A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 16
15: A raposa no festival.


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por voltar!!! ♥

GLOSSÁRIO:

Era Shouwa: Período entre os anos de 1926 a 1989.

Gyudon: Carne com cebola e arroz cozido.

Hakamas: Peça de roupa equivalente às calças nas roupas tradicionais japonesas.

Haori: Jaqueta tradicional japonesa, com mangas largas e gola estreita.

Idols: São cantores e celebridades que animam o público jovem com musicas e com o seu jeito geralmente alegre demais, recomendado mais para jovens entre as fases de 12 e 18 anos, mais também pode ocorrer de pessoas com idades mais elevadas gostarem.

Kanzashi: Um enfeite de cabelo tradicional japonês. Desde grampos e fivelas até sofisticadas grinaldas, existem Kanzashis dos mais simples aos mais elaborados.

Katsu sanduíche: Sanduíche de carne de porco empanado

Kosode: Quimono básico japonês, utilizado por homens e mulheres.

Obi: Faixa usada como cinto em roupas tradicionais japonesas.

Omurice: Omelete japonesa com influencia ocidental, recheada de arroz e frango, por vezes, decorada com ketchup, muito comum em maid cafés.

Shinsegumi: Uma tropa especial, que serviu durante o xogunato e se distinguiam por seus uniformes azuis claro com detalhes brancos.

Takoyaki: Bolinho de polvo frito.

Tasuki: Espécie de faixa que serve para segurar as mangas do quimono.

Uchikake: Um quimono formal com longas mangas que serve como sobretudo e pode ou não possuir uma barra almofadada, atualmente faz parte do traje de noiva tradicional.

Yukata: Uma forma mais “casual” de quimono, geralmente utilizado no verão e também após o banho em hotéis tradicionais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/776602/chapter/16

Era, em fim, o dia do festival cultural do colégio Arashino, e faltavam menos de dez minutos para que os portões se abrissem aos visitantes.

—Muito bem! Esse é o dia! — Aiha chamou a atenção de todos batendo com a mão espalmada no quadro. — Apenas relembrando, todas as tarefas, com exceção das tarefas de fotógrafos, são rotativas. Equipe A, o primeiro e o terceiro turno é de vocês, equipe B, vocês estão com o segundo e o quarto turno. Hoje cada turno terá duas horas e meia de duração e para os Aces os turnos são de três horas e vinte minutos cada. Eu serei a Ace no primeiro turno e... — ela parou, franzindo o cenho ao olhar em volta dando-se conta da falta de alguém — Onde está Ayaka?!

Por maioria de votos a turma 1-3 havia decidido que, se quisessem dar uma boa variedade de fantasias para os clientes, seria trabalhoso — e custoso — arranjar fantasias também para todos os alunos da sala, de forma que, ao invés disso, todos haviam ganhado camisas personalizadas.

Com exceção dos Aces.

Vestindo uma saia de estampa xadrez vermelho e preto, blusa vermelha sem mangas, gravata preta em forma de laço, com um coração vermelho no centro, colete preto curto com uma cauda dupla — ao estilo dos smokings — que lhe ultrapassava a saia, e botas vermelhas de cano curto, com os cabelos presos no alto da cabeça por um elástico enfeitado com cartas com estampa de A e corações grudados nele, e usando um aro prateado no pulso esquerdo, Ayaka Shiori era a Ace de Copas, da turma 1-3, e estava, naquele exato momento perambulando pelo festival. É óbvio que Gintsune sabia que àquela altura provavelmente na sala de aula a representante — vestida exatamente como ele, mas com losangos em lugar de corações, porque ela era a Ace de Ouro — já havia se dado conta de sua ausência, mas não é como se alguém fosse precisar dele naquele momento.

—Com licença. — um aluno com uma câmera fotográfica pendurada no pescoço a parou, o crachá em seu uniforme dizia que ele estava no comitê do festival e, por um momento, Gintsune achou que a representante havia recorrido até mesmo ao comitê só para localizá-lo. O que seria um completo exagero! — Por favor, pegue o itinerário de nosso festival.

Ele lhe ofereceu um panfleto.

—Oh, muito obrigada. — Gintsune agradeceu docilmente — Na verdade, será que poderia me dar mais um?

—Sim. — o rapaz piscou desconcertado com seu sorriso — Aqui está.

—Muito obrigada. — agradeceu novamente — Você é realmente muito gentil.

Claro que Gintsune não se incomodaria se o garoto tivesse pedido para tirar uma ou trinta fotos suas também, mas ele acabou indo embora sem dizer nada.

Bem, que seja. Gintsune deu de ombros e seguiu seu caminho.

Não muito tempo depois ele finalmente encontrou seu verdadeiro alvo.

—Professor Haruna! — chamou — Aí está o senhor!

O professor tinha na mão um espetinho de lula já meio comido ao virar-se.

—Ayaka-chan. — ele sorriu. — Estava a minha procura?

—Ora! Mas é claro que sim. — juntou as mãos nas costas — O senhor é nosso professor conselheiro, devia estar na classe quando a representante deu suas primeiras instruções.

Aquela era uma mentira deslavada, é obvio, pois em momento algum a representante, ou qualquer pessoa que fosse, havia o enviado em busca do professor.

—Bem, eu também sou professor conselheiro do Clube de Investigação Paranormal, Ayaka-chan, eles também precisam da minha orientação. — Professor Haruna sorriu passando a mão em sua cabeça.

Gintsune fez um leve beicinho.

—Eu estive lá também. — revelou — Mas o senhor não estava lá.

—Opa. Você me pegou. — O professor riu sem graça. — Muito bem, eu prometo que passarei na sala para dar uma olhada, certo? Satisfeita?

Claro que sim, afinal isso era tudo o que Gintsune queria. Ele colocou a mão sobre o coração.

—Tudo bem, eu irei acreditar no senhor. — Gintsune sorriu meigamente — Ah! Tome professor, para que não se perca no tempo. — E estendeu a ele o cronograma com os horários do festival. — Olhe aqui, eu tenho um papel bem especial: Sou a Ace de Copas.

—Estou vendo. — o professor sorriu — Sem dúvida irei lá para vê-la.

Gintsune uniu as palmas.

—Fico muito feliz, professor!

—Então eu a vejo mais tarde Ayaka-chan. — novamente o professor Haruna passou a mão levemente em sua cabeça.

—Tudo bem. — Gintsune acenou para o professor que já se afastava.

Agora, com seu objetivo número um concluído, Gintsune rodopiou olhando alegremente em volta e pensando no que faria primeiro... Quando avistou Keita-kun passando ali perto com uma camisa personalizada da turma 1-3 e carregando uma grande placa que fazia propaganda do estúdio fotográfico cosplay da turma.

Oh certo. Ayaka Shiori podia ainda não estar em seu horário de trabalho, mas ela ainda fazia parte do estúdio de fotografia... Poderiam chamá-la a qualquer momento, e então ter sumido antes mesmo do inicio do festival não teria adiantado de nada. Gintsune segurou as pontas da saia analisando melhor o que estava vestindo, talvez uma pequena mudança de visual...

Em seu primeiro turno Yukari havia ficado com a função de recepcionista do estúdio de fotografia cosplay, juntamente com Minori Himari-chan.

—Olá, por favor, coloque seus dados aqui. Nome e número para contato. As fotos ficarão prontas em até uma semana, caso seja aluno da escola entregaremos em sua sala de aula. Caso não seja, basta buscá-las no estúdio fotográfico Yamada. O endereço está em nossa cartela de carimbos. — Yukari atendeu sorridente entregando uma caneta ao cliente.

Ela estava acostumada a recepcionar clientes, mas ainda assim os músculos de suas bochechas já estavam começando a doer por ter que manter o sorriso durante tanto tempo.

—Muito obrigada pela preferência, por favor, também coloque seus dados na cartela e não se esqueça de que em sua terceira visita você ganha uma foto grátis com um de nossos Aces. A Ace de plantão no momento é nossa representante, a Ace de ouro! Por favor, lembre-se que os carimbos não são acumulativos de um dia para o outro. — Minori-chan atendeu na sequência, entregando sua cartela já com o primeiro carimbo dado. E ao próximo disse: — Aguarde um pouco caro cliente. — e então, de repente virando-se para Yukari disse preocupada — Ayakashi-chan ainda não apareceu. Será que está tudo bem com ela?

—Tenho certeza que sim. — respondeu sem conseguir conter sua irritação, deixando Minori-chan confusa. Mas recompondo seu sorriso profissional, Yukari atendeu ao próximo cliente. — Olá, por favor, coloque seus dados aqui. Nome e número para contato...

Ela continuou a atender diligentemente aos clientes, mas ainda estava irritada, o festival havia começado há mais de duas horas e aquela raposa irresponsável ainda não havia dado as caras!

Ele havia se comprometido a ser um dos Aces da sala, uma peça importante no plano de markenting da representante, e mesmo que não estivesse na hora de seu turno, simplesmente não ter aparecido ainda era...!

—Olá Yukari! Estão mesmo com bastante gente aqui, eu não imaginava!

Yukari surpreendeu-se se pondo ereta na cadeira quando, de repente, a raposa surgiu diante de seus olhos.

Ele estava se passando por humano novamente, com os longos cabelos escuros amarrados no alto.

—O-o que você faz aqui?! — gaguejou arregalando os olhos.

—Como assim? — ele fez-se de inocente — Você queria que eu viesse não queria? E estava pensando em mim agora mesmo, não estava? Posso dizer só pela sua cara. Está escrito aqui.

Ele tocou o ponto entre suas sobrancelhas, onde seu rosto costumava franzir, com a ponta do dedo.

O cínico, ele sabia perfeitamente bem do que Yukari estava falando! Não era para ele estar ali naquela forma, o que era uma grande ironia, porque ela sempre reclamava quando ele se passava por garota e não o contrário.

Yukari franziu o cenho e afastou sua mão.

—Você não tinha que estar fazendo mais nada agora?

—Não. Nada. — ele respondeu inocentemente.

—Vá logo embora! — mandou-o, com um sorriso irritado.

Ele levou a mão ao peito com ar ofendido.

—Mas depois de eu ter esperado tanto tempo na fila por minha vez!

—Ah! Caro cliente, muito obrigada pela preferência! — Minori-chan disse como se houvesse repentinamente voltado de si, e com a voz um pouco mais aguda que o normal — Por favor, coloque seus dados...

