Era uma manhã clara e de brisa fresca.

As copas das árvores em volta do prado balançavam no ritmo do vento e os pássaros cantavam. Sesshoumaru podia sentir com seu olfato apurado os mais diferentes tipos de perfume dependentes das flores espalhadas na grama, as quais Rin corria entre com entusiasmo, juntando-as para o que, àquela altura, ele já sabia identificar como uma coroa. Jaken não estava a vista, havia ido a suas ordens em busca de algo para a menina comer.

E, apesar de estar prestando atenção em Rin para que nada acontecesse com a criança, apenas metade de sua atenção estava nisso. A outra metade estava focada na youkai sentada embaixo de uma das poucas árvores espalhadas pelo campo, ao qual ele fitava de soslaio há um longo tempo. O cheiro dela também chegava às suas narinas e, apesar de ser um tanto parecido com o de seu inimigo, ele aprendeu a diferenciar com o passar dos encontros que o destino reservou entre os dois.

Os cabelos negros de Kagura estavam presos em seu habitual penteado, mas se moviam levemente com o vento toda vez que a brisa os tocava. Vento esse que era de domínio da perigosa feiticeira, mas que ela não fazia nenhum esforço para domar naquele momento, seu leque nem mesmo estava à vista. Seus olhos escarlate fitavam o nada e Sesshoumaru se perguntava o que estaria se passando nos pensamentos dela, pois ela parecia totalmente imersa nos mesmos.

Já havia se passado uma semana desde que a salvara da morte que Naraku, seu criador, a tinha destinado, ele lembrava com total clareza do sangue vermelho escuro que manchava as roupas dela e o cheiro forte de miasma. E, apesar de seu meio-irmão bastardo ter oferecido proteção e um lugar no seu bando de amigos, parecendo em definitivo não considerar Kagura mais uma inimiga, ainda mais agora que nada a amarrava a Naraku, ela resolveu por segui-lo. Sesshoumaru não oferecera, mas não tinha se oposto. Jaken reclamou e pediu explicações que seu lorde não deu. O daiyoukai muito bem sabia o porque dela segui-lo, assim como sabia porque transpassara os mensageiros do outro mundo com a tenseiga quando estava frente a frente com ela em um outro prado muito mais florido que aquele. Estava em entrelinhas, mas era explícito para os dois.

Escutou um suspiro deixar os lábios avermelhados da youkai apenas por conta de sua apurada audição. Ela endireitou a cabeça, olhando para o céu, sem parecer perceber que era observada por ele. Os mesmos lábios que suspiraram se curvaram em um pequeno sorriso e ela tocou seu peito com uma das mãos, parecendo querer sentir o coração que até então era cativo de seu mestre, literalmente.

Kagura era livre agora.

E mesmo assim resolveu segui-lo.

—Sesshoumaru-sama! -escutou a vozinha fina de sua protegida o chamar -Sesshoumaru-sama!

Seus olhos se desviaram da feiticeira dos ventos para se focar na criança a sua frente. Rin vestia um quimono claro e tinha um sorriso alegre enfeitando o rosto inocente. Sesshoumaru segurou o instinto que ela despertava nele, segurando o sorriso que queria corresponder. Aquela menininha o tirava de seu normal desde que entrou na sua vida e, aquela altura, ele não conseguia mais achar isso ruim.

Ele não respondeu o chamado, apenas a olhando. Ela sabia muito bem que ele era de poucas palavras e que tinha conseguido sua atenção e agora devia dizer o que queria. Diferente do que ele achou, ela não trazia em suas mãos uma coroa de flores para adornar sua cabeça, mas sim uma pequena flor vermelha. Ela sorriu mais largo, ficando na pontinha dos pés e esticando o braço. Sesshoumaru suspirou baixo e se inclinou para ficar numa altura que permitisse que a menina colocasse a flor em sua orelha.

—Você está ainda mais bonito agora, Sesshoumaru-sama! -a garotinha exclamou em toda sua inocência quando ele voltou à posição original e, dessa vez, ele não conseguiu segurar o pequeno sorriso para ela.

Rin corou de felicidade e saltitou para longe. Sesshoumaru negou com a cabeça de forma suave, tentando achar em seu interior algo que o recriminasse por aquele gesto, sem sucesso, e suspirou de novo, reconhecendo que, pelo menos por dentro, ele havia mudado.

