Deathlines escrita por PW, VinnieCamargo, MV


Capítulo 1
Capítulo 01: Adrift (Parte I)


Notas iniciais do capítulo

Capítulo contendo as introduções dos personagens. Escrito por todos os escritores.



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Nova Orleans, capital da Louisiana, é um caldeirão multicultural, uma mistura de influências de povos que se fixaram ou passaram por lá: europeus, caribenhos, africanos. Uma cidade única no mundo, para todos os gostos. Se procura por boa culinária, lá é o lugar. Se gosta de música de qualidade, NOLA (como é carinhosamente chamada) também vai te recepcionar com alegria. Está a procura de festas? A vida noturna intensa do French Quarter e o Mardi Gras te esperam de braços abertos. Agora se você se interessa por passeios mais alternativos, é bom saber que ela é a cidade mais assombrada dos…

 

As folhas do guia turístico foram balançadas pela brisa produzida pelo ventilador do quarto, fazendo o guia abrir em outra página, completamente aleatória, em que a foto de uma moça podia ser vista.

 

Suposta fotografia de Marie Laveau, a rainha do voodoo de Nova Orleans. O cemitério onde dizem que ela está enterrada é um dos principais pontos…

 

Sem perceber a página em que o guia estava aberto, Trent fechou o folheto e colocou no bolso da frente da mochila.

 

XXXXX

 

Taylor acordou no escuro com um zumbido no ouvido esquerdo, um resíduo contínuo do pesadelo que estava tendo nos últimos dias.

Em seu subconsciente, dirigia por uma estrada escura e sinuosa, cercada por pinheiros e eucaliptos, e por vezes era surpreendido ao ver mansões de relance naquela mesma sequência enevoada. Os casarões surgiam num flash, e antes que Taylor pudesse dar conta dos detalhes, eles sumiam no retrovisor.

Taylor por vezes olhava para trás, fugindo de algo que não tinha certeza do que era, embora soubesse que deveria continuar sua fuga. Em alguns dos episódios noturnos, Taylor percebia que estava ciente de que estava no sonho, e conseguia notar um detalhe adicional, fosse ao carro, na estrada, no céu; porém tudo sempre acabava mudando. Em outras noites (que Taylor deduziu que eram as que estava mais cansado), ele se via desorientado, como se tivesse caído de bandeja pela primeira vez naquela perseguição implacável. Talvez fosse um resíduo das histórias que tinha conhecido ao longo da vida, porém Taylor não era tanto de tentar extrair um significado adicional da coisa. Porém a repetição do pesadelo formava um padrão, e disso ele entendia.

De fato, aquilo estava acontecendo mais do que devia nas últimas semanas, porém ele deduziu que era apenas mais um efeito colateral do Adderall. O pesadelo terminava com uma parede de luz e poeira aproximando-se do carro, vindo de todas as direções, acompanhado de um zumbido agudo num volume ensurdecedor.

— Outro pesadelo, Baby?

Ainda na cama e parcialmente coberto pelo lençol, Taylor esticou o braço e alcançou um bloco de anotações e um lápis sobre o criado-mudo. Ele posicionou o objeto num feixe do led da luz do carregador do celular, e então anotou a data e rabiscou: “água?” numa folha nova, ignorando o conteúdo rabiscado das folhas anteriores. Dessa vez ele tinha visto água na parede de luz e poeira.

— Água? Essa é nova.

— É o que eu vi. — Taylor comentou, e então voltou a escrever no bloco com um salto, como se tivesse se esquecendo de algo importante. — E corda. Tinha uma corda no painel do carro.

— Você é estranho. — Owen concordou com um meio sorriso. — O homem alcançou algo na estante ao lado enquanto Taylor ria, encarando o teto. — É um fofo, mas tão estranho.

— Você acordou cedo. — Taylor sussurrou, encarando o relógio. Seis e meia da manhã. A visão do homem agora começava a discernir os objetos pelas sombras, ao longo do quarto. Uma mesa sendo usada de escritório, pilhas de roupas e diversas caixas espalhadas pelo chão. — Incomum.

— Estou preocupado com a mudança. — Owen sussurrou, mas Taylor já sabia daquilo.

O dono do quarto acendeu um cigarro com um isqueiro e Taylor o encarou.

— Você não vai fumar isso comigo agora, não é?

— Bom, é a porra do meu quarto.

Taylor deu de ombros.

— Você que sabe então.

— Eu não ligo quando você usa esses comprimidos.

— Eu estou parando.

— Aham. Nunca sei direito quando é você de verdade, ou você alterado.

— Eu sempre sou eu de verdade.

Taylor sentou-se na cama, sentindo-se estranho demais com outras variáveis para se importar com aquilo. Sabia que nenhum dos dois precisava justificar nada, aquele tinha sido o combinado desde o início.  

— É meu último dia aqui. — Owen explicou pacientemente. — Eu só...

Taylor o encarou e sorriu.

— Tudo bem.

— Você deveria vir comigo pra Atlanta. — Owen pareceu empolgado com a ideia por um instante, e aquilo quebrou o coração de Taylor por diferentes motivos. Ele encarou Owen sério, como se ambos soubessem a resposta.

— Sim, a sua família. — Owen revirou os olhos. — Eles vão se virar bem sem você.

— Não, eles não vão. — Taylor puxou os cabelos para trás, se preparando para levantar-se, ciente de que Owen o acompanhava com os olhos. — Não vão.

— Bom, meu voo parte às uma. Todo mundo está vindo pra cá por causa do festival, então tem assento sobrando com certeza. Você tem até meia-noite para voltar aqui.

— Eu pareço a Cinderela por acaso?

— Depende.