—Oh, Yukari me conhece, ela pode fazer isso por mim.

Ele afirmou com um sorriso, e Yukari cerrou os olhos, sabendo perfeitamente bem que ele não tinha informação alguma para colocar ali.

—O-oh, certo! — Minori-chan gaguejou, carimbando a cartela e a entregando à raposa — Em sua terceira visita ao nosso estúdio você ganha uma foto grátis com um de nossos Aces...

—Ah sim? — ele sorriu deixando-a ainda mais desconcertada.

Ele se divertia mesmo com aquilo, não é? Yukari girou os olhos, deixando as pessoas encabuladas e coradas, ela franziu o cenho, ela não ficara assim a primeira vez em que vira seu rosto, ficara?

—Sim. Hum... No momento, nossa representante é a Ace de ouro e...

—Que bom. — ele voltou a sorrir — E quando custa?

—São apenas ¥290,00.(i)

—Entendo.

Ele estendeu a mão para entregar-lhe três moedas de cem ienes, mas foi interceptado por Yukari.

—Eu pago por ele! — afirmou.

De jeito nenhum que iria deixá-lo pagar com folhas, pedras ou gravetos — fosse lá o que fossem — transmutados em dinheiro falso!

—Que gentileza a sua Yukari! — ele agradeceu juntando as palmas das mãos com um sorriso brilhante — Você é muito fofa!

—Apenas entre de uma vez. — o dispensou com expressão cansada.

Ela deu um longo suspiro massageando as têmporas.

—Está cansada Shibuya? — Naruko perguntou se aproximando enquanto mascava um chiclete — Bem na hora então. É hora da troca de turno.

Ao lado de Naruko Fuyuki estava Tadashi Emiko, as duas estavam usando as camisas personalizadas da turma 1-3, mas haviam se aproveitado da liberdade de vestimenta do festival para usar suas saias excessivamente curtas, além de por pircings nas orelhas e maquiagem.

Mas ao menos não estavam atrasadas, e nem haviam desaparecido para ficar brincando por aí como certas raposas...

—Que bom, não é Sibuya-chan? — Minori-chan voltou-se para ela — Talvez se entrar agora ainda consiga tirar fotos com seu namorado!

Yukari olhou-a inexpressiva.

—Que namorado?

—Como é? A Shibuya tem namorado? — Emiko perguntou, olhando-a descrente.

—Sim, ele acabou de entrar. — Minori-chan voltou a corar ligeiramente — Ele é muito bonito.

—Ele não é meu namorado. —Yukari girou os olhos.

—Não é? — Minori-chan arregalou os olhos — Mas pareciam se dar tão bem, e ele até a chamou pelo nome!

O que exatamente Minori-chan chamava de “se dar bem”?

—É apenas um conhecido. — levantou-se. — Meu turno acaba aqui.

Ela devia ter esperado mais uma garota do grupo dois chegar para substituir Kaoru na função de ajudante do guarda-roupa feminino, e ainda um quarto integrante também que pudesse substituir Aoi-chan em sua função de assistente da fotógrafa — e torcia para que o substituto do assistente chegasse antes do segundo fotógrafo, Ueno Ryo, porque Aoi-chan ficava muito nervosa, quase amedrontada, perto de garotos — para que assim as três pudessem aproveitar o festival juntas, mas não aguentava mais ficar ali sendo relacionada àquele cara, bem ao menos ficaria em um lugar onde elas pudessem vê-la logo.

—Yukari! — a raposa saltou sobre suas costas, minutos mais tarde, abraçando-a por trás — Estava me esperando?

—Obvio que não. — ela tentou desvencilhar-se dele, mas ele não a soltou — Solte-me. Estou esperando Kaoru e Aoi-chan.

—Hum... Kaoru-chan foi embora há alguns minutos, ela tinha atividades no clube dela, eu ouvi a substituta chegar enquanto eu me trocava. — ele contou soltando-a. — De qualquer forma acho que logo Aoi-chan estará aqui, devemos esperá-la?

De forma alguma Yukari queria aquela raposa perto de Aoi-chan, ela pensou em apontar e dizer “tem um cachorro ali!”, mas isso provavelmente o faria desaparecer pelo resto do festival e — embora ela odiasse admitir isso — eles precisavam dele ali como Ace de Copas.

Então sem conseguir ver outra opção para livrar-se dele, Yukari agarrou-lhe o pulso e o levou dali.

—Não, vamos embora logo. — chamou-o.

—Por mim não há problemas. — ele concordou. — Que tal se fôssemos ao clube de Kaoru-chan dar uma olhada no que eles estão fazendo?

Kaoru estava no clube de artes, esse ano eles estavam fazendo pinturas faciais e caricaturas feitas na hora — ano passado o clube havia realizado uma “exposição” que fascinara Kaoru ao ponto em que fora a razão pela qual ela decidiu ingressar naquele colégio, assim Yukari apenas a seguira.

—Você não gostaria da forma distorcida e satírica como eles o desenhariam, e nem que eles pintassem a sua cara. — respondeu calmamente, após pensar rapidamente no que dizer.

—Hum... Tem razão. — ele cedeu, quem sabe Yukari estivesse aprendendo a lida com ele em fim — Então o que faremos?

Era quase hora do almoço, então a primeira parada deles foi o Maid café da turma 2-5.

—É um prazer recebê-los hoje mestres, eu sou Say-chan e serei sua atendente! — uma maid muito alta usando o cabelo castanho preso em um ornamentado coque baixo e vários laços em seu uniforme, e que era claramente um aluno, os atendeu colocando um copo de água em frente a cada um deles sobre a mesa. — Quando quiserem fazer o pedido basta ergue uma mão, estes são os cardápios, mas se posso sugerir algo... Sim?

Parou ao perceber a raposa erguendo sutilmente a mão.

—Você é um homem. — ele comentou casualmente — Por que está vestido desse jeito fofo e feminino? É um ator? Um Ninja?

Yukari chutou sua perna por debaixo da mesa sem conter sua força, mas se ele sentiu não esboçou qualquer reação.

—Oh! Isso! — a atendente sorriu dando um pequeno rodopio para que pudessem ver melhor o seu uniforme — Bem, mestres, talvez não tenham percebido ao entrar, mas vocês estão em um “Cross-dressing Café”!

Todas as empregadas ali eram homens vestidos de mulheres, Yukari percebeu olhando em volta, e todos, com exceção daquela que os atendiam, tinham sorrisos que pareciam forçados e estavam nitidamente desconfortáveis ali, por outro lado os mordomos, que se tratavam de alunas vestidas como homens, pareciam complemente descontraídos.

—Na verdade originalmente os garotos da turma estavam planejando se unir na votação para obrigar nossa turma a fazer um restaurante com tema de lual e fazer todas as meninas vestirem biquínis, mas eu, como representante da turma, não achei isso justo, contei o plano às meninas e me uni a elas na votação no plano de contra ataque: o Cross-dressing Café! Foi ideia delas, é claro, temo que sejam vingativas.

Yukari arregalou os olhos.

—Você é o representante de turma?!

—Bem, hoje não, hoje sou apenas sua atendente Say-chan. — “Say-chan” piscou-lhe.

—Ora, Say-chan, meus parabéns pela sua integridade, seu cabelo está muito lindo também. — A raposa o elogiou apoiando o rosto entre as mãos.

—Muito obrigado, mestre. — Say-chan sorriu para ele.

—E o uniforme com certeza ficou adorável em você. — continuou a raposa — Te faz parecer tão doce e agradável, me faz lembrar um bolo... E eu gostaria muito de provar do seu glac...

Dessa vez sim ele conteve-se quando Yukari o chutou novamente — um chute ainda mais forte que o primeiro, que inclusive sacudiu a mesa dessa vez.

—Que lisonjeiro, mestre! — Say-chan riu brevemente, cobrindo os lábios com a ponta dos dedos — Mas caso tenha a chance espero que o sabor seja de seu agrado.

Oh céus!

Seria demais se Yukari tentasse chutar Say-chan também?!

—Repres... Digo, Say-chan! — um dos “mordomos” a chamou — A mesa três quer a conta!

—Estou indo. — Say-chan respondeu — Quando estiverem prontos para fazer o pedido basta chamar, mestres.

—Certamente. — a raposa sorriu lentamente bebendo um gole de água.

Assim que ele se afastou, Yukari bateu na mesa.

—Será que tem como você ser mais descarado?! — reclamou.

Ele sorriu a ela de forma travessa.

—Oras Yukari, será possível que você esteja com ciúmes?

—Estou incomodada e muito, muito constrangida! — Yukari respondeu. — Peça logo o que quer comer e vamos embora daqui!

—Você precisa relaxar Yukari. — a raposa passou os olhos distraidamente ao longo do menu — Será que é a fome?

Yukari suspirou recostando-se à sua cadeira.

—Você é a razão do meu estresse. — afirmou.

Ele fez como se nem a tivesse escutado.

—Eu acho que vou pedir omurice. E você? — a raposa estalou a língua — Que tal algo doce?

No fim, como Yukari estava realmente com fome, ela rejeitou as sugestões de bolos e sorvetes feitas pela raposa e pediu uma tigela de Gyudon — algo que ela ficou realmente surpresa em ver no menu, a turma 2-5 realmente não estava de brincadeira —  enquanto a raposa comeu três omurice seguidos e uma taça de sundae.

—Eu não acredito que Say-chan realmente decorou o seu último omurice com o próprio número de telefone!

Yukari suspirou sentando-se ao lado da raposa com o crepe que havia acabado de comprar em uma das várias barraquinhas de comida no pátio da escola, e experimentando o próprio crepe — pelo qual Yukari também havia pagado — a raposa comentou:

—Ah, se nossa sala tivesse tido essa ideia de Cros-dressing Café eu estaria usando roupas masculinas agora.

—Se queria usar roupas masculinas na escola, por que assumiu uma identidade feminina? — Yukari girou os olhos. 

—Entre outras coisas, porque o uniforme das meninas é mais fofo.

“Entre outras coisas” ele dissera... Não! Esqueça! Yukari balançou a cabeça. Ela definitivamente não queria saber a extensão do que se passava na cabeça daquela raposa!

—De qualquer forma, eu estava me referindo a usar roupas masculinas enquanto em corpo feminina e vice-versa. Seria divertido e eu ficaria adorável com certeza. Ah! — pareceu lembrar-se de repente — Na verdade sabia que eu já fiz isso uma vez?

