Deathlines escrita por PW, VinnieCamargo, MV


Capítulo 6
Capítulo 05: Alibi


Notas iniciais do capítulo

Escrito por VinnieCamargo



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De frente a Taylor, os dois homens uniformizados o encaravam, e compartilhavam a mesma expressão de descontentamento no rosto. O policial mais novo tinha a pele morena e os traços delicados, uma barba rala no rosto quadrado, enquanto o mais velho era branco, parrudo e entroncado, o cabelo penteado ainda brilhando pelo uso do gel – que além de Taylor ver os resquícios no cabelo do homem, sentia o cheiro também. Era o mesmo que Owen usava.

Taylor sentiu-se vulnerável com aquele pensamento, mas sequer piscou. Conhecia ambos os homens há anos. Rohan, o mais novo, era aproximadamente da idade dele. Lembrava-se de vê-lo em algumas festas em comum, ainda no colégio. Rutherford era o homem mais velho, Taylor já tinha o visto inúmeras vezes conversando com os Dippoli.

Taylor havia confirmado os álibis do grupo. Não precisava mentir, exceto talvez retirar detalhes estranhos da história.

— Engraçado. — Rutherford tossiu. — Os seus amigos não param de adicionar firulas nos depoimentos. Ah, porque uma sombra passou nisso, um vento passou naquilo, um arrepio na espinha acolá...

— Eu só tô contando para vocês o que acho relevante. — Taylor sorriu. — Não sou maluco.

— Então eles são malucos? — Rohan interviu. — Notou algum comportamento incomum vindo deles?

— Não é o que eu disse. — Taylor encarou o policial, sério. — Eles perderam vários amigos nos últimos dias, estão confusos, mal lidaram com um luto, e surge outro. Eles não têm culpa alguma.

Os dois policiais trocaram um olhar.

— A menina japonesa quis falar alguma coisa, mas ficou quieta. Sabe de algo?

— Mina.

— Oi?

— É Mina o nome dela. E não, não sei de nada.

Eles observaram a pilha de papéis na mesa, relendo algumas das anotações que haviam feito. Dessa vez demoraram a encontrar alguma coisa, e Taylor franziu.

— Acabou?

— Na verdade... — Rutherford deu de ombros. — O Rohan aqui está curioso sobre as vans que deixaram a propriedade de vocês, quando a ambulância e a polícia estavam chegando, após a ligação sobre o acidente com Anisah Meyer.

Taylor manteve-se imóvel, sem entortar a expressão. Franziu e encarou os olhos azuis de Rutherford, depois os de Rohan, e então encarou a filmadora. Rutherford era veterano o suficiente para conhecer o código dos Dippoli.

— Oh. — Rutherford entendeu. Adiantou-se e desligou a filmadora. Rohan pareceu que reagiria, mas então deu de ombros e suspirou.

— Ok. — Rohan seguiu. — A polícia rumo a direção da propriedade, e duas vans aparentemente carregadas saem às pressas do local.

— Eu não sabia quais policiais seriam encaminhados. — Taylor explicou. — Vocês tem um rodízio de turnos bem instável.

Rutherford aproximou-se de Taylor, um olhar desconfiado no rosto.

— O que tinha nos veículos, Dippoli?

— Equipamento de caça, é claro, o que mais seria? — Taylor abriu um sorriso grande. — O senhor nos conhece, os Dippoli. Inclusive acredito que já fez algumas excursões com o tio Paco, não foi?

— Já faz alguns anos. — Rutherford pareceu sério, mas era como se escondesse um pouco da excitação. — Puta merda. Faz tempo que não falo com o Paco.

— Ele deve estar voltando de Vegas hoje. — Taylor ergueu as sobrancelhas. — Vou falar do senhor pra ele, faz um tempo que ele procura um companheiro para novas caçadas. Eu não vou, pois não sou dessas coisas...

— Você faria isso? — Os olhos de Rutherford brilharam.

— Tá brincando? — Taylor riu. — O prazer é meu.

— Os equipamentos são registrados? — Rohan perguntou sério, não engolindo a conversa dos dois.

— Claro que sim.

— Então por que é que retiraram do local?

— Justamente por isso. — Taylor apontou para Rohan. — Nem todo mundo é receptivo com equipamentos de caça. Minha família já teve... confrontos com homens da lei por muito menos.

Rohan concordou:

— Dois veículos? É tanto equipamento assim?

— Claro que sim...

— Ora Rohan. — Rutherford interrompeu o policial mais novo. — Deixe de ser azedo. Você quer que o Dippoli desenhe pra você entender?

Rohan não reagiu.

— Ele tá fazendo o trabalho dele. — Taylor piscou pra Rutherford, que sorriu. O policial velho era fácil.

— Pode ir então, Dippoli. — Rutherford deu de ombros. — Vou aguardar o contato do seu tio, hein?

— Pode ter certeza. — Taylor acenou. — Ele vai ficar feliz.

Taylor deixou a sala com um Rutherford sorridente. Ele avistou Jimmy no fim do corredor, embora ouviu Rohan o chamando novamente.

Virou-se e encarou o policial mais novo, agora encostado contra o batente da porta da sala de investigação. Rutherford ainda mexia com a papelada lá dentro, o sorrisão colado no rosto.

— Escuta cara. — Taylor suspirou, exausto. — Não tem nada demais naquelas vans...

— Não, não é isso. — Rohan respondeu. O policial pareceu tímido de repente, mas Taylor não mudou de expressão.

— O que foi então?

— Você é amigo do Owen, não é?

— Ah. — Taylor reagiu confuso. — Sim?

— Ele me falou algumas vezes de você. — Rohan admitiu. — Ele foi mesmo para Atlanta?

Taylor engoliu em seco, ressabiado.

— Pode falar. — Rohan deu de ombros, como se entendesse a apreensão de Taylor. — Ele não tá sendo procurado por nada.

— Ele foi.

Rohan apenas concordou.

— Filho da mãe.

— É. — Taylor concordou. — Filho da mãe.

Algo estava escrito no rosto de Rohan, porém Taylor não quis saber mais. Virou-se de volta para o corredor, e então se voltou para o policial mais uma vez.

