

—Onde? — To-chan instigou curioso — É algum lugar… inadequado?

O lindo sorriso dele cresceu.

—Não, claro que não!

—Então o que é? — ele insistiu, erguendo a mão e mexendo os dedos — Não me faça ter que agarrar sua perna de novo para te obrigar a falar!

Aquilo talvez fosse uma piada interna entre eles? Isso era realmente desconcertante, mas não era o mais desconcertante de tudo, o mais desconcertante…

—Isso não é necessário!

A garota protestou, erguendo a mão como se pretendesse deter a de To-chan, mas ao invés disso obviamente foi ela a capturada, quando To-chan simplesmente agarrou sua mão e entrelaçou os dedos de ambos, mantendo-a firmemente engaiolada.

—Então o que é? — To-chan sorriu, parecendo divertir-se enquanto a garota puxava a mão inutilmente.

Finalmente desistindo, a garota suspirou e, olhando de cenho franzido para as mãos unidas deles, respondeu:

—Elas me convidaram para ir à cerimônia de purificação contra a raposa de Higanbana. — e então desviou seus olhos para a grama.

Momiji arqueou uma sobrancelha, talvez a garota finalmente tivesse percebido o quanto era inferior e indigna de estar ali com eles, somente seu To-chan era amável demais pare perceber.

—Ah, então é isso? — To-chan assentiu com a curiosidade agora transformada em tédio, às vezes seu humor era tão volúvel quanto sua forma. — Você estava tão relutante em falar que eu estava imaginando que seria algo mais empolgante.

Ali estava; o mais desconcertante de tudo: era aquele brilho desconhecido nos olhos de To-chan!

Mesmo que o desinteresse em sua voz fosse praticamente papável quando ele girou o pulso, ainda com os dedos entrelaçados ao da reles garota humana, expondo as palmas de ambos para cima, o interesse dele pela garota em si não desaparecia, era mais que o interesse passageiro inflamável que ele tinha por seus joguetes, diferente da curiosidade e fascinação que nutria pelos humanos e seu mundo em geral, era… diferente, desconcertante, e até perturbador, pois se tratava de uma faceta que Momiji desconhecia em seu amado irmãozinho!

E ela deveria saber e compreender tudo sobre ele

—Acontece que eu não quero ir! — a humana protestou.

—Por que não? — To-chan deslizou lentamente seus dedos por entre os dela, até estar segurando a ponta do dedo do meio da garota e dali começou a puxar a sua luva lentamente.

A garota ergueu o rosto, e franziu o cenho daquela maneira deselegante dela.

—Porque me parece hipocrisia. — respondeu — Como posso ir a uma cerimônia que tenciona purificar e afastar as supostas raposas que estão na cidade…

—“Supostas”? — To-chan a interrompeu sorrindo divertido segurando sua luva pela ponta do dedo médio e a balançando no ar — Yukari, nós estamos bem aqui na sua frente.

—… se fico constantemente ajudando e encobrindo essas mesmas raposas?! — a garota completou.

—Ora, e o que tem de errado em ser hipócrita, às vezes? — As sobrancelhas de To-chan se arquearam, e ele guardou a luva da garota distraidamente dentro do quimono. — Eu sinceramente preferia que você fosse a um cinema ou a um karaokê com suas amigas, mas se uma cerimônia chata é o que temos em mãos então use isso… — encolheu os ombros — afinal você não pretende fazer algo insano como, por exemplo, fugir para um templo e juntar-se aos monges com intenção de aprimorar estes seus olhos peculiares, pretende?

A humana franziu o cenho novamente, daquele jeito ela ficaria com aquela expressão para sempre.

—Claro que não.

—Então você deveria ir. — To-chan ajeitou a postura e recomeçou a comer. — É mais saudável para você Yukari que encontre outras formas de se distrair dessa sua vida tediosa que não estejam tão relacionadas a nós e nosso mundo, ou então você pode acabar se desconectando de sua própria realidade, por isso vá e ria da cara idiota daqueles monges, enquanto oculta raposas bem debaixo de seus narizes… ah. — ele parou, como se tivesse se dado conta de algo — Se bem que essa forma de distração ainda tem relação conosco.

