Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 6
Incertezas


Notas iniciais do capítulo

Depois de um longo tempo eu voltei com mais um capítulo. Ficou grandão, mas Kelly retorna com suas cartinhas também. E, bem, estamos chegando em um ponto em que a relação dos dois ou vai ou racha....
Boa leitura!



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Eram vinte horas quando deixamos nosso sótão e rumamos para o chique e refinado hotel. Claramente que o taxi seria necessário, assim como em Positano, não nos foi entregue nenhum carro. E isso era uma desculpa perfeita.

Nossas roupas devidamente alinhadas para a ocasião se misturavam com os demais frequentadores do hotel. Como chegamos um pouco cedo, resolvemos ficar no bar e analisar os melhores locais de saída e, caso fosse necessário, até mesmo uma fuga. Mas, em circunstâncias extremas, nosso plano seria pernoitar no hotel, com a famigerada desculpa de termos exagerado na bebida.

Às vinte e uma em ponto, o “segurança-emissário seis por seis” que nos abordou no café no dia anterior fez sua entrada no bar. Logo em seguida, Zukhov, acompanhado de sua esposa, Svetlana, entraram também. Fomos vistos e, educadamente, Jethro ofereceu uma bebida ao casal. Começava ali a nossa missão.

Durante as bebidas, Anatoly simplesmente sondou o seu novo parceiro de negócios. Perguntas básicas sobre local onde começou, há quanto tempo estava no ramo e, lógico, quem foi o contato que tinha passado o seu nome para nós. Nessa parte, assim como tinha feito no café, Jethro desconversou, e disse que preferia deixar seus contatos, apenas como fantasmas. Zukhov pareceu não aceitar muito bem a resposta, mas, deixou para lá com alguma anedota ridícula envolvendo homens e como eles têm que manter suas mulheres e contatos somente para eles. O plural não passou despercebido por mim, e a minha reação também não. Logo que Jethro sentiu minha mão agarrando a dele mais forte, ele, respondeu positivamente ao que foi dito, fazendo um leve carinho na minha bochecha, e soando ameaçadoramente calmo, completou:

— É por isso que a minha sempre está do meu lado, podem até olhar para ela, mas no final do dia, é do meu lado que ela dorme.

Se fosse em outra ocasião, eu teria virado a mão na cara dele. Eu não pertenço a ninguém, mas aqui, eu simplesmente sorri e dei um selinho, mas por baixo da mesa, ele tomou um pisão tão forte no pé, que duvido que andaria direito depois.

Após esta demonstração barata de dominação masculina, fomos guiados pelo maître até a nossa mesa para o jantar. E, se a intenção de Zukhov era impressionar, ele quase conseguiu. Seu propósito era mostrar o seu poder, desde seu dinheiro, até como conseguia ter todos ao seu dispor e a qualquer hora.

Como eu previra, a mesa estava devidamente ajeitada para um típico jantar da realeza, mas pude notar durante a noite, que Anatoly não estava totalmente familiarizado com tudo aquilo, e as palavras de Jethro fizeram sentido na minha cabeça – “Você leu o arquivo dele tantas vezes quanto eu, sabe o que ele faz.” – Sei, agora eu notei. Ele caça, ele se mostra o melhor, e depois dá o bote. E eu era a escolhida da vez. Um calafrio percorreu a minha espinha ao notar isso. E, pior ainda, eu sabia que ele não faria o seu próximo movimento agora, ele esperaria até estar em um ambiente confortável – seu maldito iate – ele nos atrairia para a rede.

Quando fiz todas essas conjecturas, meu estômago se fechou. Eu teria que agir realmente como uma burra que aceita as piores ofensas às mulheres como elogios, pois notei que, por mais que nossos disfarces fossem bem construídos,  era a nossa atuação, nossos movimentos que os tornariam reais. E nesse caso, eram os meus movimentos e reações que estavam sendo observados cuidadosamente. O sucesso da missão estava na minha capacidade de ser a esposa burra, atraente e que, sabe agradar muito o seu marido.

Depois disso, comecei a notar os verdadeiros olhares em minha direção e, também, as respostas de Jethro as eles. Alguns elogios realmente me deixaram desconfortáveis, mas consegui manejar com rapidez o desconforto com timidez e desentendimento e, nessas horas, o aperto ou na minha mão, ou na minha cintura se intensificava.

