Apenas Escritos escrita por Th Roberta


Capítulo 16
Apenas 15


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Hoje uma história com uma tentativa de maior abordagem de detalhes a pedido da saudosíssima leitora (e ótima escritora) M F Morningstar.
Espero que gostem ❤



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Recostado no peitoral da janela, ele olhava para a rua, no andar de baixo. Via ali um garoto correndo pela calçada, alegre e brincalhão, se jogando nas folhas amareladas do outono que estavam caídas no chão. A criança não se importava com as pessoas passando, quase sempre se chocando contra elas. Quando se esbarravam, uma ou outra pessoa xingava alto; algumas riam-se da brincadeira do garotinho; outras ignoravam, como se nada tivesse acontecido. O garoto corria com os tijolos nas mãos, fazia deles suas naves espaciais; as folhas eram inimigos que o surpreendiam pelos ares, sempre acompanhadas de uma brisa fria. As pessoas eram como meteoros não controláveis pelas naves: a tecnologia delas ainda não era tão avançada a ponto de capturá-los ou desviar sua trajetória. Mas, correndo pela calçada estreita e gritando para si coisas que os outros não entendiam, ele era livre e feliz. Jamais imaginaria que, anos depois, ele veria a si mesmo do andar de cima de sua casa enquanto refletia sobre a vida.

Suspirando na janela, seu hálito deixava o vidro embaçado, o que manchava sua visão do passado. Sorria amargamente pensando que era tão alegre e inquieto; hoje, via-se quieto até de mais e nenhum rastro de alegria fora notado nos últimos tempos. Passando os olhos pelo quarto pequeno e com tons amadeirados, pensava que sua vida era como aquele ambiente: pequeno e muito igual. As cores pouco variavam, assim como os acontecimentos cotidianos. A escrivaninha à sua frente estava cheia de livros esparramados; quem dera alguém os arrumasse, assim como aos seus problemas pessoais. A cama, pelo menos, estava sempre arrumada, o edredom azul de estrelinhas até combinava com as paredes marrons da madeira que revestia o quarto, talvez mostrando que ele ainda tinha algum equilíbrio mental. A porta, de madeira mais escura, estava sempre fechada ao lado da cama, talvez representando sua falta de abertura a experiências e amizades novas. Tudo representava algo. Acharia ali a causa principal de sua infelicidade? A felicidade ali não estava.

Da poltrona, ao lado da janela em que estava, pôde ver um tijolinho debaixo da escrivaninha, sendo este o único objeto que contrastava com seu quarto: um lugar tão rústico com algo tão... incomum ali. Se perguntou quando exatamente o havia pego. Examinava-o de longe como se fosse um pequeno monstrinho desconhecido; mas, depois de certa observação, levantou-se e pegou o tijolinho. Se surpreendeu ao vê-lo com desenhos, desenhos de criança. Desenhos de sua antiga criança, seu pequeno "eu", aquele que imaginara lá fora. E sentando-se novamente na poltrona macia e também marrom, observava a calçada abaixo de si enquanto acariciava o tijolo - o objeto já lhe era especial.

Sorriu levemente pensando em como um tijolo podia lhe trazer tanta felicidade quando pequeno. Ah, se ele tivesse capacidade de resolver seus problemas e voltar a ser feliz! Seus olhos verdes ainda observavam a calçada, agora vazia e sem vida, pois a criança não estava lá. O toque com o tijolo fez o rapaz imaginar o garotinho novamente, e lá estava ele correndo pela calçada, pulando nas folhas e esbarrando nas pessoas. Não vestia um casaco sequer; seus cachinhos pretos se movimentavam freneticamente à medida em que corria. Quando alguém esbarrou em um tijolo que estava no chão, ouviu seus gritos:

— Nave-mãe para nave-teste, nave-mãe para nave-teste, câmbio! Um meteoro acabou de passar, não consegui desviar, estou sem combustível! - Ele falava colocando a mão perto da boca, fingindo ser um rádio de comunicação, ao lado do tijolo no chão.

