Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 30
Entre o coração e a promessa


Notas iniciais do capítulo

Depois de quase quinze dias, eu reapareci. Sim, atrasada, mas eu voltei!
Trago a explicação ao choro de Jenny. Aliás, ela vai chorar muito nesse aqui. Espero que vocês entendam o porquê de eu ter feito isso.
Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773385/chapter/30

Eu sou uma burra, uma estúpida! Como eu posso deixar que algo como sentimentos possam afetar a minha carreira? Como?

Eu fiz uma promessa, naquele dia, depois de tudo o que eu vi e o que aconteceu comigo. Eu prometi que nunca mais sentiria nada por ninguém, que não me envolveria tão profundamente com alguém.

Sim, eu estava noiva antes de vir para a Europa, eu planejava meu casamento. Porém, não posso dizer que estava perdidamente apaixonada. Tanto que não estava que não foi difícil de escolher. Minha carreira era a opção lógica. Sean era nada mais nada menos do que uma pessoa para quem eu poderia voltar todas as noites, aquele que estaria me esperando em casa. Por mais que eu deteste admitir, ele não passava de um companheiro que preencheria a minha casa à noite. Por isso foi tão fácil arrumar as malas, devolver o anel e cair de cabeça nessa missão.

Mas então Jethro apareceu na minha vida. Como se não bastasse ele ser tão... tão... eu nem sei descrevê-lo, eu não posso descrever o que ele se tornou para mim! Ainda tinha que vir com uma triste história, a esposa assassinada, a filha adolescente sozinha do outro lado do mundo. Todo aquele vínculo entre os dois... e eu, a desesperada para saber o que é ter uma família de novo, tive que ir fundo, tão fundo que me vejo a cada dia mais apegada a ele e à filha dele. O ápice de tudo foi o aniversário dele. Naqueles quatro dias eu pude sentir o gosto de ser parte de uma família novamente. E então eu perdi o foco.

Eu esqueci do motivo que me fez virar agente do NCIS.

Na Sérvia, Gibbs me perguntou por que o NCIS? Eu disse que ninguém me conhecia aqui. Em partes, é verdade. Por outro lado, não.

Foi trabalhando ao lado do NCIS que tudo aconteceu. Que 1995 aconteceu.

Era uma operação entre a CIA, o NCIS, e o Pentágono. Um traficante de armas com muitas informações e meu pai como o líder da investigação.

Rene Benoit era o nome dele. E ele fez o papel dele muito bem. Tão bem que todos acreditaram em suas mentiras. Foram até o fim para seguir as suas pistas. Mas tudo o que fizeram foi ajudá-lo ainda mais.

Depois de meses investigando, meu pai descobriu a verdade. Rene Benoit usou de suas informações para poder ter vantagens no comércio de armas. Ele entregava os concorrentes e, assim, se tornava o todo poderoso. E onde ele ganhou de vez foi com as armas russas que deveriam ter sido destruídas.

Como ele tinha as informações privilegiadas, Benoit, ou La Grenouille como gostava de ser chamado, conseguiu ficar um passo à frente e roubar as armas antes que elas fossem destruídas.

Quando a investigação foi processada, ele se safou e, para que isso acontecesse, ele culpou o único homem que poderia culpar, o único homem que tinha o poder para desviar as armas.

Coronel Jasper Shepard. Meu pai.

E ele era tão cara de pau, tão perigoso, que teve a audácia de aparecer na casa de meu pai em uma noite de sexta. Eu tinha acabado de chegar da faculdade, uma visita surpresa de final de semana prolongado. Não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo, meu pai nunca discutia suas operações comigo. Porém eu cheguei na hora e momentos errados.

Me lembro como se estivesse acontecendo agora. Cada frame, cada imagem passando em câmera lenta por minha mente.

A campainha toca, eu inocentemente desci para abrir, acabei por receber o homem que me assombraria para sempre.

Ele queria conversar com o Coronel. Sem saber, ali, no batente da porta da casa onde cresci, eu selei o destino de meu pai e, por consequência, o meu.

Dei passagem para que Benoit entrasse, o levei para o escritório onde papai estava.

A feição de meu pai quando o viu foi, no mínimo, curiosa. Imediatamente ele me mandou subir, mas vendo com os olhos de hoje, ele me mandou sair de casa, mas a Jenny recém-saída da faculdade não conseguiu interpretar o que ele realmente queria dizer.

