Como sobreviver a um semestre escrita por Wendy


Capítulo 8
Dica número 1: Arrume aliadas poderosas


Notas iniciais do capítulo

Finalmente chegamos ao capítulo em que todo mundo se conhece ♥
Boa leitura chuchus



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Ainda era madrugada quando os calouros bolsistas da POC acordaram. Como moravam longe, precisavam sair de casa bem cedo para chegar no horário, sem contar o tempo gasto subindo as escadas da entrada da universidade, que estava localizada no alto de uma montanha onde ventava muito.

Por sorte, trotes eram proibidos desde quando os pais ricaços dos estudantes ameaçaram processar a universidade se um de seus “bebês” voltasse para casa com uma manchinha de tinta sequer na roupa que lhes havia custado três mesadas inteiras.

Juliana, naturalmente, foi a primeira a chegar ao laboratório de anatomia. Saiu de casa bem cedo para evitar a luz do sol e como ainda iria demorar para o início da aula, decidiu caminhar pelos corredores do prédio. Refletia enquanto admirava a paisagem da universidade pela janela do corredor (algumas poucas plantas no pátio, para fingir que eram uma instituição sustentável), quando um brilho glorioso ofuscou sua visão, irritando seus olhos e fazendo com que ela tampasse o rosto com o antebraço.

—Mas o que é isso?

Poucos segundos depois, o brilho já havia sumido e ela voltou a olhar pela janela, em busca de respostas. No entanto, suas dúvidas só se multiplicavam como uma célula em meiose.

—Aquilo é... um unicórnio voador indo embora?  –Seus olhos estavam arregalados.

Somente um grito foi capaz de tirar sua concentração da janela. Perto de onde estava, uma garota acabara de cair das escadas que levavam ao laboratório de anatomia.

—Você está bem? –Aproximou-se. –Parece que essas escadas foram feitas para matar alguém. Ainda bem que eu já estou morta.

—Ah, eu tô bem. Tudo maravigold; linda e maravilhosa como sempre. –A garota que exalava um brilho natural e deixava glittler por onde passava parecia muito bem para quem acabara de descer vários degraus de uma maneira nada agradável. Ela usava roupas muito rosa, inclusive uma bolsa que parecia ter saído de um filme de patricinhas, além de uma flor nos longos e ondulados cabelos castanhos e muita maquiagem. Ela também era muito magra, fazia até sentido que caísse tão facilmente. Juliana precisou fechar levemente os olhos para não se cegar com tanto brilho. –Isso acontece o tempo todo, já até acostumei.

—Bom. –Sorriu amigavelmente. Ela notou que a garota segurava um cãozinho embaixo de um dos braços e o encarou.

—Esse é o Noel, ele veio me acompanhar hoje. Fala “oi”, Noel!

Mesmo pequeno, o poodle era mais bravo do que qualquer Pitbull. Ele rosnou e mostrou os afiados caninos, muito mal humorado e ranzinza.

—Ele não é bonzinho? –Antes que respondesse, ela o soltou. –Vai, Noel. Vai passear um pouquinho até a mamãe sair da aula. –Dirigiu-se à menina. -Você é do primeiro semestre de Terapia Ocupacional?

—Sou. –Desviou os olhos do cachorro, que sumiu pelos corredores.

—Eu também! O que eu queria mesmo era medicina, mas esse curso parece uma boa opção também. Será que tem muitas vagas de emprego? Espero que o salário seja bom, quero uma casa de férias em Miami para os dias de verão. Vamos, o professor já deve estar vindo.

—Claro. –Tentava acompanhar o ritmo acelerado da patricinha. Seus olhos já estavam se acostumando com o brilho. – Ótimo, não estou mais sozinha nesse lugar.

—Estou muito animada para o primeiro dia. Fui à papelaria e comprei todo um estoque de material novo! Meu passatempo favorito. Peguei um caderno do modelo mais fashion que encontrei, canetas gel com cheirinho de frutas e adesivos muito fofos de cachorro que me fazem lembrar o Noel - meu filho – e uma caixa inteira de post-its, é claro!

—Eu comprei uma mochila. -Falou. -Preta, obviamente, para combinar com o estojo e o resto dos materiais. Espero que o inverno chegue logo para que eu possa usar minha capa preta, minha bota preta e o cachecol preto.