— Foi o cheiro do gel de cabelo que te lembrou, não foi?

— Oi?

Taylor apontou para Rutherford, e Rohan finalmente pareceu ligar os pontos. Então deu uns tapinhas nos ombros do policial, e virou-se de volta para o corredor.

XXXXX

Ambos andaram em silêncio pelo estacionamento da delegacia até entrarem no carro de Taylor. Jimmy bateu a porta e passou as mãos pelo rosto, como se quisesse acordar de um pesadelo. Tateou pelo carro até encontrar uma garrafa de água, mas estava vazia.

— Estou com sede. Escuta... que merda foi aquela com o policial barbudinho no final?

— Drama. — Taylor fez pouco do assunto. Ligou o veículo e deixaram o recinto.

— E por que demorou tanto tempo?

—Tive que puxar saco do Rutherford.  Eles queriam saber sobre as vans.

— Você contou tudo para eles? — Jimmy arregalou os olhos.

— O que você acha?

Jimmy pareceu espantado, e então se virou. Pôs-se a olhar pela janela.

— Eu tava quase me cagando de ansiedade.

— Você não fez nada de errado. — Taylor fez uma careta. — Menos, Jimmy.

— Só me sinto meio estranho. Eu... Nada.

— O que foi, Jimmy?

— Você vai rir da minha cara.

— Não vou não. — Taylor sussurrou. — Talvez.

— Eu tava no banheiro e vi um corvo no espelho. Sobre uma das cabines.

— Putz. — Taylor fez uma expressão de nojo. — Fedeu tanto assim?

— Não cara. — Jimmy revirou os olhos dramaticamente. — Foi num relance só. Apareceu e sumiu de lá. Acho que tô ficando maluco.

Taylor concordou, e não sentiu vontade de rir. Sentiu o olhar de Jimmy sobre ele, então viu o companheiro dar um soco no ar.

— Eu sabia! — Jimmy comemorou. — Você não riu da minha cara. Você viu algo também.

— Claro que não.

— Eu te conheço, Baby. — Jimmy soltou um sorriso bobo. — Eu sempre sei quando você mente.

— Ah é?

— Claro que sei. Suas pálpebras dão uma tremida e sua pupila dilata. Sua perna começa a subir e descer do nada.

— Você devia parar de assistir CSI. — Taylor riu sem graça, segurando para que a perna parasse de subir e descer. — Sua cabeça já não é aquelas coisas...

— Desembucha, Taylor.

— Ok, mas não é nada. Eu fico tendo uns sonhos estranhos de dirigir numa estrada, fugindo de algo. E isso tem acontecido até antes do acidente no píer, eu só relacionei as coisas. Não tive nenhuma visão. Não ando vendo corvos no banheiro, se é o que quer dizer.

— Talvez você esteja ficando meio maluco também.

— Talvez. — Taylor contemplou aquela linha de pensamento. Sabia muito bem o quanto aqueles últimos dias estavam o perturbando. Sky, então Levi e agora Anisah. — Escuta... achei que você ficaria mais abalado com a morte da Anisah. Você parecia ter tipo de uma afeição por ela. Eu te vi tentando ajuda-la, mais de uma vez.

— Não sei como explicar, mas não sinto nada ainda. — Jimmy pigarreou, o peso da admissão o deixando inquieto. — Acho que a ficha da morte dela não caiu, ou minha sensibilidade diminuiu para zero depois de ver a cabeça daquela garota moída no chão do teatro. Não consigo sentir nada.

— Nem me fale. — Taylor concordou, sentindo exatamente o mesmo.

— Sabe o que achei engraçado? — Jimmy franziu. — Dessa vez você não jogou na minha cara que a Anisah parecia com a Kim.

— Eu achei que nem precisava dizer.

Jimmy encarou Taylor, um pouco abalado.

— Desculpa. — Taylor emendou. Deu uns tapinhas no ombro de Jimmy. — Não vou mais fazer isso, mesmo se a sua próxima namorada for uma cópia robótica da Kim.

Um silêncio perdurou no carro.

— Você não quer que eu agradeça pelas palavras, não é? — Jimmy completou. — Idiota.

— Por nada. — Taylor piscou.

— Acho que você deveria chamar a Kara para conversar. — Jimmy sugeriu. — Ela estava me perguntando sobre você, enquanto estávamos te esperando.

— O que você falou para ela?

— O básico. Metade da sua família é maluca, enquanto a outra metade está morta.

Taylor riu, então deu um soquinho em Jimmy.

— Cuzão.

XXXXX

A água do chuveiro batendo contra o topo da nuca parecia aliviar a pressão dos últimos dias na mente de Taylor. Por vezes durante tarefas simples no correr da última semana, ele revia a corda erguendo o corpo da dançarina, e então atingindo o chão, de novo e de novo, um flashback perverso que ao invés de ser esquecido, parecia ganhar mais detalhes toda vez que voltava.

E então Anisah, naquela manhã. Fechava os olhos e via a garota se engasgando no próprio sangue, ainda tentando entender o que havia acontecido, o ferro atravessado em seu pescoço como uma adaga. E pensar que alguns dias antes, a garota estava fazendo um serviço para sua família. A única coisa que o mantinha firme, era saber que nada daquilo era culpa dele. Ele era só um álibi, um par de olhos a mais testemunhando violentos desfechos.

Como ele gostaria de ter sido apenas testemunha, em alguns desfechos anteriores de sua vida.  Agora observava a água fazendo caminhos incertos nos pelos de seu braço, e só aí percebeu uma mancha de sangue seco na lateral da própria mão, de quando havia se abaixado perto do corpo da garota na bicicleta, uma tentativa estúpida de saber se ainda tinha algo a se fazer. Esfregou a mancha rapidamente e com força até sair, e observou o sangue misturado com a água desaparecendo no vórtice do ralo.

