Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 11
Quando menos se espera....


Notas iniciais do capítulo

Bem... outro dos meus capítulos onde eu tinha um outro final, mas acabei me descontrolando geral e, bem, o final fico completamente diferente...
Espero que gostem...
Boa leitura!



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— Me diga que Decker apareceu aqui nas últimas horas e nos disse que aquele monstro já apareceu. E a propósito, bom dia... – Já se passaram duas semanas desde que Will tinha vindo nos informar que o russo estava nos procurando, e até agora, nada de novo. Isso já estava me corroendo por dentro.

A resposta que recebi. Um menear de cabeça indicando que não. E só de olhar para a cara dele, eu já sabia que o mau-humor iria imperar hoje.

— Já tomou café? – Como Kelly tinha me ensinado, quando ele está com essa cara de quem quer arremessar alguém pela janela, ofereça um café bem forte, saia de perto e espere começar a fazer efeito.

Outra vez sem resposta, mas notei que não...

— Ótimo. Vou preparar um extra forte para você. – Me virei e o deixei ali, sozinho. Tudo o que eu não precisava era começar uma briga. Por mais divertidas que fossem nossas trocas de ofensas, e a cara que ele fazia quando eu soltava uma palavra que ele não conhecia, hoje não era dia.

Estava com vontade de começar a cantar, mas algo me dizia que se começasse, muito provavelmente ele me acertaria com algo na cabeça... e tenho certeza que seria de primeira, tinha visto ele jogar dardo outro dia e ele não perdeu nenhum....

Água devidamente fervida, caprichei no excesso de pó.... Era o famoso levanta defunto... quando já tinha uma quantidade considerável na caneca dele, a levei até onde Jethro estava, tomando todo o cuidado do mundo para não o irritar ainda mais.

Depositei a caneca na mesa, peguei a minha e ia para o sofá quando ele, ainda em silêncio, me ofereceu as palavras cruzadas.

— Obrigada... – agora eu teria que sentar na mesa se quisesse fazer o bendito do jogo direito. Contudo acho que esse era o plano dele... Não queria conversar, mas também não queria ficar sozinho. Será que não tinha ninguém menos complicado para ser meu parceiro não? 

Sentei no lado oposto ao dele, bem longe para evitar qualquer atrito. A atmosfera perto dele era pesada. Tão pesada quanto a minha há um mês atrás quando comecei a pensar no meu pai. Bem, naquela vez ele me deixou só com meus demônios, hoje era a minha vez de retribuir o favor. Então peguei uma caneta e me concentrei nas palavras cruzadas.

Foi até um bom passatempo. Sinceramente, essas estavam mais complicadas do que as outras, mas, para quem não tinha nada o que fazer, foi o melhor dos programas. De vez em quando eu levantava o olhar e observava Jethro. Não tinha café que levantasse aquele humor hoje.  E fiquei me perguntando o que será que tinha acontecido? Ele começou a ficar estranho no início da semana, mas ontem e, principalmente, hoje a coisa piorou.

Tentei puxar na memória se tinha algo que Kelly havia me dito. Não lembrei de nada que fosse útil. Ele não mencionara nada, pelo menos não acordado. Mas dormindo...

Na verdade, creio que dormir é um eufemismo. Ele não dormia há algum tempo. E quando o cansaço batia, e finalmente conseguia fechar os olhos, ele, claramente, tinha pesadelos. E sussurrava um único nome.

Shannon.

Será que hoje é a data em que ela morreu? É a única explicação plausível.

Se ele está assim, realmente a amara muito. Se passaram o que, sete anos? Esse é um tipo de dor que não diminui, não o culpo por estar com esse humor. E, também, não queria pensar em Kelly. Sozinha, do outro lado do oceano, lembrando da mãe que se foi. A pobrezinha deve estar péssima hoje.

Me senti uma intrusa por ter conseguido descobrir o motivo. Não era para que eu soubesse disso. Não mesmo. E, me vi sem lugar. Ficar ali, vendo o luto dele. Pensando na filha dele. Pensando no que poderia ter acontecido se a esposa dele não tivesse morrido. Eu estava entrando em um território que não era meu.

