Crescendo - Shirbert escrita por Sabrina


Capítulo 11
A Queimadura




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***

Assim que chegamos, sentei-me na soleira da casa e fiquei a espera. Durante os 60 minutos que se passaram até a chegada dele, cheguei até a imaginar que tudo não passara de uma brincadeira de mal gosto, embora soubesse que Gilbert seria incapaz de tal maldade.

— Anne, não é bom para sua imagem que fique esperando aí – disse Marilla, segurando um pano de prato. – Por que não vem me ajudar a preparar a torta?

— Está fazendo torta?

— Sim, não é todo dia que rapazes vem aqui firmar compromisso com você. Preciso ter alguma coisa para oferecer a Gilbert. Ele pode estar com fome.

— Ah, Marilla, você é incrível!

Levantei, sorrindo, e entrei em casa para ajudá-la. A torta estava quase pronta quando Matthew apareceu na sala com uma expressão meio perdida e disse “vi alguém cavalgando na direção da fazenda”. Fiquei paralisada, até Marilla me olhar feio e dizer “depressa, Anne! A torta!”, e eu despertar do transe e ir abrir o forno. Foi quando lembrei que estava sem luvas ou pano de prato.

Ai!— exclamei, recolhendo a mão junto ao peito.

— Coloque sob a água, rápido! Ajude ela, Matthew.

Avancei em direção a pia e meu pai adotivo moveu a alavanca até sair água do cano e molhar minha mão, o que só diminuiu a dor um pouquinho. Notei, com pavor, que minha palma estava vermelha e pequenas bolhas surgiam nela.

Ai meu Deus— exclamei. – Marilla, minha mão está deformada!

— Ora, deixe de drama! Me mostre, não deve ser nada de... Anne, como fez isso?!

— Eu só abri a porta do forno...

— Eu sei... eu...

— Sr. e Sra. Cuthbert, Anne – disse a voz de Gilbert, parado na entrada. – Está tudo bem?

— Não, não está – disse minha mãe adotiva, me olhando com pena. – Anne foi abrir a porta de ferro do forno e queimou a mão.

— Posso ver? – Gilbert tirou o sobretudo e o pendurou no cabideiro antes de caminhar até mim. – Tenho estudado sobre queimaduras com a Srta. Stacy após as aulas.

Percebi que ele estava chegando perto e arregalei os olhos. A última pessoa no mundo que eu queria que visse a feiura em minha mão era Gilbert. Escondi-a dele, e imediatamente senti a dor ficar mais forte por perder o contato com a água.

— Deixe-me ver, Anne – ele suplicou. – Posso ajudar.

— Eu sei que pode – falei, mas continuei escondendo a mão.

— Anda – ele estendeu a sua. – Preciso saber o grau da queimadura.

Fechei os olhos e virei o rosto para não ver a expressão em seu rosto quando lhe aquela horrorosa feiura grotesca. Gilbert tocou apenas meu pulso e conduziu-o de volta pra pia.

— É segundo grau. Precisa ficar sob a água corrente por pelo menos uns dez minutos. Vai diminuir a dor e lavar o ferimento.

Ele olhou para Matthew, que ainda exercitava a alavanca pra que continuasse jorrando água.

— Vocês teriam Sulfadiazina de Prata?

— Eu vou checar – disse Marilla, e correu para o armário de remédios. Voltou minutos depois com uma pomada pela metade e a caixa de primeiros socorros. – Compramos por causa da úlcera de Matthew que graças a Deus já foi tratada. Não sabia que também servia para queimaduras.

— Serve pra várias coisas – disse Gilbert.

Com delicadeza, ele passou a pomada numa gaze que pegou da caixa de primeiros socorros e colocou na minha mão antes de enfaixar o local cuidadosamente com uma atadura. Fez isso tudo com a maior calma do mundo, com o olhar fixo no meu machucado. Sequer olhou para o meu rosto.

— Pronto – disse. – Deve servir até que vá num médico de verdade.

Não consegui dizer nada. Nem tive oportunidade, já que Marilla começou a agradecê-lo como se Gilbert tivesse me salvado da morte.

— Acho melhor – disse Matthew, me dando um sorriso gentil – você subir enquanto conversamos com seu amigo.

— Por que? Se vão falar de mim não é melhor que eu esteja presente?

— É o praxe – ele me olhou com doçura – Não deve estar aqui enquanto fazemos isso, não é tipo de conversa que deve participar. É uma conversa de cavalheiros. Somente cavalheiros. E bem... Marilla.

Mas...

— Não insista, Anne – disse a própria. – Aproveite e repouse essa mão. Logo iremos ver você.

Me sentindo encurralada, olhei para Gilbert, e ele sorriu. Não consegui identificar se queria me tranquilizar com o sorriso ou se estava se divertindo. Sai dali irritada e subi as escadas como se não tivesse o menor interesse em ficar no andar de baixo, mas parei no último degrau e fiquei espionando. Não consegui ouvir, e era difícil me concentrar com a dor que sentia, mas vi Marilla servir o chá (e uma torta, embora um pouco queimada) e vi suas bocas se mexerem enquanto conversavam. Pareciam bem-humorados. Tive a impressão de que tudo corria bem, exceto por uma coisa: como Gilbert pode gostar de mim agora que minha mão é a obra prima da feitura? Já não bastava o cabelo ruivo e as sardas, eu tinha que deformar minha mão?! Sou uma tragédia!


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