E agora também tinha os policiais. Ele sabia que Rohan e Rutherford não cederiam tão fácil, principalmente o mais novo. Seu tio Paco havia lhe explicado muitas coisas sobre policiais: os mais jovens são muito embaçados. Não tiveram experiência o suficiente para entender que nem sempre seguir a lei permite que o rio corra em seu respectivo leito. E Rohan tinha todas aquelas características: ansioso por mudanças e sedento por promoções. Era com ele que deveria ter cuidado. Sem contar que aparentemente ele conhecia Owen. Era um assunto que Taylor não queria pensar muito.

Então se perguntou o que Lavinia estaria fazendo, e como estaria lidando com as coisas na Dippoli. Ele deixou uma mensagem, porém ela ligou de volta e ele não atendeu.

Ouviu uma batida dupla na porta do banheiro e encolheu-se. Puxou a cortina em sua direção e desligou o aparelho.

— Oi?

— É Amelie, Taylor. — A vó soou do outro lado da porta. — Tá tudo bem? É um horário estranho pra você estar em casa. Você tá com aquela cara.

“Aquela cara”. Taylor engoliu em seco e respirou fundo. Ele queria conversar com a avó, mas seria muita coisa pra atualizar a velha de uma vez só. Secou o rosto e tossiu.

— Tá tudo bem, vó. Só estou gripado.

— Tá bom. Tem xarope no armário perto da geladeira. Não esquece, tá?

— Ok vó.

Ouviu os passos da mulher se afastando e ligou o chuveiro outra vez. Xarope. Remédios. Agora encarou os próprios braços trêmulos, e sentiu as pernas subitamente cansadas.

Do box do chuveiro, encarou o armário do banheiro.

Adderall.

XXXXX

— É a última coisa que eu lembro. — Trent forneceu um sorriso tímido de canto. — Deve ter sido a bebida.

Kara encarou Mina, o olhar tão pesado e intenso que a jovem sentiu-se acuada.

— Você tá brincando, Trent?

— Cadê o Cael? — Trent espiou pelo quarto. — Tá tão quieto aqui. Cadê o meu celular?

Kara continuou encarando Mina.

— Eu não acho que ele está brincando. — Kara sussurrou.

— Eu não tô brincando. — Trent comentou distraidamente. — O que foi?

Trent observou o frasco de soro apoiado num suporte acima de si mesmo. Observou a perfusão na própria veia do pulso.

— Eu bebi tanto assim? Cadê o meu celular?

Kara saiu do quarto repentinamente, enxugando as lágrimas. Sentindo o mundo girando ao redor de si mesma, Mina observou Trent confuso. Abaixou-se calmamente e observou abaixo da cama, e pelo chão do cômodo.

— Eu não sei onde está o seu celular. — Mina deu de ombros, sem saber como começar. Tateou embaixo da cama, enquanto sentia os próprios olhos lacrimejando. — Acho que ficou no cemitério.

— Cemitério? — Trent franziu. — Mina?

A garota levantou-se, atordoada. Mancou em direção à cadeira de visitante, e soltou-se no estofado com um baque.

Trent agarrou o pulso de Mina, e a garota o encarou. Ele tinha os olhos vidrados e cheios de preocupação, de uma maneira que ela havia visto poucas vezes.

— Mina. Diga-me o que aconteceu. Por favor.

 

XXXXX

 

O East Rivers estava calmo naquela tarde, exceto pelo burburinho de alguns clientes mais empolgados. O fluxo de jornalistas que cobriam a tragédia ainda estava posicionado naquela parte da cidade, e os poucos que estavam no restaurante divagavam sobre outras coisas teatralmente, quase como se quisessem esquecer um pouco do inferno que precisavam reportar todos os dias. Os quatro escolheram uma mesa próxima às paredes de vidro, que davam visão para a rua. Mina e Jimmy sentaram-se de frente para Taylor e Kara.

Taylor agora ouvia com atenção o bater de talheres pelo restaurante, enquanto observava a maré furiosa quebrando ao longo da costa, do outro lado da rua. Agora tentava se recuperar da tempestade que Mina havia derrubado em todos ao chegarem ali.  

Mina tinha os olhos vermelhos por chorar com Trent, alguns momentos antes, no hospital. Kara havia derrubado poucas lágrimas, e agora Taylor notava-a lançando olhares distraídos pelas decorações ao longo do restaurante, disfarçando a avalanche que acontecia por trás dos olhos escuros.

Após o banho, Taylor recebeu uma chamada de Kara, avisando que Trent tinha sofrido um incidente num cemitério. Sabe se lá o que ele fazia lá. No fim da chamada, Taylor se descobriu aliviado, pois pelo menos não tinha acontecido outra morte estranha no grupo.

Então pegou o carro, buscou um Jimmy despreparado e correu até o hospital. Ele não se importava que nos últimos dias, sua vida estava girando ao redor daquele grupo. Notou que desde que Owen havia ido embora e o deixado incerto sobre seu próprio futuro, aos poucos, mais e mais coisas de sua vida passavam a perder a autoridade que outrora exerciam nele.

Enquanto aguardava no corredor do hospital, Kara havia saído do quarto de Trent entre lágrimas. Jimmy cutucou Taylor, que correu atrás da garota.

“Kara, o que foi?”

“O Trent!” Kara exclamou, enxugando as lágrimas e respirando fundo. Encostou-se contra uma parede e olhou para o teto. “Ele se esqueceu de tudo... De novo.”

Taylor havia a abraçado.  

Já sabia de uma ou outra coisa sobre problemas de memória, mas não conhecia nada tão específico quanto o de Trent. Kara educou-o no que sabia, e foi o suficiente.

Então Taylor levou-a de volta para o quarto de Trent. Ela entrou ao lado de Mina, e ele sentiu o olhar confuso de Trent em sua direção, exatamente como se nunca tivesse o visto na vida. Ou como se tivesse o visto apenas de relance.

“Os caras do bar?” Trent havia soluçado. “O que eles estão fazendo aqui?”

Taylor acenou para Jimmy, que o seguiu para fora do cômodo e ambos se sentaram nas cadeiras de espera. Ouviram Kara e Mina começando a contar sobre o acidente, então Tess e Cael.

Diferente dos outros dias, Taylor havia imaginado que Trent responderia como da primeira vez que passou pelo luto. Quieto e nervoso, solícito quando necessário, porém quase nunca presente. Talvez tivesse que acompanhar Trent processar tudo novamente em seu tempo, porém finalmente ouviu o rapaz começando a chorar.