Letícia reparou nas roupas da garota. Ela realmente estava toda vestida de preto. Notou que ela também mostrava pequenas presas quando falava, porém tinha uma voz baixa e calma que poderia facilmente ser usada em hipnose. Ela também era muito alta e se restringia a falar poucas palavras, deixando-a com aspecto misterioso que também ressaltado pelas olheiras. Era a primeira vez que Letícia via uma vampira de verdade.

—Você não está sentindo calor com essa roupa, darling?

—Geralmente sinto, mas... –Estranhou. -Está frio agora, não?

Letícia parou o que dizia e sentiu seus pelos do braço se arrepiarem. Realmente, uma onda congelante acabara de passar pelos corredores do prédio.

—Espero não estar atrasada! –Uma garota de cabelos pretos, mais velha do que as duas que a observavam, acabara de sair do banheiro enquanto secava seus óculos. Ela usava um anel branco muito grande, que se destacava em seu visual básico. –O professor ainda não chegou, né?

—Não. –Respondeu Juliana.

—Ufa, que bom! Não quero me atrasar logo no primeiro dia.

Mariane até continuaria a conversa, mas foi interrompida por um grito apavorante.

—Céus! O que está acontecendo?!

—Miseriqueima! –Letícia se desesperou. –O que será isso logo no primeiro dia? Eu sou bonita demais para morrer!

Juliana, calma, observou que alguém tentava abrir a porta do banheiro feminino em pânico. Quando a porta finalmente se abriu, todas estranharam o fato de ninguém ter saído.

—Tem uma pessoa congelada no banheiro!

—Quem disse isso? –Letícia não enxergava ninguém. Estava cogitando pegar seus óculos na bolsa.

—Ah, de novo não... –Mari já sabia do que se tratava. Faíscas de seu poder saíam descontroladamente de vez em quando.

Juliana não entendia o que estava acontecendo, até que finalmente olhou para baixo e se deparou com a imagem de uma pequena garota de cabelos curtos e ondulados, bem vermelhos. Ela falava muito alto para alguém tão pequena.

—Ah! Ela está aqui.

—Oi, amiguinha. Está perdida? –Letícia se abaixou. –Eu cuido de crianças na igreja, sabia? Você pode ser minha aluninha.

—Eu sou universitária, porra. –Falou muito séria, as lágrimas pararam de cair instantaneamente. –E mais velha do que você. E, só para constar, eu sou ateia.

A garota de rosa afastou-se bruscamente, horrorizada.

—Blasfêmia! –Juntou as mãos ao ajoelhar-se. -Ó, pai, por favor, perdoe essa menininha ou mande ela para o inferno. Qualquer uma das opções vai servir, eu prometo que não vou ficar triste.

Juliana desviou o olhar. Ela era uma vampira com bruxas como familiares; Julgou que não seria uma boa ideia mencionar a quem elas adoravam. Enquanto isso, Mariane dirigiu-se ao banheiro determinada a resolver o problema e foi seguida pelas três garotas.

Em uma das cabines do banheiro, lá estava ela: uma garota de cabelos cacheados que parecia uma estátua, presa dentro de uma enorme pedra de gelo. Sua boca estava aberta, como se estivesse gritando e correndo no momento em que foi atingida, provavelmente quando saía da cabine.

—Alguém tem um secador? –Perguntou Mari.

—Eu tenho. –Letícia imediatamente retirou o objeto de sua bolsa e o entregou para a maga, que em alguns minutos descongelou Thatiane.

—Perdão pelo vacilo.

—Carai, que é isso, mano... Eu esperava uma recepção calorosa no primeiro dia de aula, mas entrei numa fria.

Ninguém riu.

—Vamos para sala, o professor chegou! –Letícia saiu apressada após alguns segundos constrangedores de silêncio.

—Nossa, vocês são todas chatas.

—Ele chegou mesmo, vamos. –Agora foi a vez de Juliana sair, deixando apenas as três no banheiro.

—Será que o professor é bonito? –Perguntou Nath, arrumando o vestido escolhido cuidadosamente com intuito de seduzir todos que passassem. Imaginou um professor com porte atlético que lhe desse aulas particulares de anatomia no período da tarde.

—Não sei, mas a minha nota é que vai ficar “bonita” se eu me atrasar! Vamos indo. – Apressou Mariane e Nathalia correu atrás dela.

