Crescendo - Shirbert escrita por Sabrina


Capítulo 17
O Mistério de Anne




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***

 

Anne estava diferente. Peguei ela me olhando na aula, ao todo, quatorze vezes. Eu contei, porque geralmente sou eu quem olha pra ela, não o contrário. E quatorze vezes? Quatorze vezes era muito mais do que eu podia esperar! Algo devia estar errado. Ainda por cima, sempre que eu olhava de volta, ela dava um sorriso tímido, o que só fazia minha suspeita aumentar. Será que eu estava engraçado? Havia algo no meu rosto ou na minha roupa? Tudo só piorou quando ficamos sozinhos para as aulas extras. Ela parou de me olhar e se concentrou nos estudos, mas eu não consegui mais me concentrar. Ficava me perguntando se tinha feito algo de errado, ou algo certo, que a deixasse contente assim. Não me lembrava de nada. Foi um dia de estudos perdido, e o pior é que eu ainda teria estágio de tarde. Quando estávamos indo embora, ela começou a puxar conversa.

— Como foi sua noite ontem?

Franzi as sobrancelhas, desconfiado. – Sonolenta... e a sua?

— A minha? – ela sorriu, olhando sonhadora para a paisagem. – A minha foi excelente. Sonhei que estava na Floresta Assombrada com Ruby, à noite, e ela começou a chorar de medo, mas encontramos uma fada e ela nos cobriu com um manto prateado e luminoso. Quando fez isso, toda a floresta desapareceu, e de repente estávamos num circo. Já esteve num circo, Gilbert? Eu já, mas somente uma vez. O Sr. Thomas ganhou ingressos para ele a família, então eu me deixaram ir pra ajudar a cuidar dos bebês. E o espetáculo foi tão esplêndido! Nunca na vida eu havia imaginado algo parecido! Fiquei extasiada por semanas, meses. Infelizmente não fomos ao circo de novo, mas sonho com o dia em que virá um circo aqui em Avonlea e poderei ir com Marilla e Matthew.

Apenas continuei olhando pra ela, desconfiado, então Anne continuou a tagarelar.

— E o que eu acho mais incrível são os acrobatas. Você não concorda? Eu os acho tão surreais, fazendo todas aquelas acrobacias! Eu queria ser uma acrobata, mas acho que teria medo da altura. Você acha que eu daria uma boa acrobata?

— Claro... – concordei automaticamente. Não estava prestando muita atenção no que ela dizia, estava focando na expressão em seu rosto e tentando encontrar pistas. – Com toda a certeza.

— Ah, é muito gentil você dizer isso! Eu quero acreditar, mas não consigo. Apesar de ser bem alta, sou muito desastrada. Suponho que acrobatas não possam ser assim, já que isso significaria pôr suas vidas em riscos. Não concorda?

— Claro... – falei. – Com toda a certeza.

E ela me deu aquele sorriso tímido de novo, me olhando como se eu fosse seu bolo favorito e logo desviando o olhar. Estranho. Ela só costumava fazer isso no inicio do relacionamento.

— Anne – falei, semicerrando os olhos. – O que há com você?

— Nada – ela de repente ficou séria. – Não há nada.

Um pensamento me fez arregalar os olhos. E se eu tivesse esquecido uma data? Billy reclamava pra quem quisesse ouvir que Ruby queria comemorar o aniversário de namoro deles a cada mês, e que ele achava isso uma enorme bobagem e sempre esquecia.

— Hoje é... algum dia especial? – perguntei, tentando não soar culpado.

— Bem, todos os dias são especiais – respondeu Anne. – O que quer dizer com “especial”?

— Você sabe – dei de ombros, tentando parecer desinteressado. – Alguma data especial?

— No calendário católico, hoje é dia de São Brás, mas não somos católicos. No entanto, deve ser uma data especial pra quem é.

Certo, eu não havia esquecido nenhuma data importante. Mas se não era isso, o que mais podia ser? Passei o resto do caminho pensando, tentando encontrar uma resposta. Fracassei miseravelmente. Anne continuou falando e falando, e eu não cheguei a nenhuma conclusão.

Quando chegamos a bifurcação na estrada onde costumamos no separar, paramos e ficamos de frente um pro outro. Eu ainda estava enfezado por não chegar a nenhuma conclusão, mas Anne sorria como se não percebesse. Era a momento do beijo de tchau, mas eu não estava ansioso. Desde que descobri o lance dos dez segundos, beijá-la havia perdido um pouco do gosto, como se eu estivesse ganhando uma migalha. Eu me sentia injustiçado e até maltratado.

— Gilbert – disse Anne com sua voz doce, me fazendo desfazer a caranca e me trair, ficando ansioso pela migalha. – Até amanhã.

Aquela era a deixa. Nos inclinamos ao mesmo tempo e nos beijamos. Um, dois, três... era incrível como ela sempre me fazia querer mais. Agora, eu saboreava cada precioso segundo e os contava, temendo pelo fatídico número dez. Quatro, cinco, seis... Ás vezes, secretamente, eu odiava Anne por me torturar assim. Mas nunca durava, era uma raiva passageira. E eu, um idiota fácil de se ganhar. Pelo menos quando se tratava dela. Sete, oito, nove...

As mãos dela, que deviam tocar meus ombros e empurrá-los gentilmente, envolveram delicadamente meu pescoço. Dezonze, doze...

Anne não se afastou. Nem eu, embora tenha separado nossas bocas pra poder encará-la.

— Você passou de dez segundos – falei, me sentindo patético.

— Marilla disse que não há nada de errado com coisas do pescoço pra cima.

— Então eu posso te beijar o quanto eu quiser?

Ela assentiu, sorrindo. – Pode!

Ela não teve tempo nem de respirar. Segurei seu rosto e a puxei para outro, dessa vez duradouro. Aproveitei cada sensação livremente, sem medo de acabar. Até mesmo a mordi.

— Gilbert! – Anne exclamou, corada.

— O que foi?

— Você mordeu meu lábio!

— Não gostou? – falei, com a cara enfiada no pescoço dela, distribuindo beijos. – Desculpe, é que deu vontade – pausa para beijos. – Mas se você não gostou – pausa para beijos. – Eu não faço mais.

— Gostei, mas parece um pouco indecente. Não sei se é apropriado.

Lá vamos nós de novo, pensei, e voltei a beijar sua boca. Parecia até que era a primeira vez que eu fazia isso, mas foi muito melhor do que a primeira. Na verdade, foi o melhor de todos os beijos que havíamos dado até agora. E posso dizer que durou bastante tempo.


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