Sorriso Insano escrita por LoneGhost


Capítulo 31
Medo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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 Cheguei perto da mesa e observei o corpo mutilado. A barriga estava aberta e todos os órgãos internos expostos. A mulher era um pouco gorda, e tinha muita gordura saltando para fora, presa aos pedaços de pele cortados.

 

A mesa era grande o suficiente para que a mulher coubesse em cima dela. A cabeça estava virada para o lado, e notei que Jeff havia fincado a faca em seu pescoço. Os olhos escuros ainda estavam abertos, o rosto tinha sangue ainda fresco e os cabelos pretos e compridos grudavam no rosto. Escorria sangue pela boca aberta.

Me virei para Jeff, que me observava por trás. Ele parecia querer fazer comigo a mesma coisa que fizera com a mulher na mesa, mas por aquele motivo desconhecido, não fazia.

—Posso ir ao banheiro primeiro?- perguntei.

Ele me analisou um pouco, ainda com o mesmo olhar. Então, sorriu irônico.

—À vontade.- falou.

Aquilo foi muito estranho, ele estava mais esquisito que o normal. Me afastei devagar, olhando para ele, então me virei e passei para o outro cômodo, separado por uma porta de madeira preta, que estava aberta.

Vi a extensa sala, com uma lareira acesa em um canto, tornando o ambiente quente (e era a única coisa que iluminava o local); um sofá preto na frente, e no meio destes, uma mesa de centro oval e marrom. Ao lado da lareira, havia uma passagem sem porta que dava para outro cômodo, e do lado direito da sala, havia um piano e um vaso ao lado, com uma planta que não consegui identificar. A sala era extravagante e chique, com um papel de parede cinza claro, quase chegando ao tom do branco, a cobrindo inteiramente. À minha esquerda, havia uma escada branca que levava ao primeiro andar, e debaixo desta, vi uma pequena porta. Percebi que, em uma parede à minha direita, havia outra porta fechada, e levei a mão na maçaneta para ver o que tinha ali dentro. Sem dificuldades, empurrei a porta e apalpei a parede mais próxima para ver se encontrava um interruptor para acender a luz, e quando acendi, vi um banheiro magnífico.

Os ladrilhos do chão eram brancos, assim como o porcelanato das paredes. A bancada que sustentava a pia de torneira preta, também era branca, e o vaso sanitário redondo, da mesma cor. O boxe era de vidro, e o chuveiro parecia ser do tipo que você não teria vontade de sair se entrasse debaixo.

Fui até o espelho quadrado grudado na parede, sobre a pia, para ver minha situação.

Sabe quando você é criança e tem medo de olhar para o espelho e ver uma imagem distorcida, feia e assustadora nele? Então... eu vi a imagem assustadora.

O que vi ali foi um monstro, um monstro tão magro que tinha os ossos do rosto expostos; um ninho de ratos na cabeça que quase parecia cabelo, chegando perto dos ombros; olheiras fortes demais para pouca idade sob dois olhos de cores diferentes, um verde e um preto; mas a coisa que mais tornava o monstro assustador era as linhas tortas e ensanguentadas que saiam das duas pontas dos lábios. Eu poderia jurar que o monstro estava sorrindo, se não soubesse que aquilo era apenas uma marca de dor. Os cortes na ponta eram profundos, mas conforme iam se estendendo pelo rosto, ficavam menos, e iam até um pouco mais da metade da bochecha (nisso estavam simétricos).

A situação era tão séria, que derramei algumas lágrimas, mas não muitas, porque já tinha as desperdiçado com coisas piores. Delicadamente, abri a torneira e quando vi água limpa sair dali, não sabia o que fazer primeiro. Então joguei água no meu rosto inteiro, esfregando-o e gemendo de dor por conta dos ferimentos, que ainda sangravam. Bebi um pouco da água e fechei a torneira. Peguei uma toalha de rosto que estava pendurada ao lado da pia e a apertei sobre minhas bochechas, para estancar o sangramento. Gemi mais.

