Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 80
Hiatus Parte - O Retorno


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui está o Retorno. Nem tudo são flores, nem todos estão felizes.
E sim, La Grenouille vai fazer a sua participação por aqui também.
Eu disse que a treta só estava começando...
Boa leitura, e não, não vou pedir desculpas pelo tamanho do capítulo.



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Henry tinha me prometido que me levaria naquela hora para o NCIS, mas ao invés, ficou passeando comigo por todo o dia. Me levou para almoçar e depois quis saber como andavam os preparativos para o casamento.

— Sério? Você quer me perguntar sobre o nosso casamento, hoje? – Falei incrédula enquanto tomava o sorvete que eu tinha ganhado.

— Qualquer coisa para te distrair, e esse assunto sempre te deixa falante.

— Tudo bem! – Revirei os olhos. – Jenny me passou contatos muito mais confiáveis que os da sua mãe. Conversei com alguns por telefone e agora tenho que marcar um encontro. Mas isso só daqui a um mês. Preciso da folga certa. E você tem que ir junto. – Avisei.

—  E o vestido? – Ele jogou verde. Era o assunto preferido dele. Pois ele queria vê-lo antes do dia. Algo que definitivamente não vai acontecer.

— Por que se interessa tanto com o vestido?

— Só fico tentando te ver vestida de noiva.

— E não consegue? – Eu ri.

— Na verdade, fico pensando se vou ter muito trabalho para tirá-lo depois.

— Pode ir parando! – Falei e na hora senti meu rosto esquentar. – Não tá vendo que aqui tá cheio de gente?

Ele começou a rir.

— Você deveria se preocupar com o seu smoking. – Avisei.

— Isso é fácil. Não leva meses para ficar pronto e sempre tem a sua irmã para me ajudar nesse assunto! Falando nela, Sophie vai ser a Dama de Honra?

— Se você não tiver outra em mente, por mim tudo bem...

— Espero que a sua irmã apronte no casamento, igual ela fez com os paparazzi. – Henry começou a rir.

— Ela não seria doida!!

— Mas é uma ótima pessoa para mandar os fotógrafos embora. Ninguém dá uma encarada como ela! Só o seu pai. Mas ele vai estar ocupado te levando ao altar e me ameaçando de morte, assim, só sobrou a Sophie para pôr os curiosos para correr.

— Não se esqueça que a mãe dela também põe medo em muita gente. E se ela cogitar que você quer usar a filhota querida da Diretora do NCIS como segurança, você pode esquecer o casamento, pois ela vai te matar antes que meu pai te mate! – O alertei.

— Pensando bem.... mexer com a Sophie é perigoso. – Ele falou e me deu a mão para me ajudar a me levantar.

— Pode ter certeza de que é. Aquela lá só não é protegida pela CIA porque a CIA ainda não sabe que ela existe. – Falei. – E vamos para onde?

Henry olhou para o relógio.

— Vamos atrás da sua irmã. Pelo menos com a Diretora do NCIS eu tenho que ficar bem na fita, porque com o seu pai, isso nunca vai acontecer.

Saímos do parque onde estávamos e notei que tinha um fotógrafo nos seguindo.

— Diga oi e sorria, amanhã estaremos nas páginas de fofocas... – Comentei.

E Henry fez absolutamente o contrário. Me abraçou pela cintura, ficou sério e apressou o passo até o carro, quando nós entramos, ele acelerou tudo o que podia para que ninguém nos seguisse.

No caminho, tentei falar com Jen que buscaríamos a Moranguinho, mas acabei mandando um recado por Cynthia mesmo. Chegamos na aula de idiomas da Sophie a tempo de pegá-la. Ela não estava me esperando, mas assim que me viu, veio correndo.

— Kells!! Você não vai mais voltar para Anápolis? – Ela logo me perguntou.

— Estou em licença.

— Ah... Por quanto tempo?

— Uma semana.

— Pelo menos você ficou. – Vi que ela ficou triste na hora.

— Não por muito tempo. – A guiei até o carro.

— Oi Henry! Tempão que não te vejo! Aliás, eu te vi na TV! – Sophie comentou assim que entrou e se ajeitou no banco de trás. – Para onde vamos?

— Para onde mais eu te levo, Soph? Sabe que nunca te levo para casa, né?

— Mas o que vamos fazer no NCIS? O papai não está mais lá...

— Sua mãe está e a equipe continua lá. Ou você não gosta mais deles? – Me virei para ver a expressão da minha irmã.

— Eu sempre vou amar todo mundo. – Foi a resposta que recebi.

— Ótimo.

Foi uma sensação estranha voltar para o estaleiro. Ao mesmo tempo que era familiar demais para mim, parecia errado voltar, sabendo que eu não estava lá para ver o meu pai...

E foi com que surpresa que eu vi a feição de todos. Estava um silêncio inacreditável quando as portas do elevador se abriram, mas bastou a Sophie correr para cumprimentar o Tony, que o humor de todos mudou.

— Oi Peste Ruiva!!! Acabei de conversar com a sua mãe! – Tony falou assim que se abaixou para que Sophie pudesse abraçá-lo.

— É mesmo? Sobre o que? – Sophie ficou um tanto perdida, não sabia mais onde ela podia ficar. Mas Tony resolveu o problema e a colocou sentada na mesa que pertenceu ao meu pai e que agora era dele.

— Sessão de Cinema.

— Qual filme? – Sophie perguntou se animando e Ziva, depois de cumprimentar a mim e a Henry, se sentou do lado dela.

— Ainda não sei, temos que escolher. – Tony começou a falar e depois foi procurar algo na primeira gaveta. Tirou de lá um distintivo.

— Tem que ser um que a Tia Ziva ainda não viu... Tem algum, Tia? – Sophie se virou para a ninja.

— Eu tenho que dar uma olhadinha, mas pode ter certeza de que vou falar para o Tony. – Ziva piscou para ela e depois acompanhou Tony com o olhar até que ele parou na frente da minha irmã.

— Aqui, Peste Ruiva. Esse aqui é seu. – Tony estendeu o distintivo na direção dela.

