Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 7
Capítulo 6 – Produção em massa




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Cidade do Corsário

— Refúgio dos Vermelhos -

 

Jonas caminha entre as tendas, as luzes de fogueiras tingem de amarelo e vermelho a movimentação dos saqueadores cansados e feridos. O som de choro ao longe indica que alguém está sendo tratado com ervas e folhagens medicinais. O rapaz ajusta o moletom sobre a penugem negra do pescoço e se vira novamente. Se assusta com o abrir de dois olhos no meio da negritude da noite. Um guerreiro o vigia, camuflado entre as árvores, completamente parado. O Aracnídeo caminha devagar, sente os olhos acompanharem seu movimento.

Ele vai se afastando das fogueiras até uma das casas usadas pelos pitangas, nela alguns dos saqueadores se instalaram e já descansam. Ele sobe as escadas rangendo as madeiras dos degraus até o quarto que lhe foi oferecido. No corredor, vê a porta entreaberta e o vulto do uniforme prateado de Arthur. Ele se aproxima e se encosta no batente.

— É estranho ter uma casa, não é? — Apesar de Jonas ter falado baixo, o velocista se assusta fechando o uniforme rapidamente, causando um sonoro efeito no zíper plástico.

— O que foi?

— Não sabe bater na porta? — responde transtornado Arthur e se senta na beirada da cama.

— Estava aberta... porquê não tentaram te dominar na Aliança, Arthur? — questiona Jonas, confuso.

— O que?

— Você falou agora pouco, Sara foi lá tentar resgatar Karen na Aliança, você também, mas não tentaram te dominar, eu fiquei lá quando você levou a morta.

— Eu não pude salvar todos, mas eu instalei a bomba que depois tirou você e os gêmeos.

— Não estou perguntando porque não me levou. Mas porque não tentaram se prender assim como eu ou Sara.

O velocista olha para os lados balançando as mãos.

— Não me alcançariam, apenas isso. Mal tentaram.

Jonas franze o cenho, sem estar muito convencido. Então ele repara que o velocista está com seu longo macacão prata, mesmo com o calor, todos tomaram banho e estão prontos para dormir:

— Você não acha que esse treco já está puído demais para continuar usando?

Arthur olha para o próprio dorso, repleto de ranhuras e partes descascadas.

— Ainda dá pra usar.

— Por que está fazendo isso consigo mesmo?

— Isso o que?

Jonas aponta de cima a baixo o velocista sentado.

— Tudo bem você querer mangas longas, mas não precisam ser roupas já rasgando no corpo. Se tem uma coisa que sobrou nesse mundo de caos, são roupas dos mortos que podemos usar. Agora ninguém paga nada, lembra?

— Isso representa um ideal, as pessoas acreditavam no Velocista Prateado. — fala apontando para o próprio peito.

— As pessoas acreditam no Arthur, mesmo que você não acredite mais.

Arthur sorri balançando a cabeça em negação.

— Você não entende.

— Você é o cara mais rápido que existe, seus poderes são muito maiores do que todos nós juntos. Mas sempre será lento enquanto ficar tendo pena de si mesmo e não correr o suficiente.

— Jonas...

— Eu já vi você dar uma surra em Mefisto, não está correndo como antes porque não tem mais vontade...

— Jonas... — Arthur fecha os olhos.

— Você poderia salvar muito mais se estivesse usando todo o seu poder.

— Talvez eu não queira usar mais. Talvez eu esteja cansado, estou cansado de correr. — declara Arthur, muito seriamente.

— Então para que o uniforme? Se não quer correr, para que continuar nessa cobrança de ser algo que não quer mais.

Arthur dá de ombros.

— Não sei, acho que me acostumei com ele. — Ele fala enquanto se deita na cama, de costas para Jonas. — Quando sair, apague a lamparina. Tenho que dormir.

Jonas apaga a lamparina ao lado da cama e se vira encostando a porta.

— Duvido muito que você durma. — murmura o Aracnídeo no corredor.

 

 

 

*********

 

A tenda ampla é coberta por camadas de couro, tecido e fitas. O colorido contrasta com as outras mais simples e as casas parcialmente destruídas ao redor. Caíque caminha com seus pés descalços rapidamente atravessando o acampamento, ao chegar na tenda ele se anuncia antes de mover o couro.