Após esse início de teste para nossos disfarces, o jantar correu bem, e diferentemente do que nós dois pensávamos, Zukhov se comportou como um cavalheiro – que nunca foi – e tratou mais de negócios do que de seu ego.

Claramente, houve momentos que ele massageou seu ego mais de uma vez, principalmente quando se tratava de suas conquistas amorosas. E nessas horas Jethro sempre tinha uma demonstração mais calorosa de nosso “casamento”.

Não houve nenhum incidente quanto à etiqueta, quando Gibbs se via perdido, ele sempre lançava um olhar na minha direção. E copiava meus movimentos tão naturalmente que parecia ter sido criado na realeza.

Já no fim, Zukhov pediu que lhe fosse demonstrado os produtos que vendíamos. Engraçado, havíamos discutido essa possibilidade e, pelo sim e pelo não, colocamos Decker como nosso garoto de entregas e, na hora que foi preciso, apenas ligamos, e ele apareceu com a nossa pequena e gratuita “amostra”.

O russo pareceu ficar satisfeito com o “presente”, e prometeu que faria negócios conosco, mas desta fez, para poder falar mais aberta e livremente de negócios propriamente dito, queria nos ver em seu iate.

Mas uma vez meu corpo gelou à menção daquele maldito barco. Não sei, só de pensar em entrar naquilo, eu temia por nosso segurança. Mas como era preciso, iríamos.

Marcamos um novo encontro para dentro de dois dias. E, na hora das despedidas, novamente Anatoly foi galanteador e disse que esperava que eu estivesse tão radiante quanto nesta noite, pegando a minha mão e depositando um beijo nela, e algo mais, que fingi não notar estando na presença da sua esposa.

Seguimos lado a lado até a porta do hotel, a noite marselhesa estava explodindo de vida e, por um minuto temi que nossas companhias quisessem estender o encontro um pouco mais. Mas não aconteceu. Cada um entrou em seus táxis e fomos para casa.

Só respirei aliviada quando entrei no sótão e me desfiz da peruca e dos saltos. Voltei a ser Jenny e larguei Isabelle de lado. Sentei no chão, com as costas escoradas na parede do quarto, precisava organizar meus pensamentos e, céus, eu precisava de uma bebida também.

Como se ele lesse meus pensamentos, Jethro apareceu com dois copos e uma garrafa de Bourbon e os depositou na minha frente no chão, se sentando do meu lado.

Ele não precisava dizer que estava certo na noite anterior. Seu rosto dizia isso. E eu gostaria de saber o que meu estava dizendo, pois, por dentro eu estava gritando.

— Ele só vai piorar.

— Eu não vou fazer o que ele quer!

— Não vai chegar a tanto.

— Não?! Tem certeza?

— Você vai ter que jogar com ele, igual fez hoje.

— Foi desconfortável e humilhante. Ele me olhou como seu eu fosse... se eu fosse...

— Não, ele te olhou como a mulher que ele quer do lado dele.

— Ele é casado e a esposa estava do lado dele! Como pode!

— Eu te disse ontem, você deveria ter...

— Não diga “me preparado melhor”, Gibbs, por favor! Não tem como se preparar para se sentir como um objeto. E eu fui um objeto durante esse jantar. Era ele me lançando olhares que me deixaram inquieta e envergonhada e você me tratando como uma posse.

— Não era de propósito, Jen.

Jen. De novo esse apelido. E por que meu estômago sempre dá um pulo quando ele disse isso?

— Não importa! – Suspirei frustrada. – Sei que está fazendo o seu papel, mas me sinto usada. E só me resta me acostumar com isso. E, como você disse, entrar no jogo dele. Ele quer ser seduzido. Ele será. Mas não passarei disso. Não dormirei com ele para poder saber dos segredos dele. Não serei tachada como nenhuma das irmãs Bolena!

— E por que você está dizendo isso?

— Ora, Jethro, por conta disso! – Lancei o pedaço de papel em sua direção. – Olha o que ele quer!

Ele pegou o bilhete – se é que eu posso chamar aquilo de bilhete, e leu. Sua feição, antes somente cansada, se alterou para algo que eu não consegui definir. Mas deveria ser raiva, pois sua mão esquerda que estava displicentemente apoiada na minha perna se fechou em punho. E, por mais incrível que pareça, Jethro não disse uma só palavra. Me abraçou de lado e deu um beijo na minha têmpora. Ficamos nessa posição por um tempo até que ele quebrou o pesado silêncio.