Sophie pegou e ficou olhando com interesse. Acho que ela já sabia quem foi o dono dele.

— Era do papai, não era?

— Sim. Ele deixou comigo, mas como eu tenho o meu. Achei justo te promover a agente baby da equipe, o que me diz?

Sophie agarrou com mais força o distintivo.

— E que eu tenho que fazer? – Ela perguntou curiosa.

— Sua função vai ser a mais importante. – Ziva falou.

— Mais importante até do que a do Tony. – McGee emendou. Nessa hora Abby, Ducky e Palmer também apareceram. E eu estava ficando curiosa com o que eles tinham planejado.

— É mesmo? – Sophie estava mais assustada do que agradecida pela “promoção”.

— Sim, minha criança.

— E o que é? – Ela balançava as perninhas nervosamente.

— Você vai ter que prometer que sempre que puder, vai vir nos visitar aqui na agência E vai ficar nos fazendo companhia. – Tony começou.

— E vai ter que ajudar a Ziva com as expressões idiomáticas que ela sempre confunde. – McGee continuou.

— E vai proteger o Tim das brincadeiras do Tony. – Ziva falou.

— E vai me visitar e me deixar te ensinar tudo o que eu sei no meu laboratório. – Abby falou.

— E vai ter que ir nos ver e tomar uma xícara de chá conosco na autópsia. – Ducky continuou.

— Você está preparada para isso, Agente Baby do NCIS, Sophie Shepard-Gibbs? – Tony terminou de pé na frente dela.

Sophie olhou em volta e depois de descer da mesa, respondeu muito séria:

 - Eu estou.

— Todo mundo aqui lembra o juramento? – DiNozzo continuou. – Sophie levante a sua mão direita, estenda a sua mão esquerda, colocando-a sobre esse distintivo e repita com a gente:

Sophie fez o que ele pediu, Tony colocou o distintivo na mão dela e o segurou ali, para então começar.

Eu sou uma Agente Especial do NCIS, meu dever é proteger os Estados Unidos, a nossa Marinha e o Corpo de Fuzileiros Navais através das fronteiras globais. Eu reconheço que o meu distintivo é um símbolo de autoridade e fé pública. Eu irei agir acima de qualquer reprovação, entendendo que as minhas ações refletem em meus companheiros agentes e também sobre esta agência.— Ele recitou o juramento dos agentes e Sophie o acompanhou.

— Agora Agente Baby Shepard-Gibbs, você está mais do que apta para as suas funções nessa equipe. – Ziva falou e deu um abraço nela.

Eu fiquei calada, tinha entendido o que a equipe tinha feito. De uma maneira bem diferente eles tinham pedido para que Sophie não deixasse de ir vê-los e ficar um tempo com eles. De alguma maneira, alguém da família Gibbs sempre estaria por perto.

— Grande ideia! – Falei com Tony.

— Você faz o que tem que fazer pela família, Kelly. E nós queremos a Sophie por perto, não sei se a Diretora vai deixar, mas é a nossa maneira de tentar... – Ele deu de ombros.

— Bem, se a Jen vai ou não deixar, isso já não sei. Mas eu vou deixar a Sophie com vocês porque tenho que conversar com a poderosa. – Falei.

Estava no meio da escada quando Soph soltou:

— Onde você vai, Kells?

— Conversar com a sua mãe. Nada que você precise saber. Daqui a pouco eu volto.

— Tudo bem... – Ela me respondeu e já foi voltando a sua atenção para Abby que falava algo.

Subi o restante dos degraus e logo estava na porta do escritório. Cynthia estava acabando de guardar os seus pertences para encerrar o dia, mas avisou para Jen que estávamos ali fora, antes de sair.

Com pouco a própria Jenny veio nos receber na porta.

— A que devo a visita? – Ela perguntou.

—----------------

Eu mal tinha fechado a boca e Kelly já veio me abraçando. Olhei para Henry e ele apenas me indicou que a garota tinha tido os seus altos e baixos durante o dia.

Antes de fechar a porta, porém, escutei uma bagunça vindo da sala do esquadrão, escutei Abby falar qualquer coisa mais alto e a equipe cair na gargalhada.

— Sophie tá lá embaixo. – Kelly me informou. – Eles até fizeram uma cerimônia para empossá-la como Agente Baby do NCIS.

E isso me surpreendeu. Tanto Ziva quanto Tony tinham mencionado Sophie quando conversaram comigo, mas eu não esperava que eles fossem fazer uma espécie de posse só para que Sophie continuasse a vir visitá-los.

— E ela tem até um distintivo.

— O que era de Jethro. – Afirmei.

— Tony deu para ela. – Kelly falou. – Foi fofo. Até o juramento eles fizeram.

— É bom que ela já vai treinando. – Falei e levei os dois para o sofá. – Agora, o que vocês dois têm para me falar que não podiam esperar que eu chegasse em casa?

Kelly ficou indecisa, e Henry tomou a frente e me entregou um papel dobrado. Um bilhete de Jethro para a filha. Li o que ele escrevera e depois suspirei.

— Eu imaginava que ele iria parar no México. Afinal, a única pessoa que pode ajudá-lo agora está lá. – Falei sem emoção.

— Você não vai anotar o endereço nem o telefone? – Kelly me perguntou.

— É o mesmo que consta na ficha de Franks. Não preciso. Mas é bom ter uma confirmação.

Foi quando eu vi que Kelly estava desconfortável, ela queria me perguntar algo.

— Solte a bomba, Kelly. Apesar de ter uma ideia do que você quer...

— Você vai ligar para ele?

— Não. Não posso. Seu pai estava além de confuso quando saiu daqui. Eu não vou fazer isso. Mas sei que ele vai voltar. Jethro não vai conseguir ficar muito tempo sem fazer nada em uma praia no México. Um dia ele vai enjoar desse Safari da Margarita.

— Eu quero acreditar em você, Jen..., mas tá difícil.

— Dê tempo ao tempo, Kelly. Ele vai voltar.

— Mas vai voltar para que? O que ele vai fazer? Ele já não é mais agente do NCIS...

Olhei para Kelly e para Henry.