Eu os deixei a sós e fui para meu quarto, tinha que arrumar algumas coisas, uma oportunidade de emprego no setor privado tinha aparecido para a recém-formada em direito e relações internacionais e com a carteira da OAB nas mãos e, deslumbrada pelo salário, eu momentaneamente deixei de lado a minha vontade de ser agente federal.

Por um tempo, os dois conversaram tranquilamente, mas as vozes foram se exaltando, a do meu pai principalmente, ouvi a porta ser aberta e fechada, achei que o estranho homem com uma fachada de falsa educação tinha ido embora, então senti que era seguro descer.

Estava errada pela segunda vez naquela noite.

Parei no alto da escada, a tempo de ver dois outros homens imobilizarem meu pai, a tempo de ver Benoit pegar a arma de serviço do Coronel, apontar para a têmpora direita dele e puxar o gatilho.

Se fosse hoje, eu voltaria para o segundo andar, pegaria a arma que ficava escondida no quarto dele e o vingaria ali mesmo.

Mas a Jennifer Shepard de três anos atrás, ela só soube tentar segurar o grito. E isso chamou a atenção dos três homens.

Benoit me chamou, de alguma forma ele sabia o meu nome. Eu estava petrificada, tinha acabado de ver meu pai ser assassinado.

Os dois homens subiram as escadas atrás de mim, eu tentei correr para a segurança do meu quarto, mas eles foram mais rápidos. Logo me imobilizaram. Eu achei que iria morrer ali. Porém não foi o que aconteceu.

Os capangas de Benoit me prenderam com apertos de ferro. E ele parou bem na minha frente.

— As fotos que seu pai tem, ou melhor, tinha no escritório dele não fazem justiça a sua beleza, Jennifer. Você é muito mais bela pessoalmente.

Eu me debati, meu instinto de proteção gritando. Meu coração batia forte. E ele estava bem na minha frente, me tocando.

De repente fui jogada na cama, eu não tinha mais forças para gritar ou fazer qualquer outra coisa. Eu já tinha tentado de tudo e tinha sido em vão. Quanto mais eu lutava, mais os seguranças dele me batiam, e quando eu senti o que ele estava prestes a fazer, eu não pude me defender.

Estava machucada, tinha um corte na cabeça, sangrava no rosto e da pancada. Mas uma coisa eu consegui fazer, eu não gritei, eu não chorei, eu não implorei. Quando Benoit terminou, ele fez um carinho no meu rosto e me ordenou que ficasse quieta, pois eu poderia terminar como meu pai. Ele se vestiu e saiu do meu quarto e da casa, onde, agora só restava o corpo do meu pai e os cacos da velha e feliz Jennifer Shepard.

Não sei quanto tempo eu fiquei deitada naquela cama que um dia foi a cama de uma menina cheia de sonhos, que foi o local onde eu sonhei com o príncipe encantado, me lembro de me levantar e o dia já ter amanhecido. Não me lembro de como eu cheguei no banheiro, mas me lembro da dor, da humilhação, do nojo que eu sentia de mim, mas, acima de tudo, do ódio que queimava dentro de mim.

Ali, debaixo daquele chuveiro, eu chorei pela última vez. E prometi a mim mesma e ao meu pai. Rene Benoit pagaria. Pagaria com a vida pelo que ele fez com meu pai, comigo, com a minha vida.

E, depois de trocar e queimar os lençóis que provavam a humilhação pela qual passei, eu liguei para a polícia do exército.

Menti descaradamente, achando que eles achariam as evidências do assassinato. Disse que não tinha visto nada, que tinha acabado de chegar de Harvard.

Um mês depois do ocorrido, a investigação chegou ao final, e a conclusão, meu pai cometera suicídio.

Meu ódio dobrou de tamanho. Pois, enquanto a investigação não terminou, não poderia enterrar o meu pai. E, com esse veredito e com a investigação sobre o roubo das armas concluída, onde o resultado era: Coronel Shepard recebeu propina para desviar as armas, meu pai foi desonrado. Tiraram sua patente, tiraram tudo o que ele sempre carregou com tanto orgulho, a pensão que eu, como única herdeira, receberia, foi cortada, jogaram a reputação dele na lama e todos os anos de serviço dele ao país foram completamente esquecidos.