— Nave-teste para nave-mãe, câmbio! Já estou chegando para ajudar, câmbio! 

E pegando um outro tijolo do chão, fazia-o voar entre folhas douradas que caíam e se desviava das pessoas quando as via, se aproximando do tijolo caído perto da parede azul do prédio.

Relembrando a cena, percebia que ele precisava de muito pouco para ser feliz: alguns tijolos e sua imaginação. "Felicidade, então, não é material, mas um estado mental...?" pensava, observando os livros abertos e desorganizados sobre a escrivaninha. Olhava de novo para a cena da criança, a sua criança interior brincando na calçada, e percebia mais coisas: Os problemas com a nave-mãe poderiam ser resolvidos pegando um novo tijolo, que se criasse uma nova nave! Entretanto, a criança cuidava do tijolo caído no chão e, colocando uma pedrinha dentro dele, o combustível estava de volta, e a nave, funcionando. Nem precisava de muita coisa para resolver os problemas: o que tinha à sua volta já era suficiente. Se a criança não tinha nada que pudesse ajudar a resolver o problema, ela inventava algo. Claro, já adulto, não podia pegar pedras e fingir que elas pagariam suas contas, contudo... Inovar em suas ideias e ações talvez pudesse ajudá-lo... E pensava nisso enquanto se levantava e passava a mão pelos livros, organizando-os na escrivaninha, assim como suas ideias também se organizavam em sua cabeça para serem resolvidas com calma posteriormente: algumas coisas eram mais simples de resolver; outras, nem tanto... O que fazer com problemas mais complexos?

A criança, seu pequeno "eu", apareceu em sua frente. O pequeno nem mesmo vestia um casaco para brincar lá fora; percebendo isso, se deu conta de que nem sempre ele precisava estar pronto para resolver os problemas, às vezes só precisava agir, mesmo sem saber como ou o que fazer; o plano seria traçado no meio do caminho. A criança correu até ele e pegou o tijolo que ele segurava, correndo para a porta, saindo do quarto e deixando o rapaz ali, no meio do apartamento com a porta aberta. O rapaz correu atrás da criança, já sabendo que sua falta de abertura para experiências se resolveria logo, logo. 

Passou pela porta e desceu as escadas. Na calçada, não encontrou a criança e agora andava em círculos esperando pela sua aparição. Esbarrou em algumas pessoas enquanto esperava, sempre se desculpando, constrangido. Ouviu um e outro xingamento e, sentindo-se mal com isso, decidiu se recostar na parede azulada do prédio. Via as pessoas passando quando sua criança interior lhe apareceu de novo: ela esbarrava nas pessoas, recebia xingamentos e olhares tortos. E o que fazia? Continuava brincando, é claro! As naves precisavam lutar contra as folhas que caíam e as surpreendiam! Percebeu rapidamente que muitas vezes ele levava em consideração as opiniões das pessoas; mesmo quando estava focado em seus objetivos, elas vinham. Porém, ele perdeu a capacidade de continuar focado como a criança e começou a dar atenção a essas opiniões. Eram realmente importantes? Olhando para a criança, via que não. O importante era concluir o objetivo: salvar a nave-mãe da falta de combustível, mesmo com xingamentos ou olhares tortos. Às vezes surgiam-lhe até sorrisos como resposta ao esbarrão! Riu-se com sua percepção e as pessoas que passavam na calçada o estranharam. Alguns se afastaram, outros retribuíram ao sorriso sem destino certo. E riu mais alto quando percebeu que sua risada fazia alguns rirem. E rindo mais e mais, logo estavam todos rindo na calçada; suas crianças interiores haviam se conectado naquela calçada estreita enquanto as folhas de outono caíam, agora sem lhes atacar de surpresa, mas colorindo a cena, apenas. 


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Notas finais do capítulo

Tenham um bom dia ^.^



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