— Até onde eu sei, Kelly, seu pai está de férias. Gozando todas as férias atrasadas que ele tem. Não está aposentado.

Kelly deu um pulo do sofá e me olhou como se eu fosse uma super-heroína ou algo parecido.

— Você não assinou a aposentadoria dele?

 - Não, eu não assinei.

— Mas por quê? O que te fez ter essa ideia?

— Sexto sentido? Mas seu pai chamaria de instinto mesmo.

Kelly abriu um sorriso.

— Eu tenho que confiar mais em você... é inacreditável como você conhece o meu pai, Jen. – Ela me abraçou.

— Não aposte na volta dele, Kelly. Eu posso estar errada. Isso foi só uma tentativa.

— Mas já é alguma coisa. – Ela se sentou e olhou para Henry.

— E pela cara de vocês dois, tem mais coisa para me contarem.

— Sim. Primeiro é sobre Sophie. Ela pode ser a nossa Dama de Honra, não pode?

— Já perguntou para ela? Por mim pode, mas vocês têm que ver se ela quer. Qual é a parte dois?

— Preciso de um lugar para ficar. Não vou ficar naquela casa sozinha e Henry já vendeu o apartamento dele, vamos começar a olhar uma casa, porém, por enquanto, eu estou sem teto... – Kelly continuou com um bico.

— Seu quarto está pronto lá em casa, Kelly. Para quando você precisar. – Olhei para Henry. – Jethro vai tentar me matar quando souber, mas você pode ficar por lá também, Henry. Só Deus sabe o quanto a sua mãe vai começar a falar se vocês dois forem para a casa dela.

E o casalzinho deu uma risada.

— Mais alguma coisa? - Perguntei me levantando.

— Sim. O Jantar. O que vamos comer? – Henry teve a coragem de perguntar.

Andei até a porta e ao abri-la, escutei a bagunça do andar de baixo.

— Algum lugar onde caiba todo mundo, porque a turma do andar de baixo também vai querer ir.

E eu não sei o motivo por trás de ter dito isso. Já que da escolha do restaurante até onde cada um iria se sentar foi uma discussão sem fim. Abby queria ir para um lugar, Tony para outro, Kelly resolveu implicar com Tony e a escolha dele e Ziva fez coro. Até mesmo McGee tinha uma opinião para dar.

No fim das contas, acabamos em um restaurante espanhol. E por algumas horas pudemos esquecer de todos os problemas, e, enquanto conversávamos, Tony e Ziva enchiam a paciência de Henry e planos para o final de semana eram feitos.

Sophie não falou muito, se sentou do meu lado, e sempre que podia tirava o distintivo da cintura, onde ela o havia colocado e ficava olhando com atenção.

Depois que todos comemos muitos churros com chocolate, nos despedimos.

Levei Sophie para casa e antes de colocá-la na cama, ela me pediu mais meia hora.

— Para que?

— Eu tenho que colocar o que aconteceu hoje no meu diário! – Me informou.

— Meia hora. Eu estou no meu escritório lá embaixo. Qualquer coisa me chame.

— Chamo sim, mamãe.

Fingi descer as escadas, tirei o sapato e voltei para a porta do quarto dela. Sophie tinha a mania de falar em voz alta o que estava escrevendo, assim, me sentei no chão do corredor para escutar. E ela começou a falar sobre o dia dela, o que aconteceu na escola e depois nas aulas. Mas a parte mais interessante foi quando ela começou:

Sabe papai, o Tony me deu o seu distintivo. Acho que o senhor ainda não deve se lembrar muito que tem um, mas pode ficar tranquilo, eu vou tomar conta direitinho dele, porque agora eu sou uma Agente do NCIS assim como o senhor e a mamãe, e quando o senhor voltar eu vou te devolver o seu distintivo. E te contar tudo o que eu não me lembrar de escrever. Não precisa ter pressa, nós vamos ficar bem por aqui, por enquanto, mas eu quero te dizer que estamos sentindo a sua falta. Estamos com muitas saudades. Todo mundo. Apesar de achar que a mamãe está sentindo mais saudades do que todo mundo, porque ela tá tão quietinha... e toda vez que alguém fala do senhor, ela brinca com o cordão dela... sabe o que tem lá? Aquele anel que o senhor estava usando e me mostrou naquele dia no elevador... a mamãe não tirou o dela, e agora também está usando o seu.... ela está tomando conta dele assim como eu estou tomando conta do seu distintivo papai. E sabe por quê? Porque nós duas te amamos.”

Foi difícil não chorar escutando essa falação de Sophie. E mais do que nunca eu pedi que Jethro se lembrasse ao menos dela.

Tive que me levantar depressa ou minha filha era bem capaz de tropeçar em mim, caso fosse me procurar, assim, fingi que já estava subindo para colocá-la na cama quando ela saiu do quarto.

— Pronta para dormir?

— Agora eu tô.

Olhei para ela.

— Estou. – Ela se corrigiu.

— Escreveu tudo o que queria?

— Sim. Tudinho.

— Ótimo. – A peguei no colo e comecei a fazer cosquinhas na barriga dela. Quando ela finalmente se acalmou e se escondeu debaixo das cobertas, falou:

— Mamãe... a senhora está triste?

— Assim como você e todo mundo, Sophie, eu estou sentindo saudade do seu pai. – Falei sincera.

— Acho que a senhora está sentindo mais saudade dele do que todo mundo.

— Ah, é? E por que você acha isso?

— Porque todo mundo falou do papai nessa noite, até o Henry... só a senhora que não.

Eu não tinha percebido isso. Mas a minha filha parecia que tinha pegado as mínimas nuances do que eu estava fazendo. E me surpreendendo se ajoelhou na cama e me deu abraço apertado, muito apertado.

— Esse abraço é para a senhora saber que não está sozinha. – Ela me disse. – Eu sempre vou estar aqui, viu mamãe?

Minha garganta se fechou. Eu queria começar a chorar com o tanto que a minha filha, ainda tão pequena, se preocupava comigo.

—  Eu sei, Miniatura. Eu sei disso. – Dei um beijo na testa dela. – Quer que eu fique aqui até você pegar no sono?