—Todas loucas, velho... –Thati foi a última a sair do banheiro, retirando os pedacinhos de gelo presos em seu tênis.

O professor de anatomia tinha por volta de seus 35 anos. No entanto, o estresse deixou seus cabelos completamente brancos e com profundas olheiras que destacavam o brilho psicótico de seus olhos. Ele era esguio e falava em tom muito sério e firme, causando medo em qualquer estudante. Seu olhar era tão severo que os alunos frequentemente choravam e chamavam pela mãe apenas por encará-lo. Dizia a lenda que ele recolhia essas lágrimas em sua garrafa metálica e as bebia quando sentia sede. Usava um longo jaleco com manchas estranhas e roupa social por baixo. Ele ficou longos minutos parado em frente à turma de aproximadamente 30 alunos por longos minutos, até que finalmente falou:

—Bom dia, estudantes; sejam bem-vindos ao ensino superior, onde tudo que farão é consumir bebidas alcoólicas, usar drogas ilícitas e implorar constantemente a Deus para que Ele poupe suas miseráveis vidas de tanta desgraça, sofrimento e trabalhos em grupo. –Sorriu discretamente, sem mostrar os dentes, parecendo satisfeito com a situação deplorável dos novatos. -Hoje vamos estudar os ossos, espero que estejam com seus jalecos, toucas, botas de borracha, óculos protetores e máscaras. Abram suas apostilas na página um.

—... Professor, nós não temos apostilas. –Disse uma das alunas.

—Então melhor conseguir uma. –Seu olhar estava tão amedrontador que a garota encolheu-se de medo.

—Esse professor me dá arrepios. –Disse Nathalia para Mariane, que estava ao seu lado. As cinco haviam sentado próximas uma da outra, dividindo a mesa que era comprida e metálica. Outros grupos haviam se formado e se dividido entre as outras mesas espalhadas pela sala subterrânea e assustadora, cheia de ossos e potes de vidro com peças humanas. Por algum motivo também havia correntes e algemas, como se o local já houvesse sido utilizado para torturar prisioneiros. –É como se uma aura gelada e sombria atravessasse a sala.

—Ah, não. –Respondeu com naturalidade. –Isso sou eu.

—Será que vamos ver um cadáver inteiro? –Thatiane mudou de assunto.

—Espero que não cheirem forte. –Disse Ju, ainda prestando atenção no professor. –Sou alérgica a mortos.

—...Oi? –Indagou Nathalia. -Você tá, tipo, mortinha. -

—Por isso meu nariz coça tanto. –Girando seu corpo para trás, assuou o nariz em um lenço de papel que retirou do bolso.

Nathalia, que observava a garota até então, voltou-se para o professor desejando que conseguisse prestar atenção na aula. No entanto, parecia ter sido petrificada. Sua boca estava completamente aberta enquanto encarava, sem disfarçar, a garota que entrava no laboratório: alta, dona de cabelos lisos e curtos, pele escura e olhos castanhos atrás do par de óculos. Suas roupas eram pretas, no entanto, definiam muito bem o corpo curvilíneo. Nathalia ficou paralisada enquanto observava aquele corpo cheio de curvas e os lábios fartos que brincavam com sua imaginação. Apesar de parecer uma garota firme e forte, ela também demonstrava delicadeza.

—Licença. Desculpe pelo atraso.

—Continue atrasada e nunca irá se formar. –Disse o professor sem ao menos olhar para ela, segurando um crânio de maneira sombria, como se seu alimento principal fosse a angústia de estudantes. A pouca luz iluminava sinistramente seus olhos sanguinários.

Ignorando-o, virou-se de costas para guardar o material no armário. Nathalia teve uma hemorragia nasal.

—Que popotão grandão! Ai, meu coração! -Sentia o órgão ser apertado por uma mão invisível, como se estivesse prestes a ser esmagado. –Tomara que seja infarto, porque se for amor eu tô fodida!

—Tá doida, menina? –Letícia irritou-se. –Fala mais baixo, presta atenção na aula.

—Oxê, olha o tanto de sangue escorrendo pelo nariz dela. –Thatiane ergueu seu caderno do filme Frozen para que ele não manchasse.  –Tá sujando toda a mesa, parece até eu quando estou menstruada.