— Operações infiltradas requerem muito de todos, mas nós temos um limite. Você acabou de me falar o seu. E, posso te dizer algo. É o mesmo do meu. Vamos até certo ponto, mas tem hora que temos que preservar quem somos. Você está certa.

Olhei para ele e agradeci com um aceno de cabeça. Ele era um chauvinista em algumas situações, mas quer saber, não era por mal, ele só queria proteger as mulheres ao seu redor. Não era algo passageiro, era o caráter dele, era quem ele era. E eu estava grata por isso.

— Dois dias, hein? O que vamos fazer até lá?

— Conjecturar como podemos sair vivos de lá dentro. – Sua cabeça apontou na direção do cais.

— Melhor eu treinar minha cara de burra seduzida muito bem nas próximas quarenta horas, precisaremos dela. – Eu sorri sem ânimo.

— Vai dar certo, Jen. Tem que dar. – Ele afagou meu joelho e levantou do chão, para logo em seguida me estender a mão – Vamos dormir e esquecer nossos alter egos um pouco. – ele me levou pela mão até o quarto. Eu nem me importei em reclamar.

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 Não vou mentir e dizer que consegui dormir. Não. Tudo o que Zukhov disse e o maldito bilhete não saíram da minha cabeça. E tenho certeza que Jen também não, pelo menos não até certa hora da madrugada. Ela só foi pegar no sono profundo quando, involuntariamente, me usou como seu travesseiro. Não fiz menção de tirá-la de meu peito, pois gostei da sensação de tê-la ali. Ainda mais depois da noite que tivemos e com o que temos em nossa frente.

Esperei até que ela acordasse por ela mesma. Algo, que para mim, demorou bastante. Mas valeu a pena. O olhar envergonhado e a cara de desconsertada dela quando se deu conta de onde havia dormido valeu como uma boa saudação de bom dia.

E agora estamos os dois aqui, em um silêncio constrangedor da parte dela, quietos, somente esperando Decker trazer o armamento que iremos vender para Zukhov. Enquanto ele não chega, parece que tivemos a mesma ideia de escrever para Kelly, afinal, já faz mais de mês em que mandei a última carta. O problema é que fico distraído com um certo tom de vermelho. Vermelho que está presente nas bochechas dela.

Eu adoro aquelas bochechas coradas.

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Eu não posso acreditar que eu fiz isso. Não posso acreditar que eu dormi apoiada no peitoral do Gibbs! Céus! Que vergonha! E o maior problema de todos, foi o fato de que ele não me acordou para mudar de posição ou me tirou de lá. Ele simplesmente me deixou dormindo pelo tempo que eu quis. E na hora em que acordei... eu não sabia onde enfiar a cara ou o que dizer. Achei que deveria dizer desculpa. Mas desculpa é algo que não se pede a Leroy Jethro Gibbs, maldita regra nº6. Então o que mais eu poderia fazer? Correr para o banheiro? Foi o que a covarde aqui fez.

Tentei a todo custo acalmar o constrangimento e o rubor das minhas bochechas debaixo do banho. Até consegui, mas era só pensar na possibilidade de vê-lo que ficava vermelha de novo!

— Quantos anos você tem, Jennifer Shepard? Quinze? Pelo amor de Deus, mulher! – Ralhava comigo mesma e tentava tomar coragem para sair do quarto e ir para a sala, foi quando notei um envelope. Quanto tempo tinha que eu não escrevia para Kelly? Acho que quase um mês, o mais estranho era que não tinha recebido nenhuma resposta dela... E, diante do impasse de meu rosto vermelho e o fato de que não tinha nada para fazer até Decker chegar, resolvi que escrever para a filha do meu travesseiro era uma boa ideia. E foi com este intento que entrei na sala. Para encontra-lo sorrindo em minha direção.

Malditas bochechas.

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Estava ainda no início da carta para Kelly quando Decker chegou com os armamentos e o correio atrasado.

As armas, para falar bem da verdade, não me interessavam. Seriam vendidas mesmo, a única certeza era de que eram totalmente rastreáveis. O que ele tinha de interessante eram as cartas. Não eram tantas assim, na verdade, duas. E uma ele colocou na minha frente, e a outra, na frente de Jethro. Pude olhar a caligrafia, era a mesma da minha carta.