Taylor riu. Levantou-se e andou até o banheiro. Sumiu por alguns segundos no interior do cômodo, e então apareceu no batente da porta.

— É sério. Não espere por mim.

XXXXX

De banho tomado e cabelo penteado, de carro observou as ruas enfeitadas para o Mardi Gras de Nova Orleans. Caveiras coloridas, pessoas andando rápido pela rua com sacolas de materiais de decoração, Taylor já tinha visto aquilo muitas vezes.

No caminho para a Dippoli, a sugestão de Owen se tornava menos e menos assustadora para Taylor. Aquilo era de certa forma uma oportunidade para ele deixar tudo para trás. Sua avó, Amelie, costumava dizer que às vezes portas surgiam em estranhos lugares, e talvez aquele fosse um dos momentos. Porém ao mesmo tempo, Taylor não tinha nenhum plano, e aquilo o aterrorizava.

Talvez os pesadelos fossem uma maneira de fazê-lo ver que a parede de luz e poeira (e agora água também) que se aproximava quase todas as noites, era o próprio destino fechando as garras ao redor dele. E que se ele se permitisse ficar, as garras fechariam ainda mais, e eventualmente ele ficaria preso para sempre naquele lugar que, no fundo, ainda não sabia direito se pertencia ou não.

O segurança dos fundos da Dippoli acenou para Taylor enquanto sussurrava “Baby” no comunicador, e o rapaz cumprimentou-o. Eram sete e quatro da manhã, e ele estava quatro minutos atrasado. Entrou na grande garagem comercial e correu.

Dois minutos após entrar em seu escritório, sua chefe entrou e despejou uma pilha de papéis em sua mesa. Taylor era alto, porém Lavinia ficava poucos centímetros abaixo, os olhos e cabelos escuros reluzindo na iluminação do cômodo. Encarou-o olhos nos olhos.

— Você tá maluco, Taylor?

Taylor deu de ombros.

— Seis minutos atrasado. É a porra do Mardi Gras, um dos maiores públicos do ano, e você chega atrasado. — Lavinia adquiriu o mesmo tom passivo-agressivo de sempre. — Eu sinto que não preciso frisar a importância da data, muito menos com você.

— Me desculpa. Não vai se repetir.

— Você transferiu o combinado pro rapaz do computador? — Lavinia mediu as palavras com os olhos duros em Taylor. — Você sabe que essa gente hoje em dia só faz esses serviços depois de receber.

— Não sabemos se é um rapaz ou uma moça. — Taylor franziu. — Pode também ser não-...

— E vai começar a me pentelhar com essa ladainha agora?

— Fiz a transferência ontem. Como combinado.

Lavinia concordou e deixou a sala. Voltou então um segundo depois, um sorriso murcho no rosto.

— Você não dormiu em casa hoje, Baby? Eu ia te dar uma carona.

— Não. Eu avisei ontem...

— Acho que esqueci, tanta coisa na cabeça. — Ela sorriu e então ficou pensativa. — Você tem algo pra me contar, Baby? Eu te conheço.

Taylor pensou na proposta de Owen. Pensou no aperto que sentia em seu coração, toda vez que tinha o pesadelo. Pensou na transferência de dinheiro que tinha feito para o além na noite anterior, e em tudo que poderia acontecer caso ele não estivesse ali. Pensou no sangue escorrendo na calçada.

— Não, mãe.

Lavinia sorriu, fingindo que havia acreditado, Taylor a conhecia. E então deixou a sala.

Ele ainda teria um dia longo.

XXXXX

Dentro de algumas semanas, completariam seis anos que Kim estava morta. Nos últimos três anos, aquele período sombrio do começo do semestre tinha finalmente começado a perder a influência em Jimmy, mas ele ainda sentia. Ele tinha superado muitas escaladas, abraçado outros hábitos, mas por vezes ainda sentia uma corda invisível ao redor de seu pescoço.

Jimmy se lembrava dos noticiários dramáticos, a legenda “Tragédia na Mulholand Dr”, enquanto imagens da banda ainda no início da carreira passavam num slide. Apesar das circunstâncias, ciente de que Kim e Dave estavam ensacados em pedaços no necrotério alguns andares abaixo, Jimmy havia rido. Deus, ele tinha rido.

Quem editou a reportagem na época, obviamente preferira escolher as imagens em que os membros da Syndrome pareciam sóbrios, ou não estavam dando o dedo para o fotógrafo, então as fotos continham os integrantes da banda com um ar misterioso, aleatoriamente encarando algum canto, pegos por algum feixe de luz colorida da casa de shows.

Se existia uma coisa que Jimmy sentia falta todos os dias sobre Kim, era que estar junto dela preenchia os seus dias do início ao fim. Ela sabia como viver em parceria, como trabalhar em equipe, sabia manter cada um dos integrantes da banda ocupados, e tê-la tirada de si foi como ter o feed de um microfone repentinamente desligado da caixa de som: tudo o que você passa a ouvir são os instrumentos, ainda ligados, porém incapazes de substituir as melodias que um dia pertenceram à voz de alguém.

Perder Kim deixou-o sozinho em sua mente, e só aí Jimmy percebeu um grande equívoco que tinha cultivado sobre si mesmo. Ele não era bom em ficar sozinho, ele só era bom em ficar sozinho enquanto ao lado de Kim.  E aquilo machucava. E toda vez que pensava naquilo, doía mais um pouco.

Na frente do espelho, Jimmy sentiu-se muito triste outra vez, mas não chorou. Não era a primeira vez que tinha aqueles pensamentos. O dia estava escurecendo já, e ajeitou a gola da camisa social e passou a mão nos cabelos pela décima vez. Sabia que estava bonito. Afastou-se do espelho e passou a fazer poses, então a porta se abriu e Rosie entrou como um furacão.