Yukari comeu mais um pedaço do seu crepe e não lhe deu muita atenção, sabia que ele falaria de qualquer forma.

—Foi quando eu era apenas uma raposa juvenil. — ele logo começou a contar, Yukari balançou a cabeça e continuou a comer sem lhe dar maior atenção — Nem sequer tinha permissão ainda para perambular sozinho entre os humanos, por isso minha irmã estava me acompanhando.

—Sua irmã? — perguntou sem conter-se fazendo, logo em seguida, uma careta repreendendo a si mesma.

—Minha irmã mais velha. — ele confirmou — Ela nunca se sentiu a vontade entre os humanos, e nem conseguiu adaptar-se a eles, mas sempre foi alguém muito gentil e acompanhava-me quando eu pedia. De qualquer forma! — ele bateu palmas, limpando as mãos após ter terminado seu crepe — Minha irmã e eu estávamos perambulando entre os humanos quando fui parado por um homem, acontece que ele era de uma trupe de teatro, mas um deus atores havia se ferido e não havia tempo para achar um substituto, então ele me viu, e reparou no meu belo rosto, é claro. — ele sorriu e Yukati girou os olhos — E pediu, não, implorou pela minha ajuda. Garantiu-me inclusive que eu não precisava me preocupar com nada, que não era um papel com muitas falas. E como eu poderia dizer “não”?

—Você só queria se exibir. — Yukari afirmou descrente de sua “amabilidade”.

—Ah sim! Isso também, com certeza! — ele admitiu rindo descaradamente. — Mas você sabe que mulheres não podiam subir no palco antes, não é? Então eram os homens quem interpretavam os papéis femininos também, e aconteceu de, por acaso, eles necessitarem de mim justamente para um papel feminino. Eles me vestiram, pentearam e maquiaram, foi a primeira e última vez que me vesti de mulher mesmo estando em corpo masculino, mas foi muito divertido e, além disso, eu fiquei deslumbrante.

—Sua própria opinião? — perguntou entediada.

—Palavras da minha irmã! Ela assistiu à peça também!

Girando os olhos Yukari preferiu abster-se de fazer comentários e comeu mais um pouco de seu crepe, até perceber a raposa encarando-a.

—O que?

—Oh, nada. — ele piscou olhando para o alto e esticando as pernas, como se estivesse se espreguiçando — Eu só pensei que essa seria a hora em que você me chamaria de “pervertido” ou algo assim.

—Você é um pervertido. — Yukari afirmou — É um pervertido porque fica me acordando de madrugada para tentar me contar suas histórias impróprias, e porque fica mudando de forma para enganar e manipular os outros, e porque usou sua forma de garota para enganar minhas amigas, vê-las sem roupas e tomar banho com elas.

—Eu já te disse que uma coisa não tem nada haver com a outra. — a raposa suspirou — Mesmo porque eu não tenho o menor interesse em...

—Mas. — Yukari o interrompeu — Se você está me dizendo que quer usar as roupas apenas porque gosta, sem qualquer segunda intenção, então isso não te faz um pervertido. É estranho, mas não pervertido. — deu de ombros — A menos que use minhas roupas, você seria um pervertido com certeza.

Ao seu lado a raposa deu uma sonora gargalhada e passou o braço sobre seus ombros, puxando-a para perto.

—Não precisa se preocupar com isso! Suas roupas são muito fora de moda para mim! — afirmou.

Yukari afastou-o.

—Eu não quero ouvir isso de alguém com séculos de idade! — reclamou.

—Não é minha culpa se eu me adapto muito melhor ao seu próprio tempo do que você, que se veste como se ainda estivéssemos na Era Shouwa.

—E você ao menos sabe quando foi o período Showa? — Yukari perguntou cética — Eu vi suas notas, sabia?

Dessa vez foi ele quem girou os olhos.

—Saber quando quem matou quem, pelo que, não me é útil em nada. — respondeu com desdém. — Mas aprender os calendários humanos é uma questão de adaptabilidade. E então? Aonde vamos agora?

—Não me importo, desde que você pare de comer, meu dinheiro já está no fim. — Yukari deu de ombros.

—Eu já disse que posso pagar.

—Com dinheiro falso nem pensar! — ela olhou-o zangada.

—Então eu poderia...

—Não!

Fosse o que fosse que ele iria sugerir, certamente se tratava de mais uma de suas artimanhas desonestas.

—Tudo bem. — ele deu de ombros — O que acha do planetário do clube de astronomia que Say-chan nos sugeriu?

—Shibuya! — Yukari surpreendeu-se ao ser chamada repentinamente pela representante, parada a poucos metros deles, ainda em suas roupas de Ace.

—Não se atreva a desaparecer daqui! — avisou rapidamente à raposa, antes de levantar-se para ir ao encontro da representante. — Olá, representante. — curvou-se ligeiramente — O seu turno como Ace da sala no nosso estúdio fotográfico já terminou?

—Sim, Kijima assumiu agora. — a representante jogou os cabelos por sobre os ombros — Eu estava indo para o clube de literatura agora, esse ano nós estamos fazendo um grande “teatro aberto”, você deveria passar lá Shibuya.

—Ah! Bom trabalho então! — desejou cordial.

—Certo, agora esqueça isso. — a representante colocou as mãos sobre os quadris de forma inquiridora — O que você está fazendo?

—Oh. — Yukari piscou surpresa — É meu horário de folga.

—Não isso. — a representante descartou sua resposta sem pensar duas vezes. — Me refiro a ele. — indicou a raposa próxima dali — Achei que estaria com Hongo, mas ele é bem bonito.

—E é um trapaceiro sem vergonha. — a de tranças afirmou.

A representante sorriu.

—É o seu namorado?

—Não.

Consideravelmente mais desinteressada agora, a representante estalou a língua.

—Então é algum parente seu? — perguntou agora parecendo muito mais por educação.

—Definitivamente não. — Yukari balançou a mão próxima ao rosto de forma aborrecida, como se aquela ideia fosse um inseto chato que ela estivesse tentando espantar — Ele é apenas alguém que conheço da pousada, e eu estava usando meu horário de folga para que não ficasse sozinho.

E cause problemas. — deixou por dizer.

—Hum... Não me parece que ficar sozinho seja um problema para ele. — a representante comentou esticando o pescoço para olhar a raposa além de Yukari.

—O que? — ela virou-se. E deparou-se com a raposa já rodeada por um trio de garotas. — Ah, francamente!

Suspirou levando dois dedos à testa, ela só havia lhe dado às costas por cinco minutos!

—Bem, é melhor eu ir agora. — a representante se despediu.

—Sim, tudo bem. — respondeu já sentido uma pequena pontada nas têmporas, como o prelúdio de uma dor de cabeça.

E ele estava comendo Takoyaki agora! Será que o estômago dele era algum tipo de poço sem fundo por acaso?

—Então o que acha de vir conosco? — uma das garotas estava dizendo quando Yukari se reaproximou.

—Por mim tudo bem. — ele concordou sorrindo alegremente — Desde que possamos levá-la junto!

E apontou repentinamente para ela, fazendo o trio de garotas virarem-se e se dar conta de sua presença ali.

As três garotas pareciam ser mais velhas que Yukari, mais próximas à idade que a raposa aparentava ter do que a dela, elas podiam ser senpais do último ano, mas o mais provável era que fosse pessoas de fora, que estavam ali como visitantes.

—Ah! É sua irmãzinha? — uma delas perguntou, com um tom alegre que soou muito forçado.

—Não! Com certeza que não! — ele gargalhou — É só que eu já tinha prometido lhe fazer companhia para que não ficasse solitária.

Que cretino!

—Bem! Então vamos! — outra das garotas a chamou, com o mesmo tom forçadamente alegre da primeira.

E que remédio, não é? Yukari suspirou.

...

Ela estalava seguindo o trio de garotas e a raposa a uma distancia segura — não perto demais, mas também não longe o bastante para perdê-los de vista —, quando a raposa deu um jeito de desvencilhar-se discretamente delas, para aproximar-se de si.

—Não é ótimo Yukari? — perguntou animadamente passando o braço sobre seus ombros — Agora que essas garotas estão aqui você não precisa mais pagar por tudo!

Yukari tirou o braço dele de cima de seus ombros, afastando-o de si.

—Eu também não gosto da ideia de você usar as pessoas dessa forma. — censurou.

—Mas não era exatamente o que eu estava fazendo com você? — Ao perceber que ela ficara para trás ele parou e se virou alguns passos depois, surpreendendo-se com sua expressão — Você não tinha percebido?!

Envergonhada, Yukari escondeu o rosto entre as mãos.

—Eu sou mesmo uma idiota. — resmungou consigo mesma,

A raposa colocou a mão em seu ombro.

—Ora vamos, não fique assim. Todo mundo faz papel de bobo às vezes, e eu sou especialmente experiente em fazer os outros de bobos. — mas Yukari não sabia dizer se ele estava tentando consolá-la ou zombar dela.

Ela afastou sua mão.

—Quer saber? Eu vou embora.

Deu meia volta, mas ele correu de volta para sua frente.

—O que? Só por isso? — indagou.

—Obviamente, independente da minha presença aqui, você vai usar e manipular essas garotas da forma que bem entender. — girou os olhos — Mas pelo menos com elas aqui as probabilidades de você sair roubando ou passando dinheiro falso por aí são menores. Então eu não tenho mais porque ficar perdendo meu tempo aqui como sua babá. Vou procurar Kaoru. Até.

Passou por ele erguendo a mão em um rápido aceno.

Bem, então se ela queria ir, ele não a obrigaria a ficar. Dando de ombros Gintsune voltou para junto de suas novas amigas.

—O que houve? Sua amiguinha não vem mais? — perguntou aquela que tinha lhe dado os Takoyakis antes, mas não conseguia, ou simplesmente nem sequer tentava, ocultar o sorrisinho de satisfação.

—Não, seu horário de folga acabou e ela teve que voltar. — ele passou os braços por sobre os ombros de duas das garotas mais próximas trazendo-as para mais perto de si, piscando para a terceira, só para lhe garantir que não a havia esquecido — Mas esqueçam dela. E então, aonde vamos primeiro?

...

Yukari estava no final de seu segundo turno no estúdio de fotografia e estava trabalhando, mais uma vez, na recepção — na verdade dessa vez ela deveria estar trabalhando no “guarda-roupa” ajudando as clientes a tirarem e porem as fantasias, mas quando chegara havia encontrado Aoi-chan tão nervosa e atrapalhada atendendo em seu posto na recepção que resolvera trocar de lugar com ela — quando o professor Haruna apareceu.