Já havia um tempo que tinha terminado as palavras cruzadas e estava ali, pensando. Resolvi que o melhor era deixá-lo com suas memórias e em paz. Tentei me levantar sem fazer barulho, mas foi inútil sequer tentar. Mal tinha me apoiado em pé e ele olhou para mim. E eu desejei que ele não tivesse feito isso.

Como pode alguém ter um olhar tão perdido, tão triste, tão... desolado. Céus. Ele nunca superou a morte dela! E duvido que um dia superará.

— Você a ama muito, não é? – Soltei sem pensar. Depois do que vi em seus olhos, tudo o que eu queria era... era poder fazê-lo ficar bem. Dizer que tudo ia ficar bem, que ele não a esqueceria jamais, mas que tinha que deixá-la ir. Eu tive a estranha vontade de correr até ele e abraçá-lo. E quando dei por mim, era exatamente o que eu estava fazendo. Não notei que diminuía a distância entre nós dois, só notei o que fazia quando o tinha envolto aos meus braços, sua cabeça em minha barriga.

O que EU estava fazendo?!

E ele aceitou o conforto. E ficamos ali. Não sei se era estranho ou se era necessário. No fim, acho que ninguém nunca olhou por ele. Quando se tem uma criança que perde a mãe, todos focam nela. E foi o que aconteceu quando Jethro perdeu a esposa. Ele e todos os outros se preocuparam com Kelly e como seria o mundo dela depois da tragédia, mas ninguém se preocupou com ele. Como ele reagiu ao perder o amor da vida dele. Porque era isso que Shannon era. O grande amor da vida dele.

Às vezes a vida é tão injusta.

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Se tinha um dia durante o ano que eu gostaria que não chegasse era esse. E como de costume, a aproximação desta data era marcada por todos os sentimentos e imagens que eu tanto tentei enterrar.

Cada vez que eu fechava os olhos, eram as imagens do acidente que minha mente me mostrava. Um lembrete diabólico do que eu perdi e de como eu a havia perdido.

Lembro de cada uma das sensações daqueles malditos três dias. O gosto da areia em minha boca. A dor que eu sentia do ataque que eu sofrera semanas antes. Da confusão quando me chamaram ao acampamento no meio de um reconhecimento.

Lembro-me do olhar de meu comandante. Das palavras que não puderam ser pronunciadas. Da agonia em saber o que realmente tinha acontecido.  Do desespero de tentar achar um voo e poder voltar para casa.

Havia uma casa? Ela se fora! E minha filha estava hospitalizada. E eu do outro lado do mundo. Sendo um inútil completo para quem eu jurei proteger.

Aquele foi o pior voo da minha vida. Estava voltando para meu país, mas não tinha como me sentir em casa. Ela não estaria lá, nas pontas dos pés, acenando, seu lindo sorriso em seu rosto, para me receber. Nunca mais. Passei por casais, por famílias inteiras que recebiam os seus heróis. As emoções dos reencontros, dos abraços e beijos depois de tanto tempo sem se ver. Eu não tinha ninguém. Ela já não estava mais ali.

Fui direto ao hospital para ver minha filha. É claro que àquela altura, minha sogra já estaria ali. E foi dito e feito. Eu pusera os pés no quarto em que Kelly se recuperava e a onda de ódio e rancor me atingiu em forma de uma mão do lado esquerdo de meu rosto. Naquele momento eu não tinha forças para reagir ou sequer olhar para ela.

Kelly levou três longos dias para, enfim, abrir os olhos. Nesse período fui obrigado a deixá-la quando o agente encarregado do caso precisou falar comigo. Mike Franks. Eles tinham uma pista. Sabiam quem era o responsável. Mas não podiam pegá-lo. O cara estava do outro lado da fronteira. E não se tinham provas, tudo era circunstancial. Facilmente colocado em xeque no tribunal.

Contudo, eu queria vingança. Franks notou isso. E me deu a pista que precisava. Eu tinha um nome e o endereço. E ele um alvo na testa.

Se eu achei que o voo entre o Golfo Pérsico e a Califórnia foi ruim. Nada se compara quanto tive que voltar a Stillwater para enterrar a minha esposa. Minha preocupação voltada para Kelly, ela não merecia estar passando por aquilo. Mas as surpresas desagradáveis não acabavam ali. Será que alguma hora acabariam?