— Mãe! — Jimmy encarou. — Eu poderia estar pelado!

— Nada que eu nunca tenha visto. — Rosie jogou um pano de prato nos ombros, encarou o filho dos pés a cabeça e esfregou as mãos com um sorriso. — Você está tão bonito, meu filho. É aquele encontro, né?

— Sim mãe.

Jimmy encarou Rosie com uma expressão séria, mas quebrou num sorriso tímido. Ela tinha as bochechas vermelhas e o rosto quadrado como o filho, porém os cabelos eram escuros e encaracolados. O rosto sereno tinha algumas linhas de expressão, que lentamente passavam a surgir no filho também.

Ele até tinha um apartamento no centro da cidade, que dividia com outros três amigos jornalistas, porém nas últimas semanas tinha passado mais tempo em casa com a família.

— Posso ver a foto dela?

— Mãe, é só um encontro. Nada demais.

— Tá bom. — Ela fez uma careta. — Mas leve o spray de pimenta. Nunca se sabe.

— MÃE.

Rosie já tinha saído do quarto, mas Jimmy pegou o celular e encarou a foto. Embora não concordasse, sabia exatamente o que ela iria dizer, a mesma coisa que seus roommates haviam dito.

A garota do Tinder parecia com Kim.

XXXXX

Os olhos extremamente azuis travados na entrevistadora, Levi Sunderland molhou os lábios, e percebeu o próprio sorriso surtindo o efeito que desejava no rosto da mulher. Contudo, não era ela que precisava ser convencida de qualquer coisa.

— Senhor Sunderland, qual é o seu posicionamento sobre as últimas denúncias de lavagem de dinheiro? Diversas contas de sua família têm aparecido em extratos bancários...

— Eu tenho uma família grande, Sra. Watts. Você por acaso viu o meu nome nos documentos?

— Não. — Watts gaguejou, pega de surpresa. — Mas sua família...

— Próxima pergunta.  

— Ok. — Ela seguiu. — Como assessor do homem mais poderoso do mundo, qual foi a reação dele ao ouvir sobre esses...

— Você devia fazer essa pergunta para ele, não é?

— Eu fiz. — Ela piscou e ergueu as sobrancelhas sugestivamente. — Como se sente namorando a filha do presidente?

— O homem mais sortudo do mundo.

— Fofo, se saiu bem. — Melanie Watts riu, arremessando o controle remoto (que usava como microfone) no sofá em frente à cama de casal. Ele vestia apenas os shorts de dormir, enquanto ela estava de pijama e cabelo amarrado, os olhos azuis casualmente pairando sobre detalhes do novo cômodo.

O apartamento de Levi era espaçoso e aconchegante, e os poucos móveis mal alteravam o aspecto visual das paredes impecavelmente brancas. Ambos tiveram que esperar dois meses até que o imóvel estivesse pronto. A residência principal do casal ainda seria em Washington, porém desde o início do relacionamento, Levi tinha deixado claro que assim que tivesse um mínimo de estabilidade, iria comprar um imóvel perto de casa.

Melanie não era exatamente fã de Nova Orleans. Nascida e criada em Washington, tinha se acostumado com um palácio atrás do outro, residindo ou acompanhando seu pai, Ronald Watts, que agora presidia o país do outro canto do mapa. Porém naqueles últimos meses, ela só tinha olhos para Levi.

E Levi tinha notado. Sentia como se ela soubesse do anel de noivado que escondia em uma de suas bagagens. Sentia até como se ela soubesse demais.

Ela voltou ansiosa ao Kindle, o leitor de livros em seu colo. Desde que haviam desembarcado de Washington, ela só largou o aparelho durante um jantar com a família Sunderland.

— O que você tá lendo?

— A biografia da Michelle Obama. — Respondeu, sem tirar os olhos do aparelho. — Ela é muito bajuladora, sabe, chega a ser um nojo tem hora, mas você devia ler também. Eu gosto dela.

— Bom. — Levi riu. — Não diga isso para a mídia.

— Isso poderia ser bom pra gente, na verdade. — Ela deu de ombros, o encarando. — Lembra quando eu segui a Cher no Twitter e saí no Buzzfeed?

— Sim, você ganhou muitos seguidores. Pode ser uma boa mesmo.

— Você me subestima às vezes.

— Eu nunca subestimo você.

Melanie franziu e voltou à leitura, enquanto Levi afundou-se na memória para buscar todas as vezes que a subestimou.

— Foi no jantar com os meus pais?

— O quê?

— Que eu te subestimei...

Melanie o encarou e quebrou num sorriso simpático. Suspirou e voltou a ler o livro.

— Então me avise na próxima vez que eu fizer isso.

Ela concordou. Ainda lendo, ergueu o braço e fez um cafuné em Levi, que se esticou nos lençóis, pensativo.

— Nós gostamos do pessoal que vamos ver amanhã no píer?

Melanie o encarou e desligou o Kindle.

— Esqueci que você estava lendo...

— Tudo bem. — Ela deu de ombros e estalou os braços. — Temos que praticar de qualquer jeito. Temos a prefeita, dois senadores e um vereador. A prefeita, Theresa Kaulfuss, ama o seu pai.

— Claro que ama os Sunderland. — Levi gesticulou esfregando o dedo indicador no polegar. — São bons amigos.

— De acordo com o relatório da Nina... — Melanie continuou, frisando a cadência do nome da assistente de Levi. — Theresa tem feito um belo trabalho na reconstrução das paróquias locais, então é só mostrarmos que somos belos devotos cristãos e tradicionais, tá bom?

— Amém.