—Professor Haruna, bem vindo de volta! — Nishitake-kun, ao seu lado, o cumprimentou.

—Bem, suponho que sim. — o professor sorriu, e acenou para Yukari. — Olá Shibuya-chan.

Yukari acenou de volta.

—Mas estou surpreso de vê-lo por aqui tantas vezes. — continuou Nishitake-kun — Eu soube que o senhor estava praticamente montando acampamento no cinema do clube de investigações paranormais, maratonando uma sessão após a outra.

O professor tossiu.

—Bem eu sou o professor conselheiro do clube e dessa classe também, é minha responsabilidade passar para supervisioná-los uma vez ou outra. — ele entregou sua cartela a Yukari, para que ela pudesse carimbá-la.

—Hum... Verdade? E não está simplesmente aproveitando os intervalos entre as sessões para nos visitar? — Nishitake-kun o alfinetou sorridente. — Parece que o senhor está se divertindo mais que nós nesse festival, professor.

Professor Haruna sorriu culpado.

—Na verdade creio que já estou atrasado para a sessão. — confessou — Perdi mais tempo do que esperava na fila.

—De fato estamos indo muito bem aqui, graças à ideia da representante. — Yukari concordou carimbando a cartela do professor — Professor essa é sua terceira visita, isso quer dizer que o senhor tem direito a uma foto grátis com nosso Ace de plantão, caso deseje.

—Claro. Obrigado. — ele sorriu.

—Bem, nosso Ace de plantão no momento é o Ace de Espadas...

Yukari começou a falar, quando a cartela do professor Haruna foi tirada de suas mãos.

—Hora da troca de turno. — anunciou a raposa com um inocente sorriso juvenil — Ayaka Shiori, Ace de Copas, se apresentando para o trabalho.

—Bem na hora Ayakashi-chan! — Nishitaka-kun sorriu — Por onde andou? Já estávamos preocupados, ninguém a viu no festival o dia inteiro.

—Ah... Eu estava por aí, Keita-kun. — a raposa piscou para Yukari, que girou os olhos e balançou a cabeça. — E então, professor Haruna, o que acha de se vestir como um Idol dessa vez? Eu acho que temos uma fantasia dessas e nós formaríamos um bom par, não é?

Ele fez um coração com as mãos até Yukari bater nelas para desfazer o gesto.

Sem parecer notar nada o professor esfregou o queixo de forma pensativa.

—Eu fui, respectivamente, um urso panda e um guerreiro dos shinsegumi nas minhas duas últimas visitas. Mas acho que não tenho mais idade para me fantasiar como um Idol.

—Bem, não demore muito para se decidir, ok? Eu estarei esperando lá dentro. — a raposa sorriu e saltitou sala adentro.

O professor voltou-se para Yukari e Nishitake-kum.

—É provável que eu faça outras três visitas amanhã também. — comentou — Seria possível eu pagar adiantado?

Aceitar pagamentos adiantados, ou fazer reservas de horário ou fantasias, ou qualquer coisa do tipo, não estava entre as políticas do estúdio fotográfico montado pela turma, mas já que se tratava do Professor Haruna, Yukari e Nishitake-kun concordaram em abrir uma exceção.

—Por favor, aguardem um pouco caros clientes. — Nishitake-kun sorriu aos clientes seguintes da fila, um casal, e então, voltando-se para Yukari sussurrou — Ei, ei Shibuya-chan.

—Sim? — Yukari olhou-o.

Ele inclinou-se sobre a mesa, baixando ainda mais o tom de voz, ao ponto em que Yukari precisou inclinar-se também para se aproximar e escutá-lo:

—Você acha que a Ayakashi-chan tem uma queda pelo Professor Haruna?

Yukari colocou-se imediatamente ereta em seu lugar.

—Claro que não.

O Professor Haruna podia ser um tanto cruel com seus alunos, sadicamente passando montes de deveres de casa e contando repetidas vezes lendas que ninguém mais aguentava ouvir — como uma espécie de tortura psicológica autopatenteada —, mas ele era uma boa pessoa, e Yukari não gostaria de vê-lo, de forma alguma, enredado nas tramas daquela raposa maliciosa.

Ao final do dia a raposa disse à Yukari que o professor havia ficado “muito fofo” em seu cosplay de Idol.

Era o segundo e último dia do festival escolar quando Yukari e Kaoru entraram no auditório e escolheram seus lugares em uma das fileiras do meio.

Naquele ano o clube de teatro estaria encenando “A Raposa de Higanbana”, mas Yukari não fazia ideia do porquê de Kaoru querer assistir aquilo, afinal já não haviam ouvido o suficiente daquela história através do professor Haruna que sempre a repetia em suas aulas?

O professor Haruna, a propósito, estava sentado três fileiras à frente, o que era uma surpresa, pois a última noticia que tivera dele era que ele “montara acampamento” na sala de cinema do clube de investigação paranormal, e vinha maratonando em sequência todas as sessões, só saindo durante o intervalo delas e... Aquilo era uma câmera? Ele ia filmar a peça?!

—Yuki, vai começar! — Kaoru lhe sussurrou — Eu soube que Ayakashi-chan vai estar na peça, será que ela será a princesa?

Yukari abriu a embalagem de seu katsu sanduíche.

—Conheço outro papel que é mais a sua cara.

A peça contava a história pelo ponto de vista do exterminador, mas não parecia se diferenciar em nada da versão contada inúmeras vezes em sala de aula pelo professor Haruna, na história todos amavam a princesa e elogiavam sua beleza, e seu irmão mais velho sempre estava ao seu lado e a protegia.

E Yukari não conseguia assistir sem deixar de pensar que estavam contando tudo errado, não era assim que as coisas haviam acontecido de verdade.

A raposa apareceu um pouco depois dos dez primeiro minutos da peça, seu rosto estava escondido sob uma máscara de raposa, mas Yukari sabia perfeitamente bem quem estava ali. Uma raposa brincando de ser uma raposa parecia exatamente o tipo de jogos que ele gostava de fazer afinal.

Nesse momento, quando todas as luzes se apagaram e somente um holofote permaneceu ligado sobre a raposa parada no centro do palco, Kaoru agarrou seu antebraço.

—Olhe Yuki! Não é lindo? — ela sussurrou emocionada — Esse é o artigo mais valioso e refinado de nossa loja.

O artigo mais valioso e refinado da loja?

Oh certo, a família de Kaoru era dona de uma loja de quimonos, então era essa a razão para Kaoru querer assistir à peça, ela queria ver sobre o palco aquela que, aos seus olhos, era a verdadeira estrela: as vestes da raposa.

No palco a raposa usava um refinado uchikake de cor roxa com uma barra almofadada cor de rosa, o uchikake era delicadamente estampado por flores de tonalidades, azul rosa e vinho em toda a sua extensão, transpassadas por uma faixa opaca de cor branca, e abria-se na altura dos joelhos deixando-se entrever o kosode branco que vestia por baixo.

—É lindo. — Yukari sorriu-lhe.

Ainda segurando seu antebraço, e com os olhos fixos no palco, Kaoru lhe sussurrou:

—Na verdade a ideia inicial do clube era comprar um quimono simples, talvez até uma yukata, com estampa de lírio aranhas se possível, mas o presidente do clube apaixonou-se à primeira vista por aquele uchikake, o preço daquela roupa era vinte vezes mais cara do que o orçamento total que o clube possuía para o festival, então só lhes foi possível alugá-lo durante o final de semana por um décimo do valor real, e meu avô concordou em parcelar o valor de três vezes também.

—Isso é bom. — Yukari concordou ainda sorrindo-lhe.

No palco uma ventania iniciou-se, balançando os cabelos da raposa que ergueu os braços com suas mangas esvoaçantes e clamou em direção à plateia:

—Como podem os deuses ser tão cruéis? Bem sei que estou acima dos humanos, essas criaturas frágeis e efêmeras, pois em tudo sou superior, sou mais forte e mais poderosa, minha existência, portanto, está mais próxima dos deuses do que dos humanos... E ainda assim... Foi a ela, a essa humana, a quem os deuses escolheram, e a presentearam com tamanha beleza que ofusca até mesmo minha existência ancestral e me relega às sombras! Pois então que assim seja! Eu me vingarei! Vingar-me-ei dos deuses e do mundo e roubarei esta humana para mim, privando a todos de sua luz e relegando o mundo à mesma escuridão a qual me afundei ao vê-la!

E ainda que com a voz distorcida pela máscara, Yukari a reconheceu, e era bem como ela já sabia: Uma raposa brincando de atuar como uma raposa.

—Foi esplendido! — Kaoru elogiou animadamente, ao saírem do auditório onde a peça fora realizada — Yuki, a Ayakashi-chan ficou tão elegante no uchikake!

—Ela estava linda. — Yukari concordou sorrindo, mas mentalmente já tentava planejar o que fazer caso a raposa decidisse roubar o precioso uchikake da loja da família de Kaoru — O que faremos agora? Ainda temos meia hora de descanso.

—Aoi-chan disse que ela iria ao cinema paranormal assistir “A viagem de Chihiro”, acha que a sessão já acabou?

—Acho que não. — Yukari estudou o folheto com o cronograma das atrações do festival.

As duas seguiram andando juntas, lendo as diversas atrações e seus horários descritos no cronograma nas mãos de Yukari, mas, por não estar olhando por onde ia a de tranças acabou trombando com alguém e derrubando seu folheto.

—Oh, me desculpe. — a garota com a qual esbarrara se desculpou, abaixando-se para pegar o folheto no chão e entregá-lo a ela, o crachá e a câmera pendurada em seu pescoço a indicava como um membro do comitê — Aqui está.

—A culpa foi minha eu não estava olhando por aonde ia. — Yukari inclinou ligeiramente a cabeça, aceitando o folheto de volta. — Obrigada.

—Preste mais atenção agora. — a garota acenou seguindo seu caminho.

Yukari também acenou de volta, mas de repente percebeu estar sozinha ali, pois Kaoru não estava em canto algum.

—Kaoru? — chamou virando-se de um lado para o outro — Kaoru?

Foi quando, por um momento, ela achou ter avistado a amiga mais ao longe no pátio, ainda seguindo em frente como se — de alguma forma — não houvesse notado que Yukari não estava mais ao seu lado, cogitando com ela as possibilidades do que ainda poderiam fazer no resto de seu tempo livre.

