—Pronto - disse Samanta, terminando de escrever alguma coisa em sua folha de caderno cheia de florzinhas com uma caligrafia absurdamente linda (o que era de se esperar de uma patricinha clichê) - Não é uma mensagem de amor incrível?

Cíntia, a amiga de Samanta que não a acompanhava o tempo todo, pegou a carta e leu.

—Nossa, que lindo - disse Cíntia - Não tem como um menino não se sentir tocado.

Como Cíntia não podia ler em voz alta, reproduzo aqui o que estava escrito:

“Oi.

Isso pode parecer repentino, mas eu não aguento mais, preciso confessar: eu sou totalmente apaixonada por você. 

Será que podemos nos encontrar depois da aula na árvore central do pátio? Lá poderemos conversar melhor

Assinado: sua admiradora secreta”

—Bem, você entendeu o plano, não entendeu? - perguntou Samanta.

—Acho que sim - disse Cíntia, sem passar muita confiança.

—Tá, vou explicar de novo.

—Você me entende. Por isso que sou sua amiga! - comemorou Cíntia.

—Presta atenção. Você vai colocar esse bilhete na carteira do Enzo. Só isso. Depois, vamos falar para a Briana que tem alguém que gosta muito dela disposto a encontrá-la depois da aula. Daí os dois se encontram e a Briana vai se apaixonar. Vamos nos tornar rivais no amor oficialmente! - falou Samanta, confiante.

—Será que vai dar certo? - disse Cíntia, coçando a cabeça.

—Claro que vai! - retrucou Samanta - Você só precisa deixar essa cartinha na mesa do Enzo. O que pode dar errado?

—É mesmo, né? - concordou Cíntia - O que pode dar errado?

—Né? Vai logo, enquanto isso eu vou procurar a Briana - disse Samanta.

E foi o que a amiga de Samanta fez. Aproveitando o intervalo para procurar a carteira do Enzo, ela estava dedicada a cumprir sua missão. Só tinha um pequeno probleminha.

—Ai, onde que o Enzo sentava mesmo? - perguntou ela para si mesma - Era nessa ou naquela carteira?

A dúvida persistia. Era na quarta carteira da primeira fileira ou na terceira carteira da segunda fileira? 

—Ah, acho que é nessa - disse Cíntia - Tenho quase certeza...Ah, é aqui, sim.

Logo depois disso, Cíntia alcançou Samanta que, por sua vez, já havia avistado Briana. Com uma voz doce, Samanta se aproximou.

—Oi, Briana - disse Samanta, toda sorridente.

—Oi, Samanta - Briana cumprimentou, também sorridente - Tudo bem?

—Tudo ótimo - disse a filha do prefeito - Sabe...eu queria falar uma coisa com você…

—Pode falar - Briana mantinha seu sorriso.

—Sabia que...tem alguém da nossa sala a fim de você? - disse Samanta.

—Como assim? - indagou Briana.

—É o…AI!  - mas antes que Cíntia pudesse terminar de falar, Samanta fez questão de pisar bem forte no pé dela.

—Ai? Que Ai? Não lembro de nenhum Ai na nossa sala. Esse nome é árabe? - perguntou Briana.

—Não, é que a Cíntia está com o dedão do pé machucado, sabe? Então às vezes ela pisa em falso e acaba doendo - explicou Samanta - Né, Cíntia?

—Ééé siiim - concordou Cíntia, sem muita escolha - Meu pé tá doendo de verdade, sabia?

—Na verdade, a gente não pode dizer quem é porque também não sabemos direito - disse Samanta - Foi um amigo dele que pediu para falarmos com você.

—E por que o amigo dele não veio falar comigo? - perguntou Briana.

—Então, é que meninos não são muito bons nessas coisas. Você sabe, né? - falou Samanta, abusando de sua expressão simpática.

—Não, não sei. São?

—São - respondeu a filha do prefeito - Quando se trata dessas coisas, meninos são todos perdidinhos. Por isso ele achou melhor colocar tantos intermediários e pediu para um amigo falar com uma amiga sua.

—Então somos amigas? - perguntou Briana - Quando nos conhecemos você disse que não podíamos ser amigas.

—Eu falei isso? Imagina...somos amigas, sim. Você até já jantou na minha casa - falou Samanta.

—É mesmo, né? - concordou Briana com um sorriso.

—Então, parece que ele é a fim de você e...quer te encontrar depois da aula - Samanta prosseguiu.

—Sério? - disse Briana - Ai, eu nem sei o que fazer.

—Como assim? Vai no encontro - disse Samanta.

—Mas o que eu falo para ele? - Briana estava realmente perdida.

—Fácil - disse Samanta - Tenta deixar ele confortável. Lembre-se que ele é bem envergonhado. Daí tenta ver o lado dele, deixa ele dizer o que tem para dizer. O resto é coisa do destino.

—Resto? - perguntou Briana.

—Quem sabe...namoro? - falou Samanta.

—Namoro? Mas eu só tenho dez anos! - lembrou Briana.

—Ah, uma hora a gente tem que amadurecer, querida Briana - disse Samanta - Por que não dar uma chance para o amor?

—Nossa, que bonito - disse Briana, encantada com as palavras.

—Eu sei - disse Samanta - Somos tão jovens e a vida passa tão depressa.

—Que lindo - disse Cíntia, também quase chorando.

—Bom, já falamos o que tínhamos para falar - disse Samanta, antes que Cíntia começasse a chorar para valer - Espero que você dê uma chance para o pobre rapaz dizer como se sente.

—Ai, não sei, não…

—Você vai mesmo deixar ele na não, Briana? - bronqueou Samanta - Você tem coragem de ferir o coração de um inocente garoto que só quer amar? É isso?

—Não, não, claro que não. Não quero machucar os sentimentos de ninguém.

—Então você pode se encontrar com ele, né? - Samanta voltou ao seu estado sorridente - Não vai esquecer, heim? Depois da aula na árvore do meio do pátio.

—T-tá - disse Briana, ainda insegura.

—Deu certo! - disse Samanta, já um pouco distante, enquanto Cíntia ia atrás dela tentando acompanhar o raciocínio da amiga - Eles vão se encontrar e Briana vai se apaixonar por ele. Já posso até ver!

—E se o Enzo também se apaixonar por ela? - perguntou Cíntia.

Samanta parou de andar na mesma hora.

—Cíntia, você pensa cada coisa - reclamou Samanta - O Enzo não vai se apaixonar por ela assim.

—Não?

—Claro que não. Lembra que ele já gosta de mim? - disse Samanta - Ele até me cumprimentou hoje, esqueceu?

—Ah, é. É mesmo - concordou Cíntia.

—Ele deve até pensar que sou eu a admiradora secreta. Aposto que ele vai ficar bem decepcionado quando ver que é a Briana - disse Samanta, sorrindo maldosamente agora.

—Você é mesmo muito má, amiga - disse Cíntia.

—Eu sei - confirmou Samanta.

É, as coisas tinham tudo para dar certo no plano de Samanta se não fosse por um detalhe: lembra que a Cíntia tinha quase certeza que colocou o bilhete na mesa do Enzo? Então, quase certeza não é o mesmo que certeza.

—O que é isso? - disse Beni, ao ver a cartinha em cima de sua mesa depois que voltou do intervalo. 

O garoto leu o conteúdo dela e ficou extremamente abalado.

“C-Como? Admiradora secreta?”, pensou ele com as mãos trêmulas. “O que isso significa?”

Pois é, o que podia dar errado, né?