— Amém. — Ela o encarou. — Vamos rezar pra Nina estar certa dessa vez.  

Levi achou melhor não responder.

— Jonas Olivier. — Melanie desviou o olhar e bocejou. — Senador do estado de Louisiana. Ele é um dos principais representantes do estado sobre a Segunda Emenda.

— O maluco da AK-47.

— O maluco da AK-47 no Senado. — Melanie concordou.

— Inclusive ele gosta desse apelido. — Levi apontou. — Mencione uma vez ou outra.

— Sim senhor. A outra, Patricia Clark, é uma senadora de Houston...

— Deixa comigo, eu estudei essa. — Levi pigarreou. — É amiga próxima do Jonas Olivier, conhecida como a trituradora. Entrou com uma série de projetos de lei, visando diminuir gastos públicos...

— É a mulher dos gays.

— Sim. — Levi continuou. — Num vídeo que foi bastante divulgado e criticado recentemente, Clark disse que “os LGBTQs não precisam de direitos próprios, pois são apenas seres humanos, como todo o resto”. Talvez possamos fazer umas piadas sobre isso, ela fez umas na TV aquele dia... Meu pai riu a manhã inteira.

— Você faz a piada então. — Melanie piscou. — E por último... Rodrigo Brandão...

— Vereador de Nova Orleans. Ele é do nosso lado, basicamente. É inteligente, rápido, porém tome cuidado com o que você fala. Dizem que ele anda com um gravador na pochete, caso precise manipular alguém por algum diálogo depois.

— São esses os quatro de amanhã. Você vai amaciar o ego deles, por mais que odeie isso. — Melanie o encarou com um sorriso de canto. — Pense no futuro.

— Quatro lunáticos.

— Quatro lunáticos, e a gente ama eles. — Melanie piscou. — A... Nina vai estar no carro, nos mantendo informados, e o Bill e o Francis vão estar perto.

Levi revirou os olhos.

— Realmente precisamos dos seguranças? — Levi bufou. — A gente já entra nos locais trazendo uma impressão de impessoalidade.

— Você não sabe? — Melanie fez uma expressão dramática. — Eu sou a filha do presidente. Todo mundo quer me sequestrar.

— Eu estou feliz que sequestrei seu coração.

Melanie fez uma expressão de pena:

— Oh querido, eu sabia que você viria com uma dessas.

— Pelo menos o seu pai não é o Liam Neeson.

Ela riu e pegou o Kindle novamente, enquanto Levi encarou a parede branca e vazia na frente de ambos.

— Você acha que devíamos comprar uma AK-47 e pendurar na parede?

Ela deu um tapa em Levi, beijou-o no rosto e ligou o leitor de livros.

— De jeito nenhum.

XXXXX

Jimmy bebeu a cerveja, sentado na banqueta próxima ao balcão do East Rivers, os cotovelos apoiados contra o mármore. O bar e restaurante era uma construção esplêndida no litoral da cidade, com salão de jogos, áreas para eventos e pista de dança. As paredes eram de vidro e madeira, e tudo ali parecia triste demais para o momento de Jimmy, que tinha a camisa social parcialmente desabotoada, e os cabelos bagunçados.

O garçom aproximou-se com um pano de secar nos ombros e encarou Jimmy, que assistia a TV numa das paredes, exibindo um slide de um cardápio pré-programado do restaurante.

— Bruno, só passa isso na TV? — Jimmy soluçou, e então fez uma expressão de surpresa. Ele não ficava bêbado com cerveja já fazia uma eternidade, mas sua timidez diminuía naturalmente com o álcool. — Foto de prato? Que porcaria de programação.

Bruno lançou um olhar pelo bar e virou-se de volta pra Jimmy.

— Quer que eu coloque em algum canal específico para você?

— Você é legal, Bruno. Não, obrigado, eu já tô atualizado em todas as minhas séries. Só Supernatural que ficou uma merda nessa última temporada

O homem desapareceu por trás de algumas estantes e então virou algumas garrafas num copinho pequeno. Colocou-o na frente de Jimmy, que o encarou muito confuso.

— Que é isso?

— É o blow out drink. — Bruno piscou para Jimmy. — É por conta da casa. É um drink pra quem levou bolo.

Jimmy pensou sobre aquilo por um tempo e então ergueu o drink no ar com um sorriso. O garçom sorriu e foi atender outro cliente.

O jornalista provou do drink – era azedo e forte, porém quanto mais erguia o copo, mais o doce de morango no fundo descia na boca. Era bom de virar de uma vez só.

— Bom, parece que alguém furou contigo.

Jimmy ergueu os olhos, e Taylor Dippoli surgiu ao seu lado, o encarando com um sorriso. Vestia uma calça jeans surrada e uma camiseta preta, com uma garrafa de cerveja na mão. Sentou-se na banqueta ao lado de Jimmy.

— Baby, Baby... Como é que você sabe disso, hein?

— O drink. — Taylor apontou para o copo de Jimmy. — Já precisei dele também. Eu sinto muito pelo seu encontro.

Jimmy concordou. Ele fuçou na tela do celular até encontrar o aplicativo, e então deslizou o aparelho pelo mármore da bancada, até Taylor perceber e observar a foto da garota.

— Aqui a morena. — Jimmy suspirou.

Era Janet o nome dela. Taylor encarou a foto, e por um segundo Jimmy notou na reação do outro um resquício de pena, algo que já tinha visto antes.

— Vai me dizer que também acha ela parecida com a Kim?

Taylor o encarou, mas não disse nada. Não era preciso.

— Ela deu algum motivo para não aparecer?

— Não. — Jimmy concordou, cabisbaixo. — Talvez jogou meu nome no Google e viu a peça.