Ela avançou naquela direção, e chamou por Kaoru, mas ao não ser ouvida, apressou ainda mais os passos, chamando-a novamente em vão e, ainda enquanto Yukari corria para alcançá-la, Kaoru entrou novamente no prédio principal do colégio, e Yukari perdeu-a de vista.

Mas o que é que acabara de...?

—Ora, Shibuya-chan? — Yukari virou-se ao ouvir a voz do professor Haruna logo atrás de si, ainda segurando numa das mãos a câmera que usara para filmar a peça — Aconteceu alguma coisa?

A raposa estava parada ao lado dele comendo um espetinho de lula e usando novamente suas roupas de Ace de Copas.

Yukari cerrou os olhos em sua direção.

—Eu me separei de Kaoru por acidente. — respondeu sem desviar os olhos da raposa.

—Ora, mas que inconveniente. — ele piscou os olhos inocentemente enquanto comia.

O cínico!

—Sim. — Yukari conteve-se para não ranger os dentes — E estou sem meu celular.

—Que falta de sorte. — comentou o professor — Mas as duas vão poder se reunir novamente na sala de aula.

Yukari arqueou as sobrancelhas.

—O senhor está certo. — concordou — É melhor eu ir para a sala agora, talvez ela vá para lá também.

Porém, antes que pudesse se afastar dali, ela teve seu braço agarrado pela raposa.

—Eu vou com você. — ele sorriu. — Até mais professor.

E acenou com seu espeto de lula meio comido, ainda sem largar Yukari.

—Muito bem, o que você fez?! — Yukari irritou-se, tentando puxar o braço de volta assim que os dois se afastaram um pouco, mas ele não a soltou.

—Eu só confundi a Kaoru-chan um pouco, ela está bem. — a raposa sorriu.

—Eu sabia que você tinha feito algo! — e logo ela também percebeu que eles não estavam indo para a sala de aula — Aonde vamos?!

—O clube de literatura está promovendo um jogo de pistas muito interessante que eles estão chamando de “teatro interativo”, mas você só pode jogar em duplas. — ele lhe contou ainda a arrastando — Eu tentei convidar o professor Haruna, mas ele disse que tinha trabalho a fazer.

—Um professor não pode ficar passeando no festival escolar com uma aluna. — Yukari o censurou.

Mas, como sempre, ele agiu como se não a tivesse escutado.

—Então ele me comprou espetinho de lula para se desculpar. — ele virou-se piscando para ela por cima do ombro — Ele é um amor de pessoa!

—Quero vomitar. — Yukari fez uma careta, pondo a língua para fora — E será que dá para me soltar agora?

Tentou puxar o braço mais uma vez quando os dois saíram pelos fundos da escola, porém era inútil.

—De qualquer forma eu ainda precisava de uma dupla, então que bom que você estava livre, não é Yukari? — ele terminou de comer sua lula e jogou o espetinho no lixo.

Sua forma cresceu e as roupas foram substituídas por jeans e camisa de mangas quando a raposa voltou à sua forma masculina, embora os cabelos tenham permanecidos longos e escuros, presos no alto da cabeça em um rabo de cavalo.

—Eu não...! Não quero jogar com você! — Yukari lutou para livrar-se, mas os dedos dele nem se moveram — Está me machucando!

—Então pare de puxar. — ele a arrastou dali.

O número mínimo de membros para formar um clube não esportivo era três, o clube de literatura possuía quatro membros, e o membro que os recebeu na pequena barraca no pátio com um grande letreiro que dizia “Teatro interativo do clube de literatura: Resolva o mistério e consiga o tesouro”, vestia-se com os hábitos de um monge e tinha o rosto coberto por um grande chapéu de palha — como aquele que a raposa usava vez ou outra — e uma comprida barba falsa branca.

—Ora, ora, ora, o que vejo aqui? — o falso ancião levantou-se, simulando como se aquilo cobrasse muito esforço de sua parte, e agarrou o cajado que era mais alto que a si mesmo e estava apoiado de lado logo ali — Novos aventureiros que desejam desvendar o mistério?

Embora tentasse imitar o mesmo tom de um velho avô que o professor Haruna usava quando estava contando histórias, a pessoa por trás da barba e do chapéu era claramente uma mulher.

—Isso mesmo! — a raposa confirmou animadamente, antes que Yukari pudesse protestar.

—Bem, bem, bem, vocês certamente tem coragem meus jovens. — o falso ancião afagou a falsa barba — Mas aqui é necessário mais do que coragem. — ela deixou de afagar a barba e estendeu a mão para ambos — São cento e cinquenta ienes.

De forma disfarçada Yukari ainda tentou puxar o braço mais uma última vez antes de em fim desistir e, com um suspiro, tirar a bolsinha do bolso e pegar o dinheiro dali.

—Jovenzinha. — o falso ancião chamou-a inclinando-se sobre o balcão e lançando um olhar significativo à raposa antes de perguntar em tom baixo e completamente livre de sua atuação anterior — Está tudo bem? Pisque duas vezes se precisar de ajuda.

Ela havia reparado o movimento de Yukari? Aquela atitude realmente a surpreendeu.

De repente a raposa também se inclinou entre as duas e sussurrou com tom conspiratório:

—Do que estamos falando?

Como se ele realmente não houvesse ouvido! E ainda por cima não largava o seu braço nem por um segundo sequer. Será que ele estava agindo de forma suspeita de propósito?!

—Está tudo bem. — Yukari garantiu endireitando-se e certificando-se de não piscar.

—Ora... — o falso ancião afagou a barba falsa novamente, fixando o olhar por vários segundos nos olhos de Yukari, quase como um jogo de “quem pisca primeiro”, antes de finalmente pegar um pergaminho de debaixo do balcão e entregar a ela — Então boa sorte meus jovens, vocês tem até o final do dia.

—Nós voltamos em vinte minutos!

Ele garantiu animado como uma criança, descendo sua mão do braço para o pulso de Yukari logo antes de sair correndo dali, novamente a arrastando junto.

—Vamos Yukari! — a raposa a apressou — Qual a primeira pista?

—Se você me soltar um pouco, talvez eu consiga ler! — replicou zangada.

Ele parou tão subitamente que ela chocou-se contra suas costas.

—Ai. — reclamou esfregando o nariz — Você tomou café por acaso?

—Tomei o que? — ele pegou o pergaminho de suas mãos e o desenrolou. — “O coração de uma mulher é como um céu de outono. Mesmo que esteja ensolarado num segundo, no seguinte o tempo logo fecha e as nuvens de tempestade vêm. Abrigue-se debaixo da primeira árvore que seu caminho cruzar”. — leu, erguendo o olhar para o céu ao terminar — Está um pouco nublado, mas não acho que vá chover. — fungou — Muito menos que haja uma tempestade por vir.

Bem, ele havia acertado sobre a vinda da tempestade da última vez, então Yukari confiaria na palavra dele dessa vez.

—Esqueça isso, eles nos disseram para nos abrigar debaixo de uma árvore. — relembrou-o, pegando o pergaminho para poder ler a mensagem por si mesma.

—Tem uma logo ali. — a raposa apontou, afastando-se dela. Yukari o seguiu. — Bem, e agora o que fazemos?

Perguntou quando ambos já estavam debaixo da árvore, olhando para cima como se procurasse algo entre as folhas e, quando não encontrou nada ali, passou a procurar entre as raízes, rodeando cuidadosamente a árvore.

Yukari voltou a reler o pergaminho.

—Talvez eles não estejam falando de qualquer árvore, e sim de alguma específica. — sugeriu.

—E como vamos achar a árvore certa? Não podemos checar todas as árvores da escola, pelo menos não em vinte minutos!

Ela assustou-se quando ouviu a voz da raposa vir de cima de sua cabeça, e de repente os galhos da árvore sacudiram-se e ele caiu bem a sua frente. Quando foi que ele havia subido ali?!

—Por que precisa ser em vinte minutos? — franziu o cenho — Algum tipo de recorde pessoal?

—Você só tem mais vinte minutos de intervalo. — a raposa respondeu e, sem notar a surpresa de Yukari, agachou-se ali, passando a mão pensativamente sob o queixo — Então... Se não podemos procurar em todas as árvores, em qual deveríamos procurar?

Yukari releu mais uma vez o pergaminho.

—Por que eles citaram o outono antes de nos mandar nos escondermos debaixo de uma árvore? — ela franziu o cenho. — Outono e árvores... A árvore símbolo do outono não é o momiji? Tem uma no pátio interno...

—E outra perto do portão principal! — a raposa levantou-se com um salto — A primeira árvore que cruza o seu caminho!

Novamente a agarrando pelo braço, a raposa a arrastou dali tão rápido que Yukari quase deixou os sapatos para trás.

Havia um total de nove pergaminhos dentro do buraco oco da árvore quando Yukari retirou um de lá.

—Ei. — ele sorriu travesso — Se nos livrássemos do resto dos pergaminhos...!

—Esqueça!

—Tudo bem. — ele suspirou.

Ele era simplesmente incorrigível, Yukari fez uma careta e leu a segunda pista:

—“Abrigado debaixo da árvore você a viu dançar em meio aos raios. Bela e translucida como uma miragem, e tão elegante estava a sua senhora naquela tarde de outono! Enquanto seus pés rodopiavam livres pela relva... E pensou se quem sabe não os tenha guardado para que a chuva não os molhasse”.

A raposa apertou os lábios ao ouvir aquilo.

—Isso é mesmo uma pista? Não está nos mandando a lugar algum! — reclamou — E quem sabe não tenha guardado o que exatamente?

Mas Yukari estava lendo novamente aquela segunda pista, de alguma forma, parecia que as pistas estavam lhe contando uma história já familiar, alguém que se abrigava debaixo duma árvore durante uma tempestade de outono e avistava uma bela mulher dançando entre os raios...

—Parece com a lenda da Senhora dos Raios. — ouviu-se dizer.

A raposa olhou-a inexpressivo sem reconhecer ao nome.

—Quem? — perguntou.