— Rainha.

— Um instante. — É ouvido uma movimentação e pouco depois ela permite a entrada do comandante.

Ele afasta a cortina de tecidos e entra na tenda. O cheiro de lavanda sendo queimada invade suas narinas e Daniele está de costas, terminando de trançar a longa cabeleira.

— Achei que ainda estivesse dormindo.

— Não. — Ela ri enquanto se levanta. — Estou acordada a tempos, Sara já acordou?

— Sim, vim chamá-la, pois ela despertou pedindo pelos saqueadores.

Um pequeno camundongo marrom corre debaixo da cama de Daniele direto para a saída da tenda, passa pelo meio das pernas do indígena que quase desvia para abrir passagem ao roedor.

— Não se preocupe, a natureza nunca me incomoda.

— Sim, senhora. Eu sei. Devo chamar os convidados então?

— Por favor. — responde ela em um largo sorriso matinal.

Do lado de fora o camundongo corre até o meio das tendas, mais a frente um gato corre por entre a relva, rapidamente chega até a casa onde estão os outros. Quando Caíque chega, Henrique abre a porta ao comandante indígena. Após um rápido cumprimento ele avisa ao líder dos Saqueadores.

— Chame seus amigos, Sara quer falar com vocês.

— Ah! Sim, claro.

Caíque levanta os olhos e observa uma pequena folha esverdeada presa ao cabelo curto de Henrique. O saqueador balança a cabeça sorrindo, deixando a folha cair e se afasta da porta.

Instantes depois, Henrique, os gêmeos, Aradia, Jonas, Arthur e Daniele vão até a casa próxima. Muitos vermelhos estão na entrada, com armas de fogo, incomum para eles. Um som de grunhido ressoa no corredor de frente a porta do porão. Daniele para antes de abrir passagem.

— Arthur, você sabe que ela não está mais da mesma forma. — avisa a líder pitanga.

— Sim, eu sei que foi escolha dela assim. Tem certeza que não tem perigo? — fala ele, olhando para a submetralhadora na mão de Caíque.

— Tudo bem, desde que fiquem atrás da linha. — avisa a mulher de penas nos cabelos.

Ela abre a porta e a escadaria dá para um porão amplo e pouco iluminado.

— Por que um lugar escuro assim? — fala Dominique se aproximando com a mão incandescente.

— O escuro é para deixá-la mais letárgica. Não vai querer brigar com ela ao meio dia.

Dominique baixa a mão e a resfria imediatamente. Eles se alinham e começam a descer as escadas. Os passos nos degraus de cimento são silenciosos, o ambiente é frio, incomoda os gêmeos logo atrás do velocista. A pouca luz da lâmpada fria permite ver a linha amarela pintada no chão. O som dos últimos passos de Jonas e Aradia se dissipam no ar e todos estão parados, alinhados, fitando o breu do canto do porão.

Pode-se ouvir a respiração pausada de Jonas, Henrique nota as janelas pintadas de preto para diminuir a luz do local úmido e frio. Nada acontece.

Dimitri se inclina de lado, olhando em torno. Caíque aponta a submetralhadora para o breu e o noman tenta enxergar o que o vermelho está mirando.

Nada.

O som das correntes arrastam no chão de forma aguda e a mulher morta surge a frente de uma vez, rente ao rosto de Arthur.

O cheiro de podridão exala pelo corpo coberto de roupas maltrapilhas, magra, é possível ver parte de seus ossos expostos do braço esquerdo. Os cabelos curtos e pretos estão cortados da mesma forma que ela cobria pelos tecidos quando era... mais humana.

Os desenhos que faziam da morta-viva entre os refugiados no Ceará não faziam jus a sua horrenda aparência”. Pensava Jonas.

Ela se curva e respira profundamente o ar a frente, engole os aromas dos visitantes e finalmente abre os olhos completamente cinzas pela putrefação. Um ronco parco escapa da boca de gengivas contraídas e pronuncia.

— Arthur... a quanto tempo.

— Faz muitos anos, amiga.