Juliana ofereceu um lencinho para a garota e a ajudou a se limpar. Depois disso, encarou por alguns segundos o líquido avermelhado, como se ele a convidasse para um jantar. Vencendo a tentação, jogou o papel fora.

—Seu nome é Nathalia, certo? –Mari tentava acordá-la, mas Nath estava hipnotizada demais para dar ouvidos. Hesitante, Mari agarrou os ombros da garota e começou a chacoalha-la. –Nathalia? Acorde!

Nath estava extremamente ansiosa. Ela torcia para que sua nova paixão sentasse ao seu lado, porém Noemi passou pela mesa da garota e foi para o fundo da sala, deixando-a de coração partido.

—Ahn... Quê?! –A ruiva finalmente despertou. –O que aconteceu?

—Preste atenção na aula! O professor encarou você duas vezes, isso não é um bom sinal.

No meio da longa e monótona aula, todos já se sentiam entediados. Juliana era noturna, mas mantinha-se sem sono, por sorte. Prestava muita atenção no ensinamento sobre todas as partes da vertebra torácica. Mariane, por sua vez, já havia entregado tudo á Deus; dormia e babava na mesa sem se importar com o resto do mundo. Thatiane olhava os ossos por um aplicativo capenga que mostrava detalhes das peças, pareciam tão reais... Refletia sobre como o dono daquilo havia feito para tirar fotos tão boas sem autorização do conselho de ética. Nathalia desenhava fadas sensuais em seu caderno, desejando que o tempo passasse mais rápido. Por sorte, suas preces foram atendidas e o término da aula chegou; o professor dispensou seus estudantes.

Letícia, cumprindo sua imagem – apenas imagem -de patricinha rica estava bem confortável no banquinho. Colocara uma almofada para apoiar-se e bebia um martini italiano, com direito à azeitona no palito de dente.

—Isso é álcool? –Nath parecia muito interessada.

—Claro que não, boba. É água da torneira mesmo e a taça é de plástico.

—Isso não é muito higiênico. Podemos pegar bactérias se trouxermos comida ou bebida aqui no laboratório.

Nathalia encheu-se de felicidade quando viu a garota dos seus sonhos de pé ao lado de Letícia.

—Ah, que se dane! –Letícia terminou sua bebida e comeu a azeitona. –Deus está me protegendo.

—Já que você quer assim... A responsabilidade é sua, amiga. Não conheço esse prédio, alguém sabe onde fica a sala sete? Precisamos estar lá na próxima aula.

Juliana sentiu um arrepio.

—Por que o número sete...? -Sussurrou para si mesma.

—Estamos um pouco perdidas também, mas vamos procurar. –Thati tentava, sem sucesso, acordar Mariane. –Se quiser vir com a gente...

—Isso! –Concordou Nath sem disfarçar seu entusiasmo e sorrindo de orelha a orelha. –Vamos procurar juntas. Eu sou a melhor companhia que vocês podem ter.

Letícia já estava pronta para falar que ela era melhor companhia, quando Juliana chamou sua atenção.

—Ahn... Letícia... Aquele não é o seu cachorro?

—Noel! –Letícia gritou e levantou-se rapidamente, deixando suas mãos no alto para não correr o risco de bater as unhas gigantes e cor-de-rosa em qualquer lugar. –Noel, volte aqui em nome de Jesus!

O cãozinho, driblando sua dona, saiu correndo do laboratório com um fêmur na boca e chamando a atenção de todos que passavam pelos corredores. O esqueleto da sala de aula acabara de ficar sem uma das pernas e tudo o que se ouvia eram os gritos de desespero de uma mulher atrás de seu cachorro por toda a universidade. 

—Vocês vão comer? –Perguntou Ju, procurando sua mochila no armário. –Eu trouxe bolachas de chocolate integrais com açúcar disfarçado.

—Comida?! –Mariane despertou instantaneamente, assustando Thatiane. –Onde?

—Vamos enquanto procuramos a outra sala. –Sugeriu Noemi, arrumando os óculos delicadamente.

—Certo. –Nathalia levantou-se, mas a diferença de altura de quando ela estava sentada foi nula. –Sigam-me os bons! Vamos para o outro prédio. Está na hora de conhecer a POC.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do primeiro dia de aula? Muitos outros ainda estão por vir
Esse foi o meu capítulo favorito até agora!



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