Sophie só agarrou a minha mão e se virou para colocar a cabeça no meu colo. Fiquei penteado os seus cabelos até que ela adormeceu. Ajeitei-a no travesseiro, coloquei os bichinhos do seu lado e acendi a luz do abajur. Antes de sair, fiquei observando para ver se ela não iria acordar, Sophie só virou de lado e disse.

— Boa noite, mamãe. Boa noite, papai. Eu amo vocês.

E esse foi o primeiro dia.

Com o passar do tempo, conseguimos estabelecer uma rotina que fosse fácil para todos. Sophie tinha os dias em que ela ia ao estaleiro ver a equipe, Kelly vinha aos finais de semana de folga. A equipe se reunia em alguns sábados para ver filme ou só para passear mesmo.

E assim se passaram quatro meses.

Jethro não me ligou ou ligou para Sophie, com uma certa frequência ele conversava com Kelly, às vezes perguntava sobre a equipe, contudo, em nenhum momento ele disse que voltaria.

Até que um dia, Ziva foi acusada de assassinato pelo FBI e de todas as pessoas que ela poderia pedir ajuda, foi logo para Gibbs.

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Tinha dias que eram mais fáceis do que outros. Alguns as memórias eram as que eu estava acostumado, as que eu queria lembrar. Acontece que tinha outros dias que tudo não passava de problemas. Principalmente quando se tratava das três esposas. E delas eu desejava que não tivesse lembranças.

Porém, a maior dúvida vinha dela. Jennifer, Jenny, Jen, Madame, Diretora.

Eu me lembrava de certos dias, certas coisas que fizemos e vivemos. Lembrei dela do meu lado, olhos vermelhos e inchados, eu tinha levado um tiro e quando acordei ela velava o meu sono, exatamente como no hospital. Depois foi com ela. E só de me lembrar da agonia, do grito que ela deu, eu me perguntei como ela tinha sobrevivido. Então vieram duas datas. O aniversário dela, eu sabia que era, apesar de não me lembrar a data e uma imagem de nós dois parados na frente do espelho. Ela nunca estivera tão bonita.

E a maior surpresa de todas. Kelly em Londres. Não me lembrei exatamente como, mas Jen tinha dado um jeito de levar a minha filha até mim. E eu me lembrei de todos os detalhes. Até da despedida. Kelly voltou para os EUA e nós dois fomos para Paris.

Paris, ao mesmo tempo, foi a decisão de que eu não poderia viver sem ela e foi o nosso fim. O que era estranho, pois eu me lembrava de como ela dissera “Eu te amo, Jethro!”, eu me lembrava das noites e de uma noite em específico, contudo, a verdadeira faceta dela eram as palavras, A Carta.

Ela se fora e a única explicação que eu tinha estava em uma folha de papel.

Eu tentei me colocar para lembrar mais, tinha que ter mais. Mas eu não conseguia, nada voltava.

Depois da carta, vinham lembranças de Moscou, de Kelly brigando comigo, da equipe que ficou em D.C. e da Agente Todd.

De Jenny, só a volta dela como Diretora.

Mas meu instinto me dizia que havia mais. Muito mais. Algo que eu não queria lembrar, contudo eu devia lembrar. Meu instinto me dizia ser importante.

O que ela havia feito dessa vez? E cada vez que eu pensava na Ruiva que hoje era Diretora do NCIS, eu sentia um misto de raiva, orgulho e dúvida.

O que ela era para mim, afinal? Quem era essa mulher cujas memórias eram tão fortes quanto as de Shannon?

 E o que, além de um romance, me ligava a ela?

— Está tudo bem aí em cima, novato? Tem mais de cinco minutos que você não bate em um prego! – A voz de Mike me tirou de meus pensamentos.

Não respondi. Ele já estava acostumado com isso.

— Se lembrou mais alguma coisa da Madame Ruiva? Porque eu só te escuto murmurando o nome dela.

— Pode-se dizer que sim. – Foi a minha resposta.

— Então, o que vocês dois eram? Até eu estou curioso para saber. Não é todo dia que uma mulher bonita me liga pedindo para te ajudar.

— Eu não sei. Isso ainda não está claro.

— Então, talvez, você devesse ir em Washington e perguntar para ela. Aquela mulher parecia preocupada com você... e tem aquela menina ruiva...

A garotinha ruiva e seus grandes olhos coloridos.... ela realmente chamara Jen de mamãe? Ou isso foi a minha imaginação? Eu não conseguia ligar os pontos, apesar de saber que de algum modo, Jenny e a menina eram importantes.

Comecei a tentar trazer memórias de algum bebê, mas as únicas eram de Kelly. Não havia bebê ruiva.

Algo parecia que estava retornando, um aeroporto? Um buraco? Quando Camila, veio me chamando.

Señor Gibbs. Telefone. – Ela me estendeu o celular.

Atendi, achei que era Kelly.

— Oi Gibbs, sou eu, a Ziva. – Uma voz feminina me saudou.

Ziva... a moça do hospital. Do tiro em Ari. Ela matou o próprio irmão. A israelense que foi colocada na minha equipe por Jen.

Quero que ela aprenda com o melhor. — Escutei a voz de Jen em minha memória.

— Oi Ziva.

— Você se lembra que me deve um favor?

E novamente a imagem de Ari Haswari morto passou pela minha cabeça.

— Lembro.

— Preciso de você. Estou cobrando o favor. – Ela falou.

— Como você conseguiu esse número?

— Estava em um bilhete que você deixou para Kelly.

— Eu estou a mais de oito mil quilômetros de onde você está. Ziva. Como posso te ajudar?

— Eu não sei. Mas eu acho que só você pode...

Eu tinha uma dívida com ela. Eu voltaria só para saldá-la e depois deixaria esse mundo de vez.

— Fique onde está.

— Estou no porão da sua casa, foi o lugar mais seguro que encontrei. – Ela murmurou.

O porão, o local onde essa dívida tinha começado.

Ela desligou o telefone e Mike me olhou.

— Era a Madame?

— Não. Ziva.

— A assassina? O que ela queria? Te ameaçar de morte?

— Me cobrar um favor.

— E você vai lá pagar, novato?