A morta inclina o rosto, olha e tenta enxergar os outros. Inclina o corpo a frente, somente equilibrada pela ponta dos pés.

— Não sei se conhece todos, Sara. — Daniele fala atraindo a atenção da morta. — Aqui estão conosco o Jonas, Henrique, Arádia e os gêmeos Dimitri e...

— Dominique. — completa a boca apodrecida.

Ela se estica na direção dele inalando seu cheiro de baixo a cima. As sobrancelhas arqueiam em aparente tristeza.

— Me avisaram que você me chamou, que queria falar comigo. — Daniele fala.

— Sim, eu vi.

— Viu? — questiona Jonas.

— Sua mulher, não se preocupe. Ela não sofreu... Arthur não podia fazer nada.

— Eu sei que não podia. — responde Jonas.

— Não. Não sabe. — Sara retruca antes de se virar para Arthur. — Está perto.

— O que?

— O anjo. Você irá encontrá-lo, Arthur.

— Como é esse anjo? Eu nunca vi um anjo aqui, Sara. — declara Aradia.

— É porque ele não está aqui, não na nossa dimensão, mas em outra. Arthur vai encontrar com ele, as grandes e várias asas... é tão bonito. Ele é forte, está sentindo dor agora, ele está sofrendo, sentindo muita dor.

— Mas ele pode vir para cá? Por que ele nos ajudaria? — Dominique desconfia.

— Ele pode fazer tudo, ele é O Tudo também... tão bonito. São tantas luzes à sua volta, tantos monstros ele já destruiu sem nem mesmo piscar.

— Ele então pode matar os demônios aqui? Ou os vampiros? — Jonas questiona.

Sara vira o rosto, fecha os olhos e grunhe contorcendo o corpo.

— Sara... — Daniele levanta o braço afastando os outros para um pouco mais antes da linha. — Sara, por favor...

Um rosnado alto é acompanhado por uma abocanhada no ar, as correntes tintilam indicando a força da morta. Parte das roupas caem por entre os ossos, um verme rasteja entre uma costela e outra, Dimitri sente náuseas.

— Arthur vai encontrá-lo na outra dimensão, será em breve. — fala ela quando se recompõe.

— Que dimensão? Como posso fazer isso?

— Correndo, é claro. — A morta solta o hálito asqueroso. — Depois disso, teremos um anjo aqui para nos ajudar, ele não nos ama, mas odeia muito mais os demônios daqui.

— Como se chama o anjo que devo encontrar, Sara. Eu não posso procurar por pessoas com asas, eu preciso saber como encontrá-lo.

— Você vai correr até uma fenda se abrir, a luz vai te guiar... é tão bonita... vai reconhecer ele assim que o ver, Metatron. Você verá tudo quando correr, verá nós e os outros, o que eu vejo... é tão lindo. Acho que ele irá chorar. — O rosto apodrecido deixa uma fenda ressecada exibir parte da arcada dentária da mulher. — Serena vai te ajudar nas flores... o anel... será rápido, sempre é rápido com você, Arthur.

O velocista para pensativo, Daniele ainda questiona.

— O anjo vai matar Mefisto ou a vampira?

Sara se curva para trás os olhos leitosos ficam semicerrados e ela grunhe de forma feral.

— Asas douradas, cabelos louros... vai se levantar voando no mar de espelhos... não vai matar os dois, mas do mar, vai defender todos nós... — A morta fraqueja e cai no chão, respira próximo as pedras do piso frio. — A sombra negra vai atravessar o corpo da vampira, o fogo vai queimar, o demônio será morto pelo anjo... azul... azul e fogo...

— Azul flamejante. — completa Aradia. — Metatron irá usar a espada?

Sara levanta a cabeça.

— Eu vivo no mundo dos vivos, dos mortos... eu vejo tudo e nada... fogo... — Ela se vira para Dominique. — Fogo por todos os lados o líquido brilhante vai salvar da vampira, ela irá chorar... chorar sangue.

— Eu acho que sei como ir para essa outra dimensão. — declara Arthur. — É possível.