Taylor presumiu que embora o consciente de Trent estivesse desorientado, era como se o luto anterior já tinha o poupado de passar novamente pela descrença pungente que mortes inesperadas trazem. E quase como se lesse os pensamentos de Taylor, Jimmy também reagiu ao ouvir o choro do rapaz: balançou a cabeça pra cima e pra baixo e virou-se para o amigo.

“Acho que a ficha caiu dessa vez.”

Taylor não disse nada.

Ficou desconfortável ao ouvir o choro de Trent misturar-se com o de Mina, e perguntou-se se realmente deveria estar ali, mas não teve coragem de dizer nada. Sentia-se em chamas, absorvendo tudo que acontecia no local agora também devido ao uso de Adderall, mas aquele não era seu momento.

Quando Kara e Mina contaram sobre Anisah e Sky, o choro misturou-se com interrogações e exclamações de choque. Alguém trouxe algo para Trent, que no carro, momentos depois, Taylor entendeu que era um sedativo.

Já eram quatro horas da tarde, e foi Jimmy quem sugeriu o East Rivers. Apesar de estar localizado próximo ao Big Natchez, todos decidiram ir. Desceram da caminhonete de Taylor e encararam as faixas de contenção ao redor da área do píer, o vento da maré traiçoeira batendo rígido contra a pele dos quatro.

Assim que entraram e fizeram os pedidos, Mina derrubou outra bomba.

Taylor já sabia um pouco sobre o Spring Break, e principalmente sobre o voo 180. Já tinha lido algo sobre. Repetiu em sua mente a pequena cantiga sobre a lenda que havia ficado em sua cabeça, tinha ouvido pelo menos três vezes num pequeno documentário da TV, chamado Flight 180 to Paris:

“Explosão no céu,

Cinzas ao vento

Cegos pelo féu

Agraciados com o tempo

Os sete clandestinos

Escaparam pela noite

Marcados pelo destino

E tragados pela foice”.

“Tragados pela foice”... Só aí Taylor lembrou-se. Todos os sobreviventes morriam. Ele não podia negar o impacto que a história havia tido nele quando era mais novo, mas agora notava as brechas que a lenda tinha em sua mente.

Como na cantiga, eles morriam em acidentes estranhos e terríveis. Assim como Sky, Levi, e agora Anisah.

Arrepiou-se quando Mina tirou um portfólio sobre tudo o que já havia pesquisado nos últimos dias, corroborando sua teoria macabra. Ela conhecia pelo menos outras dez histórias similares, em que sobreviventes de desastres acabavam morrendo em outros acidentes.

— Taylor?! — Jimmy cutucou-o. — Presta atenção.

— Estou prestando atenção. Você não mencionou isso para Trent, não é?

— Sim. — Mina disse com uma expressão chateada no rosto. — Porém foi antes dele se esquecer de tudo.

— Isso não pode ser verdade. — Kara finalmente quebrou o silêncio. — Todos recebemos uma segunda chance no píer. Só morremos quando nossa hora chegar.

— A questão é essa. — Mina apontou para a pilha de papéis impressos pela mesa. — E se nossa hora tiver chegado?

— Mina. — Kara estalou os lábios. — Eu não acredito que você, justamente VOCÊ, de todas as pessoas, acredita nessa baboseira.

— Diga isso pra Sky então. — Mina respondeu seca. — Pra Anisah.

Taylor viu o fogo por trás dos olhos de Kara. Ela adiantou-se para responder Mina, porém Bruno surgiu do nada com um sorrisão no rosto, e os pedidos do grupo em mãos. Jimmy recolheu a papelada, Bruno espalhou os pratos pela mesa, e notou o clima ao longo do grupo.

— Tá tudo bem? — Encarou Jimmy, e então Taylor.

— Não é da sua conta. — Mina sibilou.

— Ele é nosso conhecido. — Taylor fitou a garota, e voltou-se para Bruno. — Tem algumas coisas acontecendo. Maluquice. Outra hora te conto.

— É foda. — E Bruno desapareceu pelas mesas. — Falou chefe.

Mina levantou-se subitamente, balançando a cabeça.

— Onde você vai? — Kara perguntou.

— Vou pedir desculpas.

Os três observaram a garota indo atrás de Bruno.

— Ela consegue ser meio rude às vezes. — Kara mexeu o suco com uma colherzinha.

— Bom, ninguém aqui tá tendo um dia legal. — Jimmy deu de ombros.

O grupo concordou.

Taylor achou que havia perdido a fome com o portfólio macabro de Mina, mas passou a devorar o sanduíche em poucas mordidas. A garota voltou com uma expressão chateada, passando a comer em silêncio.

Enquanto comia, Taylor teve tempo de pensar. Algumas coisas sobre o píer surgiam em sua mente, e embora a sugestão de que pudesse estar no caminho da morte era aterrorizante, a ideia da lenda estar acontecendo com o grupo ainda não tinha descido muito bem. Sua família era supersticiosa em alguns aspectos, porém envolvia coisas pequenas, fundamentadas em negócios. Nada envolvia espíritos, sombras, vinganças do além e mortes inesperadas.  

— Olha. — Foi Jimmy quem finalmente quebrou o silêncio. — Desde criança eu escuto e leio histórias. Existe um misticismo sobre a cidade, o próprio píer e as águas de Nova Orleans. Eu já ouvi algumas lendas locais sobre fantasmas, assombrações, monstros aquáticos, sobre como os eventos naturais daqui são traiçoeiros. Por exemplo, a própria costa que vemos aqui do restaurante, costumava ser um porto em que navios da Segunda Guerra Mundial atracavam, trazendo más notícias sobre quem estava vivo ou morto. É uma cidade cheia de história. Não podemos pular para conclusões extremas, só porque os acontecimentos nos assustam.

Taylor notou os olhos de Mina hipnotizados pelo discurso inteligente do amigo.