E ano após ano, sempre era a mesma coisa. As mesmas imagens e a vontade de que tudo pudesse ser diferente.

Nos últimos seis anos estive ao lado de Kelly nesse dia. Não era fácil para ela também. Mas não nesse. E isso me enchia de culpa. E essa culpa misturada com a saudade e vontade de que tudo fosse uma mentira, me mantiveram acordado por quase toda noite.

Não eram nem quatro e meia da manhã quando, após mais um pesadelo, mais um lembrete me despertou por completo. Olhei para o lado e Jenny tinha acordado também. Ela me olhou preocupada. Aliás essa era a expressão que ela tinha nos olhos nos últimos dias, quando olhava para mim. Sem dizer uma palavra, apenas sinalizei que tudo estava bem, ela não acreditou, mas me deixou em paz. Para não perturbá-la ainda  mais, resolvi que seria melhor me levantar. E é nessa cadeira que estou há quase três horas, remoendo o passado e tentando não pensar no presente.

Quando Jen finalmente acordou eu não sabia se queria despejar tudo em cima dela para ter com quem conversar, se eu queria ficar sozinho ou se só a presença dela bastava.

Ela logo notou que eu não estava no meu melhor humor. Fez café para nós dois e ia me deixando sozinho, quando uma urgência em não ficar só me bateu e eu estendi a ela as palavras cruzadas, sabendo muito bem que ela teria que ficar ali na mesa. E, em silêncio, nós dois ficamos. Eu fingia ler o jornal, mas nenhuma notícia me prendia por muito tempo. E, às vezes, levava meu olhar para o outro lado da mesa, onde uma muito concentrada Jenny fazia as impossíveis palavras cruzadas.

E sua concentração e suas expressões me distraíram o suficiente para que eu, por pelo menos um momento, me esquecesse de onde estava e porque estava ali. Contudo uma hora ela terminaria. E a minha distração favorita acabaria.

E foi tido e feito, após demorar mais do que o normal, Jen finalmente acabara as palavras cruzadas. E ficou ali, pensando em não sei o que de início. Não consegui ler as suas expressões. Todavia não demorou muito para que ela ficasse agitada e então eu percebi. Ela fizera a conexão. Ela sabia! Não sei como, mas ela sabia. E Jen ficou sem graça. Como se fosse uma intrusa em minha dor. Ela não era uma intrusa, era um salva-vidas. Quando ela fez menção em levantar, quando ela já estava de pé e com a clara intenção de me deixar ali com meus demônios, eu a olhei.

Não sei o que ela viu em meus olhos, mas seja o que for, a fez ficar ali. E em seus olhos eu vi compreensão, como nunca vi em nenhuma das minhas ex-esposas. Ela entendeu o que acontecia. Ela se colocou no meu lugar e entendeu a minha dor com uma única frase “Você a ama muito, não é?”. E fez o que eu menos esperava. Em um piscar de olhos ela estava na minha frente e me abraçava. Um abraço apertado onde ela me dizia que tudo ia ficar bem, que não era errado sentir o que eu sentia, mas que eu tinha que deixar Shannon ir. Um abraço onde ela me mostrou uma única sensação. A vida era injusta. E ela também sabia disso.

Permanecemos assim por um tempo, até que ela mesma recuou um pouco e, sem me dizer absolutamente nada, me disse tudo. Às vezes, tudo o que nós precisamos é de uma pessoa do nosso lado, mesmo que não diga nada.

E eu me perguntei quem ficou do lado dela quando o pai dela morreu.

Ela me leu, como se eu fosse a mais fácil das palavras cruzadas.

— Hoje não é o dia de se fazer perguntas, Jethro. Mas acho que seria um bom dia para você tentar ligar para Kelly...

Nossas possibilidades de contato telefônico eram mínimas, só em caso de emergência. Jen sabia disso.

— Eu vou atrás de Will. Ele tem o telefone via satélite. A essa altura, aposto que Kelly já voltou do Texas. – Sua voz no tom mais baixo que eu ouvira até hoje.

Com pouco ela saiu. E eu pensei que não podiam me mandar uma pessoa melhor para ser minha parceira.

