1991

     O sol forte irradiava por toda a extensão da rodovia deserta trazendo um tempo seco e árido, no rádio do carro Chris Cornell cantava enquanto meu pai murmurava baixinho junto com ele. Se mudar para o México nunca esteve em nossos planos, na realidade gostávamos de morar em Londres, o tempo frio sem sol praticamente o ano inteiro, o cheiro dos croissants e os casais apaixonados em lua de mel eram com certeza as coisas que eu mais gostava na antiga cidade, fora os amigos e as relações que cultivamos lá durante toda nossa vida, mas quando meu pai perdeu o emprego na construtora tudo mudou, as contas chegavam, nossos fundos de emergência foram embora, a casa foi vendida na hipoteca e o aluguel era caro demais, sendo assim meu pai decidiu voltar para o México onde o custo de vida seria mais barato e poderíamos tentar um novo recomeço.

— Vamos parar para abastecer e comer alguma coisa, está com fome? – Apontou para o posto de gasolina alguns metros à frente, assenti num gesto simples respondendo à pergunta.

     Saímos do carro e senti a quentura no topo de minha cabeça, nunca havia saído de Londres sendo assim nunca havia sentido o sol tão forte quanto naquele momento. O posto era pequeno e contava com uma pequena conveniência, enquanto meu pai abastecia o carro – uma Pick Up Willys azul tifanny 1958 – empurrei a porta de vidro empoeirada da conveniência escutando o pequeno sino acima tocar, o local era pequeno com apenas três corredores, peguei alguns salgadinhos e bolachas, caminhei até a geladeira de refrigerantes e peguei duas latinhas. Fui até o balcão e toquei a sineta na esperança de alguém surgir. Nada. Toquei novamente.

— Eu juro que se você estiver brincando comigo novamente, vou chutar seu traseiro tão forte que se arrependerá de ter nascido! – Uma voz idosa disse atrás da cortina de miçangas coloridas chegando cada vez mais perto, a dona da voz, uma senhorinha baixinha com cerca de setenta anos, batom vermelho, anéis e colares dourados surgiu – Ah! Querida, perdão achei que era o idiota do meu filho. – Ela sorriu, sorri de volta. Coloquei todos os produtos encima do balcão junto com mais alguns chicletes e jujubas – Você não é daqui. – Embora cega de um olho que não tinha coloração, afirmava como se pudesse saber tudo sobre mim.

— Sou de Londres. – Sorri respondendo como se fosse uma pergunta e lendo alguns enunciados de revistas antigas encima do balcão"Veja seu Horoscopo Semanal", "Arianos: Aprenda a lidar!", "Ele é de Libra? Vish!", "7 dicas para emagrecer definitivamente em 7 dias!" e "Receitas: Os melhores drinks detox do ano".

— Tem sotaque inglês realmente, 100 pesos. – Ela riu – Como se chama, menina?

— Arabela Stoned. – Entreguei o valor em pesos mexicanos, a senhora abriu o caixa e colocou as notas.

— Stoned. - Respirou fundo e seus ombros pareciam tensionados - Não é um nome comum e mesmo assim já ouvi algumas vezes, espere um pouco. – Ela se virou e peguei os sacos de papel com as compras dentro, abri um chiclete de menta e masquei. A senhora voltou e colocou um pequeno objeto redondo com um tipo de teia dentro, alguns búzios na teia e penas brancas alternadas com pretas encima do balcão – Isso aqui é um filtro dos sonhos, você pode colocá-lo na janela de seu quarto ou na cabeceira da cama, vai afastar os maus espíritos.

     Ganhar um presente, para mim, não era algo comum, ganhar um presente de uma senhora que nunca vi na vida era menos comum ainda, mesmo assim aceitei o tal filtro dos sonhos que tinha o próprio charme.

— Obrigada, de coração, prometo que vou usar. – Sorri e me despedi virando as costas para ir embora.

— Menina Stoned. – Virei novamente segurando a porta de vidro com a perna esquerda, olhei no fundo dos olhos da senhora – Tome cuidado, o México não é um lugar comum, e você também não.