 

 

Washington, EUA

 

As mesas do refeitório estão lotadas, as garotas sentam alinhadas, exatamente iguais. Quase em perfeita sincronia, elas comem a pasta acinzentada rica em nutrientes e pobre de sabor. As regatas brancas e calças leves de mesmo tecido completam a uniformização da imagem. Na caixa de som, a melodia suave do piano acalma as adolescentes de crescimento acelerado, os cabelos cortados em channel permitem a limpeza fácil dos fios louros e lisos.

O rosto delicado é adornado por um implante metálico na têmpora direita, o brilho prateado e esverdeado cobre parte do rosto e alguns fios penetram a carne. O som dos talheres é pausado, calmo com a melodia das caixas de som. Então a música para, uma voz cálida anuncia.

— A Aliança é a justiça.

As garotas nas mesas respondem em uníssono.

A Aliança é a salvação da humanidade.

— A igualdade é a luz, tudo o que é diferente pode ameaçar o sistema. — retoma a gravação. — Os nomans e corrompidos devem ser levados até os laboratórios, eles podem trazer curas. Os demônios e vampiros devem ser neutralizados.

A Aliança é a justiça. — falam as meninas.

— As K são os braços da Aliança. Todas devem respeito e obediência, são a salvação da humanidade. — A gravação continua de forma robotizada. — Os rebeldes devem ser protegidos dos nomans, corrompidos, demônios e vampiros. Os crimes devem ser repreendidos, a pena de morte é a limpeza.

A Aliança é a salvação da humanidade.

— Homicídio, tortura e a resistência são crimes passíveis de morte. Os que se entregarem devem ser levados para os campos da Aliança...

Um homem de jaleco observa as garotas comendo e ouvindo a doutrinação diária. Ele olha para os gráficos luminosos ficando atento para que todos estejam estáveis, monitorando a frequência cardíaca das clonadas. No final da sala, a porta se abre permitindo o Major Jones Manson entrar com seu uniforme perfeitamente alinhado e várias medalhas no lado esquerdo do peito, o negro de grande porte para logo atrás do cientista.

— Observando suas filhas?

— Elas não são minhas filhas, Major. Elas são crias da Aliança, do saber. É uma pena que os rebeldes ainda não entendam a grandiosidade do sistema.

— Eles vão entender, nada que mais algumas demonstrações de como a Aliança funciona. O que queria me mostrar, Doutor Smith?

O pesquisador aponta com a caneta tampada uma das garotas no refeitório. Ela observa a comida e olha em volta, sem comer, seu olhar é perdido. O militar se aproxima, uma grande cicatriz está na lateral de seu rosto, indicando uma queimadura. Quando fica ao lado do médico, sua altura é destacada

— Por que ela está assim?

— Como eu já disse, Major, eu não sei tudo o que passa pela cabeça de nossas crias.

— É por isso que você é o cientista. — Manson vira para o médico. — Se não for para descobrir isso, de que o senhor serve para a Aliança, doutor?

O pesquisador evita de olhar para o militar, continua voltado para as garotas do refeitório.

— O que posso dizer é que essa é mais uma das falhas de clonagem, fica paralisada e distraída. Os psicodepressores perdem o efeito, mas os motivos para isso ainda é um mistério. É melhor levá-la para o quarto, antes que interaja com outras.

— Até aí, nenhuma novidade. Vou levá-la junto com a de dias atrás, assim se resolvem dois problemas de uma só vez. E quanto as réplicas dos projéteis?

— Ainda precisamos de tempo para isso...

Manson pisca devagar, o cientista percebe.

— Eu tenho uma nova leva, ainda precisam ser testados. — responde o cientista apontando para um conjunto de frascos em cima da mesa.

Manson olha e vai até a mesa.

— Há uma longa lista de pesquisadores ansiosos para agradar a Aliança, doutor. Já a minha paciência não é tão extensa. — avisa Manson enquanto pega o engradado.

O médico não responde, permanece com os olhos atentos para os gráficos na tela, fingindo tranquilidade. O militar leva os frascos laranja brilhantes, caminhando em suas botas bem lustradas, ao sair da sala, entrega apara outro militar na saída.

— Leve isso e busque a K2.120. Ambos para o quarto três.