— Eu sei que existe uma seção na biblioteca pública que contém todo um material de pesquisa detalhado sobre Nova Orleans. — Jimmy encarou o próprio relógio. — Fecha às seis da tarde, ainda dá tempo se eu correr. Preciso ocupar a minha mente...

— Você devia levar a Mina contigo. — Taylor sugeriu.

— Vocês acham que devo ir junto? — Mina agarrou o portfólio contra o peito, os olhos brilhando.

— Com certeza. — Kara concordou. — Você já fez boa parte da pesquisa.

— Duas mentes funcionam melhor do que uma. — Jimmy piscou.

— Eu vou. — Mina concordou, confiante. — Porém, tem um problema. Não consegui encontrar o celular de Trent no hospital. Tem gravações importantes sobre o que ele viu, quando previu o acidente. Acho que caiu do bolso dele no cemitério, quando ele passou mal...

— Eu e Taylor, nós vamos encontrar o celular. — Kara completou. — Só me instruir certinho onde você encontrou Trent, que damos um jeito.

Os quatro concordaram com a ideia, e Taylor notou o humor do grupo melhorando. Ele sorriu para Kara, que retribuiu.  

— É bom sermos rápidos. — Mina acrescentou ao beber o último gole do suco. — Talvez um de nós seja o próximo.

 

XXXXX

 

A Biblioteca Pública de Nova Orleans ficava relativamente próxima ao East Rivers, enquanto o St. Louis Cemetery era localizado em outra zona do município. Em cerca de quinze minutos de trajeto, Mina e Jimmy desceram do carro empolgados, enquanto Taylor ligou o carro, rumo ao outro lado da cidade.

— Nerds. — Kara sussurrou, e Taylor riu.

— Eu imaginei que você seria um pouquinho nerd também, cercada por esse pessoal.

— Deus me livre. — Riu, arrumando os cabelos e encarando o reflexo no retrovisor. — Sempre tenho muita coisa acontecendo na minha mente, não preciso de mais drama. Agradeci aos deuses quando você sugeriu que a Mina fosse junto com o Jimmy.

— Eles combinam. Tem dia que o Jimmy consegue me deixar doido também.

— Bom, nós temos dois filhos complicados então.

Taylor riu, subitamente imaginando um cenário em que Kara era sua esposa, e Jimmy e Mina seus filhos. Balançou a cabeça, para que o pensamento dispersasse.

— Então Kara, como se sente na lista da morte?

Ela fez uma careta e deu de ombros.

— Você não é muito sutil ao mudar de assunto, não é, Baby?

Taylor abriu a boca, surpreso com a menção do apelido.

— Uau, você me chamou de Baby. — Piscou. — E sim, zero sutileza ao mudar de assunto. Não sei, sinto-me mais honesto assim.

— É uma boa resposta, aprecio isso.

— Jimmy vive andando em cascas de ovos para falar algumas coisas. — Taylor comentou.  — Acho que algumas coisas da vida dele influenciaram...

— Mina faz isso também. — Kara caiu na risada. — É ótimo ser honesto e direto. É uma boa qualidade, Taylor. Não perca.

Taylor engoliu em seco.

— Então... visto você que não quer responder minha pergunta...

— Eu ainda estou pensando na resposta, Taylor.

— Ok, então eu começo. Não sei se me sinto estranho na lista da morte, pois não sinto diferença alguma de estar vivo.

— Então, por essa lógica, você já está morto? — Kara franziu. — Digamos que essa história de lista da morte é... real? — Riu. — Ok, se você já está morto, e está falando comigo, então eu também estou morta. Eu já vi esse filme antes.

— É que... não sei... — Taylor sentiu-se subitamente exposto, ao pensar na questão a fundo. — Às vezes parece que já morri faz muito tempo. Só estou andando sem rumo, tentando encontrar algo que me faça sentir diferente outra vez... Já se sentiu assim?

— Não muito. — Kara admitiu. — Não me leve a mal, eu sinto que você precisa de um psicólogo, Taylor.

Taylor murchou, envergonhado.

— Eu sei que preciso...

— Estou brincando, bebê. — Kara acariciou o ombro de Taylor. — Na verdade eu sinto o oposto. É como se eu tivesse estado presa por muito tempo, me forçando a adaptar num ambiente que não era meu, e nunca foi. Um dia eu cresci, deixei esse lugar para trás, e desde então tenho me sentido viva. Eu sei que posso não ter feito tudo certo ao longo do caminho, mas estou feliz de estar aqui agora.

Taylor sorriu.

— É uma resposta perfeita.

— É claro que é.

Taylor concordou e seguiu dirigindo. Notou Kara raciocinando ao seu lado, incomodada com o silêncio.

— Posso estar me intrometendo, porém eu acho que você está infeliz com o que você tem em sua vida agora, Taylor. — Kara deu de ombros. — Os seus... demônios, sabe-se lá o que te segura, não te deixam sair do lugar. É clichê, mas clichês só são clichês porque realmente acontecem de verdade.

Taylor sabia muito bem do que ela estava falando. Ele sempre soube o que estava errado em sua vida, porém as circunstâncias atuais agora o faziam encarar nos olhos.  

O veículo finalmente alcançou o cemitério, e ambos desceram do carro. Andando lado a lado, espiaram pelo local. O túmulo não devia estar longe, porém seguiram atentos pelo percurso que Mina descreveu.

— O cemitério não te deixa meio receoso?

— Receoso por quê? — Taylor franziu o cenho. — Morremos, e somos enterrados. Ou incinerados...

Kara deu de ombros.

— Talvez eu seja mais sensível com essas coisas. Você está bem falante e ativo hoje, Taylor. — Ela riu. — Me pergunto o que aconteceu de diferente.

Adderall, Taylor pensou. É o Adderall. Ele sentia a adrenalina borrando seu julgamento.

— Pensa rápido. — Taylor a encarou. — Seu último dia na terra. O que faria?

Kara revirou os olhos, já acostumada com as mudanças repentinas de assunto de Taylor.

— Sei lá. — Sorriu. — Eu gostaria de me reunir com algumas pessoas que me acompanham pela Internet. Elas me ajudaram muito nas fases complicadas de mudança em minha vida, e várias delas eu nunca cheguei a conhecer pessoalmente...