Kelly salvou o meu dia de uma maneira que ela não tem ideia!

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“Alexandria, 30 de maio de 1998

Carta 02

Oi Jenny!!

É tão bom saber que alguém entende a minha preocupação! Você não tem ideia do que é ficar aqui conjeturando mil e uma ideias erradas sobre o que pode estar acontecendo e ninguém entender a minha preocupação!

Mas confesso que fico mais aliviada de saber que tem alguém com ele que está do lado dele, apesar de reconhecer que ele não é a pessoa mais fácil do mundo de se conviver. Mas dê um tempinho a ele que você se adapta às manias loucas de Jethro Gibbs e ele às suas.

Eu te entendo que é ter um pai que não fala muito... Pode ter certeza que acho que você está sentindo na pele o tanto que Leroy Jethro Gibbs fala. Ele fala tanto que às vezes eu chego a duvidar que ele está por perto.

Vou fingir que nem percebi que seu passatempo preferido é tirar fotos. Você não leva jeito nenhum pra isso! Brincadeira, tá? Eu adoro as fotos e quero mais!

E, será que é possível te pedir só mais um favorzinho? Você poderia me falar se tá tudo indo bem? Digo, sei que você não pode dizer nada sobre a missão, mas eu quero saber se vocês dois estão bem, se é muito perigoso ou se... se corre o risco de algum de vocês se machucarem mais feio... Eu entendo que você me disse para não me preocupar com a falta de notícias, mas não consigo tirar da cabeça isso. E minha avó não tem ajudado muito, acho que ela não quer admitir para ela mesma que é perigoso e que papai pode não voltar. Sabe, Jen, eu te pergunto isso, porque não quero perder meu pai. Ele é tudo o que eu tenho. Tudo o que me sobrou, e eu só dei conta disso quando fui para Stillwater e vi um pouco do passado dele e de minha mãe. Eu já não a tenho, e só o pensamento de que posso perder o meu pai também é doloroso.

Eu te agradeço qualquer informação que você possa me dar, porque papai não falará nada. Ele acha que me protege assim, mas me assusta mais! Só te peço, não minta. Por pior que possa ser, prefiro a verdade a nada.

Desculpe ficar te enchendo a paciência, mas você é a única pessoa que me dá ouvidos, ou no seu caso, me empresta suas mãos e olhos!

Muito obrigada, de coração.

Kelly

P.S.: Não esqueci do que você escreveu, sobre descobrir como você é. É que estou ponderando se peço uma dica para o Agente Gibbs, ou se saiu chutando a esmo.

As coisas que sei até agora:

Você – 1) adora saltos; 2) Não é muito alta

Parei aqui.  Fiquei sem opções. São muitas possibilidades. Mas fico pensando, será que você é ruiva?”

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“França, 1998

Carta 02

Olá Kelly!

Hoje quem vai reclamar da demora na resposta sou eu! Quase um mês! Se você demora para responder quem se preocupa somos nós. Mas vou deixar passar, afinal, o verão já está quase aí e você tem mais é que curtir as férias. Espero que tudo tenha dado certo no seu ano letivo, mas a melhor parte do ano começa agora. Mesmo para pessoas que não gostam de praia como eu.

Devo dizer que sim. Você acertou na sua última pergunta. Sou ruiva... mas como você chutou isso tão rápido? Quero saber!

Quanto ao seu pedido, bom. Sim. É perigoso o que fazemos, isso você já sabe. Se você corre o risco de perder o seu pai. Dizendo a verdade eu falo que sim. Mas quer saber, não é somente pela missão em si. Todos os dias corremos o risco de perder alguém. Quando você acorda de manhã, não se tem uma ideia do que vai acontecer durante o dia. Você pode terminá-lo como todos os outros anteriores, ou pode não ver o por do sol. No destino, a gente não mexe. Por isso eu te digo, ficar preocupada é normal? Sim. Mas não fique paranoica a ponto de perder noites de sono. Você não decide o amanhã. Contudo, para deixá-la mais calma, saiba que tomamos todas as precauções possíveis e existentes. Não somos Kamikazes que estão dispostos a morrer por sua causa. Nossa meta é: voltar inteiros e sãos para Washington. E isso vai acontecer.