— Devo a ela.

Mike me encarou.

— Você não está voltando só para isso. Você sabe, bem no fundo, que qualquer um pode ajudar essa moça. Você está voltando por outro motivo...

— Jen não tem nada a ver com isso!

— E como você sabia que eu falava dela? Novato, você tem assuntos não resolvidos com essa Ruiva, resolva-os. Ou isso vai te consumir. Seja lá quem ela é ou era para você, ela é importante. – Mike deu o seu conselho antes que saísse do bangalô.

Um voo de oito horas, o último que saiu de Baja, me deixou em D.C. antes do amanhecer. A primeira providência foi procurar Ziva.

Voltei até a minha casa. Estranhos flashs passaram pelos meus olhos. Uma garotinha de cabelos castanhos. Depois outra, de cabelos ruivos, correndo em direção ao porão.

Balancei a cabeça, Ziva estava andando de um lado para o outro e quando ouviu que me aproximava, me apontou a arma.

— Calma, Ziver. Sou eu.

— Gibbs! É... é bom te ver. Muito obrigada.

— Por que me chamou se tem o NCIS te dando cobertura?

— Não me leve a mal, eu sei que Tony, McGee, Abby e Jenny podem me ajudar, mas eu confio mais em você.

Um fragmento de uma conversa passou pela minha mente.

Eu devo minha vida a ela, Jethro. Ziva salvou a minha vida.

— Achei que a sua lealdade era para com Jen.

— Não mais. Eu te falei isso meses atrás.

Acreditei nela.

— O que aconteceu, Ziva?

— Fora que eu fugi da Embaixada de Israel depois de bater em um agente? Estou sendo acusada de assassinato. Eu não matei ninguém, Gibbs. Mas eu vi tudo. E sei que foi alguém de dentro do Mossad. Armaram para mim.

— O que se sabe?

Ela deu de ombros.

— O NCIS assumiu as evidências do assassinato. Ou foi isso que Jenny me contou.

— Ela te mandou para cá?

— Sim. Falou que ninguém me procuraria aqui.

Concordei com a cabeça. Eu precisaria ir até o Estaleiro se quisesse saber mais.

— Você fica aqui. Eu vou ver o que eles têm.

— Mas....

— Ziva, aqui é seguro. Você é procurada pelo FBI, não pode ficar passeando por Washington.

Ela relutantemente concordou.

E eu pensei no que havia me metido.

A cada metro que eu chegava mais perto dos portões principais do Estaleiro, eu era assaltado por diversas memórias. Algumas mais velhas do que outras. A última sendo a mais estranha.

— Falando em fantasias, por que você escolheu essa? – Perguntei para a garotinha morena que estava em meus braços.

— Oras, papai. É a Mulan. O senhor já viu o desenho? – A menina, que estava fantasiada de chinesa me falou.

— Não, não vi!

— A Kells não te pediu para assistir com ela?

Escutei uma risada, mas não identifiquei de quem era.

— Não, a Kelly não pediu.

— Então a gente tem que assistir. Ela é a minha princesa preferida!

— Não era aquela outra... a Anastácia?

— Ela também é. Mas a Mulan é mais. O senhor sabia que ela foi para guerra para salvar o pai dela?

Encarei a pequena.

— É mesmo?

— Sim! Isso não mostra como ela é corajosa?

— Mostra sim. Ela é realmente corajosa.

— E eu faria a mesma coisa!

— Faria?!

— Mas é claro papai! É dever das filhas tomarem conta dos pais e das mães!

— Achei que fosse o contrário.

E a pequena chinesa me olhou com cara de dúvida.

— Ou talvez todo mundo têm que tomar conta de todo mundo... – Ela deu de ombros.  

Quem era essa garota que me chamou de papai?

No portão, tive que me identificar e minha entrada só foi autorizada pela Diretora.

Então ela era a primeira pessoa que eu teria que ver. Que seja então.

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E depois de quatro meses, quando tudo parecia estranhamente querer voltar ao normal, ele estava de volta.

Não que Sophie ou Kelly já não tenham feito de tudo para que ele voltasse, não teve um só dia em que Sophie não chamasse por ele, comentasse dele ou até mesmo me perguntasse quando ele iria voltar.

A resposta que dei a ela?

— Não sei, filhota. Eu realmente não sei.

Era a mais pura verdade, afinal, para que eu iria ficar alimentando falsas esperanças em minha filha? Para vê-la sofrer dia após dia? Eu não faria isso.

Kelly era outra história. No início ela até acreditou que Jethro voltaria, mas com o passar das semanas, deixou de fazê-lo. Ainda ligava para ele, conversam por alguns minutos. E era fácil de saber que após cada uma dessas ligações, ela viria me procurar, se estivesse em Anápolis, me ligaria, se estivesse por perto, iria até a minha casa, que ela passou a chamar de casa também, e o final da conversa era sempre o mesmo, Kelly aos prantos ainda tentando entender o que se passava na cabeça do pai.

Enquanto eu lidava com as duas e com os meus próprios pensamentos – quantas vezes eu quis ligar? Quantas vezes eu fiquei a um clique de comprar uma passagem para o México para trazê-lo pela orelha até D.C. para ele ver o que tinha deixado para trás? Ou talvez, quantas vezes eu quis ir até ele só para ter o prazer de atirar nele ou de bater nele ou sei lá fazer o que?, Mas no fundo eu sempre me perguntava era, “o que eu falaria?” – e com essa falta de coragem, comecei a me concentrar cada vez mais no trabalho e tentava jogar o assunto Jethro para o fundo de minha mente. Na maioria das vezes era possível, em outras nem tanto.

Minha escapatória veio de um memorando de uma missão que estava sendo executada na Europa, um nome que eu não ouvia ou lia há um tempo chamou a minha atenção.

Rene Benoit.

E no meio de toda essa bagunça, eu comecei a minha própria. Montei uma operação clandestina. Poucos agentes envolvidos. Dois no MTAC e um agente de campo e eu sabíamos o que acontecia.

Era a minha vez de me vingar.

