Crescendo - Shirbert escrita por Sabrina


Capítulo 13
Dez Segundos




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***

Anne Shirley Cuthbert é sem dúvidas uma garota estranha. Mal falava comigo na escola, como isso fosse algo errado de se fazer. Na verdade, mal me olhava, e quando olhava, logo desviava o olhar, como se não quisesse que eu descobrisse que estivera olhando. E no entanto, quando íamos embora juntos após as aulas extras, fazia questão de que nos despedíssemos com um beijo. Mas sempre que eu começava a ficar mais envolvido, ela se afastava e ia embora ás pressas, me deixando sozinho naquela bifurcação de estradas onde costumamos nos separar.

Achei que ia ficar tímida quando nos encontrássemos no meu trabalho, mas não foi o que aconteceu na quinta-feira quando ela chegou no consultório. Reparei nela assim que entrou, acompanhada pela Sra. Cuthbert. Usava um vestido branco e as tranças estavam diferentes, um pouco desajeitadas. Ela se aproximou de mim e disse com um sorriso:

— Olá!

— Cuthbert – respondi. – Como está sua mão?

— Extremamente melhor – ela a estendeu, me mostrando. – Já consigo fazer tranças sozinha outra vez, o que é um alívio enorme, se quer saber.

Sorri. Ao lado dela, Marilla parecia desconfortável.

— Devia ter me deixado fazê-las – comentou.

— Não está tão ruim – disse Anne, olhando pro próprio cabelo. – Está?

— Está ótimo – falei, pegando uma prancheta de madeira antiga. – Vocês chegaram exatamente na hora. Vou só avisar o doutor que estão aqui e já venho chamá-las.

Anne sorriu, um sorriso meio bobo e largo que vinha me dando já fazia um tempo, e eu fui até a sala do médico. Assisti a consulta dela, assim como assistia a todas. Ás vezes me era permitido trocar curativos e diversas coisas pequenas. Quando Anne entrou na sala, meu chefe sorriu.

— Ah, a namorada de Gilbert! – disse ele. – Por que não se senta, querida? Gilbert, tire as faixas dela. Vamos ver essa mão!

Anne corou enquanto se sentava, já Marilla parecia estar contendo a vontade de rir. Eu me aproximei e fiz meu trabalho, tentando esconder, sem obter muito sucesso, que estava me divertindo.

— Muito bem – avaliou o doutor. – Está bem melhor.

Ao ir embora, ela me deu um sorriso constrangido que não alcançava os olhos, e o único tchau que recebi foi o da Sra. Cuthbert. Porém, no dia seguinte após a escola, Anne tocava minhas bochechas e me beijava suavemente. E como sempre, quando tentei abraça-la, encerrou o beijo e fugiu.

— Anne – segurei sua mão, e ela se viu obrigada a parar, presa. – Por que sempre tem tanta pressa de ir embora?

— Por que? – ela repetiu, como se fizesse a pergunta a si mesma. – Porque preciso ir pra casa.

— Não pode ficar mais uns minutinhos?

Ela trocou o peso de um pé para o outro. – Olha, Gilbert, isso é muito constrangedor, mas... mulheres solteiras não podem beijar por mais de dez segundos.

— O que? – franzi a testa. – Onde ouviu isso?

— É o que as meninas dizem – ela me olhou com seriedade. – Não queremos ficar mal faladas, ou mal vistas.

— Isso é uma enorme bobagem. Nós nos beijamos por muito mais que dez segundos naquele piquenique, tá lembrada?

Ela corou.

— Sim, mas... foram beijos separados. Tiveram intervalos de tempo.

— Como assim? Ah, quer saber?! Não faz nenhum sentido! Você acha mesmo que Diana e McDavid, ou Ruby e Billy, seguem essa regra idiota?

— Ruby não me transmite tanta confiança, mas acredito piamente que Diana a segue – ela afirmou. – Por que está me olhando assim?

— Porque nunca te ouvi dizer tanta idiotice desde o enterro do meu pai.