— Ela que saiu perdendo. — Taylor piscou e sorriu, e Jimmy retribuiu. Focou no rosto do amigo e franziu.

— E você, o que anda fazendo aqui, Baby Jane? Não pense que não reparei nesses olhos vermelhos. Andou chorando é?

Taylor ignorou e encarou o relógio acima de uma das estantes de bebidas. Eram duas da manhã. Virou-se de costas para o balcão e passou a observar as pessoas no bar. Jimmy notou o amigo ansioso, com o olhar de quem tentava tirar algo da cabeça.

— Fui dar adeus a um amigo no aeroporto.

Havia algo de receoso no tom de voz de Taylor. Poderia passar imperceptível para outros, porém não para Jimmy. Talvez fosse porque estava acostumado em entrevistar os outros, ou porque simplesmente conhecia o amigo.

— Adeus a um amigo?

Taylor o encarou, e Jimmy então soube mais ou menos do que ele estava falando. Assoviou num suspiro e balançou a cabeça.

— Foda.

— Foda.

Ambos bateram as bebidas no ar.

— Ei cara. Eu tenho um evento de umas bandas pra cobrir amanhã de tarde no píer aqui perto. Se meu encontro com Janet tivesse dado certo eu faria o convite para ela, mas não deu...

— Você quer me convidar pra ser o seu date, é isso?

— Eu não queria perguntar desse jeito.

— Não tem medo de levar um bolo meu? — Taylor encarou sugestivamente.

— Vá se foder, então.

— Eu vou. Pro date, no caso.

Jimmy concordou, feliz, e Taylor também.

— Então está combinado. Amanhã de tarde eu te encontro pra um esquenta aqui no bar, e aí vamos pra lá.

— É um date.

Jimmy imaginou-se levando bolo outra vez e arrepiou-se. Não tava fácil pra ninguém.

XXXXX

Tema: Only You

Sob a meia-luz violeta do quarto repleto de decorações agressivas, Anisah Meyer mantinha-se compenetrada em seu notebook repousando sobre a mesa de trabalho. Na tela, o logotipo de uma empresa e várias sequências de códigos descriptografados, os quais ajudariam a jovem a realizar mais um trabalho.

Anisah, filha de pai americano e mãe iraniana, tinha headphones sobre as madeixas acobreadas e vez ou outra coçava o nariz, deslizando os dedos sobre suas pequenas sardas. O olhar de rapina selecionou uma das sequências numéricas, que ela logo inseriu na caixa de password e ao confirmar, ouviu um som de destrave. Os olhos castanhos brilharam e ela sorriu de lado. Aquilo não seria tão difícil, afinal.

A música eletrônica alta que saía dos fones impediu que Anisah ouvisse a chegada de outra pessoa no cômodo. A segunda garota usava apenas um blusão largo e azul, suas pernas longas descobertas arrastando pelo piso.

— Você deu a palavra de que dormiria cedo, Ani. — Ela bocejou. — Sabe que temos uma viagem longa pela manhã.

A primeiro momento, Anisah não ouviu uma palavra sequer, mas assim que notou a presença da namorada, retirou os fones ligeiramente. A julgar pela expressão brava no rosto de traços indianos, imaginou qual bronca Tess pudesse ter dado àquela hora.

— Me desculpa, amor, eu já estava indo. Eu só tinha que… — E então, teve uma ideia. Puxou-a para sentar em seu colo e depositou um selinho em seus lábios para amansar a fera. — Já até terminei o que estava fazendo.

Tess fez um muxoxo dengoso, mas o desfez quando a logo na tela chamou sua atenção. Aquele emblema lhe era familiar, de modo que franziu. Pertencia a uma importante Companhia de Seguros. Sua feição mudou completamente, deixando nítida sua desaprovação.

— Não acredito que tá fazendo de novo. — Ela levantou chocada, colocando as mãos na cintura.

— Eu ia te contar...

Anisah e Tess estavam juntas há mais de dois anos e haviam se conhecido no primeiro semestre da faculdade de TI. Embora as duas seguissem pelo mesmo caminho profissional e compartilhassem habilidades similares, dividiam opiniões acerca de como colocá-las em prática. Enquanto Tess estagiava em um pequeno banco local, Anisah realizava invasões à sistemas e ganhava pelos serviços prestados de maneira ilegal. Era o que ela fazia de melhor e fazia com prazer.

Porém, claramente Tess era contrária a tal comportamento e elas já vinham discutindo a respeito, já que Anisah costumava sabotar todos os estágios que conseguia.

— Da última vez, deu problema pro seu lado. Não quero que nada de ruim aconteça com você. — Suspirou. — Isso é perigoso.

— Já entendi, não vai mais acontecer, ok? — Anisah respondeu em rendição, mas sabia que não era verdade.

— Bom mesmo. — A indiana semicerrou os cílios e girou nos calcanhares. — Agora vem pra cama, por favor. Não vou correr o risco de sofrer um acidente de moto porque a condutora não pregou os olhos à noite.

Anisah assentiu em silêncio, vendo-a desaparecer no corredor. Sozinha novamente, virou-se na cadeira giratória e encarou o emblema da empresa de maneira obstinada. Ela precisava terminar o que começara, mas não naquele momento.

XXXXX

Los Angeles, março de 2019.

 

Tema: Nothing Breaks Like a Heart

 

Enquanto a música vinha do celular que carregava sobre a escrivaninha, Trent Landon olhava ao redor do seu quarto, tentando se lembrar de onde tinha deixado sua carteira.

 

— Eu não acredito que eu perdi justamente isso!  — Trent falou consigo mesmo, enquanto levantava o cobertor e procurava embaixo da cama, sem sucesso.

