A escola na colina escrita por HellFromHeaven


Capítulo 1
Pequena obsessão




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Desde que consigo me lembrar, minha família sempre passou as férias de verão em uma casinha de madeira de dois andares em uma cidade praiana longe de tudo. Era quase um vilarejo, onde todos se conheciam, com muito verde e sem sinal algum de celular. Morávamos em uma cidade muito grande, movimentada e barulhenta, cheia de gente estressada fazendo coisas entediantes e igualmente estressantes em seus veículos grandes e poluentes. Então, nem preciso dizer que eu adorava passar aquelas semanas em um local pacato, aproveitando o mar e explorando a linda floresta que cercava a cidade. Tudo parecia perfeito por lá, exceto por uma visão que sempre capturou minha atenção.

No alto de uma colina bem à vista da praia estava uma grande e antiga construção de madeira com boa parte de sua estrutura em ruínas. Quando perguntei aos meus pais, tudo o que disseram foi que o prédio se tratava de uma antiga escola, da época em que a cidade foi fundada e que foi destruída por um incêndio. Entretanto, eu sempre fui uma criança muito curiosa e, obviamente, apenas aquelas informações não eram o suficiente.

Era impossível para mim saber mais do que aquilo naquela época, mas busquei novas fontes ao longo dos anos. Cada verão que se passava aumentava meu interesse naquele velho prédio em ruínas, o que acabou se tornando uma espécie de obsessão.

Aos seis anos, tomei coragem para perguntar aos moradores, sem nenhum sucesso. Aos dez, passei três dias inteiros na biblioteca local e consegui encontrar um artigo velho e muito bem escondido sobre o incêndio. Pelo que parecia, um dos professores ficou maluco e ateou fogo em sua sala, matando sua sala e a si mesmo. Desde então, a escola fechou e nunca mais usaram o lugar.

Aos doze, estranhava o fato de que todas as crianças da cidade tinha que ir até a cidade vizinha para poder estudar, com um prédio abandonado tão perto e minhas suspeitas se intensificaram. Gastei minhas férias inteiras investigando o caso do professor, mas todos evitavam tocar no assunto. Era como se nada daquilo tivesse acontecido algum dia. Revirei a biblioteca e pressionei um dos meus amigos que morava por lá e finalmente obtive algo mais satisfatório.

Ele me disse que o assunto era uma espécie de tabu na cidade porque envolvia algo muito mais obscuro do que apenas um surto psicótico. Seu pai conversou com ele sobre o assunto depois de acordar de um pesadelo terrível. O professor era uma figura muito respeitada na cidade e que ninguém entendeu o motivo de seu surto repentino. Porém, investigações mais profundas em sua casa revelaram um terrível segredo sobre seus interesses por coisas muito obscuras.

Não se dizia muito sobre o que foi encontrado lá, mas atearam fogo no local e enterraram as cinzas, então deveria ser algo bem bizarro. Segundo ele, os mais velhos comentavam entre si que o incidente na escola fez parte de um ritual, o que amaldiçoou o local. Normalmente eu não acreditaria em boatos do tipo, mas uma essa crença explicava o motivo de não terem voltado a utilizar o grande prédio, mesmo que apenas uma pequena parte de sua estrutura tenha sido danificada.

Assim, voltei para minha casa na cidade grande mais determinada do que nunca e fui totalmente absorvida por minha obsessão. Cada dia do ano que se seguiu foi completamente dedicado a satisfazer minha curiosidade doentia. Arranjei alguns bicos para comprar suprimentos e equipamentos necessários para meu plano final. Quando não estava ocupada com os preparativos, buscava informações em qualquer fonte possível, bibliotecas, internet, clubes de ocultismo, amigos que gostavam de jornalismo e tive o total de zero descobertas novas.Com isso, os meses voaram, o verão chegou novamente e eu estava pronta para passar uma noite na escola.

Meus pais estranhavam meu comportamento e minha curiosidade insaciável, mas creio que não podiam sequer imaginar a dimensão de meus sentimentos. Então não perdi tempo algum, novamente ignorei o mar que tanto amava quando mais nova e passei o dia inteiro sentada na areia, admirando aquele grande prédio no alto da colina. O Sol se pôs e eu desapareci da vista de meus pais. Eu conhecia a trilha que levava à escola de olhos fechados. Inúmeras vezes estive em frente aos portões de metal caídos e da cerca deteriorada pelo tempo. Porém, eu não ficaria mais apenas observando.

Com minha mochila nas costas e uma lanterna em mãos, atravessei o pátio e adentrei no local, empurrando com força as portas duplas de madeira, que caíram com meu esforço. O som ecoou por todo o prédio, dando lugar ao silêncio completo logo em seguida. Já era noite, mas eu tinha a sensação de que a escuridão no interior da escola era ainda maior do que a que me esperava lá fora. Um calafrio percorreu minha espinha, como um presságio do que aconteceria naquela noite.