Eu não tinha mais ninguém, as únicas coisas que me restaram foram a casa e a vontade de vingá-lo.

O enterro dele foi miserável, dos antigos companheiros de armas, somente dois apareceram. Não houve bandeira dobrada, não houve salva de 21 tiros. Não me permitiram enterrá-lo em Arlington, como todos os veteranos. Ele foi enterrado em um cemitério comum, onde ninguém sabe o que ele fez pelo país.

Quando a última pá de terra foi jogada por cima de seu caixão eu era a única ali para testemunhar, e ali, eu fiz um juramento. Eu limparia o nome dele. Eu mostraria e provaria que o CID estava errado. Eu pegaria Benoit e o mataria com as minhas próprias mãos. E foi assim que bolei meu plano de cinco pontos.

1 – Virar agente federal;

2 – Ser a melhor entre todos e ter uma carreira exemplar, sem deixar me distrair por nada;

3 – Chegar ao posto de diretora;

4 – Achar Rene Benoit, fazê-lo confessar o roubo das armas, limpar o nome do meu pai.

5 – Matar La Grenouille pelo que ele fez comigo.

Dois meses depois do enterro eu entrava para o FLET-C do NCIS, tinha achado algumas folhas da investigação do meu pai, e elas me levaram direto ao NCIS. Se era assim, era para lá que eu tinha que seguir. Abandonei o meu emprego bem remunerado como advogada, e me joguei com tudo em um treinamento. Fiz aulas de tiro por fora, aprendi a lutar nas horas vagas, logicamente complementando o que eu já sabia. Me formei como a primeira da turma. Fui mandada para Camp Pendleton e lá passei de novata para agente júnior em um piscar de olhos. Até que, como uma brincadeira do destino, essa missão suicida na Europa foi iniciada, e eles precisavam de um agente para vir para cá, acompanhando um agente sênior do escritório de Washington. Era a minha oportunidade.

E era em tudo isso que eu pensava enquanto estava sentada no quarto, chorando.

Nos últimos meses eu me vi esquecendo o juramento que fiz ao meu pai e a mim mesma. Isso era o mais importante. Toda essa missão, isso estava nos meus planos. Mas me apaixonar por Jethro? Não. E isso me doía muito, pois era bom ter alguém do meu lado, alguém que pudesse me escutar, estar lá por mim, ou apenas me fazer companhia.

E eu tinha isso com Jethro, e só percebi quando vi a arma que estava bem próxima do rosto dele. Eu tive medo de perdê-lo. Tive medo de ser deixada sozinha, de novo.

Mas o pior de tudo isso, eu tinha dito a ele. Em Londres, naquela noite, eu disse que o amava, tenho certeza que, no calor do momento, ele não me escutou. Mas o meu pânico hoje, quando eu matei aquele policial. Essa ação entregou todos os meus sentimentos, toda a minha preocupação. Se ele não sabia, agora ele sabe. Jethro não é burro.

Contudo, eu não posso arrastá-lo para a minha vingança. Ele não tem nada a ver com isso, ele tem uma filha que precisa dele, que o ama, e, acima de tudo, vendo tudo o que ele faz, como ele age, eu tenho certeza que ele nunca concordaria com o meu plano. Com nenhuma parte dele. Principalmente matar alguém.

Jethro é muito certinho para fazer algo assim. À sangue frio, completamente planejado. E, sei também que ele não conseguiria olhar na minha cara sabendo o que fiz, ou sobre o que aconteceu comigo naquela noite.

Eu estava pensando e pesando as possibilidades da minha vida e da minha carreira quando ele invadiu o quarto.

Ele não sabia o significado de privacidade?

Só notei que chorava quando ele me olhou assustado. Com vergonha da minha fraqueza momentânea, corri para o banheiro e bati a porta com força, um claro sinal de que não queria vê-lo ou tê-lo ao meu lado tão cedo.

Me olhei no espelho antes de lavar o rosto. E, por uma fração de segundos, eu vi aquela Jenny Shepard fraca e tola que selou o seu destino quando abriu a porta de sua casa.