Seus ouvidos foram agraciados com uma risada baixa, porém cristalina, que tirou seu foco de sua avaliação interna. Seus olhos correram para a direção do som e encontrou Kagura o fitando com um riso estampado em seus lábios carmesim, o divertimento se refletia nos olhos um tom mais escuros. Ela subiu o braço, usando a manga do quimono para tapar o riso e Sesshoumaru sentiu vontade de suspirar novamente, não encontrando de novo qualquer descontentamento com o sorriso que quase voltou aos seus lábios ao observar a youkai sempre tão desafiadora e impetuosa agindo de de forma tão doce e despretensiosa.

Desviou o olhar de Kagura, voltando seus olhos para onde Rin estava sentada, parecendo entrelaçar os caules das flores, ela fazia um bico enquanto trabalhava, concentrada. Não havia qualquer perigo e, mesmo que a curiosidade para saber o que ela faria com a coroa tivesse brotado em seu interior, já que não era destinada a sua cabeça, ele preferiu voltar seus olhos para onde esperava que logo Jaken emergisse com o almoço de Rin e parar de pensar no que aquelas duas fêmeas estavam fazendo consigo, cada uma a seu modo. No momento, ele ainda tinha que se centrar em acabar com Naraku e ele precisava de seu foco nisso antes de qualquer outra coisa.

Os minutos se passaram e Sesshoumaru franziu o cenho, começando a ficar impaciente com a demora de Jaken. Havia alguns quilômetros que os separavam do seu próximo destino ainda e seu servo sabia disso, tornando o atraso dele inexplicável e irritante. Estava se decidindo entre ir atrás do youkai sapo e do filhote de youkai dragão que havia ido com ele, quando uma movimentação de Rin lhe chamou atenção.

Primeiro, encarou sem disfarces a menina se aproximar da youkai. Rin não tinha medo de Kagura, até mesmo tagarelando sem parar para ela em alguns momentos. Kagura não parecia se importar, tão pouco, mesmo ficando confusa sobre o que responder ou fazer perto da garota. Ela geralmente evitava ficar muito tempo perto de Rin, mas Rin não era do tipo que entendia os receios dos outros, e nem respeitava limites muito facilmente, ele era a prova viva disso.

Quando notou que os olhos de Kagura subiriam para olhá-lo, ele desviou o olhar. Não queria parecer interessado na interação entre as duas, mas a curiosidade coçava seu interior e ele voltou a fitá-las de soslaio depois de alguns segundos. Kagura, dessa vez, olhava para Rin com as sobrancelhas arqueadas. Rin não parecia nem um pouco intimidada pela youkai, não que essa fosse a intenção de Kagura, de qualquer forma, e estendeu a coroa de flores em suas mãos para ela.

—Rin acha que as flores vermelhas combinam com os olhos da Kagura-san. -ela afirmou com os olhinhos brilhando.

—Não tem medo dos meus olhos? -a voz de Kagura soou um tanto confusa, humanos não achavam as cores diferentes dos olhos dos youkais normais.

Rin negou com a cabeça, sem abaixar a coroa.

—Os olhos da Kagura-san são muito bonitos. -ela afirmou -A Kagura-san é muito bonita.

Kagura sorriu de leve e levanou a mão em direção a coroa.

—Então vou aceitar seu presente. -ela disse.

—Sim! -Rin exclamou animada -Kagura-san vai ficar ainda mais bonita para o Sesshoumaru-sama.

Kagura parou a meio caminho de tocar a coroa e suas bochechas adquiriram uma coloração que combinava com todo o contexto vermelho da conversa. Sesshoumaru fitou as costas de Rin, que agora era o que conseguia ver da posição que a garota estava, sentindo-se estupefato por dentro, sem poder acreditar que Rin percebeu alguma coisa nas entrelinhas. Ele suspirou um segundo depois, sabendo que provavelmente não passava de um devaneio infantil.

A feiticeira dos ventos pareceu sair do choque que a fala de Rin causara, soltando uma risada baixa. Sua mão voltou a avançar e pegar a coroa com delicadeza, colocando na própria cabeça.

—Assim? -ela perguntou para Rin.

—Isso! -Rin afirmou -Muito, muito bonita!

Kagura sorriu e seus olhos correram rapidamente para Sesshoumaru, sem que ele tivesse tempo de desviar os seus. Os olhos dos dois youkais se encontraram por um momento e logo os desviaram ao mesmo tempo, não querendo cair nas armadilhas que o destino parecia querer empregar com ajuda da pequena Rin, por mais que soubessem que já estavam totalmente envoltos naquelas linhas vermelhas.