Vamos combinar o seguinte para te acalmar: Toda vez que você estiver triste ou preocupada com o que fazemos, me escreva. Nem que seja um bilhetinho. Esvaziar a cabeça faz bem nessas horas. Podemos fazer isso?

Quanto à saudades que você sente da sua mãe, é normal e posso te dizer que nunca vai embora, a presença e lembrança dela ficarão para sempre com você, mas você tem que aprender a deixá-la ir, guardar somente as coisas boas e ser grata por ela ter existido. Quando você conseguir aceitar isso, a dor vai diminuir só restando as lembranças! E, apesar de não ser mãe, tenho a certeza de que a sua não iria querer que você fique pensando nela o tempo todo e se esqueça de viver. Esteja onde ela estiver, ela quer te ver feliz, Kelly. Faça isso por ela, pelo seu pai e, principalmente, por você. Viva a sua vida da melhor forma possível. Aproveite cada momento, pois você nunca mais poderá retornar o relógio!

Pode deixar que vou ficar de olho no seu pai, é para isso que parceiros servem.

E, você acertou nas duas coisas que disse. São três características certas. Mais duas e eu te mando uma foto. Falando em fotos, eu vi a que você mandou para o seu pai. Você é uma garota muito bonita e fotogênica, não sei como aquele chauvinista ainda não te mandou para um convento!!

Um beijo e aproveite as férias de verão!

Jenny”  

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Fico me perguntando se Jethro tem noção da filha que tem. Kelly é uma garota especial. Uma menina que muito provavelmente teve que crescer rápido para poder superar a perda da mãe e entender o trabalho do pai. Espero sinceramente que ela possa, ao menos uma vez, ser uma simples adolescente de quinze anos. Viver sem a preocupação de como ou se o pai vai voltar para casa, apenas pensando nas coisas que as garotas devem pensar.  Bom, isso se Jethro deixar. Fico pensando como ele vai reagir quando a filha apresentar o primeiro namorado...

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Alexandria, 30 de maio de 1998

Carta 09

Olá para o melhor pai do mundo!!!!

E antes que o senhor diga que eu estou querendo ou escondendo algo, saiba que está errado! Eu só estou morrendo de saudades do meu paizinho amado.

É sério, o verão tá chegando e possibilidade de passa-lo dentro de casa está me dando nos nervos. Nos outros anos nós fomos viajar, nem que fosse por uma semana. Esse ano, bem a vovó quer ir viajar, mas eu não quero ir para o interior. Ela disse que tem uma amiga no Texas que ela não vê há muito tempo, e gostaria de ir vê-la.

Não ria, sim, no Texas. Eu no Texas. No meio do calor e de terra seca. Euzinha que amo o mar... o senhor tem noção do meu pavor quando penso em passar uma semana lá? Se não tem, diga que tem... ou eu peço a Jenny pra te dar um chute! Sei que ela faria isso para mim!

Então... tem alguma ideia de como faço a sua sogra, ou ex-sogra, sei lá, tirar essa ideia abominável da cabeça? Qualquer uma serve. Já pensei até em me jogar no chão e forçar uma torção no tornozelo pra escapar disso. Mas só a ideia da dor que irei sentir me tirou o ânimo. Fico esperando por uma saída, ó grande mestre Jedi!

Tirando isso, a vida segue normal por aqui... semana das provas finais chegando, e pela primeira vez, eu não estou preocupada com nenhuma delas. Já tenho nota suficiente. Só espero me sair bem para manter minha média alta.

E como o senhor me cobrou... que rufem os tambores... mentira, demorei a achar a bendita da carta, mesmo... você acertou! Êêêê o/o/o/o/ o que surpreende o total de ZERO pessoas. Mas eu sempre fico encucada com isso. Como pode?? É sério pai! Seus poderes mediúnicos me assustam! Muito! Diz aí, você não saberia dizer os números do próximo sorteio da loteria? Porque se souber, diz aí, poderemos ficar milionários! Já imaginou o senhor desfilando por aí em um super carrão? Melhor não... chega de madrastas interesseiras! Diane e Rebecca já deram o que tinham que dar!

E, posso pedir só mais um favorzinho... manda mais uma dica de como a Jenny é? Sabe como é.... eu tô curiosa, tentei pescar alguma informação com ela, mas ela é esperta igual ao senhor e me fez tentar acertar... tirando dois fatos que o senhor disse, eu não tenho mais nada! Muito obrigada!