Mas na verdade não era isso. Eu estava dividida. Dividida entre a promessa que fiz e a promessa de um futuro que eu não sabia se poderia existir. Sentir o gosto de ter uma família, de pertencer a uma família fez todos os sentimentos que enterrei há três anos voltarem. E o medo que eu sentia de morrer sozinha também.

Tentei segurar as lágrimas, eu tinha que ser forte. Eu tinha que seguir com a minha promessa. Eu precisava me vingar.

Me sentei no chão do banheiro, costas apoiadas na porta. Não era uma decisão fácil. Mas, se ao pé da sepultura do meu pai foi tão fácil prometer, por que era tão difícil de se seguir? Por que uma pessoa pode mudar tudo?

Eu seria capaz de largar tudo por ele? Seria capaz de deixar a morte injusta de meu pai para trás, seria capaz de esquecer o que fizeram comigo por ele? Pelo sonho de ter uma família?

Eu não sabia responder essa pergunta ainda. Até porque, eu não posso ter esperanças, já que isso não dependia só de mim. Dependia de outros, e o que eu aprendi, da pior maneira possível, é que, as pessoas de quem você mais espera, são as primeiras que te viram as costas.

 Mas, eu tinha uma certeza, uma clara certeza, pode passar o tempo que for, pode acontecer o que for, nunca, jamais, eu deixaria que alguém machucasse ele ou a Kelly. Essa era outra promessa que eu fazia a mim mesma, esses dois já estavam enraizados em mim antes mesmo que eu percebesse.

Dei uma rápida olhada no relógio, estava dentro daquele banheiro a tempo demais. Mas, eu precisava disso, eu precisava me lembrar o motivo pelo qual eu tinha virado uma agente do NCIS. Eu não poderia esquecer disso. Apesar de que tinha adicionado mais duas cláusulas imprevistas nas minhas resoluções. Jethro e Kelly. Quando me levantei, senti que minhas pernas estavam duras pela falta de movimento. Lavei meu rosto pela milésima vez naquele dia, Jethro não precisava me ver chorando de novo. E abri a porta. Para encontrá-lo sentado do lado de fora, apoiado na mesma porta onde estive apoiada, me esperando, com a testa vincada e um olhar preocupado.

— Você demorou. Está tudo bem, Jen? – Ele se levantou do chão, seus olhos procurando pelas respostas que ele queria em meu rosto.

Eu não tinha razões para mentir agora.

— Agora está. – Disse a meia voz, pois a minha garganta estava seca. – Você ficou...

— Desde o momento em que você se trancou. – Ele respondeu a minha pergunta inacabada.

E isso me pegou de surpresa. Eu não esperava que ele fosse se preocupar comigo, ainda mais depois de um dia como esse.

— Tem algo que você queira falar, Jen? Tem alguma coisa que eu possa fazer?

Eu quis gritar para ele parar. Pois eu não saberia como contar para ele tudo o que eu passei. Tudo o que eu precisava fazer. Ele jamais entenderia.

— Não, Jethro. Não tem. Eu estou bem. – E era verdade.

— Jen... – Ele me segurou pelo braço, quando tentei me afastar.

Olhei em sua direção. Ele tentava me dizer algo, mas não sei se ele não podia, ou se ele não achava as palavras.

— Jethro?! – Tentei fazê-lo falar.

Ele engoliu em seco e disse:

— Sobre hoje....

— Você já deu a sua opinião. –  Cortei.

— Não é isso.

Olhei para ele.

— Não deixe que um erro te marque. Eu entendo o que você fez.

Fiquei espantada. Para quem estava tão furioso mais cedo, essa confissão era inesperada, e ele continuou:

— Você fez exatamente o que eu teria que ter feito na Sérvia e não fiz. No fundo, você acabou salvando a minha vida e a de Ducky.

Balancei a cabeça, como agradecendo e o deixei no quarto. Por mais que eu amasse a presença dele, hoje não era o dia para ficar perto. Eu tinha muito o que pensar. E, com o final da missão se aproximando, minha agonia ficava maior.

Eu tinha uma decisão a tomar.

Mas além dela, eu me perguntava:

Eu conseguiria tomar a decisão certa?

—-------------------- 

Jen se trancou por quase duas horas dentro daquele banheiro, e, escorado na porta eu podia ouvir os soluços dela ao mesmo tempo que escutava as suas costas baterem contra a madeira fina.