Poucos segundos depois de minha chegada, pude notar que o silêncio havia me abandonado. O ranger do piso de madeira a cada passo de minha pessoa, algumas goteiras ao longe e o som de uma ou duas janelas que balançavam com o vento. Em uma de minhas muitas visitas à biblioteca local, consegui uma planta do prédio, que servia como um mapa para minha expedição noturna. Meu plano inicial era de andar por todo o local e dormir na sala do diretor ou na lanchonete. Porém, por mais que estivesse focada nisso, assim que tirei meus olhos do mapa e ergui meu rosto, estava em frente à sala do incidente.

Larguei a lanterna por impulso e o objeto rolou alguns centímetros, iluminando o interior do local. As paredes estavam chamuscadas e cobertas de enxofre, assim como o chão e boa parte do teto que ainda não tinha cedido. Não havia mais móveis, apenas destroços de algumas carteiras e da mesa do professor. Porém, o quadro negro estava intacto e havia vários símbolos estranhos desenhados nele com giz branco.

Recuperei-me de meu choque inicial e peguei novamente minha lanterna. Pensei em sair dali, mas minhas pernas se moveram sozinhas e quando percebi, estava em frente ao quadro. Os símbolos não se pareciam nada com o que eu encontrei em minhas pesquisas sobre religiões pagãs ao longo dos anos. Havia pequenas inscrições em uma língua irreconhecível e eu instintivamente deslizei meus dedos sobre elas. No mesmo momento, ouvi o som característico de uma cadeira deslizando. Virei-me instintivamente só para me lembrar de que não havia cadeiras naquele local.

Assim que me acalmei com essa conclusão, minha mente disparou com a seguinte pergunta: de onde veio o som? Com as mãos trêmulas, reuni toda a coragem de meu ser e saí da sala, andando rapidamente pelos corredores em busca da origem do barulho. Havia mais cinco salas de aula além daquela e eu passei por todas. As cadeiras estavam posicionadas em cima de suas respectivas carteiras, com exceção de uma na sala B-1. A cadeira estava em frente à mesa do professor, virada para porta. Senti algumas gotas de suor percorrendo meu rosto, mas me mantive forte e fui até lá.

Analisei o objeto e parecia uma cadeira normal, porém o som se repetiu e eu olhei ao redor. A luz da lanterna tremia levemente e tudo parecia estar no lugar. Novamente percorri todo o prédio e encontrei uma cadeira na mesma posição, só que na sala B-2. Isso se repetiu até que eu tivesse visitado todas as cinco salas, todas com uma cadeira na mesma posição. Fiquei irritada e saí correndo pela escola gritando, pois pensava que era a brincadeira de alguém. Entretanto, assim que me cansei, me vi diante da sala do incidente novamente. Era difícil desviar o olhar daquele quadro negro, mas usei toda a minha força e o fiz, andando lentamente de volta à sala B-1. Porém, o som de giz escrevendo na lousa chamou minha atenção.

Um forte calafrio percorreu minha espinha e meus instintos ficaram a mil. Eu podia sentir que algo estava errado naquele prédio. Todas as minhas suspeitas sobre estar sendo provocada por alguém se esvaíram, substituídas por um medo intenso. Mais suor escorreu por meu rosto e me vi paralisada. Vozes de criança começaram a ecoar de toda a escola, sussurrando palavras que eu era incapaz de entender, se intensificando à medida que meu corpo se movia involuntariamente até a sala do incêndio.

O som do giz se tornou mais intenso, assim como as vozes, que começaram a entoar um cântico infernal que penetrava meus ouvidos e se enraizava em minha mente. Tentei tapar os ouvidos, mas o som parecia estar em minha mente, de forma que eu era incapaz de ouvir meus próprios passos. Quando adentrei a sala, vi cinco cadeiras em um semicírculo, todas voltadas para a entrada. Mantive meu rosto voltado para o chão. O som do giz era ensurdecedor a essa altura, como se alguém rabiscasse o quadro negro com muita agressividade. Fechei meus olhos em uma tentativa de reduzir meu medo e as vozes cessaram.

Ao abrir meus olhos novamente, me vi no meio de um círculo com as cinco cadeiras, de frente para o quadro negro. Tentei o máximo possível desviar o olhar, mas fui atraída involuntariamente para o quadro negro que estava coberto de giz branco. Uma forte torrente de vento invadiu o local pelo buraco na estrutura feito pelo incêndio, soprando boa parte da poeira do giz, revelando um desenho indescritível. Aquela imagem atropelou meus globos oculares e perfurou meu cérebro, banindo minha sanidade temporariamente. As vozes voltaram e eu pude ver a figura se movendo no quadro, como se quisesse passar por uma espécie de porta, ao som frenético do giz. Gritei em agonia ao ver uma rachadura na superfície negra daquele grande objeto e tudo ficou escuro.

A luz intensa do Sol me acordou horas mais tarde em minha cama. Meus pais estavam ao meu lado e disseram que fui encontrada desacordada na praia, coberta de enxofre. Não podia contar o que tinha acontecido, pois nunca acreditariam em mim, então apenas disse que tentei acampar e deu tudo errado. Por algum motivo, eles não fizeram muitas perguntas e eu passei o restante das minhas férias na praia, observando a escola ao longe. Aquela imagem grotesca nunca mais deixou minhas memórias e passou a visitar esporadicamente meus pesadelos, me levando novamente para aquela noite terrível e depois daquele verão, nunca mais voltei à casa na praia.


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