 

This world can hurt you
It cuts you deep and leaves a scar
Things fall apart, but nothing breaks like a heart

And nothing breaks like a heart

 

Com o tempo calculado para ainda conseguir ver sua avó antes de buscar as suas amigas, o estudante de biologia se preparava para aproveitar o fim das suas férias mais do que merecidas. Embora elas tivessem começado bem mal, como se fossem resquícios do péssimo ano de 2018 que tivera, logo converteram-se em algo muito melhor. Mesmo assim, os últimos meses do ano anterior destruíram completamente seu emocional.

Primeiro, tinha sido Cael.

 

O rapaz havia terminado o seu relacionamento com Trent de quase dois anos há alguns meses atrás, deixando o jovem em choque. O seu primeiro instinto foi de questionar, de não aceitar o que estava acontecendo, de negar que era o fim. Mas no fundo, Trent sabia que o seu relacionamento com Cael talvez não duraria muito, os jovens eram muito diferentes entre si.

 

We got all night to fall in love
But just like that we fall apart
We're broken
We're broken

Nothing, nothing, nothing gon’ save us now
Nothing, nothing, nothing gon’ save us now

 

Se o término já não fosse o bastante, algumas semanas depois sua avó paterna sofreu um grave AVC e teve de ser levada às pressas para o hospital. Trent passou incontáveis noites acordado, preocupado com o estado de sua segunda mãe. Como seus pais trabalhavam fora, Lacey Landon cuidou de Trent por um bom tempo como se fosse seu filho. Já com a família materna, de onde vinha sua descendência dos indígenas Navajo, o contato nunca foi tão forte, principalmente pelo fato de estarem distantes de Trent, mas alguns costumes eram conservados em casa e respeitados por Lacey. Os laços construídos entre Trent e Lacey nunca seriam destruídos, exceto pela morte.

 

E era exatamente disso que Trent tinha medo.

A morte já tinha chegado bem perto dele na infância, quando ele quase sucumbira por conta de uma meningite. Felizmente o jovem tinha se recuperado, mas sequelas haviam sido deixadas como os lapsos de perda de memória. Quase quinze anos depois, os lapsos eram raros, mas não impossíveis de acontecer.

 

Curiosamente, uma das pessoas que acabou segurando Trent de cair no fundo do poço foi Cael.

 

We'll leave each other cold as ice
And high and dry, the desert wind
Is blowin', Is blowin'
Remember what you said to me?
We were drunk in love in Tennessee
And I hold it, We both know it

 

Durante o período em que sua avó estava em estado crítico, ele recebera apoio de todo o seu grupo de amigos, e Cael serviu de principal ombro amigo durante o processo. O porquê dele ter feito isso era um mistério para Trent, mas decidiu acreditar que ele realmente queria ajudar o jovem. E foi assim que a amizade entre os dois acabou sendo reconstruída.

 

Se perguntassem para Trent se ele ainda gostava de Cael, a resposta era sim. Mas Trent sabia que tudo estava acabado, e ele não era o tipo de pessoa que iria tentar colar o que já estava estilhaçado.

 

Se pelo menos eu tivesse o poder de escolher quais memórias eu quero perder…

Well, there's broken silence
By thunder crashing in the dark
And this broken record
Spin endless circles in the bar
This world can hurt you
It cuts you deep and leaves a scar
Things fall apart, but nothing breaks like a heart

And nothing breaks like a heart

 

— Ah, aí está você! — Trent falou ao ver a sua carteira esquecida em uma prateleira de madeira. Contudo, no momento em que o estudante pegou o objeto, acabou derrubando uma lembrança de um cruzeiro que tinha feito anos atrás. O navio em miniatura caiu da prateleira, apenas para se chocar contra a escrivaninha que ficava embaixo, batendo o fundo em um porta-retrato que tinha uma foto sua com a avó.

 

Desgraça.

 

Nothing, nothing, nothing gon' save us now
Nothing, nothing, nothing gon' save us now

 

Assim que Trent pegou o porta-retrato, conseguiu ver que metade do vidro ainda estava inteiro, mas uma parte tinha se quebrado em vários pedaços.

 

Justamente em cima de onde ele estava na fotografia.

 

XXXXX

Diziam que o espelho reflete a alma, mas o que Sky via refletido no espelho à sua frente não era o que ela esperava ver.

 

A negra colocou os dreads negros para trás enquanto observava as curvas do seu corpo completamente nu. A garota se virou de perfil, analisando mais uma vez o esbelto corpo, mas que para Sky estava acima do peso.

 

A paixão de Sky Grace sempre tinha sido o balé, e a garota, que sempre tivera uma família dividida e morava com a mãe, Monday, cresceu acostumada com os palcos. Mesmo com as tentativas de sua mãe e da matriarca da Casa Grace, sua avó, de manipular a garota para seguir no caminho da advocacia, Sky não queria e resistiu até o fim.

 

A garota se lembrava de que mesmo a matriarca prestigiando a garota, ainda havia uma pontada de ressentimento no fundo da mulher. Felizmente seu meio-irmão mais novo, Soleil, seguiu pelo caminho da Advocacia.

 

Por vir de família abastada, Sky Grace sempre conseguiu estudar em escolas de balé prestigiadas e cuja mensalidade custava uma fortuna. Esforçada, com o passar do tempo ganhou destaque e passou a participar de balés de renome em grandes temporadas passando por luxuosos teatros. Mas o balé tinha um preço: Sky havia chegado ao topo, contudo havia criado terríveis distúrbios alimentares que a acompanhavam.

 

A busca pelo corpo perfeito causava uma série de problemas para ela, principalmente mentir sobre sua alimentação. A jovem da Casa Grace convivia com a fome já como uma companheira que incomodava, mas era necessária. Se ela passasse um pouco do peso, já teria o sonho tirado de suas mãos facilmente.