Ela não tem ideia de quantas vezes eu quis derrubar aquela porta e tirá-la de lá. Eu não suportava vê-la naquele estado.

Todo mundo tem o seu dia de fraqueza, ela me viu no meu pior. Achei que como ela sabia de tudo, ou de parte do que realmente aconteceu com Shannon, ela me deixaria tentar ajudá-la seja com o que ela estivesse passando.

Mas não. Quando eu a vi, naquele estado, eu realmente assustei. Não porque ela fosse proibida de chorar, mas porque eu não sabia o que fazer para ajudá-la. E tudo ficou pior quando ela se trancou no banheiro.

Eu não sabia o motivo, não sabia as suas razões, mas se eu descobrisse quem ou o que tinha acontecido com ela, eu com certeza não pouparia esforços para mandar esse sujeito para o inferno.

Enquanto eu ouvia os soluços abafados, inconscientemente planejei o que faria com essa pessoa, como eu poderia fazê-la sofrer. Então escutei que Jen se levantava. Ouvi a água correndo na pia e ela abriu a porta.

Olhos ainda vermelhos e inchados, rosto ainda molhado. Ela não disse muita coisa, apenas que estava bem.

Ela estava tudo, menos bem.

Eu quis fazê-la confessar, quis fazê-la entender que ela poderia falar comigo. Todavia ela não me deu chances.

E, culpado pelo modo que a tinha tratado, eu agradeci. Por mais irracional que ela tenha sido, por mais que ela tenha deixado os sentimentos falarem mais alto, Jenny foi corajosa o suficiente para fazer o que eu não tinha feito por ela. Ela agiu no calor do momento, quase estragou tudo, mas conseguiu se redimir em um único dia. E eu tinha que aceitar isso. O que eu não aceitava era o fato que ela tinha feito o que eu não fiz.

E tinha o que mais me preocupava. Ela pediu para chamar de fraqueza de qualquer outro nome que eu conhecia, mas não era isso. Eu vi nos olhos dela. Eu li naquelas orbes verdes. Jenny tinha deixado tudo ir muito fundo. E eu não saberia se eu poderia ser tudo o que ela precisava que eu fosse.

Ah, Jenny. Por quê?

—---------------------

 A noite não foi nada agradável. Por mais que a situação sobre o meu erro estivesse resolvida, havia algo pairando entre nós. Eu sabia o que era. Eu tinha estragado tudo!

Por que não deixei só no físico? Por que eu tinha que ceder toda vez que ele me olhava daquela forma? Por que eu tinha que abrir a minha boca e falar o que eu não devia?

Às vezes eu queria poder voltar no tempo para consertar cada um dos meus erros.

Então estávamos os dois em um silêncio pesado e constrangedor. Ele na sala, eu na mesa da cozinha fingindo fazer as palavras cruzadas que ele sempre deixava para mim.

Tinha horas que realmente parecíamos um casal. Ele já sabia as minhas manias, eu sabia das dele e assim íamos levando os dias. Até que trouxa deixou escapar as palavras erradas.

A madrugada já ia alta quando ele foi se deitar. E a cena me pareceu muito com Marselha, logo depois do ataque de ciúmes dele por conta de Zukhov. Jethro queria falar algo, eu queria evitá-lo a todo custo.

Alisei a caneca de chá na minha frente e observei a vista de Paris. Estava de costas para a posição que ele ocupara, muito maduro de minha parte, eu sei, contudo, era a única maneira que eu tinha de conseguir pensar, concentrar em mim mesma, caso contrário seria facilmente distraída por ele. Quando achei seguro, relaxei a postura. A porta do quarto tinha sido fechada a quase meia hora, ele não apareceria mais.

Ledo engano. Tinha me esquecido que ele pode ser silencioso, muito silencioso. Eu não consegui ouvir seus passos, por mais acostumada que já estivesse com eles, e só notei que ele estava parado atrás de mim, quando suas mãos me levantaram da cadeira. Sim, ele tinha conseguido me pegar completamente de guarda baixa e tinha conseguido me erguer, me colocando de pé na frente dele, antes que eu pudesse raciocinar com o que estava acontecendo.

Suas mãos me apoiaram por minha cintura. Ele me encarava sério. E eu mentalmente tentei bloquear o poder que aqueles lindos olhos azuis têm sobre mim.