E era sobre essa operação que eu estava conversando com DiNozzo - Sim, ele aceitou fazer parte, sabia dos riscos e os assumiu. Sabia o que tinha que fazer e até mesmo onde deveria ir. - Quando Ziva foi colocada na lista dos mais procurados do FBI e, não sei o motivo, resolveu ligar para Jethro.

Quando ela me ligou me informando que ele estava a caminho do Estaleiro eu juro que quis mandá-la de volta para Israel. Quis entregá-la para a Embaixada e para Eli David que eu sabia que estava em solo americano. Mas eu não fiz isso. Muito pelo contrário, falei para que ela se escondesse na casa de Gibbs e que nós resolveríamos a situação.

Quinze minutos depois o guarda do portão me liga, Jethro queria permissão para entrar no estaleiro. Dei a permissão e Jethro saberia o que fazer em seguida. E eu esperava piamente que ele não viesse me ver. Eu não saberia como reagir à presença dele.

Mas foi exatamente na minha sala que ele veio primeiro.

Quando a porta se abriu e bateu na parede oposta, eu sabia quem era sem nem precisar olhar.

Disso ele tinha se lembrado.

Levantei a minha cabeça para encará-lo. E o bastardo fazia o mesmo comigo, me analisava, como se buscando algumas respostas para perguntas que ele não dissera.

— Justo quando eu comecei a me acostumar com a minha porta sendo tratada como uma. Bom te ver novamente, Jethro. O que posso fazer por você?

— O que aconteceu com...

— Ziva? – Completei. - Sei que ela já te contou. Mas o que você quer mesmo saber é sobre as provas que temos. Creio que Abby pode te ser mais útil.

— E o que você está fazendo? – Seu tom de voz era estranho, como se me culpasse por ele estar de volta.

— Lidando com a parte burocrática, Gibbs. Aquela da qual você nunca gostou. Procurando os meios legais para tentar tirar Ziva desse problema.

— Sentada atrás de uma mesa?

— Muito mais útil do que a oito mil quilômetros de distância, em um safari de margarita. – Quando vi, já tinha falado demais.

Ele me encarou de novo. Sustentei o seu olhar.

— Você não está sendo de grande ajuda ficando na minha sala me perturbando enquanto eu tento fazer a minha parte. – Disse quando o meu telefone tocou, pelo número, era do FBI.

Ele deu a volta e ia saindo quando algo chamou a sua atenção. O quadro na parede que fica atrás do meu sofá.

— Algum problema? – Perguntei alarmada.

— Você arrematou aquele quadro em um leilão em Paris. – Ele falou.

— Sim. Eu fiz isso.

Jethro continuou a olhar para a parede, parecia perdido em pensamentos.

— Se lembrou de algo? – A essa altura eu já tinha deixado o telefonema ser transferido para a secretária eletrônica.

E Jethro continuou a encarar o quadro, depois seus olhos desceram para o sofá e ele perdeu o foco. Creio que perdido em memórias.

Fiquei olhando e tentando entender do que ele havia se lembrado. Foi quando, do nada, ele deu a volta na minha mesa, parou do meu lado e pegou um dos porta-retratos que tenho.

— Onde ela está? – Ele apontava para a foto de Sophie, seus olhos alarmados.

— Na escola. As aulas já voltaram. – Respondi.

E ele estava muito perto de mim.

— Por que eu não me lembro dela? Por que você não me falou dela?— Ele demandou, sua presença se assomando sobre mim.

Me levantei da minha cadeira e fiz o mesmo, o encarando de igual para igual.

— Ela estava bem nessa sala, na noite em que você desistiu de tudo, Jethro. Ela estava naquele sofá. – Apontei para o sofá que ele ficou encarando anteriormente. – E você simplesmente resolveu que ela não existia. – Falei.

— Mas você me escondeu a presença dela. Eu não me lembro de você grávida... – Ele me encarava, creio que tentando ver se eu mentiria.

— Eu não escondi a presença dela, Jethro. Você que se recusou a abrir as cartas que te mandei. – Falei calmamente e tentei sair debaixo de seu olhar.

— Carta? Outras? Uma só não bastou?

E aí estava. Disso também ele tinha se lembrado.

— Nós já conversamos sobre isso. – Disse cansada, saindo de perto dele.

Ele me pegou pelo braço, tentando me ler.

— Como eu posso ter certeza. Não sei se posso...

— Confiar em mim? Ora Jethro, um dia você fez isso. Se não pode fazer de novo, o problema não é meu. – Com rispidez soltei o braço.

— Vai fugir de novo?

— Acho que agora cabe a mim perguntar, pois quem fugiu da última vez foi você!— Pressionei o meu dedo indicador no peitoral dele. – Deixou para trás a sua equipe, o seu trabalho, suas DUAS FILHAS, me deixou para trás. Você não tem ideia do que os últimos quatro meses foram, Jethro. Nunca terá!!

Foi a vez dele de dar um passo para trás.

— Kelly, a equipe.

Todos dependem de você. Não tem isso de idade. Kelly não gosta de ficar sozinha, e é a segunda vez que você faz isso com ela. Você abandonou sua equipe. DiNozzo, por mais treinado que era, não estava preparado para a responsabilidade de assumir uma equipe só dele. McGee te via como um mentor, mas o trabalho ficou incompleto. Abby... ela sente a sua falta todos os dias e a cada dia ela me pede para te trazer de volta. Ducky perdeu um amigo, Ziva ficou perdida, ela te vê como um segundo pai e de repente você foi embora. – Parei para respirar. – Restou para mim a tarefa de ajudá-los. De apoiá-los. De colocá-los no caminho certo de novo. Tudo isso porque VOCÊ DESISTIU.  – Eu colocava para fora tudo o que passei nos últimos quatro meses.

— E Sophie?

— Agora você se preocupa com ela? Você a magoou mais do que a todos! Ela foi te ver no hospital, e você não se lembrou dela, você tem noção do que isso causou nela? Você consegue imaginar como ela se culpa por tudo isso? Ela acha que fez algo errado e essa é a sua forma de puni-la por isso. Não tem uma noite que a minha filha não chore querendo o pai de volta. Não tem um dia em que ela não pergunte de você, não mencione o seu nome. E ao mesmo tempo, ela teme que você tenha deixado de amá-la. É com isso que eu tenho que lidar todos os dias, sozinha. E não pense você que eu vou deixá-lo chegar perto dela. Você não vai! Ainda mais se não for ficar em definitivo. Eu não a quero chorando novamente. Não agora que ela começa a entender e a aceitar que você não vai voltar.