—Se te serve de conforto, a minha vida não gira ao seu redor. — a garota afirmou com voz notoriamente entediada.

O ensopado estava quase no fim, Momiji serviu-se de uma terceira porção e então jogou na panela o último ovo e os últimos vegetais.

—Irmã, você sabe o que acontece aos mentirosos? — To-chan perguntou observando-a.

Ao lado dele a humana fez uma careta.

—Eles têm a língua cortada. — respondeu prontamente e então, relembrando a própria infância enquanto remexia o ensopado, acrescentou: — Ou têm seus lábios costurados.

—Sim isso também, mas não era disso que eu falava. — To-chan riu, e tocou a ponta do nariz com uma garra — O nariz deles cresce!

Momiji parou de mexer o ensopado.

—Verdade?

—É uma história dos humanos, vou lhe mostrar algum dia. — ele prometeu sorridente, estendendo as mãos para retirar a panela de sobre as pedras — Nada é melhor para aquecer-te do frio do que um bom ensopado, e logo começará a nevar! Será que veremos neve em Tóquio também?

Então entornou a panela e começou a tomar sozinho tudo o que restara do ensopado ali dentro, diante do silencioso olhar de censura da garota humana, como se ela realmente não soubesse o quão inferior era com suas faces azuladas e membros trêmulos enquanto escondia a mão nua pateticamente debaixo de uma axila.

—Seria bom se nevasse.

Momiji concordou resolvendo desviar seus olhos daquela humana miserável e atentar-se a sua própria tigela enquanto declarava suavemente:

O primeiro banho gelado

Mesmo os macacos parecem querer

Um pequeno casaco de palha

Yukari estava ocupada refletindo se deveria trincar o maxilar agora ou depois que seus dentes começassem a bater, mas então nesse momento — embora tenha evitado isso tanto quanto possível durante a noite inteira — olhou diretamente para Momiji, com o cenho franzido, ela supostamente não estaria insinuando…?

Todas as suas suspeitas foram confirmadas quando Gintsune tirou o haori e o colocou sobre suas pernas.

—Devia ter dito que estava com frio, Yukari. — ele sorriu-lhe.

Yukari puxou a respiração com força e conteve-se para não dizer algo que certamente iria enfurecer a irmã raposa super protetora, mas eles definitivamente estavam chamando-a de macaca!

—Muito obrigada pela refeição e pela preocupação. — ela empurrou o haori de volta para Gintsune, talvez um pouco bruscamente — Mas eu gostaria de me retirar agora com as suas licenças!

Ela girou o corpo e levantou-te… ou tentou, mas tudo o que conseguiu foi impulsionar-se para frente e só não caiu de cara na grama porque alguém lhe segurou o antebraço.

—Yukari. — Gintsune cantarolou zombeteiro — Por acaso suas pernas ficaram dormentes?

—T-talvez.

Admitiu relutante, ajeitando-se novamente sobre os calcanhares e encarando fixamente os punhos fechados sobre os joelhos enquanto sentia as faces esquentarem. Toda a dignidade de sua saída arruinada!

—Então acho que não tenho escolha. — Gintsune riu.

—Como a…? — sua pergunta foi interrompida por um gritinho de surpresa quando Gintsune a ergueu do chão.

—Irmã, eu levarei Yukari de volta para o quarto antes que as pernas delas caiam, e assim que voltar nós poderemos partir. — declarou com Yukari nos braços, a irmã assentiu sem lhes dar um olhar sequer, enquanto terminava sua refeição. — Yukari, se quiser pode me abraçar.

—Como se eu fosse fazer isso!

Mas no instante seguinte, quando Gintsune saltou, precisou trincar o maxilar para que seu coração não escapasse pela boca e sua mão involuntariamente fechou-se em punho, agarrando um pedaço do quimono dele enquanto encolhia-se e sentia o calor corporal da raposa emanar através de suas roupas e aquela sensação de ausência de gravidade e de seus órgãos que pareciam se reorganizar dentro de seu corpo.