— Já está tarde, e você não vai fazer como em Marselha, Jen. Você vai se deitar agora.

Tentei protestar, ele não mandava em mim!

— Não banque a teimosa. Você está na mesma posição há quase quatro horas, não comeu nada, e nem esse chá que você fez, você tomou. Eu não sei no que está pensando, não sei onde sua mente está te levando, Jen. Mas não faça isso com você! Não se culpe.

Era o maior discurso que eu já tinha ouvido ele fazer. Apenas meneei a cabeça e fiquei onde estava, tinha a clara intenção de dormir no sofá hoje, ou melhor, de não dormir. Meu cérebro trazendo a cada instante as cenas e as sensações que eu tanto fiz para esquecer. Como eu não me mexi, ele cruzou os braços na minha frente e ficou me encarando, de novo.

— Eu já vou. – Minha voz saiu quebrada.

Ele levantou a sobrancelha. Claramente não concordando comigo, ou lendo a mentira em mim.

— Jethro, por favor.... – E eu estava implorando. Implorando para ficar sozinha. Será que ele não entendia que nesse momento ele era a causa de toda essa bagunça na minha vida?

Então ele fez o que eu não esperava – quando é que isso vai parar? – me abraçou apertado, como se quisesse me manter inteira, e beijou o topo da minha cabeça.

Eu precisei de todas as minhas forças para não desmoronar de vez. Eu não podia me apegar ainda mais. Eu não podia.... eu não sabia o que ele sentia. Eu tinha que acabar com isso.

Mas como? Como acabar com algo que te faz tão bem? Como eu poderia me ver longe dele?

E ele continuava me abraçar. Eu deveria ter pedido por isso quando tudo caiu na minha cabeça mais cedo. A sensação de segurança, de que alguém se importava comigo, de que eu pertencia a algum lugar era boa demais.

Isso era o que eu sonhava antes que a minha vida fosse destruída.

Por que esse homem não apareceu na minha frente três anos atrás?

Sem notar eu chorava. Agarrada à camisa dele eu comecei a chorar de novo. Jethro não me pediu explicações, não me perguntou o motivo. Apenas ficou ali, do meu lado. Quando eu não aguentava mais chorar, ele me levou para o quarto, deitou do meu lado e me manteve ali, sempre abraçada a ele e eu com a cabeça enterrada no peito dele, drenando toda força que podia dele. Até que o cansaço me venceu.

Estava naquele momento onde você não está nem dormindo, nem acordada, e pude escutar a voz dele contra o meu cabelo.

— Eu não sei o que fizeram a você, Jen. Mas seja quem for, se um dia você me contar o que aconteceu, saiba que eu vou atrás dessa pessoa e vou fazê-la sofrer, eu vou.

E pela primeira vez, desde que me despedaçaram naquela casa, eu senti que um dia, não sei quando, eu poderia contar o que me aconteceu para ele.

Eu não sabia onde nosso relacionamento iria terminar. Eu não sabia nem se isso era um relacionamento, afinal. Mas eu tive a certeza, Jethro jamais me abandonaria. Não importa o que acontecesse.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então... eu sei que meio que peguei pesado com o passado dela. Mas pelo ódio que Jenny sentia de Benoit, pela cara que ela fez ao vê-lo na casa dela, pelo modo como ele a tratou naquela noite... tudo isso sempre me levou a crer que a Jenny testemunhou muito mais que o assassinato do pai dela. A vingança dela e toda a fúria que foi mostrada no show sempre me levaram a crer que a Rã foi longe demais com ela. e Jenny, depois de apanhar tanto da vida, cumpriu a promessa que ela havia feito para o Gibbs, foi tão longe quanto ele foi ao caçar o Ari...
vou parar aqui.
A quem não gostou do que escrevi - na verdade insinuei - sinto muito, essa cena vai voltar mais à frente, quando ela contar para o Gibbs, mas eu prometo avisar nas notas iniciais e será quando a caçada ao Benoit estiver no auge.
No mais, eu acho que a parceria dos dois foi forjada tanto nos momentos mais perigosos quanto nestes, onde um demonstrou a fraqueza ao outro.
Obrigada a quem está lendo e acompanhando.
Até o próximo capítulo.
xoxo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carta para você" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.