 

O mundo do balé nos palcos era muito lindo, mas por trás das cortinas trazia um sacrifício que Sky teria de estar disposta a carregar.

 

O barulho do celular despertou a garota de seus devaneios. A jovem correu para pegar o smartphone, que tinha algumas mensagens não respondidas de Kara, Mina e Trent, seus melhores amigos. O último já dizia que estava chegando para buscá-la, rumo a Nova Orleans.

 

XXXXX

 

— Você já pegou tudo, minha filha? — Monday Grace perguntou mais uma vez para Sky, que carregava uma mala violeta além de uma outra bolsa de mão, sendo que nesta estavam suas vestes de balé.

 

— Já sim, mãe. Conferi umas três vezes antes de fechar as malas.

 

Monday suspirou aliviada, antes de dar um abraço na filha já na soleira da casarão da família.

 

— Filha, de novo, muito cuidado. Já sabe de tudo, certo?

 

— Mãe, já tenho 22 anos! — Sky falou. — Pode deixar que eu sei como me virar. Além disso, são só alguns dias, daqui a pouco eu estou em casa de novo.

 

— Sky, eu já disse pra você várias vezes…

 

— Não saia de casa antes de estar preparada para enfrentar o mundo. Tudo bem mãe, eu já entendi e eu sei que a senhora tá preocupada mas… É meu sonho, a senhora sabe disso. Essa viagem vai sair perfeita.

 

Monday abaixou a cabeça, enquanto apertava os lábios, e Sky sabia o porquê da sua atitude. Ela tinha uma irmã gêmea, Stella, que havia deixado a Casa Grace meses atrás para ir morar com o pai, Cosimo, este repudiado tanto por Monday quanto por sua avó. A jovem vivia preocupada querendo notícias de Stella, mas a sua irmã tinha se transformado em assunto proibido naquela casa.

 

E o medo de Monday era que Sky também abandonasse a família.

 

— Mãe, eu prometo que eu vou ficar bem. — Sky falou, enquanto segurava a mão de Monday. A mulher suspirou, e então falou:

 

— Tudo bem então, filha. Eu confio em você. Eu espero que tenha uma boa apresentação lá em…

 

Naquele instante, a Minivan branca de Trent estacionou na rua, fazendo Sky se despedir rapidamente da mãe.

 

— Obrigado mãe, te amo. Manda um beijo pra vó e pro Soleil! — A garota falou, enquanto descia o gramado na frente do casarão carregando as malas.

 

XXXXX

 

Sky mexia atenta na playlist feita por Kara para passar o tempo na viagem de carro de quase um dia que teriam pela frente. A garota estava sentada no banco do carona, esperando Trent terminar de colocar as malas no carro.

 

— Pronto, meu cisne negro. — Trent falou enquanto entrava no carro. — Próxima parada, Mina Song.

 

— Britney Spears não, Rihanna não, Ariana Grande também não, Lady Gaga… — Sky falava enquanto lia as músicas da playlist. — Nossa, a Kara realmente adora um pop farofa né?

 

— E você descobriu isso agora? — Trent falou, enquanto dirigia a minivan. — Mas eu não reclamo, ela tem um ótimo gosto musical.

 

— Já sei o que colocar. — Sky falou ao ver uma música na playlist.

 

Tema: Wannabe

 

Assim que Trent ouviu os primeiros acordes da música, começou a rir e depois falou:

 

— Sky, eu não acredito que você colocou Spice Girls.

 

— Wannabe é um clássico, meu pequeno Trent. Lembra daquele dia que estávamos nós cinco e começou a tocar...

 

— Nem lembra desse dia. — Trent quis enfiar a cara vermelha de vergonha em algum lugar ao lembrar daquela festa.

 

— Eu ainda devo ter aquele vídeo em algum lugar do meu celular.

 

— Sky, eu pensei que você tinha deletado!

 

— Você acha? Aquele vídeo merece ser guardado pra posterioridade!

 

Sky Grace encostou a cabeça no estofado do banco e então fechou os olhos, enquanto cantarolava a música. Ela tinha muita sorte de ter amigos como Trent, Kara, Mina, Cael e Anisah. Ela podia facilmente dizer que depois do balé, eles eram o que Sky mais amava no mundo. Todo o amor que muitas vezes não recebia em casa era compensado pela presença maravilhosa deles.

 

E o melhor dessa viagem é que ela teria as suas duas maiores paixões juntas.

 

— Tá animada pra sua apresentação?

 

— Trent, eu nem te conto! Estou tremendo de ansiedade. — Sky respondeu. — Que bom que vocês vão comigo, eu não ia segurar o tranco sozinha. Até pensei que minha mãe ia ver, mas… Sabe como eles são.

 

— É o mínimo que a gente pode fazer por você, Sky. Eu tenho certeza que você vai arrasar! — Trent respondeu, enquanto dirigia a minivan. — E claro, ainda vamos conseguir pegar o Mardi Gras.

 

Quando Sky chamou os amigos para irem na sua apresentação, já foi pensando no Mardi Gras, o carnaval de Nova Orleans que estaria acontecendo simultaneamente na cidade, unindo assim o útil ao agradável. Não demorou muito para todo o grupo aceitar, e seguindo a sugestão de Trent, iriam de carro. Seria uma viagem longa, mas que no final compensaria muito para todos.

 

Essa viagem vai ser incrível! — Sky pensou, enquanto deixava o seu lar para trás.

XXXXX

 

Dia seguinte. Arredores de Nova Orleans.