Taylor a encarou, sério e pensativo.

— E talvez... — Kara adicionou. — Eu gostaria de falar algumas coisas para algumas pessoas.

— Eu achei que você era sempre honesta com todos.

— Eu sou, Taylor. — Ela deu de ombros, arrumando os cabelos. — Mas você sabe que nem sempre é assim.

— Eu sei. — Ele concordou. — Sei até demais.

— E você, Taylor? — Ela devolveu. — E se fosse o seu último dia na terra?

— É pra ser honesto ou educado?

— Eu quero sinceridade, Taylor.

— Ok, você pediu, então lá vai. Eu iria transar muito. De todos os jeitos possíveis. Transar com amor, e também com muito ódio, definitivamente uma das melhores modalidades. De ponta-cabeça, de trás pra frente, de ladinho e até torto.

Kara balançou a cabeça e revirou os olhos, rindo com a mão na boca. Encarou Taylor de baixo para cima e olhou nos olhos dele.

— Sabe que também não é uma má ideia?

Taylor sorriu de volta e umedeceu os lábios, sem sequer perceber o gesto. Então parou os olhos num túmulo além de Kara, e fez uma careta.

— Acredita que eu achei um celular?

XXXXX

Mina cobria a narina com um lenço enquanto Jimmy retirava a poeira dentro de um dos arquivos sobre o litoral de Nova Orleans.

Ambos estavam enfiados entre uma seção de livros pouco consultada, nos fundos das estantes do grande prédio da biblioteca. A pesquisa tinha rendido bastante para o lado do sobrenatural e estranho, várias cópias tinham sido feitas sobre coisas que acreditavam não ser tão relevantes, mas nada ainda estava próximo do que Mina havia descoberto sobre o voo 180 e o Spring Break.

Jimmy passou as páginas observando alguns títulos de matérias antigas de jornal sobre a região do Big Natchez, então finalmente uma imagem grande captou a atenção de ambos.

— Uau. — Disseram em uníssono.

Era uma imagem e preto e branco da antiga construção do píer Big Natchez em chamas. Podia-se ver a fumaça subindo ao céu, em parte vindo também de um navio na água.

— De quando é isso? — Mina franziu.

— Fim dos anos 80. — Jimmy consultou. — Consulado americano determinou retirada das últimas tropas americanas do Vietnã.

— Guerra fria?

— Parece que um navio entrou em chamas ao atracar. — Jimmy suspirou. — Meu Deus!

— Que foi?

Jimmy apontou um dos homens na foto, próximos ao fim do píer.

— Ele parece com alguém que a gente conhece?

Mina estreitou os olhos ao encarar a foto. Levou alguns segundos, mas finalmente entendeu.

— Meu Deus.

XXXXX

Ainda cambaleando e embriagado, Daniel finalmente pôs-se de joelhos e vomitou na calçada do Killings, um bar chique e pequeno no centro de Nova Orleans.

Estava tomando alguns drinks quando alguém o reconheceu das reportagens na TV. Convidaram-no para uns goles de whisky, porém sentiu que logo perderam o interesse nele.

Daniel sentiu ódio outra vez. Ódio, pois não sabia segurar a barra com o whisky, e porque aquela era exatamente a sina em sua vida. As pessoas o usavam e então perdiam o interesse quando os truques não funcionavam mais. Era sempre a mesma merda, não importava onde estivesse.

Ele sabia que não merecia aquele tipo de tratamento. Ele era a porra de um sobrevivente. E ele tentou deixar aquilo claro para os amigos novos no Killings, mas então o segurança grande livrou-se dele.

— Vaza daqui, moribundo! — O segurança empurrou-o na sarjeta. — Não aguenta, bebe leite.

Daniel ignorou. Seguiu seu caminho pela calçada, esperando que a sensação estranha passasse. Alguns metros depois, pensou em Angelita.

Sim, ela o ajudaria. Ela era um anjo, assim como o nome sugeria.

Tateou pelo celular, acessou as ligações recentes e apertou o nome da mulher. A ligação caiu na caixa postal no terceiro toque, e Daniel revirou os olhos.

— Angelita meu amor, é o Dan Dan. Sabe que você é muito especial para mim, não é? Não estou bêbado não, ok? Estou feliz. Então, estive pensando, talvez poderíamos nos unir para conversar com alguns jornalistas? Acho que não ouviram a nossa história ainda...

E então parou, ao ver pela vitrine de uma loja de móveis um rosto conhecido na TV. Era a foto de Angelita. Aproximou-se calmamente, para tentar entender o que estava acontecendo.

— Amor? — Sussurrou no telefone. — Você está na TV.

Então entendeu. O programa de Belinda Twine, Médium Days faria um especial com Angelita sobre o acidente no píer. E Daniel não tinha sido sequer avisado ou convidado.

— Cadela! — Berrou no telefone, mas ouviu o som indicando que a gravação da mensagem de voz já tinha acabado. Talvez... ainda tivesse tempo de participar... Precisaria encontrar Belinda Twine...

Mas então sentiu um arrepio que só poderia indicar uma coisa. Virou-se e observou uma sombra ao longe na rua. Os mesmos movimentos de uma figura aterrorizante de seu passado.

Daniel sentiu-se gelar por dentro.

XXXXX

A caminhonete de Taylor estacionou próximo ao meio-fio, e Jimmy e Minas saíram correndo da Biblioteca na direção do veículo.   

— Você não vai acreditar no que achamos. — Jimmy parecia excitado.

— Um bilhete da loteria? — Taylor franziu. — Entrem no carro.

— Encontramos o celular. — Kara ergueu o aparelho.

— Ótimo, obrigada. — Mina pegou o aparelho e desanimou ao ver que pedia senha. — Tem algo aqui que pode nos ajudar...

O celular de Taylor tocou, e ele encarou no visor. Era Lavinia. A sexta chamada naquele mesmo período de tempo.

— Você devia atender. — Jimmy sugeriu. — Ela ligou até pra mim.

— Merda. — Sussurrou baixinho, e atendeu. — Oi mãe.