E lembre-se, ajude esta pobre alma a não ir para o meio do nada!

Te amo pai!

Beijos

Kells”

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“Algum lugar da Europa, 1998.

Carta 07

Olá filha!

Quanto tempo desde a última carta!

Pelo visto as coisas estão indo bem por aí. A não ser por essa viagem. Mas, pensando bem, por que tanta vontade de não ir. Até onde sei, o Texas tem muitos haras, e você adora cavalos. Não seria uma oportunidade para poder conhecer um haras de verdade e montar em cavalos de raça. Talvez você encontre um puro sangue árabe que você sempre falou na minha cabeça que queria ver e ter.

Alias, se você quer tirar a sua avó de cabeça, basta começar a ficar empolgada com tudo o que ela disser. E, no seu caso, começar a pensar nas malas. Sua avó detesta muita bagagem. Uma vez ela desistiu de viajar porque a sua mãe iria levar praticamente todo o guarda-roupas. Mas isso foi uma ideia da sua mãe. Ela também não queria ir, e inventou de carregar tudo o que podia. Sua avó desistiu na porta de casa. Você pode tentar isso. Deve funcionar até hoje.

Mas eu bem que gostaria de te ver no Texas. Longe da água e do mar. Seria interessante ver você se livrando de passeios intermináveis e visitas a casas de pessoas da idade da sua avó que vão ficar falando de croché, receitas e de como vai a saúde de uma pessoa que você não conhece mas você tem que dar opinião, porque senão a sua avó vai brigar com você. E Vá por mim, Joan Fielding pode ser bem aterrorizante quando quer.

Mas, nunca, jamais, tente se jogar no chão ou da escada ou de onde for para se machucar. Eu não quero receber a notícia de que a senhorita se machucou de propósito para não fazer alguma coisa. Você não é mais uma criança que pode fazer pirraça, Kelly.

Eu não prevejo o futuro Kelly. Apenas te conheço bem. Você leva jeito para ajudar as outras pessoas, por isso qualquer coisa ligada a essa área seria o que você iria fazer. Mas espero que, seja lá o que pretende realmente fazer, que você faça com amor e dedicação. ´

No mais, não sei os números da loteria e você também não vai jogar. Que ideia foi essa de querer ser milionária?

Saiba que te amo e também sinto a sua falta.

Papai.”

—------------

Minha filha a cada dia que passa fica mais impossível. Ela quer dicas de como a Jenny é? O problema é que só não quero dizer que ela é ruiva, isso não vai ajudar a Kelly. E, por agora, a única informação que posso dar é que ela tem bochechas vermelhas, tão vermelhas quanto o seu cabelo, mas acho que se ela descobrir que passei essa informação para frente, ela é bem capaz de me matar e sumir com o corpo.

Fiquei parado olhando na direção dela enquanto ela, concentradamente, escrevia a sua terceira carta para minha filha. Me perguntava o que as duas tanto conversavam. Será que tinham algo em comum que eu ainda não tinha percebido? Será que essa amizade será a mesma a partir do momento em que elas se conhecerem pessoalmente, presumindo que isso irá acontecer um dia, é claro.

Jenny notou que eu a observava e, pela primeira vez no dia, se dirigiu a mim.

— Tem alguma coisa errada? Você não para de me encarar.

Era uma pergunta inocente, eu sabia, mas poderia ter duas respostas, só não sei se ela gostaria de ouvir o que eu estava pensando.

— Nada. Há algo de errado?

— Deveria haver? – Ela então levantou a sobrancelha e me encarou.

— É você quem está estranha. – Me segurei para não rir quando o rubor em suas bochechas aumentaram.

— Estranha?! Não há nada de errado. – Ela tentou se esquivar, mas notei que ela mentia. Seu olho direito a entregou.

— Você sabe que quando mente a sua pálpebra direita treme, não sabe?

Ela parou o que estava fazendo, que nesse momento parecia ser a releitura do que tinha escrito, talvez procurando algum erro ou algo parecido. Sem querer deixou a caneta cair na mesa e me olhou horrorizada.

— Desde quando sabe disso?

— Notei há poucos dias. Quando você mente, treme.