— Ela é minha filha. – Ele protestou.

Nossa filha! Você é pai dela, apesar de ainda achar isso impossível, pelo que vejo em seus olhos. Mas entre brigar com você e ver você decepcioná-la novamente, pode apostar, eu brigo com você, mas a minha filha não vai sofrer de novo. Ela não vai passar pelo sofrimento de ver que você não sabe quem ela é, do que ela gosta. Não, Jethro. Se você quiser chegar perto da Sophie, vai ter que me provar que voltou para fazer isso, não que veio, vai vê-la e vai voltar para o fim do mundo de onde você está vivendo!

Ele parou me olhando.

— E então? Você voltou só para ajudar a Ziva ou vai ficar em definitivo? – Pressionei.

Ele saiu da minha sala, carregando o porta-retrato, sem falar nada.

— Faça isso mesmo. – Disse da porta. - Fuja. – Eu estava irada e quando ele se virou para olhar na minha direção, pude distinguir a fúria em seus olhos azuis.

—----------------------

Entrar naquele escritório foi ao mesmo tempo um problema e uma solução. Boa parte das memórias voltaram. Eu descobrira quem era o elo que eu precisava saber que existia entre Jenny e eu. Uma filha. Agora, como eu não em lembrei dela é um mistério para mim.

A parte problemática era lidar com a fúria de Shepard. Eu nunca a vira ser tão protetora como ela foi quando despejou todas aquelas palavras e sua raiva e mágoa em mim.

E no fundo eu sabia que ela estava certa.

O que eu havia feito com Kelly, com a equipe e com Sophie, chegava a ser imperdoável.

Porém, tinha mais. Algo que ela não disse. Algo que estava bem na minha frente, e eu também não comentei.

Jenny tinha dito de todos, menos dela. Ela manteve tudo no lugar, realmente ela fizera isso, mas quem olhara por ela? Era algo estranho de se pensar, ainda mais quando ela estava querendo voar no meu pescoço e me matar, porém, no fundo de minha mente eu não conseguia não pensar nisso.

Quem ajudou Jenny? Quem esteve lá por ela quando ela precisou?

Todavia, quando ela me pressionou, quando ela quis saber se eu ficaria, eu a deixei falando sozinha. Eu não sabia se era certo ficar. Assim, saí do seu escritório e levando a foto da nossa filha comigo, desci para onde Abby estava.

Toda a recepção de Abbs foi exagerada, e quando ela me fez a mesma pergunta que Jenny e eu respondi que não sabia, ela se transformou. Ficou monossilábica e disse que Tony já tinha tudo.

Era a mesma equipe, eram as mesmas pessoas. Estávamos fazendo o mesmo que sempre fazíamos, porém, algo tinha mudado. Eu podia sentir a desconfiança que vinha de cada um. Até mesmo de Ducky. E mesmo assim, conseguimos resolver o caso. Ziva fora inocentada. Tinham armado para ela. E eu estava na encruzilhada.

O que eu iria fazer?

Voltar para a minha antiga vida e tentar recuperar a confiança de todos ou deixar tudo para trás?

Meu celular tocou. Olhei o visor e vi ser Kelly.

— O senhor voltou ou só está de passagem? – Até ela parecia ressentida, magoada.

— Quem te contou que eu estava aqui?

— O senhor voltou por que a Ziva pediu? Eu te pedi para voltar incontáveis vezes e o senhor volta pela assassina israelense? Se esqueceu que o irmão dela matou a Kate? – Ela disparou.

— Eu devia a ela...

— E a mim? Eu sou o que? Não importo mais? Fui reduzida a nada igual ao que o senhor fez com a Sophie? – Minha filha estava furiosa. Tão furiosa quanto Jenny de manhã.

— Kelly...

— Não pai. É a minha vez de falar. O senhor nos deixou. Eu não falo da equipe, eu falo sobre mim e sobre Sophie. Nos deixou para trás. Sem uma explicação!! Sem se despedir!! O senhor passou quatro meses no México sei lá fazendo o que, e só conversava comigo quando eu ligava. Nunca ligou por conta própria... e, nesses quatro meses, não perguntou da minha irmã nem uma vez, mas bastou uma ligação da Ziva e você voltou. Por que ela importa mais do que nós duas?

Eu fiquei em silêncio.

— Não tem uma resposta? Claro que não! É assim que o senhor faz quando é pressionado. Se cala. Então eu vou dar o ultimato. Se o senhor for ficar, de verdade, nós vamos conversar direito. Agora, se o senhor for voltar para aquele buraco, não precisa nem me ligar, não precisa lembrar que eu existo, não precisa nem vir ao meu casamento. Pode me esquecer para o resto da sua vida. E nem pense em ir procurar a minha irmã, porque se fizer isso, eu apronto uma. Sophie não merece sofrer mais. A decisão é sua, Marine. Quer a sua vida de volta? Ótimo. Não quer? Não precisa nem dizer adeus. Peça à Ziva para te levar ao aeroporto e te manter atualizado com o que acontece por aqui, já que ela parece ser tão importante. – Ela desabafou e desligou na minha cara.

Olhei para o telefone e para a casa vazia.

Então era assim que eu havia deixado as coisas?

Na minha frente estavam duas fotos, uma de Kelly, a outra, a de Sophie que eu havia pegado na mesa de Jenny.

Ou eu tomava uma decisão rápida ou eu perdia o pouco que tinha restado.

Se é que tinha restado algo.

Abby não estava feliz comigo. McGee estava decepcionado. DiNozzo desconfiava até da minha sombra. Ducky não parecia que acreditava em mim. Ziva era um caso à parte. E esses estavam no NCIS.

Em Kelly e Jenny só havia mágoa e fúria.

Eu não sabia o que esperar de Sophie. E nem quando eu poderia vê-la.