—É outra velha lenda daqui. — respondeu — Um dia um velho foi pego na estrada por uma tempestade de outono, correu para esconder-se debaixo de uma árvore e surpreendeu-se ao ver uma bela mulher sentada no campo, ela tinha longos cabelos prateados e os penteava com um pente de madeira parecendo impassível à tempestade que caia à sua volta.  Quando os raios começaram a cair a sua volta, a bela mulher levantou-se e rodopiou como se dançasse com os relâmpagos ao mesmo tempo em que os atraia para longe do velho e sua árvore, mas apesar de estar ricamente vestida, ele notou que seus pés estavam descalços, e quando a tempestade passou e o primeiro raio de sol brilhou sobre a bela mulher ela desapareceu como uma miragem. O velho correu até lá, para saber se sonhara acordado ou não, e encontrou caído na grama o pente de madeira da Senhora dos Raios.

—Uma mulher que protege aos viajantes dos raios? Vocês inventam mesmo qualquer coisa para atrair turistas e ganhar uns poucos trocados deles. — ele sorriu desdenhoso, Yukari deu de ombros — Então se estamos seguindo a história... Somos o velho?

—É possível. — concordou — A pista fala dos pés dela rodopiando livres, talvez devamos procurar os sapatos dela.

—“Quem sabe ela não os guardou para que a chuva não os molhasse?” — a raposa repetiu consigo mesmo, como se fosse ele próprio o velho da lenda, e de repente arregalou os olhos — Os armários para sapatos! Se você vai guardar um sapato e lá que estarão!

E novamente agarrando-a pelo pulso, ele arrastou Yukari de volta ao prédio principal, atravessando o pátio junto a ela em velocidade recorde.

—Pare de me arrastar dessa forma. — reclamou parando na entrada do prédio e massageando o pulso quando ele a soltou — Desse jeito até pode me fazer deslocar algo!

Ela também notou as marcas avermelhadas em seu pulso, não que ele houvesse realmente a machucado, mas quando se tem a pele clara, tende-se a ganhar marcas com alguma facilidade.

—Me desculpe. — ele virou-se para ela — Ás vezes eu me esqueço de como humanos são lentos e frágeis... Talvez você prefira...?

Ele agachou-se, sinalizando para que Yukari subisse em suas costas.

—Óbvio que não. — Yukari o descartou.

—Bem, então...? — ele virou-se se colocando de pé e estendendo os braços a frente como se pretendesse carregá-la.

—Nem pensar.

—Mas o que faremos então? — lamuriou-se.

—Apenas pare de me arrastar! Posso correr por mim mesma!

—Mas você é muito lenta! — reclamou.

—Esqueça isso. — olhou a volta — Como vamos achar o armário certo? Há centenas deles.

Voltando-se então para esse novo problema a raposa cogitou:

—Se realmente precisamos olhar de um por um, talvez eu possa arrancar a porta de todos e você...

—Danificar propriedade publica é crime.

—Tudo bem. — ele cedeu — Mas então o que faremos? Não podemos olhar um de cada vez e só nos resta quatorze minutos... Eu sei em qual armário está!

Ele afastou-se correndo sem dizer mais nenhuma palavra, Yukari poderia ter fugido naquele momento, mas ela o seguiu, a raposa checou o armário com a numeração 229 e exclamou extasiado ao encontrar os pergaminhos com a terceira pista ali.

—Muito bem, o que você fez? — questionou desconfiada.

Ele a olhou com os olhos brilhando de animação.

—229! — exclamou animado, mas ela continuou sem entender — Dia vinte e dois do mês nove! É a data ao contrário do equinócio de outono desse ano!

Yukari franziu o cenho.

—Isso foi inteligente.  — elogiou.

—Obrigado. — ele sorriu.

—Tudo bem, vamos ao próximo desafio. — Yukari estalou a língua puxando o pergaminho de suas mãos.

Eles continuaram seguindo pistas, e correndo de um lado para o outro da escola, quando, entre o quinto e o sexto desafio, depararam-se com uma grande surpresa:

—Yuki! Que bom que a encontrei! — vovó Tsubaki acenou a distância.

—Vovó! — Yukari exclamou surpresa aproximando-se — O que a senhora faz por aqui?

—Mas que pergunta, vim conferir o festival escolar de minha neta, é claro, chamei Daisuke e Chiharu para virem juntos, mas aquele cabeça dura do meu filho disse que não podemos “nos dar ao luxo de abandonar a pousada para se divertir por aí”, e Chiharu ficou com ele, para que não ficasse com toda a carga de trabalho para si, como se não tivéssemos outros funcionários! — ela girou os olhos — Oh, Gin-kun! Que surpresa encontrá-lo por aqui!

—É um prazer revê-la vovó Tsubaki. — a raposa, que havia seguido Yukari, respondeu com seu sorriso amigável de sempre.

Droga, Yukari tinha se esquecido dele ali.

—Não a trate de forma tão intima e informal. Tenha respeito com os mais velhos! — ela o repreendeu.

Em resposta ele colocou a mão sobre sua cabeça.

—Ah... Uma criança sempre tão séria. — suspirou jocoso.

Restavam-lhes agora apenas seis minutos, mas ainda assim ele encontrava tempo para zombar dela. Ela o afastou de forma irritada.

—Não faça pouco de mim!

—Vamos Yukari, não precisamos de tantas formalidades. — sua avó comentou sorrindo despreocupada. — Gin-kun e eu já somos bons conhecidos afinal, não é mesmo Gin-kun?

—Claro vovó. — ele respondeu igualmente despreocupado. — E passarei para tomar chá com a senhora novamente, assim que tiver oportunidade.

—Então estarei aguardando. — sua avó sorriu.

Yukari suspirou impaciente, batendo na própria testa e decidindo desistir daqueles dois de uma vez.

—Mas estou surpresa. — sua avó seguiu dizendo — Eu achei que encontraria Yuki com minha sobrinha Kaoru, mas vejo que ainda assim ela está se divertindo.

Sua avó estava olhando-a fixamente agora.

—Nós apenas nos encontramos por acaso. — respondeu calmamente.

Uma óbvia e descarada mentira, mas Yukari nada disse.

—Oi. — a raposa a chamou enquanto corriam para o local onde possivelmente estaria a sétima pista — A sua avó é tia da Kaoru-chan?

—Tia avó, na verdade. — respondeu, mas ao perceber que a raposa ainda a observava continuou: — O avô da Kaoru é irmão mais velho da minha avó.

—Então... De certa forma Kaoru-chan é sua prima, não é? — ele sorriu.

—Hum... Acho que sim. — concordou dobrando um corredor, na verdade ela nunca havia pensado muito nisso — De terceiro ou quarto grau eu acho. É uma cidade pequena, é natural grande parte dos moradores terem algum grau de parentesco.

Yukari não o deixou entrar no banheiro feminino do terceiro andar quando a sexta pista os levou até lá.

—Achei! — ela gritou lá de dentro.

—Então diga logo o que diz aí! — ele a apressou da porta — Só nos resta dois minutos antes da sua folga acabar!

Se alguém estranhou o belo homem parado na porta do banheiro feminino, gritando para o seu interior não disseram nada e, de qualquer forma, Gintsune não teria notado, estava concentrado no jogo e já se habituara demais a ter pessoas o admirando o tempo todo.

—Muito bem. — Yukari saiu do banheiro com o pergaminho em mãos — A sétima pista diz: “A tempestade se foi e o sol agora brilha sobre nós, mas a Senhora dos Raios permanece, e com seus passos a todos protegem, busquem-na antes que sua imagem desapareça”.

—Temos que ir ao campo onde ela dançou com os raios? — perguntou sem entender.

Mas Yukari balançou a cabeça.

—A lenda nunca deu uma localização exata.

—Então um templo? — Gintsune sentiu um arrepio na espinha.

Não é que ele não pudesse se aproximar de templos, mas deuses eram territoriais, — mesmo que ele houvesse dito que aquela história parecia invenção para ganhar alguns trocados a mais dos turistas, se houvesse um templo, nada impedia de haver uma pequena divindade morando lá — humanos eram um caso a parte, eles eram os protegidos dos deuses e tinham passe livre, mas youkais... Bem, sempre havia muita burocracia.

Yukari franziu o cenho, ela fazia muito isso.

—Não sei se existe um templo para a Senhora dos Raios em algum lugar da cidade, mas com certeza não há um templo para ela dentro da escola, todas as outras pistas nos levaram a locais dentro do terreno do colégio, seria estranho de repente uma nos levar para algum lugar de fora.

Restava um minuto agora.

—Então onde vamos encontrar a Senhora dos Raios? Uma boneca? Uma aluna fantasiada?

—O telhado! — Yukari exclamou de repente.

—O que?

Mas ela saiu correndo sem lhe dar maiores explicações.

A porta para o telhado quase sempre estava trancada — não que isso fosse um empecilho a Gintsune —, mas dessa vez a passagem estava liberada, o que só podia ser um bom sinal, e lá Yukari apontou para uma estranha antena fincada logo acima da parte elevada do telhado, por onde eles haviam acabado de vir, e a qual Gintsune nunca dera muita atenção antes.

—Aquele que nos protege dos raios! — exclamou orgulhosa — O para-raios!

Ele não tinha ideia do que ela estava falando.

—Mas não devia haver algo aqui? Algum tipo de pista nova ou, no mínimo, algum prêmio? — questionou.

Yukari baixou a mão e olhou pensativa para a antena, depois olhou a volta também à procura da nova pista — ou prêmio — que deveria estar ali.

—Talvez tenhamos que subir...? — começou a dizer — Pode ser que a próxima pista, ou o prêmio, seja algo que só possa ser avistado lá de cima?

Eles estavam atrasados agora, a folga de Yukari havia terminado há três minutos... Mas Gintsune saltou para cima da parte elevada.

—Eu não estou vendo nada, não há nada a... Ah.

—O que? — a cabeça de Yukari, que não tinha a opção de saltar até ali como ele e agora estava agarrada às escadas, surgiu acima da beirada.

A última pista estava sob os pés de Gintsune, dessa vez o pergaminho fora desenhado em uma grande cartolina amarela que estava grudada ao chão com fita adesiva.

—“A Senhora dos Raios desapareceu sob o primeiro raio de sol, e agora já não é mais possível dizer se o que vistes foi sonho ou realidade. Exceto pela prenda, deixada para trás nas mãos de um simples ancião”.

Então a última pista levou-os de volta para o começo, mas Yukari recusou-se a pular do telhado com Gintsune, assim eles tiveram que descer as escadarias todas novamente.

—Ora. — disse o falso ancião quando os dois retornaram — Então vocês encontraram a Senhora dos Raios?