Mas obrigou-se a não fechar os olhos.

A vista das luzes da cidade a noite era realmente linda.

Como da primeira vez, eles fizeram uma pequena pausa no telhado da pousada e dali saltaram direto para a casa, onde Gintsune entrou no quarto de Yukari pela janela.

—Prontinho: sã e salva. — ele declarou deixando-a sentada sobre a cama com as pernas estendidas — Como estão suas pernas?

—Elas vão sobreviver. — garantiu retirando o gorro e a luva restante e começando a desabotoar o casaco, já podia sentir o leve formigar em suas pernas. — Obrigada.

—Eu poderia fazer uma massagem, mas tenho a impressão de que você não compreenderia nem seria grata à minha grande demonstração de gentileza e benevolência. — Gintsune deu de ombros e, com dois puxões rápidos, arrancou os chinelos dos pés dela.

—Você já fez o bastante. — garantiu.

Gintsune chutou os chinelos de Yukari para debaixo da cama e pegou as roupas que ela estava segurando.

—Então você vai ou não a cerimônia com suas colegas? — questionou deixando as roupas sobre o assento da cadeira.

—Acho que sim. — ela respondeu relutante.

—Boa menina! — Gintsune elogiou-a virando-se e rindo da careta de Yukari — Eu provavelmente não voltarei mais até ano que vem, então tente não ficar muito solitária até lá.

—Por que você sempre volta para cá?

—Hum… por que será? — Gintsune voltou para junto dela e sentou-se ao seu lado na cama — Acho que eu simplesmente gosto daqui!

Concluiu sorrindo e erguendo o indicador direito, em cuja ponta queimava uma tênue labareda azul.

—Ah, antes de partirem, por favor, você e sua irmã se certifiquem de limpar toda a bagunça que fizeram lá no jardim. — lembrou-se de repente.

—Certo, certo. — ele concordou despreocupadamente.

—E também…

—Oi. Yukari! — Gintsune chamou-a e quando ela olhou-o, ele abriu a mão esquerda diante de seus olhos, liberando dali uma tênue fumaça branca — Deixe o sermão para outra hora é melhor você descansar agora.

Os olhos de Yukari pesaram e todos os seus músculos relaxaram imediatamente, em vão tentou conter um bocejo, enquanto deitava-se lentamente.

—É melhor… tão cansada… — concordou tropegamente.

O sorriso de Gintsune pairava acima de seu rosto.

E, embora ainda não estivesse plenamente dormindo, Yukari pensou ter sonhado com uma chama azul que tocou o ponto entre suas sobrancelhas e foi absorvida ali, espalhando um calor reconfortante por seu corpo enquanto palavras desconhecidas eram murmuradas em algum lugar próximo, e então, um momento antes de ser tragada inteiramente pela inconsciência, sonhou com um beijo naquele mesmo ponto.

—Tenha bons sonhos Yukari.

É claro que quando despertou na manhã seguinte já não havia mais rastros de raposas em seu quarto ou na pousada… exceto pelos utensílios de cozinha deixados para trás no jardim.

Isso e a pequena surpresinha que Gintsune deixou para Yukari em seu celular, como ela logo viria a descobrir.

Aquele cretino descarado!

Mas embora tenha dito que iria à cerimônia, Yukari não pretendia realmente tentar com afinco, e talvez uma prova contundente disso fosse que ela ficou retardando o momento de pedir permissão ao seu pai até aquela manhã, sabendo perfeitamente que ele nunca a liberaria em uma época tão movimentada da pousada, ainda mais com um pedido feito tão em cima da hora.

—O senhor disse que “sim”?! — repetiu incrédula.

O pai ergueu o olhar, como se não esperasse mais que ela ainda estivesse ali.

—Sim. — repetiu franzindo o cenho — O que esperava depois de feito mamãe e a filha do meu primo me importunar daquela forma por três dias inteiros?