 

Kara posicionou a câmera na frente do rosto com uma maquiagem básica, de modo a esconder o letreiro e as instalações do posto de combustível que apareciam atrás. Descobriu que aquele não era um bom enquadramento, então andou pelo chão de terra batida com certa resistência até encontrar o fundo perfeito. Enquanto arrumava os longos cabelos cor-de-rosa na frente do smartphone, via o contador de espectadores da live do Instagram aumentar rapidamente. Várias pessoas queriam acompanhar os detalhes de sua viagem.

— Trezentos e subindo… — Disse, sorrindo satisfeita.

A garota possuía uma pele negra que reluzia ao menor toque do sol e um rosto delicado. Olhou através dos óculos escuros para o carro sendo abastecido. A minivan havia sido esvaziada minutos antes e todos seus ocupantes espalharam-se pelo local. Anisah foi a primeira a passar ao fundo, carregando seu notebook à tiracolo e olhando brevemente na direção da câmera.

— Dá um oi pros meus seguidores, Anisah!

A iraniana revirou os olhos e mostrou o dedo do meio, seguindo para os fundos do posto. Kara fez um bico e comentou:

— Não liguem pra ela, pessoal. Ela adora vocês, só está um pouco azeda.

“Diva! Amei a nova cor de cabelo!” dizia um dos comentários. “Onde vocês estão?” perguntava outro seguidor.

— Então, corações, estamos em um posto de gasolina perto da entrada da cidade. É a primeira vez que venho até Nova Orleans, não conheço nada. — Respondeu confusa, baixando um pouco o óculos e procurando alguma placa em seu campo de visão.

— São dois quilômetros até lá. — Uma voz feminina surgiu no vídeo. — Oi, gente!

Uma jovem oriental encolheu-se ao lado de Kara para aparecer na tela. Acenou timidamente e saiu rindo para o canto do vídeo, onde abaixou-se para acariciar seu cãozinho, que dava pulinhos animados e tentava ter seus minutos de brilho. Ela tomou-o nos braços e balançou uma de suas patas, fazendo-o acenar também.

Vários corações coloridos subiam simultaneamente na tela. Comentários sobre o animal amontoavam-se, Kara mal podia lê-los. Amava aquele descontrole de reações.

— Vocês já conhecem a Mina e a Cho, né? Faz tempo que essa fofura não dava as caras por aqui. Se vocês querem mais lives com ela, postem fotos com seus bichinhos de estimação e a hashtag #DeKaraComCho. Vou estar curtindo todas. — E deixou que o cão lambesse seu rosto.

Dentre as garotas que estavam viajando com Kara, Mina era a mais próxima delas, sendo sua melhor amiga. A oriental acompanhava “KC”, como Kara Colt era conhecida nas redes sociais, desde o início de seus trabalhos como digital influencer e era alguém bastante presente na empreitada. Dava opiniões, ajudava com posts, de vez em quando emprestava Cho para vídeos divertidos e chegava a ganhar mimos dos seguidores também, por conta disso. Para ela, era um passatempo saudável e lhe rendia momentos únicos, diferentes dos quais estava habituada na sua rotina de universitária em Los Angeles.

— Sim, corações, vamos ver os rapazes agora. — Kara disse de repente para seus espectadores.

Mina colocou a cadelinha de volta no chão e a viu correr para trás de um arbusto, latindo.

— Ei, garota, não vá para longe! — Gritou, apressando-se na mesma direção para não perdê-la de vista.

Kara deu um risinho e seguiu para os fundos do posto de combustível, passando pela figura sarcástica de Anisah sentada em uma mesa de madeira. A ruiva ergueu a sobrancelha e recebeu um beijinho no ar da Instagramer. Era comum ver as duas trocando farpas e se alfinetando, mas não passava disso. No mais, sabiam como conviver sem transformar as divergências de personalidade em guerra.

— Você viu pra onde o Cael e o Trent foram? — Kara perguntou, mas a iraniana acenou negativamente.

Afastando-se um pouco dali, atrás de algumas latas de lixo, Kara avistou Cael na companhia de Tess. Ambos davam tragos em seus cigarros de maconha, mas a garota foi a única a se assustar com sua presença e largou o objeto, que desapareceu entre a grama.

Kara ignorou o gesto e interrompeu a live, se aproximando com o celular em punho feito uma arma:

— É isso que você faz quando escapa do seu namorado, Cael? Fuma um?

— Eu e Trent não temos mais nada, e se quer saber, estamos muito bem com isso. — Ele deu um trago mais forte desta vez, desafiando, e estendeu a mão. — Quer?

— Não, obrigada. — Kara então virou para Tess, com o dobro de sua altura, e encarou-a por alguns segundos. — Um conselho de amiga: melhor ser mais discreta da próxima vez. Poderia ser a Anisah ao invés de mim.

Deu meia volta, saindo dali e deixando Tess e seu semblante pensativo para trás.

Já de volta à live, após pedir desculpas pela interrupção abrupta, Kara caminhou até a entrada da lojinha do posto e deu de cara com Trent e Sky, que saíam de lá. Os dois acenaram para a câmera e se dirigiram para o veículo estacionado. Anisah também aproximava-se com uma mochila nas costas, o capacete em uma das mãos e a chave da motocicleta que conduzia na outra. Mina parecia ofegante e trazia Cho em seu colo.

Por último, apareceram Cael e Tess. Ele não conseguiu disfarçar que estava chapado e ganhou um breve olhar de reprimenda de Trent. O grupo estava completo novamente.

— É, meus corações, agora podemos partir rumo a Nova Orleans! Assim que chegarmos lá, faço stories pra vocês. Beijinhos coloridos!




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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Não esqueçam de comentar, as reviews são importantes para a continuação do projeto.



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