—Ela já havia partido. — Gintsune estendeu a mão — Onde está a prenda que ela deixou para trás?

O falso velho sorriu, e pode ter sido apenas impressão sua, mas Gintsune podia jurar que por trás da barba falsa da garota havia dentes metálicos e multicoloridos.

—Muito bem então.  — A garota vestida de velho tirou de debaixo do balcão três delicadas e compridas caixas de papelão azul e as destampou, e cada uma guardava em seu interior um conjunto de pente e kanzashi. — Basta escolher. 

Yukari franziu o cenho, talvez inconscientemente, por um momento ao ver aquilo, um pente não era exatamente algo com o que premiar-se alguém, mas Gintsune apenas riu, havia três cores deles: rosa pink com detalhes pretos, vermelho com detalhes dourados e azul com detalhes prateados.

Gintsune havia acabado de escolher o azul quando, de repente, uma ideia lhe ocorreu.

—Yukari vire-se! — pediu.

Ela o olhou de jeito desconfiado.

—Por quê?

—Apenas se vire! — ele insistiu.

Yukari cerrou os olhos, mas mesmo desconfiada ela virou-se. E quase pulou de susto quando sentiu a raposa pegar suas tranças.

—Calma! — ele riu — Eu prometo que não vou soltar suas tranças! — assim, de alguma forma ela ficou parada ali o deixando mexer em suas tranças, enrolando-as e prendendo-as, até que instantes depois ele afastou-se e ergueu as mãos vazias. — Pronto.

Virando-se e erguendo a mão, Yukari procurou o que ele havia feito com seus cabelos e surpreendeu-se quando as pontas de seus dedos encontraram o grampo ali.

—Isso é...?

—Já que você gosta tanto de tranças, da próxima vez que vestir um quimono ao menos as prenda dessa forma, combina mais. — ele sorriu-lhe.

E então os dedos dela encontraram também o pente e Yukari voltou a cerrar os olhos.

—Se você estiver tentando me amaldiçoar eu juro que...

—Só um “obrigada” já basta. — Gintsune sorriu — E você está exatamente onze minutos atrasada agora.

Yukari arregalou os olhos e foi embora dali correndo.

Gintsune espreguiçou-se, bem, ainda lhe restava algum tempo livre antes da próxima atividade de Shiori... O clube de astronomia estava fazendo um planetário que parecia bem interessante, e a próxima sessão começaria dali a pouco.

Pouco mais de uma hora mais tarde, nos bastidores do concurso de príncipes e princesas enquanto arrumava a gravata de Tenji-kun, Gintsune notou que Say-chan havia retirado à peruca e trocado o uniforme de empregada por um conjunto social de calças, sapatos e camisa preta combinando, e colete prata.

—Eu ainda acho que teria sido melhor se viéssemos da forma como estávamos. — ele suspirou arrumando a tiara na cabeça de sua parceira. — Muitos outros aqui estão usando as roupas das suas salas.

—Representante, por favor. — a parceira dele suspirou — Eu já expliquei que se nós viéssemos com cross-dressing, as coisas ficariam muito confusas, e se ganhássemos? Quem levaria a coroa de princesa? A princesa ou aquele vestido como princesa?

—Nos destacaríamos entre os casais. — ele argumentou ainda inconformado — Seria um ponto a nosso favor.

Mais ao fundo ele reconheceu o amigo da representante, que havia realizado os registros de participantes no Dia Esportivo, chegando em cima da hora, usando hakamas cinza escuro e um haori azul claro com detalhes brancos triangulares na barra e na ponta das mangas, havia até mesmo uma espada de brinquedo posicionada ao lado esquerdo do quadril.

Uma garota usando quimono cor de rosa e os cabelos penteados em cachos correu até ele.

—Representante você está atrasado! — ela o censurou em voz baixa, porém ainda assim Gintsune era capaz de ouvi-los, graças a sua audição apurada — Quase achei que não chegaria a tempo!

Ele a pegou pelo queixo.

—Sinto muito docinho, é que eu tinha uns últimos negócios a resolver, entende? — respondeu também em tom baixo, piscando-lhe — Aiha-chan me chamou de última hora, porque também queria apostar, não sei como, mas aquela mulher sempre descobre as coisas...

—R-representante! — ela chiou baixinho, e embora estivesse de costas Gintsune podia imaginar que estava de olhos arregalados — V-você sabe que apostas são estritamente proibidas! Se o presidente descobrir...!

—Ele não vai descobrir se ficarmos caladinhos. — ele pousou a ponta do dedo sobre os lábios dela — E eu já disse para me chamar de Eisuke, docinho.

Também não passou despercebido a Gintsune a forma como a maioria do outros presentes desviava o olhar e/ou fingia não notar a proximidade entre eles.

A representante havia afirmado que estaria muito ocupada no dia do festival e por isso preferia se abster de mais uma atividade extra que seria o concurso, para não correr o risco de se sobrecarregar — uma óbvia desculpa para poupar a turma de ter que passar pelo desconforto de escolher entre as duas —, mas ali estavam dois representantes bem interessantes. Gintsune deu uma pequena risadinha.

—Ayakashi-chan? — Tenji-kun a chamou — O que houve?

—Oh, nada. — sorriu-lhe — Eu só estava pensando que isso parece que será muito divertido.

Foi quando, batendo palmas para chamar a atenção de todos ali o presidente do conselho estudantil entrou e parou próximo à porta para anunciar que o evento estava prestes a começar e instruir todos a se arranjarem em fila indiana para que os pares subissem e descessem do palco de forma organizada, quando ouvissem seus nomes sendo chamados.

Mais do que ser um concurso de beleza aquilo era um concurso de popularidade também, isso ficou óbvio para Gintsune quando durante a votação — realizada por meio de aplausos e gritos da plateia — houve um impasse entre ele e uma garota da 3-4 de cabelos curtos que usava um par de pulseiras néon em cada pulso e era membro do clube de astronomia — pois estava usando uma camisa com a estampa de um céu estrelado —, afinal embora ela pudesse ser chamada de bonita para os padrões humanos, não era nada comparada à esposa do tengu, e muito menos a ele mesmo.

Mas por fim seu trabalho como Ace gerou frutos e Gintsune reconheceu vários de seus clientes no Estúdio de Fotografia na plateia ao ser ovacionado pelo público e receber sua merecida coroa de flores, como a mais bela princesa do colégio Arashino.

Tenji-kun, no entanto, não teve a mesma sorte e mesmo também tendo atuado como Ace e conseguido ficar entre os três mais populares — juntamente Say-chan e Eisuke — por fim acabou perdendo e a coroa foi parar na cabeça de Eisuke.

O que Gintsune achou uma pena, pois entre os três Eisuke era aquele cujas roupas menos combinavam com as suas para pousarem juntos para a foto de príncipe e princesa.

...

Era o último turno do segundo dia de festival escolar e, dessa vez, Yukari era a assistente de fotografia, quando o relógio despertador colocado ao lado do notebook em sua mesa — trazido de casa pela representante — soou o alarme, anunciando que o “Estúdio Cosplay de Fotografia” estava oficialmente encerrado.

—São 17h! — a representante anunciou soltando-se do braço do último cliente com que acabara de ser fotografada, ela havia programado fechar o estúdio uma hora antes do fim do festival, para que assim todos pudessem arrumar as coisas a tempo de participar do encerramento. — Caro cliente você foi oficialmente nosso último cliente, muito obrigada por nos apoiar!

Yukari e Shizuka-chan inclinaram respeitosamente as cabeças.

A arrumação começou logo depois, e mesmo os membros do grupo B e Kijima Tenji, que não estavam de serviço naquele momento, voltaram á classe para ajudarem a encaixotar todas as coisas... Mas claro que a raposa não deu as caras.

—Shibuya, Hongo! — a representante as chamou, perto das 18h — Vocês já podem ir agora, Nishiwake, vá com elas. — ela olhou a volta — Ueno! Muito obrigada por seus serviços, pode ir também assim que acabar...

O grande encerramento do festival escolar, como era tradicional em eventos de tal natureza, consistia em ascender uma grande fogueira no pátio da escola, mantendo-se mais afastada junto da atração principal junto com as amigas Yukari assistiu os alunos se reunirem aos poucos em volta dela, embora não tivesse muito interesse em assistir ao evento, pensando no acordo que fizera com seu pai ela decidiu ficar mais um pouco ali para aproveitar as últimas horas de folga que lhe restavam.

—Ah, ali está a Ayakashi-chan. — comentou Aoi-chan ao avistar a raposa ao longe, por entre os alunos — Achei que ela já houvesse ido embora...

Ido embora? De forma alguma, pois quando se tratava de diversão aquela raposa permanecia até o último momento, mas para questões de trabalho e responsabilidade... Bem, então ela desaparecia em pleno ar.

Kaoru segurou o braço de Yukari.

—Será que ela pretende chamar alguém para dançar?

Era normal também que, no encerramento de festivais escolares alguns alunos dançassem em casais ao redor da fogueira.

—É provável. — Yukari assentiu.

E distraidamente acabou seguindo o olhar da raposa, até aquele que seria seu possível alvo, avistando mais ao longe o professor Haruna conversando com o presidente do conselho estudantil, que tinha uma câmera pendurada no pescoço e parecia lhe mostrar algumas fotos nela.

—Yuki? — Kaoru a chamou quando Yukari começou a se afastar — Aonde vai?

—Eu volto logo! — Yukari respondeu apressada ao perceber a raposa já avançando em direção ao seu possível alvo.

O que ele estava pretendendo fazer agora? Chamar um professor para dançar na frente de todos?!

Será mesmo possível que ela não podia tirar os olhos dele um minuto sequer?!

Os passos apressados de Yukari transformaram-se numa curta corrida, metendo-se no aglomerado de alunos e estendendo a mão para agarrar o braço da raposa.

—Pare aí! — disse por entre os dentes.

—Oh, Yukari! — ele virou-se, com as sobrancelhas arqueadas. — Que surpresa, geralmente sou eu quem a procura e a surpreende. — sorriu — Não conseguiu ficar longe de mim, não é?

—O que você ia fazer? — inquiriu séria sem soltar-lhe o braço.

—Eu? — ele fez-se de inocente.

—Não pode chamar um professor para dançar! — o repreendeu em um tom muito mais baixo, para que aqueles ao redor não os ouvissem.

—Desculpe o que disse? — a raposa fez como se não tivesse ouvido, soltando-se dela e afastando-se, apenas confirmando as suspeitas de Yukari — Você está falando tão baixo Yukari, e há tanta gente aqui...