Prontamente o soldado obedece carregando o engradado. No sentido contrário, Manson apoia sua mão na arma da cintura e atravessa as portas do refeitório. Ele dá passos silenciosos no grande salão branco, as alienígenas clonadas continuam comendo, ainda sob os cânticos de “a Aliança é a justiça”. Poucas fileiras depois ele se vira, e se aproxima da garota de olhar passivo.

Se posiciona atrás dela, que nem nota a presença do homem atrás de si. É como se ela estivesse perdida em algum lugar, está atordoada. Ele toca na regata puxando uma etiqueta para identificá-la. O desenho de uma aliança completa a palavra do logo governamental, junto a inscrição K 6.389.

— Essa é nova... — murmura para si mesmo, normalmente os defeitos aparecem nas mais velhas. — K 6.389, levante-se.

Ela obedece, ele a guia pelo salão até a saída. Ao caminhar, ambos passam por outra, o bordado de K 3.3116 aparece em sua regata, mas ela disfarça o olhar. Enfia outra colherada da pasta acinzentada na boca enquanto ouve vozes em sua mente. Ela fecha os olhos tentando se concentrar.

Já o militar e a garota de corpo esguio vai de pés descalços pelo corredor, na lateral, as janelas passam pelas zonas de testes. Nos centros de encubação dos úteros artificiais é possível ver uma parede de bebês em suas esferas rosadas. Os cientistas andam de um lado a outro sempre de jaleco branco, máscaras e óculos de proteção. Na área de treinamento é possível ver várias Karens treinando uma com as outras. A defeituosa para ao lado do militar de frente a porta que se abre com outros soldados, todos trajados com uniforme de combate verde-oliva.

O quarto alongado tem a outra, param lado a lado, a semelhança é como que espelhada. Manson se dirige a uma mesa e pega uma grande pistola, semelhante a uma PULP CBC, calibre 12. Porém, pode-se notar que apesar de sua semelhança ao modelo humano, essa possui partes brilhantes muito distintas. O major chama o subcomandante.

— Como eu lhe disse, essas são as réplicas que conseguimos fazer, de acordo com os projetos que encontramos na nave.

O subcomandante se aproxima e observa os cartuchos.

— Os cartuchos são também cópias?

— Seriam, se nós tivéssemos esses elementos químicos na Terra. — fala Manson enquanto carrega a arma com o projétil brilhante. — Desde o último ataque é que tentamos reproduzir o material. Temos poucos originais, imagine se todas elas se voltarem contra a Aliança.

— Não teríamos armas o suficiente?

A mão negra puxa rapidamente e o som do carregar da arma ressoa no salão amplo, Manson responde sério.

— Garoto, se elas se voltassem contra, não teríamos muito tempo para nada. Sempre existe outra saída, já fizemos isso uma vez, se for preciso, eu aperto o botão vermelho.

Ele vira o rosto para o subcomandante levar uma das aliens ao final do salão. Manson arruma a postura, confere a arma e declama para o outro subordinado anotar.

— Teste um, K 6.389, p. 608B.

Um instante em pausa, e o tiro ensurdece a todos, atinge o rosto da alien no canto do salão que se inclina para trás com o solavanco. Ela se desequilibra e volta a posição. O subcomandante observa que o rosto dela está com um arranhão no supercílio. Ele balança negando o resultado para o major que faz um novo movimento com a arma. Olha para a lateral lendo para o subalterno.

— Teste dois, K 6.389, p. 608F.

Um novo tiro acerta o rosto da alien. Novamente ela mal se move, Manson abre a arma e carrega com novos cartuchos, o som dos encaixes ecoa antes do novo anúncio.

— Teste três, K 6.389, p. 608G.

A alien não se mexe, os tiros mal afetam o seu rosto angelical. Ambas olham de forma apática, sem reação, sentimentos ou qualquer coisa que possa ameaçar seus grandes algozes.

— Teste catorze, K 6.389, p. 608V.

A última cápsula prateada cai no chão, os projéteis brilhantes alaranjados estão retorcidos pelo chão, aos pés da garota com um pequeno sangramento no nariz. O subcomandante vai até o major que acende um cigarro e dá uma longa tragada depois de jogar a arma na mesa. O som dos metais é elevado e ele faz um gesto para os subalternos.