Precisamos lidar com nossos problemas, Taylor Dippoli Buckingham, porém tenho algo urgente pra te contar. Escuta, você pediu pra alguns dos funcionários estacionarem as vans com o equipamento da chácara atrás dos escritórios da Dippoli? O que você tem na cabeça?

— Eles estacionaram na Dippoli? Eu pedi pra levarem para a outra fazenda...

— Então explique isso ao metidinho do policial Rohan que está indo pra lá agora mesmo averiguar. Trate de resolver, que estou procurando o seu tio.

E Lavinia desligou.

— Merda! — Taylor berrou, macetando contra o volante, uma, duas e três vezes. — Merda!

— Eu acho que devemos ir ao escritório da Dipolli agora, Taylor.

— Oh! — Taylor riu, irônico. — Você acha, é Jimmy?

XXXXX

De volta em Washington, Melanie Watts desfazia as malas, exausta da viagem, e cansada de viver. O quarto gigante e imaculadamente branco deixava-a acuada, mas não seria a primeira vez. Talvez ela tivesse aprendido a viver daquele jeito, e era tarde demais para mudar.

Abriu a segunda mala, e soluçou nervosa ao notar o tecido dourado de lã. Puxou-o e ergueu diante-de si, o cachecol dourado que Levi havia pedido para que ela guardasse para ele.

Sentou-se na cama com o adereço em mãos, e cheirou-o. Tinha a essência própria do tecido, e então o leve aroma da fragrância de Levi. Se forçasse o tecido contra suas narinas, podia sentir um pouquinho também do perfume da chácara da família Sunderland.

Ou talvez estivesse se perdendo nas linhas do luto. Sua terapeuta a havia avisado daquilo.

Respirou fundo, evitando chorar outra vez. Pegou o celular na cama, desceu a agenda até o fim e desbloqueou uma série de números escondidos.

Então caçou no bolso uma anotação que havia feito de última hora. Desdobrou o papel, decorou o nome e então amassou e arremessou no lixo. Acertou a lata em cheio.

— Landers? — Melanie fungou, ainda rouca no telefone. — É June.

— Sim, June.

— Eu quero tudo o que vocês têm sobre Trent Hathale Landon. — Disparou sem gaguejar. — E é pra hoje.

— Pode deixar, madame.

 

XXXXX

 

A caminhonete de Taylor virou na direção da rua do escritório Dippoli, e os quatro no veículo observaram as luzes azuis e vermelhas dos dois carros de polícia passando pelo quarteirão. As duas vans estavam próximas e estacionadas perto da portaria, a uns 15 metros de distância uma da outra.

— O que tem nessas vans? — Jimmy soou confuso.

— Equipamentos de caça e pesca. — Taylor balançou a cabeça, estressado. — É coisa cara.

— Mas e daí, Taylor? — Jimmy franziu. — Vocês tem dinheiro, são só equipamentos...

— O problema é que nada daquilo foi usado em caça e pesca.

Jimmy franziu pensativo, enquanto Mina e Kara trocavam um olhar confuso.

— Do que vocês estão falando? — Kara perguntou. — O que está acontecendo, Taylor?

— É uma longa história. — Revirou os olhos. — Puta merda.

Ao se aproximarem dos carros de polícia, Taylor notou que ambas as vans já tinham sido abertas, e os policiais vasculhavam pelas ferramentas. Algumas já estavam sendo retiradas e colocadas em envelopes de evidência. Merda.

Estacionou a caminhonete e correu na direção do grupo de policiais, observando Rohan liderando a operação.

— O que tá acontecendo aqui? — Taylor perguntou, sendo seguido de Jimmy, Mina e Kara. — Vocês não têm permissão para revirar as nossas coisas!

— Já estava arrombado. — Rohan piscou. — Tem mais sangue do que deveria nesses equipamentos de caça e pesca. Resolvermos dar uma olhada.

— Tem sangue porque os equipamentos foram utilizados antes. — Taylor explicou, sentindo o sangue ferver. — Temos toda a documentação legal sobre isso.

— Ah essa eu vou querer ver.

Taylor revirou os olhos enquanto passava a enviar mensagens para Lavinia e Paco.

— Cara, você acha que eles vão te prender? — Jimmy parecia muito sério.

— Não, tem alguma coisa errada, é ilegal o que estão fazendo. — Taylor respirou fundo. — E ninguém iria arrombar as vans aqui na frente da Dippoli, minha família conhece as gangues locais.

— Gente. — Kara surgiu preocupada. — Do que vocês estão falando?

Jimmy passou a explicar algo para Kara, enquanto Taylor voltou-se para Rohan.

— Onde está Rutherford, seu parceiro?

— Rutherford está enchendo o cu em algum lugar. — Rohan deu de ombros, os olhos brilhando ao ver mais objetos sendo retirados das vans. — Ele me aconselhou a deixar de lado, mas não me conhece.

— Olha, eu tô tentando ser racional aqui. — Taylor argumentou. — A sua caçada não vai dar certo.

— Está me ameaçando, Dippoli? — Rohan encarou Taylor de cima a baixo. — É engraçado que aparentemente todo o batalhão de polícia tem medo da sua família. Pergunto-me o motivo.

— Cara, isso vai muito além de nós dois. Você não tem ideia.

— Então me explique. — Rohan deu de ombros. — Ou dê o fora daqui, antes que eu te prenda por desacato.

Um policial retirou uma corrente ensanguentada das caixas das vans e Taylor sentiu o sangue esfriar.

— Eu me pergunto de que... animal, esse sangue pertence. — Rohan caiu na risada. — Não precisa responder, Dippoli. Nossa perícia vai nos dar essa resposta.

Taylor espiou entre as vans. Inúmeras armas, ferramentas, instrumentos, correntes, cordas, ganchos, anzóis, varas de pescar, armadilhas novas e antigas, algumas ensanguentadas, outras enferrujando. Ele não sabia exatamente o que acontecia nos arredores da chácara, mas sabia que a parte mais pesada da família usava as ferramentas nas vans para tirar informações de quem fosse preciso.