—Kaoru esteve aqui? — surpreendeu-se.

—Junto com uma garota rechonchuda de cabelo preto, Ni… Nishi-alguma-coisa. — Aoi-chan também? — elas…

Ele calou-se erguendo o indicador, sinalizando para que ela ficasse em silêncio, e atendeu ao telefone.

Ficou ali falando ao telefone e mexendo no computador por vários minutos, o que geralmente era a deixa para Yukari levantar-se e sair silenciosamente, mas dessa vez ela estava realmente muito curiosa, então acabou esperando.

—O que Kaoru e Aoi-chan disseram ao senhor? — perguntou praticamente sem conseguir conter-se mais, no instante em que o pai devolveu o telefone ao gancho.

A reação do pai indicou que ele obviamente achava que ela já houvesse saído àquela altura.

—Sim, elas… — franziu o cenho por um instante, retomando sua linha de raciocínio — Vieram há três dias, você estava lá em cima atendendo os quartos, queriam que eu lhe desse permissão para sair hoje, eu obviamente neguei e expliquei, bastante paciente, que seria impossível liberá-la em um final de semana de uma temporada tão movimentada, além de que se Yuki não tinha determinação o bastante para pedir-me ela mesma, ao invés de se esconder atrás de suas amigas, não havia realmente nenhum motivo para eu liberá-la. Achei que houvessem entendido. — deu de ombros, mas obviamente não haviam entendido: — Porém creio ter me enganado, não muito depois mamãe irrompeu aqui, acho que a filha de meu primo correu direto para ela.

Seu pai estava claramente insatisfeito com aquela situação toda e bastante ocupado também, o telefone voltou a tocar, ele sinalizou para que ela ficasse em silêncio e atendeu, Yukari deveria agradecer e ir embora agora, mas ela ficou e esperou até que pudesse falar novamente.

—O que vovó disse?

—Sempre que eu lhe digo para ter mais calma e parar de perambular sozinha pela cidade ela esbraveja que estou tratando-a como inválida. — girou os olhos com impaciência — Mas de repente ela é “velha e frágil demais para andar sozinha” e precisa que sua querida neta a acompanhe ao festival.

Yukari não ficara sabendo de nada daquilo, ninguém lhe disse coisa alguma.

—Eu… eu compreendo, obrigada pai.

Ela inclinou a cabeça, preparando-se para finalmente se retirar, mas não sem antes ouvir um último sermão do pai:

—Yukari, é bom que você seja próxima a sua avó, mas não pode se esconder atrás das saias dela desse jeito sempre.

—Eu compreendo, obrigada pai. — repetiu sem prestar muita atenção.

Se não soubesse, Yukari teria certeza absoluta de que Gintsune estava envolvido naquilo de alguma forma, mas tinha plena consciência de que ele nem sequer estava na cidade… e ela sentia falta dele terrivelmente.

E principalmente queria que ele revertesse àquela estúpida e inapropriada brincadeirinha em seu celular!

—É como um festival fora de época.

Sua avó comentou ao seu lado, olhando o número de pessoas que já se reuniam na praça e em volta dela, além do número de barraquinhas de comidas e lembrancinhas — desde amuletos de proteção a máscaras de raposa — espalhadas aqui e ali.

Afinal, mesmo com o aumento no número de turistas, em Higanbana não era comum haverem festivais fora do verão.

Com dificuldade, o olhar de Yukari parou de vagar entre as pessoas e os cantos obscuros a procura de “caudas de raposa” e se concentrou em sua avó.

—Sim, parece.

Por alguma razão a avó deu um sorriso matreiro.

—Só é uma pena que você tenha que acompanhar essa cansada e frágil anciã, quando tudo o que queria era divertir-se com suas amigas, mas esse era o único jeito daquele seu carcereiro torrão te liberar…

—Avó não é assim…! — Yukari apressou a dizer.

—A menos que suas amigas também tenham sido uma desculpa, para que você pudesse se encontrar com outra pessoa, mas claro que, se isso fosse realmente verdade, suponho que você teria posto algo melhor do que esse seu velho casaco cor de rosa. — a avó estalou a língua — Você não tem outras roupas de frio, Yuki?