Menos de trinta minutos, ela estava de volta. Trazia o telefone e parecia ter notícias quanto nossa missão.

— Temos novas informações? – Perguntei quando ela chegou perto para me entregar o telefone.

— Hoje isso não importa! Ligue para Kelly. E faça rápido, antes que Will descubra que peguei o telefone emprestado.

— Você não falou com ele...

— Vá logo, com ele eu me viro depois! – Ela me empurrou para o quarto.

Definitivamente Jennifer Shepard era mais imprevisível do que eu podia pensar.

Olhei para o relógio, apesar das seis horas de diferença, sabia que Kelly já estaria acordada a essa hora.

Disquei os números e pedi para que ela estivesse realmente em casa e não em Stillwater. No terceiro toque, uma voz rouca de sono, mas que eu sentia falta de ouvir todos os dias, atendeu.

—----------------------------

Céus! São sete da manhã! Quem em sã consciência liga para a casa de alguém, em plenas férias de verão, a esse horário?

Um toque....

Que caia na secretaria eletrônica! Eu não vou levantar!

Dois toques....

— Kelly Gibbs! Vá atender a esse telefone. – Essa era a minha avó e seu bom humor matutino.

Tudo bem que eu tenho uma extensão aqui no meu quarto... mas eu não quero levantar, eu não consegui dormir! Sonhei com mamãe, com o acidente, com papai e um enterro. Que eu só consegui ver de quem era quando o caixão foi baixado e uma mulher ruiva, que eu não consegui ver o rosto, mas sabia quem era, me entregou uma bandeira dobrada em forma de triângulo.

Depois desse pesadelo eu não consegui mais dormir. Fiquei rolando na cama, não queria levantar, se eu pudesse esse dia não existia mais no meu calendário!

Três toques....

É a pessoa era insistente. Levantei e atendi ao desocupado que não respeitava a dor das outras pessoas.

— Alô? – Minha voz saiu mais rude do que eu queria. E a resposta que eu recebi me fez cair no chão e meus olhos se encherem de lágrimas.

— Kelly?

— Papai? É realmente o senhor? Como você conseguiu um telefone? Está tudo bem por aí, não está?  - Eu atropelava as palavras de tanto nervoso/alegria que sentia.

— Kells... devagar filha. Respira.

Eu fiz o que ele pediu, mesmo sabendo que era inútil. Mas toda vez que eu me afobava com alguma coisa e ele me pedia para respirar, era o que eu fazia.

Ouvi seu riso abafado quando ele notou que eu fazia exatamente o que ele mandara.

— Respirei... – eu disse. – Mas... como? O senhor disse que não tinha como ligar!

— E não tinha. Essa ligação é um tanto... – papai pensava na melhor das palavras.

— Inesperada? – Eu disse. – Pelo menos para mim é.

— Arranjada de última hora, com um telefone que foi pego sem a pessoa saber. – Foi o que ele me disse.

— Pai, o senhor roubou um telefone?! – Céus! A que ponto ele chegou.

Ele engasgou do outro lado da linha.

— Não! Kelly! De onde você tirou isso?

— O senhor disse que o telefone é de uma outra pessoa! O que quer que eu pense?

— O telefone não é roubado, filha! É emprestado, a pessoa só não sabe disso, ainda.

— Pai, se o senhor está tão desesperado para conversar comigo... não podia ter ligado de qualquer lugar não? Isso é estranho....

— Kelly. Pare. Não se preocupe, o telefone é do Decker. Lembra dele?

— Sim... lembro... mas...

— Acontece que não podemos nos comunicar com ninguém, a não ser que seja caso de urgência.

— EU SABIA! TEM ALGUMA COISA ERRADA!!

— Mas eu precisava conversar com você hoje. E pare de reagir assim. Já disse que está tudo bem! – Papai me cortou.

— Ok... entendi... mas se o telefone é do Decker, o senhor não o pegou... só sobrou...

— Sim. Ela.

— A JENNY FEZ ISSO? – Eu meio que gritei...

— Kelly quantas vezes...

— Desculpa, pai é que.... nossa... eu... bem... como ela soube que eu queria conversar com você hoje? Principalmente hoje?

— Como você está, filha?