Ela escondeu o rosto com as mãos e xingou em algum idioma que não entendi. Eu a tinha em minhas mãos agora.

— Certo... você é a terceira pessoa que nota isso. E é a única que está viva. Quer permanecer assim? Mantenha isso somente para você. – Ela tinha realmente um olhar intimidador.

— Quem diria que alguém tão baixinha poderia ser tão intimidadora...

— Você, Leroy Jethro Gibbs, não me conhece. Não sabe o que posso fazer – ela levantou da mesa e vinha caminhando perigosamente em minha direção com a caneta apontada para mim – então, se tem amor à sua vida, é muito bom não mexer com certas coisas. Você me entendeu? – Ela parou bem na minha frente, uma das mãos segurando a caneta firme na direção do meu olho, a outra na cintura, o rosto, antes vermelho de vergonha, agora esta vermelho de raiva, os olhos faiscavam, e ela nunca esteve tão linda, nem tentadora... eu teria que me controlar ou então...

— Você me entendeu? – Ela ainda esperava por uma resposta. Mas para a minha sorte, Decker voltou ao sótão bem naquele momento. Era uma vez a resposta que ela queria, se ela quisesse manter o seu pequeno segredo entre nós.

—-----------------

Ele foi salvo por Decker, sorte a dele. E, pelo seu próprio bem, que ele mantivesse isso em segredo. Só duas pessoas no mundo souberam desse meu pequeno tique nervoso. Meus pais. E como eles não estão mais vivos, achei que ninguém mais repararia. Mas não. Ele tinha que perceber! Justo ele! De todas as pessoas. Hoje definitivamente não era o meu dia!

Decker estava falando algo sobre as armas e como elas se tornaram rastreáveis. Algo que, sinceramente, não tinha a menor utilidade para nós. Apenas iríamos entrega-las. A NCIS e a CIA que tratassem de fazer a parte deles.

Mas teve algo que me chamou a atenção, ao que parece Zukhov estava planejando uma pequena viagem. Tinha mandado abastecer o iate e, pelo que Decker conseguiu entender, ele iria partir logo depois de nosso encontro. Não sei se era uma boa notícia ou uma péssima notícia. E também não tinha certeza do que poderia significar para nossa operação.

— Então, nosso encontro será decisivo para o que vamos fazer a segui? – perguntei incerta.

— Sim. Dependendo do que acontecer, a missão continua, ou se isso for um verdadeiro desastre, podemos encerrar daqui. Porque se ele sumir, já era. – Decker disse.

— Teremos que ser bem convincentes amanhã, muito. – Jethro olhou em minha direção.

— Entendi. Sei o que tenho que fazer. Mas como vamos descobrir para onde ele está indo?

— Eu posso até tentar, mas, muito provavelmente será para você que ele irá contar, Jen. Você já sabe o que ele quer.

— Sim eu sei. – suspirei fundo.

— E o que seria? – Decker perguntou curioso.

— Eu. Ela. – Nós dois respondemos juntos.

Will levantou as sobrancelhas assustado.

— Não sabia que tínhamos que chegar a esse ponto.

Nós não respondemos.

— Bem, eu vou acabar de arrumar as coisas para vocês. Espero, sinceramente, que não chegue a esse ponto, ruiva. Não foi para isso que viramos agentes.

— Eu também, não, Will. Eu também espero que não.

E ele se foi. De repente o meu probleminha da manhã pareceu tão besta. Tão infantil. Continuei sentada no sofá encarando o nada. Notei que Jethro levantou e voltou para a pequena mesa onde as cartas estavam. Pensei no que Kelly havia me perguntado. Será mesmo que tinha sido sincera com ela? Nossa missão era perigosa, mas em que sentido? Risco de vida ou risco de perdermos quem somos? Será que realmente nossa missão era tão importante ao ponto de virarmos outros e fazermos coisas que, em sã consciência, pensaríamos dez vezes antes de fazer? Queria poder saber ver o futuro para ver o que o amanhã me aguarda. Mas só de pensar, meu estômago até embolava.


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Notas finais do capítulo

E agora... o que vai acontecer dentro desse iate? Como Jenny vai fazer? Como gibbs vai reagir? O que vai sobrar depois disso tudo?
Serão cenas do próximo capítulo!
Até lá!
Muito obrigada por lerem! E me desculpem a demora!



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