Sua insinuação era tão óbvia que Yukari nem poderia ousar tentar fingir que não sabia de quem a avó falava.

—Esse casaco me aquece o suficiente, é prático, e Gin não está na cidade, e mesmo se estivesse não viria a um evento desses. — para o bem dele era melhor mesmo! — E eu estava procurando minhas amigas.

Não resistiu a acrescentar.

—Sim, claro que estava. — a avó olhou-a cética — Ouvi dizer que você estavam juntos na zona comercial um dia desses, foi sua mãe quem me contou.

Claro que sim, afinal nunca se deveria subestimar a rede de fofocas de uma cidade tão pequena quanto Higanbana e, justamente pela cidade ser tão pequena, é que as pessoas viviam se encontrando ao acaso ali, mas não adiantava argumentar nada disso com sua avó.

—Sim, ele estava me dizendo que iria viajar para Tóquio naquele dia. — respondeu com um dar de ombros, tentando parecer casual, mas não conseguia encarar a avó, e seus olhos vagavam indistintamente pelas pessoas aglomeradas na praça, dessa vez realmente procurando pelas amigas, querendo acabar logo com aquele assunto. — Ele nunca fica no mesmo lugar por muito tempo, faz parte de sua natureza.

De repente sua avó bufou sem nenhum motivo aparente.

—Aquele rapaz! — ela disse — Ele sempre me pareceu um bom rapaz, mas sequer veio cumprimentar-me quando retornou à cidade, tampouco veio tomar um chá comigo antes de partir novamente!

—Ele estava ocupado, talvez venha vê-la na próxima vez que estiver na cidade. — Yukari sugeriu, embora duvidasse um pouco disso, pois Gintsune andava ocupado demais se concentrando unicamente em sua “querida irmã” — De uma forma ou de outra ele sempre parece retornar aqui.

—Mesmo? Imagino o porquê se sua natureza lhe diz para nunca ficar em um mesmo lugar por muito tempo…

Yukari também já havia se questionado a mesma coisa, ela deu de ombros novamente.

—Ele me disse que gosta daqui.

—Claro que sim, aqui é uma cidade muito linda e tranquila afinal.

Sua avó falava inocentemente, mas seu tom claramente queria sugerir algo… Yukari franziu o cenho, mas não estava disposta a perguntar.

—Yuki! — a familiar voz de Kaoru a chamou — Estamos aqui, Yuki! Tia Tsubaki!

Junto a ela também vinham a representante, Aoi-chan e… alguém que Yukari ainda levou alguns momentos para conseguir reconhecer, era a nova amiga de Aoi-chan: Ichinose Sakura.

—Bem Shibuya, nem um minuto adiantada e nem um minuto atrasada, precisamente pontual, como esperado de você. — a representante observou com um estalar de língua.

Mas o fato de já estarem todas ali a fez se sentir, inevitavelmente atrasada.

De repente Aoi-chan pegou suas mãos.

—Yukari-chan, eu estou tão feliz que tenha vindo! — exclamou sorrindo abertamente.

Ela olhou para os pulsos de Yukari fixamente, talvez se perguntando se a pulseira que lhe dera estaria escondida por debaixo das mangas do casaco e, desconfortável, Yukari puxou suas mãos e as escondeu atrás das costas.

—Aoi estava muito preocupada se você conseguiria vir. — Sakura-chan sorriu dando tapinhas nas costas de Aoi-chan.

—Eu pedi a Kaoru-chan que me levasse até sua casa para pedir permissão em seu nome! — Aoi-chan confirmou fechando a mão em punho.

—Todas se empenharam tanto para conseguir essa liberdade condicional para Yuki! — sua avó exclamou rindo — Infelizmente a única forma de convencer aquele meu filho cabeça dura foi afirmando que ela seria minha acompanhante, então sinto muito garotas, mas precisarão aturar o incomodo de ter essa velha senhora com vocês hoje à noite.