— Podem ir. Eu resolvo isso.

Manson puxa um colar militar e pega a chave, se aproxima de outra parede girando a chave na pequena gaveta. Seringas e frascos de um líquido transparente estão deslizam com o movimento. Com habilidade, o homem perfura a camada de borracha dos frascos recolhendo seu conteúdo nas seringas enquanto segura o cigarro com os lábios. Ele vai até as garotas e injeta o líquido das seringas na têmpora direita das garotas, na área emborrachada na prótese metálica.

Quando termina, dá outro trago do cigarro e bafora no rosto de uma delas, sem reação da jovem loura. Ele olha para os lados notando a apatia de ambas, segura o queixo de uma e a beija de forma voraz a boca delicada. Ele morde o lábio e depois para decepcionado com a falta de reação dela, solta o seu rosto dando outro trago no cigarro. Se afasta puxando uma cadeira e coloca a pistola na mesa ao lado.

— Karens. — chama ele, ambas viram o rosto em atenção. — Eliminar, alvo Karen.

Ele se acomoda na cadeira metálica enquanto K 6.389 voa até K 2. 120 em um murro forte que lança a menina contra a parede. A mais nova revida, agarra a outra e bate contra o chão. O piso se contorce com a força dos socos dados no rosto da mais velha que sangra em grandes quantidades a cada golpe. Um chute faz com que a de cima vá até o outro lado da sala, mas ao invés de bater na parede, ela dá um impulso com as pernas e volta em outro salto. Ambas chegam no meio do percurso girando no ar e caindo violentamente.

*

O sangue respinga no piso frio.

*

A cada golpe o sol oco se torna mais úmido, quebradiço e depois denso.

*

Pastoso.

*

Então o som metálico é ouvido, o punho de K 2.120 atingira o chão. Ela para. Se levanta, vira-se coberta de sangue e partes esbranquiçadas em sua regata.

— Alvo Karen, eliminado. — anuncia ela.

Manson sorri enquanto dá mais uma tragada, solta a fumaça antes da nova ordem:

— K 2.120, eliminar alvo K 2.120.

 

 

 

*********

 

Manson fuma enquanto tira a farda verde-oliva, dobra calmamente a peça e coloca em cima da mesa metálica. O quarto limpo e arrumado faz jus a sua postura e fama, a regata branca deixa à mostra as cicatrizes, formando texturas nítidas. De calça verde e botas frouxas ele se deita na cama olhando para o teto pálido. Para mirando o nada, coça um pouco a cicatriz lateral do rosto e se vira alcançando um pequeno cantil de bolso.

Abre a tampa do frasco prateado bebendo grandes goles de uma vez. Volta a apoiar o braço na cabeça, olha o nada. Então fecha os olhos, pensando em talvez dormir, o silêncio é profundo a ponto dele ouvir o tabaco queimar o cigarro abandonado no cinzeiro. A mão solta o cantil que pende na lateral da cabeça. Ele relaxa.

Abre os olhos, ouve atentamente, franze as sobrancelhas tentando identificar o som. Levanta rápido da cama e coloca a palma da mão no chão, sente a vibração, ele fica tenso.

— Merda!

Se levanta rápido, pega a pistola e vai até o armário. Lá ele pega um cinto com cartuchos, entre eles, alguns brilham alaranjados. Sai do quarto correndo pelo corredor com as botas frouxas, a pistola é carregada no caminho, ele bate em um dos sinais do corredor acionando o alarme. O som estridente ressoa, luzes vermelhas brilham e rapidamente outros soldados saem de seus aposentos. Manson corre para o som constante que fica cada vez mais alto.

Assim que chega no salão principal ele se depara com uma frente de orobas, correndo em seus cascos de encontro a sede da Aliança. As metralhadoras dos postos de vigilância são acionadas, Manson cai com o tremor de terra causado pelas explosões das armadilhas militares. O grito feral dos demônios é intenso enquanto invadem o local, o som de vultos passando é o das Karens voando e atacando os monstros do lado externo da sede.