Assim que Trent chamou a emergência e a polícia, Taylor teve que fazer milagre para que alguns membros da família aparecessem na chácara e tirassem as vans a tempo. Quase conseguiram, porém no último minuto possível os policiais chegaram e viram as vans deixando o local. Taylor pediu para que levassem as vans para longe dali, porém deixaram-nas perto da Dippoli. Idiotas.

Então o celular de Taylor vibrou e ele encarou. Uma ligação de Paco.

— Tio?

Baby, meu querido. — A voz fria do homem arrepiou Taylor por inteiro. — Como está?

— Tio. — Taylor suspirou. — O combinado com os motoristas era de levar as vans para Northern Ridge. Eu não tenho ideia de porque estarem aqui.

Ah meu caro, mas eu tenho. — Paco caiu na risada do outro lado da linha. Taylor sentiu o suor escorrendo nas têmporas. — Me diz uma coisa, o tal do Rohan está aí próximo das vans?

— Tio. O que está acontecendo?

— Está ou não está?

Taylor ficou mudo.

Acho que isso responde a minha pergunta. — Paco soou seco. — Agora me escute, pois é a coisa mais séria que irei dizer na vida, quero que saia daí imediatamente. Você tem quinze segundos.

— Tio? O que isso quer dizer?

Porém o homem desligou. Taylor refletiu sobre as palavras, e então encarou as vans.

— Porra.

A primeira van que estava a quinze metros de distância explodiu numa bola de fogo, violentamente arremessando destroços e ferramentas pelo ar. Surdo e desorientado, Taylor observou as portas do veículo rodopiando pelo ar, e então se tocou da mensagem do tio.

Ainda tinha uma segunda van, que estava próxima a ele. As pernas tremendo e chocado, virou-se para cruzar a rua e fugir o mais rápido que podia, e então olhou na direção de sua caminhonete, no instante em que Mina e Kara se escondiam atrás do veículo em busca de proteção.

Porém Jimmy não estava com elas. Virou-se e viu Jimmy, que estava próximo a sua van.

A adrenalina no ápice devido ao Adderall, Taylor correu e arremessou-se na direção do amigo quando o segundo veículo explodiu. Sentiu as labaredas e a pressão do ar rodopiando por suas costas assim que derrubou o amigo em choque no chão, ao mesmo tempo em que notou um emaranhado de ferramentas e destroços da van voar sobre ambos, exatamente na direção em que Jimmy estava.

Era para Jimmy estar morto.

Ainda caído sobre o amigo, a audição de Taylor começou a voltar com baques secos em seu crânio. Tum. Tum. Tum. Tum. Notou os destroços e ferramentas em chamas ao longo da rua, ouviu gritos de outros policiais, e sentiu-se acabado.

Então notou Jimmy aos berros. O amigo gesticulou e ergueu o braço direito no ar, e Taylor engoliu em seco. Os destroços ainda tinham atingido a mão do amigo, dilacerando parte da carne e arrancando três dedos de uma só vez. O amigo balançava o braço de um lado para o outro, e sangue espirrava em propulsão. Ainda mancando e em choque, Taylor ergueu um Jimmy desesperado e correu na direção de sua caminhonete.

Mina já estava no banco do motorista, enquanto Kara estava no banco do passageiro. Taylor arremessou um Jimmy aos berros no banco traseiro e fechou a porta.

— Vai para o Hospital St. Marie! — Taylor berrou. — Eu vou guiando. Vira a esquerda ali na esquina!

Kara encarou a mão dilacerada de Jimmy, aterrorizada.  

Taylor rasgou a própria camiseta e enrolou ao redor do pulso de Jimmy. O tecido ficou vermelho imediatamente, e o sangue passou a espirrar através do pano. Taylor arrancou a jaqueta e rasgou mais da própria camiseta.

— Está acontecendo! — Mina exclamou nervosa, dirigindo atentamente procurando o hospital. — Seja o que for, está nos perseguindo! Meu Deus! Jimmy era o próximo!

— Mas Taylor salvou Jimmy! — Kara devolveu.

— Jimmy. —Taylor começou a estapear o rosto do amigo, que começou a fechar os olhos. — Jimmy! Jimmy! Fica acordado.

Em lágrimas, Taylor sentiu que o pior poderia acontecer. Jimmy morreria em seus braços.

— Jimmy! — Taylor encarou o lado de fora. — Mina, vira à esquerda agora, depois à direita e segue reto. — Jimmy, não vai morrer agora! Não agora!

— Taylor. — Jimmy sussurrou. — Taylor, preciso dormir...

— Não! Não agora! — Taylor sentiu o desespero tomando conta de si mesmo. — Você precisa ficar firme. Preciso te contar algumas coisas. Me escuta. Conversa comigo.

— Fala Baby. — Jimmy suspirou, exausto.

— A noite do acidente. À noite em que Kim morreu. — Taylor suspirou, as lágrimas caindo. Pressionou os panos contra o ferimento de Jimmy. — Me escuta.

— Eu tô te ouvindo.

— Me perdoa, mas a culpa é minha, Jimmy. A culpa é minha.

Jimmy arregalou os olhos, agora incapaz de dormir novamente. Em choque, passou a chorar também.

— Do que você tá falando, porra? Por que você tá falando isso agora?

— Pra você ficar acordado, e bravo comigo. Kim só usou drogas, pois fui eu quem forneceu! Ela não queria, mas eu convenci todo mundo...

— Como assim? — Jimmy cuspiu. — Kim nunca usava drogas!

— Por que você acha que ela perdeu o controle do veículo?

Jimmy encarou-o de cima a baixo, os lábios tremendo enquanto as peças encaixavam em sua cabeça.

Taylor observou o amigo ensanguentado, sem saber o que dizer. Jimmy fez uma careta ao sentir uma fisgada de dor, mas Taylor podia jurar que nunca tinha visto o amigo tão ciente do que estava acontecendo.

— Filho da puta. — Jimmy soou seco, gelado por dentro, enquanto mirava os olhos do amigo.

Fitou Taylor do mesmo jeito que fazia quando tentava descobrir se o amigo estava inventando alguma coisa, e então respirou fundo.

— Uau Taylor. — Jimmy sussurrou, magoado. — Você não tá mentindo.


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Notas finais do capítulo

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