Se eu respondesse bem, era mentira. Se eu falasse que mal, ele se desesperaria...

— O mesmo que nos últimos seis anos, pai.... tendo pesadelos nessa semana, e querendo que ela estivesse aqui... que o senhor estivesse aqui. – Eu comecei a chorar de verdade. Minha mãe fazia falta. Meu pai me fazia falta. – Mundo injusto! – Eu gritei.

— Eu sei, filha. Acredite em mim. Eu queria estar aí hoje. Mais do que nunca.  – Papai disse. Sua voz transbordando culpa.

— Não é sua culpa, pai. Eu sei disso. O senhor também sabe. – Eu funguei. Queria que ele pensasse que eu estava bem...

— Kelly, não finja que tudo está bem, porque não está, filha.

Até mesmo do outro lado do oceano ele era capaz de pegar uma mentira minha!

— Não é fingir pai. É querer que a dor passe. Mas não passa. A Jenny disse que um dia a gente aceita e vive das boas memórias. Mas... – um soluço subiu por minha garganta.

— E ela está certa, Kells. Mas leva tempo. Para uns mais, outros menos.

— Mas eu tenho medo de esquecer dela! Pai, eu pouco me lembro... não quero esquecer a minha mãe!

Eu realmente pouco me lembrava dela. Sua voz há muito tempo era somente um eco, uma memória distante. Mas eu queria mantê-la sempre aqui. E tinha medo de que um dia, eu a esquecesse.

— Kelly, você nunca vai esquecer da sua mãe!

— Mas pai... eu mal me recordo da voz dela... – eu chorava de novo.

— Eu não vou deixar você esquecê-la, filha. Não vou.

— Promete, pai? – Eu implorei.

— Sabe que sim, Kelly.

Eu balancei a cabeça. Depois me lembrei que ele não podia me ver.

— Eu sei sim.... – Confirmei ainda chorando.

— Então, filha, você vai ficar bem? Não só hoje, mas...

— Hoje tá sendo difícil, pai... mas todo ano é... para mim e para o senhor....

Foi aí que eu me lembrei, diante da minha choradeira, me lembrei que não sabia como ele estava. E papai sempre ficava péssimo nesse dia.

— Pai... e o senhor? Como vai fazer? Como o senhor está?

Ele ficou em silêncio por um longo tempo. Tempo demais. E eu achei que a ligação tinha caído.

— Pai?!

— Eu vou ficar bem, Kelly. – A voz dele era segura. E algo me disse que ele já tinha passado pelo pior e que alguém estava lá do lado dele...

— Ela sabe? – Ele sabia de quem eu falava agora.

— Sim. – Ele me respondeu.

Eu fiquei feliz por um momento. Finalmente alguém estava lá para o meu pai. Estava do lado dele. Se preocupando com ele, e não comigo. Definitivamente eu tinha que conhecer a Jenny.

— O senhor contou?

— Não. Ela, de algum modo, fez a ligação.

Nossa... ela era melhor do que eu podia imaginar. E estava cumprindo a promessa direitinho!

— Entendo... – eu queria pedir para falar com ela, mas achei que era errado...

— Kelly, posso ouvir seus pensamentos daqui. Fale o que tem na as cabeça.

— Mesmo do outro lado do oceano o senhor ainda faz isso, não é? – Eu sorri. Meu pai era impossível!

— Sou seu pai. Te conheço melhor do que você mesma. O que você quer?

— Queria agradecer os presentes, mas já mandei as cartas há um tempo. Então não vai rolar agora... – eu desconversei. E ele pegou no ar.

— Você não vai desistir disso, não é? Quer realmente falar com ela?

— Se ela vai se encrencar por conta desse telefonema, - eu falei – é melhor eu agradecer de uma vez. Afinal...

— Afinal o que, Kelly?

— Falar com o senhor melhorou em muito o meu dia... apesar de que o senhor ligou na hora que o mundo tá tentando acordar, né?

E eu consegui meu intento! Papai gargalhou!

— Metade do mundo já está acordada a horas, Kelly.

— Não a metade onde vivo.... – Eu fingi indiferença.

— Kelly Gibbs. – Eita senhor! Eu conheço esse tom!