—Tia, não é assim, estamos muito contentes que a senhora tenha vindo! — Kaoru respondeu imediatamente.

A avó de Yukari beliscou a bochecha de Kaoru afetuosamente.

—Você sempre foi uma menina doce.

—Estou dizendo a verdade! — Kaoru insistiu — Inclusive minha mãe veio também, ela ficou para guardar um lugar para nós enquanto vínhamos procurá-las.

—Mitsuki está aqui? — a avó de Yukari se animou — Que ótimo! Quero perguntar a ela se misturou as cascas de ovo na omelete de Tatsuemon, como eu disse!

—Vovó!

—Tia!

Yukari e Kaoru exclamaram ambas ao mesmo tempo, igualmente chocadas.

—O que? — a mais velha olhou-as cheia de inocência — É na casca do ovo que tem mais cálcio, e um velho acabado de ossos frágeis como Tatsuemo precisa de cálcio.

—Vovó Shibuya, a senhora é divertida! — a representante exclamou enlaçando o braço ao da vovó Shibuya enquanto a conduzia — Shibuya é sempre uma garota tão séria, mas aposto que a senhora tem uma ou duas histórias constrangedoras sobre a infância dela!

—Certamente que tenho. — vovó concordou orgulhosa, deixando Yukari mortificada.

—Eu também quero ouvir as histórias de Yukari-chan. — Aoi-chan concordou as seguindo — Também já ouvimos algumas histórias de Kaoru-chan, pela mãe dela.

—E ela nos prometeu fotos da próxima vez. — Sakura-chan, que já parecia bem entrosada, concordou sorrindo.

—M-mas Yuki também têm histórias bem interessantes! — Kaoru se apressou a dizer, e então lançou um olhar quase desesperado a Yukari e disse com voz baixa — Desculpe Yuki, eu realmente preciso que elas mudem de assunto!

Yukari franziu o cenho se perguntando se Kaoru estava com medo que a mãe mencionasse aquela vez no jardim de infância quando elas tinham que fazer uma peça escolar e Kaoru ficou tão nervosa que se urinou no palco.

Incentivada pelas garotas, sua avó começou a falar:

—Ah, sabem que uma vez quando Yuki tinha quatro anos, ela e o avô…

Mas Yukari não tinha nenhuma história tão constrangedora assim, pelo menos nenhuma da qual se lembrasse, e também não havia maneira de impedi-las, por isso limitou-se a aceitar seu destino e começar a segui-las em silêncio, quando algo começou a vibrar junto ao seu corpo.

Ela parou surpreendida e, instintivamente, começou a tatear por seu casado a procura da origem daquele evento inusitado até que o encontrou e, um pouco envergonhada, descobriu se tratar apenas de seu celular.

Yukari não estava acostumada a andar com seu celular, por isso ficou tão vergonhosamente surpreendida, mas desde que Gintsune fizera aquela brincadeira sem vergonha com seu celular, ela simplesmente não tinha confiança para separar-se dele — e se alguém visse aquilo?! — fosse enquanto trabalhava ou ia ao banheiro, o aparelho estaria sempre escondido entre suas roupas, ela estava inclusive o levando para a escola!

Um número desconhecido brilhava na tela.

Yukari franziu o cenho e atendeu.

—Alô?

—Yo, Yukari!

Os olhos de Yukari se arregalaram.

—Gintsune! — ela chiou.

Do outro lado da linha ele riu divertido.

—Você nunca está com seu celular, por isso tive dúvidas se realmente iria me atender.

—E como eu poderia…?! — o tom de voz de Yukari começou a se erguer involuntariamente, mas ao perceber os olhares tortos que já estava começando a receber, conteve-se e recomeçou: — E como eu poderia me afastar do celular depois do que você fez? E se alguém visse aquilo?! — reclamou afastando-se da multidão e buscando um local mais isolado — Como pôde tirar aquela foto e colocá-la como proteção de tela do meu celular?!

Ouviu Gintsune rir debochadamente do outro lado da linha.