Manson corre, precisa ir para o galpão de armamentos pesados que fica no salão ao lado, ele começa a descer as escadas, mas orobas estão na frente do local lutando com karens devidamente uniformizadas. O militar recua para encontrar outro caminho, mas dá de cara com um oroba que fora lançado na parede e caiu de frente a ele. Manson atira em sua cabeça, corre pisando no dorso daquele que tem uma cabeça de touro. Outro aparece no corredor e tenta socar o major, que desvia do golpe lateralmente e dá um tiro encostando o cano da arma no maxilar animalesco.

Ele empurra o cadáver para trás o fazendo cair sobre outro, se aproxima e atira entre os olhos da cabeça reptiliana. Ele avança e pega uma faca tática de seu cinto com a mão esquerda, quando uma fera tenta lhe atacar o golpe é certeiro na garganta. Manson atravessa o corredor sendo banhado pelo sangue quente do monstro que cai do alambrado e bloqueia o golpe de um com a faca no pulso do próximo monstro. Depois atira no peito dele, duas vezes. Quando se solta, percebe que está cada vez mais próximo de outra sala de armamentos.

Quando tenta alcançar a chave presa em sua corrente militar, um demônio o agarra por trás segurando seus braços. Os tiros da pistola passam rente a cabeça do demônio com cabeça de cavalo, muito mais alto do que o major. Duas Karens chegam, a por trás golpeia as costas do demônio, a da frente arranca o seu braço com as mãos, libertando o major.

Enquanto o monstro urra em agonia, Manson gira a chave e guarda a pistola descarregada no coldre. Corre até a prateleira carregando a metralhadora automática. Pega outro cinto tático com granadas e munição e sai às pressas pela porta. Outros soldados finalmente chegaram, também em busca de armamentos pesados.

O major para no corredor e atira a sua frente, atinge muitos demônios os fazendo cair, as Karens atingidas apenas se atordoam com as balas. Então ele ouve um som horrendo, vira de lado e vê uma Karen de joelhos no chão, o oroba esmaga a cabeça dela entre os dedos. Irritado pelo demônio destruir milhares de dólares com as mãos, ele atira muito mais do que precisa para matar o demônio. Ele carrega a metralhadora e acerta o rosto de um demônio com o cartucho vazio.

Enquanto desce as escadas, joga uma granada no andar de baixo, a explosão afasta outros demônios enquanto ele se segura pelas grades laterais. O fogo derruba algumas Karens, uma delas, com uma faixa vermelha no braço indica que é a comandante. Ela sente dores de cabeça, os gritos atordoam sua mente, ela olha e percebe que não estão gritando de verdade. Assustada, K3.316 voa atravessando o corpo de um oroba, liberta uma das garotas da mão do demônio. Quando para, a resgatada continua calada, apenas se levanta e continua lutando.

K3.316 não entende por que ela esperava que a resgatada dissesse algo, nesses últimos dias ela não entende o que está acontecendo consigo mesma, apenas que as coisas estão diferentes. Porém, de alguma forma ela vê que se demonstrar isso para os militares, ou para os médicos ela irá para o corredor dos quartos e nunca mais irá voltar. Ninguém volta dos quartos, a não ser o major, é claro. Ela é agarrada por trás, sua força é tão grande que apenas arranca o braço do demônio, se vira e bate nele duas vezes com seu próprio membro.

O animal cai no chão e ela vê outra Karen gritar. Olha melhor, ela não está gritando, apenas ouve os gritos em sua mente, mas elas... “que diabos está acontecendo comigo” pensa ela. Então arranca uma viga metálica e usa como tacape contra os demônios, depois perfura o corpo de alguns em sequência. Atrás dela, Manson termina de descer as escadas, usando a metralhadora para afastar os demônios. Quando chega no salão principal consegue finalmente ver o tamanho do caos com jovens louras sendo espancadas e outras arrancando a cabeça de monstros com as próprias mãos.

Um vulto verde passa por duas Karens, abandonando os corpos destruídos pelo chão. A neblina colorida se move e vai até atrás de Manson, ele se arrepia ao notar que ela toma forma do demônio de chifres curvados, Mefistófeles está a sua frente.


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