—  Brincadeira, Gunny! Acho que hoje nós devemos tentar o bom humor, né? Além do mais, é verão! Estou de férias.

— E você nunca funciona muito bem até as nove da manhã, não é mesmo?

 Nessa ele tinha me pegado!

— E então... posso agradecer a Jenny...

— Vai mudar de assunto assim, filha?

— Pai! – Eu protestei...

Pode passar o tempo que for, mas cada vez que meu pai começar a me ler, eu vou sempre trocar de assunto! Como ele consegue isso?

Minha resposta foi o silêncio.

— Isso não é justo! O senhor me liga de sei lá de onde para ficar calado?

Escutei sua risada. As coisas ainda estavam bem.

— Vai bater o pé muito por aí?

De novo! Esse maldito toque que eu tenho!

Silêncio de novo... pelo menos por parte dele, pois ouvi uma porta se abrir, pude escutar passos e o som de alguém batendo algo em uma madeira, como se fosse no ritmo de uma música.

Ai meu Deus! Eu achei que ele nunca faria isso! Mas ele fez! Do outro lado da linha pude ouvir a voz de papai dizendo: “Telefone para você” fiquei curiosa, mas ao mesmo tempo nervosa. Escrever para uma pessoa que você nunca viu é uma coisa. Agora falar.... onde eu estava com a cabeça? Na minha mãe, lógico! Na falta dela, eu estava aceitando conforto de qualquer um. Até de uma completa estranha que estava ao lado do meu pai!

Pude ouvir a surpresa do outro lado. “Para mim? Tem certeza, Jethro?”

Que bonitinho! Ela chama meu pai pelo segundo nome! Já é um começo!

E o telefone foi passado de mão, pude ouvir isso também e uma voz um tanto surpresa disse:

— Olá?!

— Jenny?! É a Kelly!

Mas eu sou besta mesmo! É claro que era eu! Ela não tinha pegado o telefone para que meu pai ligasse para mim?

— Hei, Kelly! Como você está? Conseguiu curtir o verão?

Ela mudou completamente o foco do assunto que eu queria, mas eu gostei. Era menos uma pessoa que ficaria com dó de mim.

— Já coloquei tudo na carta. Que eu já mandei, à propósito. – Eu respondi.

— Ótimo! – Ela pareceu genuinamente feliz. – Finalmente vou ter algo para fazer!

Se eu a conhecesse, podia jurar que ela tinha piscado um dos olhos na minha direção. E eu não pude fazer nada, além e sorrir.

— Na verdade, - eu comecei – eu queria te agradecer.

— Não precisa ter esse trabalho, Kelly. Aproveite o telefonema porque não sei quando seu pai vai poder te ligar! – Ela respondeu sincera.

— Era exatamente por isso que eu queria te agradecer, Jenny. Obrigada por conseguir esse telefone! Você não tem ideia de quanto foi bom poder ouvir o meu pai, principalmente hoje!

— Fico feliz por ter ajudado, Kelly! – Foi um pouco de vergonha que eu identifiquei na voz dela?

— Obrigada, de coração, Jenny! E obrigada por tomar conta do Marine hoje. Não é fácil para ele. Na verdade, não é fácil para nenhum de nós dois!

— De nada. Eu imaginei isso! – Dessa vez ela soou apreensiva, papai deveria estar escutando. Era melhor trocar de assunto.

— Bem, eu não sei quem vai pagar essa conta, mas eu acho que já vou indo. Foi ótimo poder dar uma voz para a dona das cartas que recebo! – Eu brinquei com ela. – Espero poder te conhecer, Jenny. Meu pai não poderia ter uma pessoa melhor como parceira! – Eu agradeci.

— Kelly... eu já te disse, é o que temos que fazer, proteger um ao outro. – Ela foi firme.

— Eu sei, Jenny. Mas é a verdade e eu sou grata por isso! Você não tem que conversar comigo!

Ela deu uma gargalhada suave, e me confirmou mais uma vez que era o trabalho dela. E que era eu quem a distraía dos dias monótonos!

Fiquei feliz em ouvir a sinceridade em sua voz. Não queria que ela escrevesse para mim só porque meu pai escreve.

— Vai falar com seu pai de novo? – Ela me perguntou, já sabendo a resposta.