Ela respirou fundo. – Sinto muito, Gilbert, mas Marilla também concorda com a regra, embora tenha ficado bastante constrangida quando toquei no assunto.

 Olhei pra ela, sem acreditar. Meninas, conclui, são meio doidas.

— Tudo bem – cedi, revirando os olhos. Como aquilo era ridículo! – Mas até quando isso vai durar? Quando poderei passar dos dez segundos?

— Bom... eu não tinha parado pra pensar nisso... mas provavelmente deve ser depois do casamento, quando se tem toda a liberdade.

Retiro o meio. São completamente doidas.

Anne começou a rir.

— Você está com uma expressão muito engraçada – disse ela, ainda rindo. – Também acho um pouco maluquice, mas preciso mesmo ir pra casa.

Ela se aproximou, sorrindo, e beijou minha bochecha antes de ir embora. Não tentei impedi-la. Estava irritado. Mais uma vez, as garotas da escola inventam regras idiotas que me afetavam, como a de que eu era proibido, e Anne insistia em segui-las. Tentei não ocupar a cabeça com aquilo, tentei me concentrar nos estudos, mas no jantar, quando Mary me perguntou por que eu estava estranho, não aguentei.

— Gilbert – ela disse, enquanto cortava o brócolis em seu prato. – Você parece estar de mau humor hoje... aconteceu alguma coisa?

— Anne – soltei, e olhei dela para Bash e de Bash para Mary, me perguntando se devia mesmo contar. – Por favor, seja sincera e me diga se estou sendo justo em não concordar com isso, mas ela disse, nas palavras dela, que “mulheres solteiras não podem beijar por mais que dez segundos”.

Quando terminei de imitá-la, Bash começou a rir e engasgou com a comida. Mary foi mais discreta. Largou os talheres e cobriu a boca com a mão.

— Eu devia saber que teriam essa reação – falei, revirando os olhos e remexendo a comida no prato desanimadoramente.

— Calma, vamos pensar... – disse Mary, embora parecesse ainda querer rir. – Ela disse mais alguma coisa?

— Falou que as meninas criaram essa regra porque não querem ser mal vistas ou algo assim.

— Faz um pouco de sentido...

— Tá brincando, né? – Sebastian voltou a rir. – Nós passamos muito mais que dez segundos! Não minta!

— Bash – ela o censurou com o olhar. – É diferente, eu sou adulta. Anne ainda é adolescente.

— Ela vai fazer dezoito – argumentou ele. – É dezoito mesmo, né, Blythe?

— Sim, no ano que vem.

— Ainda assim – insistiu Mary. – É compreensível. Tentem pensar como elas. São donzelas filhas de fazendeiros ricos, não são simples como eu. Espera-se que elas se casem ainda jovens, e não conseguirão casamento algum se foram desonradas, se é que entendem o que isso quer dizer.

— Desonradas? – repetiu Bash, risonho. – Beijar por mais de dez segundos faz alguém perder a honra?

— Talvez – ela olhou sugestivamente para o marido. – Elas sejam inexperientes e tenham medo do que vem a seguir. Já pararam pra pensar nisso?

Bash não respondeu, apenas se limitou a balançar a cabeça, sorrindo, e levar o garfo a boca. Se ele não argumentou, é porque sua esposa tem razão. Será por isso que Anne foge apressada toda vez que o beijo fica bom?

— Ah, já que vocês tocaram no assunto aniversário... eu estive pensando e podíamos dar uma festa esse ano pro Gilbert – disse Mary.  – Nada extravagante, talvez algo mais parecido com o aniversário da Sra. Cuthbert.

— Parece uma boa – apoiou Bash. – A colheita foi boa esse ano. Não será nenhum prejuízo.

Eu não queria muito uma festa, mas concordei só para agradá-los. O resto do jantar foi tão normal que achei que tinham esquecido o outro assunto, mas quando eu e Sebastian lavávamos a louça, porém, tive de ouvir:

— Então, Blythe, quer dizer que não consegue beijar sua namorada por mais de dez segundos, é?

— Vai se ferrar!

Joguei água nele, mas só recebi risadas em resposta.


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