—------------------------

Então o Chefe estava de volta. E a única pessoa que parecia realmente satisfeita com isso era Ziva.

Nem Abby estava acreditando muito na presença dele. McGee parecia saber que a qualquer momento Gibbs poderia ir embora novamente.

E eu? Eu não sabia dizer se ele estava realmente bem para voltar.

— Chateado por perder o posto de líder, DiNozzo? – Ziva me perguntou.

Eu iria respondê-la, mas para a sorte dela, a Diretora me chamou, e essa era outra que não parecia feliz com a volta do Chefe.

Subi os degraus e logo estava na Direção. Cynthia me deu permissão para entrar e eu me preparei para o que poderia me esperar.

— Sente-se. – Jenny ordenou.

Me sentei e esperei, ela analisava um documento. Alguns momentos depois ela começou:

— Você fez um excelente trabalho liderando a equipe, DiNozzo. Não acho justo que você volte ao cargo de número dois, assim... – Ela parou e me estendeu o documento que lia anteriormente. – O que você acha de ter a sua própria equipe?

E aqui estava a oportunidade de uma vida.

— Uma equipe minha? – Olhei para o arquivo.

— Sim. Em Rota, Espanha.

Claro que não seria em D.C. Promoções assim sempre requereriam mudanças. Mudanças drásticas.

— Eu tenho um tempo para pensar? – Perguntei, e a Diretora me analisou.

— De quanto tempo precisa, DiNozzo?

— Uma semana? – Joguei verde. Eu tinha realmente que pensar.

— Você tem quarenta e oito horas. Não posso deixar a equipe de Rota sem um líder por muito tempo. – Foi a resposta que recebi.

— Mas, senhora. E quanto à operação? Irá cancelá-la se eu for...

— Quanto a isso, Tony, não se preocupe. Se você for promovido, não será mais a sua responsabilidade.

Mas eu tinha dado a minha palavra a ela. A Diretora tinha me escolhido e confiado em mim para essa operação. E tinha algo que ainda me incomodava. Eu não estava certo se Gibbs poderia liderar a equipe sozinho... ele ainda estava meio confuso com tudo.

— Então, em quarenta e oito horas eu volto. – Respondi e me levantei. Esperei por um momento, crente que Jenny buscaria por alguma atualização de Gibbs. Ela não fez, apenas me encarou por cima dos óculos que eu tenho certeza de que foram escolha de Sophie e disse:

— Precisa de alguma coisa?

— Não. Já vou indo. – Saí e me perguntei quando foi que ela passou a ser tão fria?

—--------------------------

E as quarenta e oito horas que DiNozzo havia me pedido se escoaram. Ele ainda não me dera uma resposta, mas eu acredito que sei qual será.

Ele não vai.

E não vai por um único motivo: lealdade.

Por mais que ele tenha ficado decepcionado por ter voltado ao posto de número 02, ele ainda não se acha completamente pronto para ter uma equipe só dele e tem mais.

Uma batida na minha porta. Com certeza era ele.

— Entre Tony.

— Como sabia que era eu? – Ele pareceu surpreso.

— Seu prazo venceu há alguns minutos. – Disse.

Ele ficou parado. Me olhou e olhou em volta.

— Você não vai. – Cortei o silêncio.

— Como pode saber se me decidi quando estava na porta.

Não disse nada.

— Bem... eu não posso ir. O Chefe ainda não está bem. Você viu aquela coisa em cima do lábio dele? – Ele começou a tagarelar.

— Você está declinando uma promoção por conta de um bigode? – Foi impossível ficar séria.

Ele deu de ombros.

— Gibbs ainda não está bem. Ele chamou a Ziva de Kate. Alguém tem que ficar de olho nele.

Recostei-me em minha cadeira e encarei o agente.

— Eu te invejo. Queria ter sabido dizer não quando tive a chance.

DiNozzo quase perdeu o balanço e caiu sentado no chão. Claramente não entendeu o que eu dizia.

— Eu queria que eu não tivesse subido tão rápido. Talvez ter parado um pouco para pensar em certas decisões que tomei. Por isso te invejo, você está sabendo fazer isso.

— Mas uma oportunidade dessas... – Ele parou.

— Vai demorar para aparecer de novo, Tony. Mas eu vejo que você está certo quanto a isso.

E ele abriu um dos famosos sorrisos.

— Tem gente que ainda precisa de mim aqui. Igual ao Novato, ele ainda tem que aprender algumas coisas.

Como eu havia pensado. Tony ficava por lealdade. Lealdade aos amigos e à Gibbs.

— Você quem sabe, Tony.

— Quanto à operação, senhora. Eu gostaria que não contasse ao Gibbs...

— Jethro não vai saber, Tony. Não tem nada a ver com ele. – Garanti e ele ficou um pouco mais aliviado. – Você vai conseguir manter o disfarce, mesmo com Gibbs por perto?

— Vou sim.

— Ótimo.

— Eu já vou. E obrigado pela oportunidade.

Assenti e ele saiu.

Tive que rir internamente. DiNozzo tem um jeito muito estranho de encarar a vida. Espero que ele fique feliz com a escolha que fez.

Assim, com a recusa de Tony para ter a sua própria equipe. Tudo voltava ao que era antes da explosão.

Ou quase tudo.

Eu ainda estou tentando me acostumar com a presença de Jethro e daquele bigode horrível que ele cismou em usar.


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Notas finais do capítulo

Quem mais quer ver Kelly vestida de noiva?! Ou finalmente ler sobre esse casamento?
Sophie é agora a Agente Baby do NCIS (minha menininha já tão crescidinha e seguindo os passos de mamãe e papai!!) e o juramento que ela faz foi tirado da série, mais precisamente, do episódio 24 da 13ª temporada, sim a saída do Tony...
Só DiNozzo para recusar uma promoção por conta de um bigode.... só ele!
Jenny e Kelly são as personificações da fúria... e Sophie... só no próximo capítulo, que já adianto, vai ter choro de novo.
Muito obrigada a quem está lendo. Agradeço de coração os comentários.
Até o próximo capítulo (tragam os lencinhos!!)



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