— Tenho que me despedir dele, senão o velho dá um treco! – Eu brinquei!

— Isso ele dá mesmo! – Ela concordou rindo. – Foi ótimo poder conversar com você. Até a próxima carta!

E ela se foi, dando o telefone de volta pra meu pai.

— Bem, pai, acho melhor eu ir.... Obrigada por ligar.... foi importante para mim. A gente continua se falando por cartas, né?

— Sim, Kells, a gente continua. Não posso prometer outro telefonema...

— Só se a Jenny der a louca e pegar emprestado outra vez, né? – Eu brinquei. Na verdade, era para esticar o momento. Não queria que ele desligasse.

— É, somente nesse caso e se ela sair viva da próxima vez. – Ele brincou. E eu pude ouvir que mais alguém tinha ouvido esse final.

— Pelo menos tive coragem. – A voz dela veio em alto e bom som e carregada de deboche.

— É sempre assim? – Eu disse. Se fosse, ela era bem diferente do que minha mãe foi. Do que as duas bruxas foram.

— Sim. Sempre assim. Não é Jen? – Papai me respondeu.

Jen?! Nossa! Isso é algo para se guardar!

— Assim como? – Ela perguntou distante. Queria que o telefone estive no viva-voz.

— Com você sempre brigando comigo! – Papai se defendeu, mas eu ouvi um sinal de sarcasmo na sua voz.

— Vai se fazer de vítima, Jethro? Quer me fazer passar pela Bruxa Má do Oeste?

— Céus! Eu queria ver essas brigas diárias! – Eu ri no telefone. – Vocês dois tem certeza de quem vão conseguir sobreviver a isso?

— Não se preocupe, Kells. A ruiva só faz barulho! – Papai disse. E não sei porque, algo me disse que ele se encrencaria com essa resposta! Acho melhor eu anotar isso para perguntar para Jenny na próxima carta.

E papai ficou em silêncio. Era a hora de desligar. Mas não foi com tristeza que eu desliguei. Foi com o sentimento de que, finalmente, alguém estava cuidando do meu pai, e ele estava deixando!

— O senhor tem que ir, não é?

— Temos que ir. – A voz de Jenny me corrigiu.

Não consegui conter a risada. Eles estavam no viva-voz!

— Por favor, não se matem! – Eu pedi rindo!

— Promessa difícil de ser cumprida... – papai disse. E eu sabia exatamente como estava a sua expressão. Eu consegui ver o seu sorriso.

— Jethro! Para de assustar a garota! Ela vai achar que realmente estamos  em pé de guerra. – Eu ouvi um tapa.

— Precisava me bater, Jen?!

— Jenny você não teme a morte! – Eu cantarolei.

— Ele mereceu essa, Kelly. Vá por mim! – O riso era perceptível em sua voz.

— Vocês dois juntos são doidos! – Eu falei. – Espero sinceramente que sobrevivam e em um ano estejam por aqui! Vou esperar as cartas! E vê se não demoram para responder! – Meu tom era taxativo.

— Sim, senhora! – Os dois responderam juntos.

— Tchau para vocês! Tem amo pai! – Eu queria chorar, mas uma parte era de alegria.

— Tchau Kells! A gente se fala. – Jenny me respondeu.

— Tchau filha. Também te amo. – Papai respondeu e a linha ficou muda.

A dia tinha tudo para ser o pior. Mas, de alguma forma, eu vi um pouco de esperança no meio da escuridão. Fazia tempo que não via ou melhor, ouvia, meu pai rir tanto. E no fundo, a alegria dele não era só porque estava falando comigo.

Jennifer Shepard. Espero que você não se importe de ter que mudar de nome. Porque só sei de uma pessoa que fazia o meu pai sorrir assim!

Só de pensar na possibilidade de ter uma família de novo, me dava até frio na barriga.

Será que era cedo demais para sonhar?


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Notas finais do capítulo

Ah, esses dois aprendendo a ler um ao outro!! Adorava isso na série!
A parte da ligação foi a que eu disse que não estava planejada, mas acho que ficou legal. E Kelly é a maior shipper Jibbs! Isso ainda vai dar pano pra manga!!
Muito obrigada por lerem!
Até o próximo!!



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