—Não se atreva! — Yukari o seguiu.

—Ainda não estou ouvindo. — ele sorriu-lhe por cima do ombro, irritando-a ainda mais.

Yukari preparou-se mais uma vez para pará-lo, mas o número de pessoas acumuladas ali dificultou sua missão e a raposa escapou por entre seus dedos.

—Eles vão ascender à fogueira! — alguém gritou.

Quando as chamas se ergueram e uma exclamação de admiração se espalhou entre os presentes, a raposa parou momentaneamente para admirar ao espetáculo também, dando a Yukari a chance para alcançá-lo novamente.

Mas de repente curvando-se a raposa levou as mãos ao rosto, cobrindo boca e nariz.

—Esse cheiro...! — disse como se sentisse náuseas — Do que é feita essa fogueira? Que tipo de madeira é que estão queimando...?

—Eu não sei. — Yukari franziu o cenho — Por que isso teria importância?

A raposa pareceu segurar a ânsia de vômito.

—Isso é fumaça de cedro japonês!

Escondendo o rosto completamente entre as mãos, a raposa virou-se e fugiu correndo dali, esbarrando sem deter-se em quem estivesse em seu caminho.

Sem dúvida, fazia parte de outro de seus ardis, é claro que ela sabia que aquilo, e Yukari não queria de forma alguma se envolver ainda mais do que já estava envolvida com aquela raposa.

Por isso decidiu apenas ignorá-lo e deixá-lo para lá, não havia com o que se preocupar por ele... Mas então porque estava correndo justamente para onde aquela raposa havia ido?

Yukari entrou novamente no colégio, agora praticamente vazio e quase completamente às escuras e, mesmo não sabendo exatamente para onde a raposa havia ido, seu primeiro intuito foi logo ir procurá-lo na sala de aula, e no momento em que chegou ali, percebeu não ser a única, pois em frente à sala de aula, o professor Haruna estava com uma expressão preocupada e tentava apreensivamente abrir a porta da sala.

Então ele só queria atrair o professor.

Claro que era apenas outro dos esquemas dele, Yukari era mesmo uma idiota, sem dizer uma palavra ela deu meia volta pronta para sair dali antes que ele a notasse.

—Ah, Shibuya-chan, eu vi Shiori-chan vindo nessa direção e ela não parecia nada bem, então fiquei preocupado. Mas... A porta está trancada e a sala escura. — Professor Haruna tentou abrir a porta mais uma vez.

Yukari olhou para a sala perfeitamente bem iluminada através da janela, a raposa certamente estava ali dentro, mas por que ele estava vetando a entrada do professor? Ela achou que a intenção dele fosse justamente chamar a atenção do professor Haruna, Yukari cerrou os olhos.

—Bem, talvez tenha ido ao banheiro. — sugeriu, desviando o olhar da janela da sala.

O professor passou a mão pelos cabelos.

—Sim... Realmente não parece que ela tenha vindo por aqui, talvez eu tenha me enganado. Ainda assim se encontrá-la, pode conferir se ela está bem?

—Claro. — concordou.

O professor agradeceu e retirou-se dali, embora caminhasse de forma meio hesitante, olhando vez ou outro para dentro das classes, quando ele em fim desapareceu, Yukari aproximou-se da porta supostamente trancada da sala, mas quando colocou a mão sobre ela, a porta deslizou facilmente para o lado.

—Você está aqui? — quis confirmar.

—Estou aqui. — A raposa respondeu.

Ele estava de costas para ela, sentado em cima da mesa de Yukari olhando para o lado de fora através da janela.

Yukari aproximou-se.

—Pensei que quisesse dançar em volta da fogueira. — comentou.

—Infelizmente creio que isso seja impossível no momento. — a raposa respondeu virando-se para ela.

Yukari paralisou momentaneamente onde estava, pois, apesar da aparente forma humana, sob os longos cabelos escuros um rosto animal se revelava.

—Por que está desse jeito?

—Fumaça de cedro. — ele deu de ombros.

—O que? — Yukari piscou sem entender.

—Quando se queima cedro, seja sua madeira ou mesmo apenas as suas folhas, a fumaça resultante tem um efeito colateral bem particular em nós raposas: ela nos força a retornar a nossa forma original e nos prende temporariamente nela. Antigamente os exterminadores usavam esse truque barato para nos obrigar a nos revelarmos. Era muito irritante. — ele girou os olhos de forma enfadada, mas ver tantas expressões humanas naquela face animal já estava começando a fazer o cérebro de Yukari entrar em parafuso, por sorte ele lhe deu as costas novamente, voltando a observar o lado de fora através da janela — Uma vez uma dupla de exterminadores desmascarou o meu velho com esse truque. E ele queimou a ambos, um morreu, mas acho que o outro só saiu gravemente ferido, e deve ter carregado as cicatrizes pelo resto da vida também, não que humanos vivam muito, é claro. Bem, eles estavam perto demais da nossa toca quando isso aconteceu, então não havia outro jeito.

Ele falava de uma forma realmente despreocupada, sobre humanos pegando fogo... Yukari sacudiu a cabeça, não querendo pensar demais nisso.

—Então... A fogueira lá fora...?

—É madeira de cedro. — ele confirmou. — Eu fugi de lá o quanto antes, mas ainda acabei inalando um pouco, não o bastante para forçar-me a transforma-me por completo, mas ainda fiquei preso nessa meia forma. De qualquer jeito eu devo voltar ao normal em uma ou duas horas. — A cauda da raposa surgiu lentamente de suas costas e se estendeu até o chão, se de forma consciente ou não, Yukari não sabia dizer — Que chato. — ele reclamou — Eu bem que queria aproveitar o final do festival. Tenho certeza que conseguiria convidar o professor Haruna para uma dança comigo.

A raposa ficou em silêncio então, enquanto sua cauda balançava preguiçosamente de um lado para o outro, até que Yukari puxou a cadeira do lugar à sua frente e sentou-se.

—Não vai voltar ao festival? — ele olhou-a de canto.

—Estou bem aqui. — Yukari deu de ombros.

Muitas horas depois, descalça, com a barra do quimono enfiadas no obi e as mangas recolhidas para não atrapalhá-la, Yukari havia acabado de começar a esfregar a primeira das três grandes banheiras no banho masculino, quando a voz da raposa soou atrás de si:

—Por que está limpando esse lugar há essa hora? Não está cansada depois do festival?

Sobressaltando-se a garota deixou cair o esfregão no fundo vazio da banheira com um ruído alto e estridente.

—Nem pense em tomar banho agora! — exclamou sem virar-se e cobrindo os olhos com as mãos, pois, em sua cabeça, aquele sem vergonha já estava até mesmo despido.

—Eu já tomei banho. — ele lhe respondeu.

—Já tomou? — repetiu descobrindo os olhos e olhando-o desconfiada por cima dos ombros.

Atrás dela, ele estava sentado à beira da banheira completamente vestido — uma pausa para um pequeno suspiro de alivio — com seu quimono azul.

—Agora há pouco no banho feminino. — a raposa lhe respondeu apontando com o polegar por cima do ombro.

Yukari cerrou os olhos.

—Eu ainda não limpei o banho feminino. — afirmou desconfiada.

Implicante, como só aquela raposa sabia ser, ele sempre esperava até a área do banho ter sido limpa para só então usá-la, e deixar o chão encharcado, uma das banheiras cheia, as torneiras pingando, os bancos, as bacias, e os xampus, todos espalhados na mais completa e proposital — simplesmente não havia como não ser proposital! — bagunça.

—Eu sei. — ele deu de ombros — Você não respondeu minha pergunta.

Por um momento ocorreu a Yukari que ele podia ter se infiltrado entre as clientes para tomar banho junto a elas, mas isso não era muito provável visto que — a exceção daquela vez com suas amigas — ele não demonstrava qualquer interesse em tomar banho acompanhado.

—Como fui liberada de meus serviços na pousada durante toda a semana que antecedeu o festival e durante os dias do festival em si, meu pai concluiu que seria justo eu cuidar dos banhos hoje. — respondeu recolhendo seu esfregão do chão.

Na verdade originalmente ela ficara encarregada das termas também, mas sua mãe, talvez por pena, pegara aquela tarefa para si.

—Mas você não está cansada? — a raposa insistiu.

—Eu já disse, fui liberada de todas as minhas tarefas durante a semana toda.

Yukari encolheu os ombros e continuou esfregando até que, repentinamente, começou a ouvir o som de um segundo esfregão e virou-se surpresa.

Na banheira ao lado, descalço e com os cabelos amarrados em um nó no alto da cabeça, a raposa havia, da mesma forma que Yukari, enfiado a barra do quimono no obi e recolhido às mangas — embora o seu tasuki parecesse cintilar com algum tipo de uma suave luz prateada própria — para esfregar o chão.

Um momento mais tarde, quando percebeu que era observado, ele ergueu os olhos para ela.

—Estou fazendo errado? — perguntou.

—Não. — piscou — Está tudo certo.

E então, com um aceno afirmativo, ele voltou a baixar a cabeça e concentrar-se em seu trabalho, para a completa incredulidade de Yukari.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

(i) Aproximadamente R$ 10,00.

Curiosidades do Japão:

Pircings:
Quando Yukari menciona as meninas com pircingns nas orelhas, ela se referia a brincos comuns, no Japão, brincos normais também são chamados de pircings.

Restaurantes:
No Japão é costume que, assim que um cliente chegue a um restaurante, lhe seja oferecido um copo de água gratuitamente junto com o cardápio, e em maids cafés (restaurantes com temática de empregadas) os clientes normalmente são tratados como “mestres”.

As datas:
Assim como nos Estados Unidos, no Japão também coloca-se o mês a frente do dia nas datas, por isso que Gintsune diz que ao colocar o dia antes do mês a data estava "invertida".

Pentes e a má sorte:
Um pente chama-se “Kushi” em japonês, que apresenta a combinação das palavras “ku” que é a mesma palavra quando querem dizer “sofrer” e “shi” que é a mesma palavra usada para “morte”. Então, isso traz à lembrança o sofrimento e a morte no idioma japonês.

Fumaça de cedro e raposas:
Há uma lenda no Japão na qual um samurai tenta obrigar uma raposa a assumir sua forma original, fazendo-a inalar fumaça de folha de cedro.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Lenda da Raposa de Higanbana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.