—Bem, é que você parecia tão tranquila que eu simplesmente não pude resistir.

Yukari estava tão irritada que se imaginou estrangulando-o.

—Você não pode simplesmente deitar-se ao lado de uma garota adormecida na cama dela e tirar uma self! — reclamou — Isso deve se enquadrar em uma dúzia de crimes diferentes seu descarado!

—Se não gostou basta trocar a proteção de tela. — Gintsune sugeriu inocentemente.

Yukari manteve-se calada, sem querer admitir que, na verdade, não sabia como fazer isso, porém a julgar pelas risadinhas de Gintsune ele já sabia disso.

—Onde você está? — mudou de assunto — Como está me ligando?

—Oh… será que eu deveria mesmo te contar onde estou? — ele provocou-a, instintivamente Yukari começou a olhar para os lados, procurando-o, ele não seria louco…! Momiji-san não permitiria…! — E pare de olhar para todos os cantos! — Gintsune gargalhou, o que só deixou Yukari ainda mais alarmada — Eu não estou em Higanbana, ainda estou em Tóquio, só que é… como posso dizer? Um local inadequado a menores de idade.

Yukari nem precisava vê-lo, para saber que ele estava sorrindo daquela sua maneira descarada de ser.

—E como está me ligando? — mudou de assunto, querendo evitar mais detalhes e imagens mentais.

—Peguei um celular emprestado. — e sem lhe dar tempo a mais perguntas, emendou rapidamente: — Você foi à cerimônia?

—Sim, eu estou aqui agora. — confirmou — Mas acabei me separando das ga…

Uma mão pousou pesadamente em seu ombro.

Ao olhar para trás, Yukari empalideceu, com seus 1,63m de altura, ela sempre foi tida como uma garota de estatura mediana para alta, mas de repente sentiu-se ainda mais diminuta que sua avó, pois diante de si estava um homem bastante alto e forte que a encarava muito irritado, ele estava enfiado em um casaco de estampa camuflada, tinha vários brincos nas orelhas, um pircing na sobrancelha, além de cabelos descoloridos e cortados em um tipo de moicano.

O que é isso? Seria assaltada? Ele veria aquela foto vergonhosa em seu celular?!

Mas quando ele abriu a boca e disse com voz grossa e profunda, o que saiu de lá foi algo completamente desconcertante:

—Eu me separei de meu pai.

O cérebro de Yukari teve dificuldades em relacionar as palavras ao interlocutor.

Uma criança perdida… mas daquele tamanho?

—Eu sei onde ele está! — o estranho afirmou bruscamente, parecendo tão irritado que Yukari pulou de susto e, ainda sem tirar a mão do ombro dela, esfregou a lateral da cabeça raivosamente com uma exclamação impaciente, por que ele estava tão irritado? Era com ela? Ela sentia-se acuada como um animalzinho — É só que não posso me aproximar dele com toda essa gente aglomerada aqui, então vou ficar ao seu lado até a cerimônia acabar!

No celular, Gintsune ainda chamava por ela, “Yukari! Yukari! O que aconteceu? Oi Yukari! Você está me ignorando? Yukari! Yukari por que seu coração saltou desse jeito? Yukari! Yukari aconteceu alguma coisa?”, mas ela já não era mais capaz de ouvi-lo, olhando incrédula e confusa para o imenso e mal encarado estranho diante de si.

Mas que diabos…?


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Notas finais do capítulo

Quem aí gostaria de ter uma self com Gintsune?
Yukari reclama de barriga cheia...

BESTIÁRIO:

Oboroguruma;
É um youkai do tipo tsukumogami, descrito como um carro de bois semitransparente com um enorme e grotesco rosto na sua dianteira, de acordo com a lenda, nos tempos antigos vários nobres (e seus motoristas) disputava por vagas para estacionar, e quando não conseguiam vagas, seu ódio podia tornar-se tão grande que impregnava inclusive a própria carruagem, e esse youkai atropela tudo e todos que se encontrar em seu caminho.



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