Depois de limpar meu rosto e minhas mãos completamente, me olhei novamente no espelho com um pouco de expectativa, mas a única coisa que havia mudado é que meu rosto estava sem sangue.

Saí do banheiro e fui em direção à cozinha novamente, onde encontrei Jeff sentado em uma das cadeiras da mesa, com o capuz do moletom da cabeça, apoiando o queixo sobre as mãos, com os cotovelos na mesa. Ele estava agindo de maneira tão antinatural, que comecei a ficar com mais medo ainda. Fiquei atrás dele e achei que ele não tivesse notado minha presença, então pensei em falar alguma coisa, mas fiquei com medo de apanhar. Entretanto, de qualquer forma, tive que acabar perguntando o que exatamente ele queria comer. Engoli em seco antes de falar.

—O que... você quer comer?

Ele não olhou para mim. Meu coração disparou. Quando respondeu, sua voz saiu calma.

—Os pés, os olhos e o fígado.

Como diabos vou cozinhar isso? pensei. Minha mãe me ensinara a cozinhar, mas nunca nada tão... canibal. Ah, aquele cara comia carne crua, ele comeria qualquer outra coisa que eu fizesse.

—E mais uma coisa...-ele interrompeu meus pensamentos.- depois, tire o coração muito... delicadamente, sem estragar nada, nem uma única veia. E coloca o corpo lá em cima quando acabar. No banheiro.

—O que você vai fazer com o coração?- perguntei.

—Para de questionar, imbecil. Apenas faça o que eu mando.- ele começou a se irritar.

Assenti com a cabeça. Eu não queria mais encrencas, apenas fazer o que tinha que fazer.

Me dirigi ao cadáver, cuja barriga já estava aberta, e percebi que o fígado já estava bem visível. Coloquei uma mão no órgão, e com a outra, empurrei o estômago, para que pudesse tirar apenas o fígado dali.

—Me empresta a sua faca. Por favor.- falei sem olhar para Jeff.

—Não.- ele simplesmente disse.

Olhei para ele e senti um fogo ardendo bem lá no fundo, mas tentei me controlar.

—Como você quer que eu corte?- perguntei.

Ele se levantou, foi até uma gaveta atrás de um balcão que estava perto da mesa, mexeu lá dentro e me arremessou uma faca enorme, que rodopiou no ar e foi de uma forma absurdamente rápida em minha direção. Eu tive tanta sorte de ter melhorado meus reflexos naquele tempo, porque se não, aquela faca teria fincado perfeitamente na região entre os meus olhos. Acho que Jeff tinha feito aquilo de próposito. Também imaginei que ele não queria que eu usasse a faca dele, não aquela faca.

Ele voltou a se sentar no mesmo lugar, assistindo-me. Retirei o fígado com cuidado, e o sangue começou a se espalhar por toda parte. O órgão era avermelhado e pardacento, e bem maior que minha mão. Coloquei-o em um lugar desocupado da mesa, e então fui para a parte dos pés. Aquilo foi muito mais complicado de se fazer, e senti falta do meu cutelo aquela hora, que não fazia ideia de onde pudesse estar. Fazendo muita força, e muitos movimentos contínuos e repetidos, como se estivesse cortando um pedaço de madeira, consegui cortar um dos pés, que ainda ficou um pouco preso à perna; então eu o puxei com toda minha força até arrancá-lo completamente do corpo.

Olhei para Jeff, na esperança em que ele dissesse "Pode deixar pra lá o outro. Cozinhe só esse." mas ele não falou nada, nem ao menos olhou para mim de volta. Suspirei e fiz a mesma coisa com o outro pé, que me consumiu muita energia, e eu me senti exausta quando terminei. A mesa já estava bastante molhada de sangue, e o corpo começava a feder.

Peguei os pés, que estavam cortados de forma bem desproporcional, e os coloquei perto do fígado. As unhas dos pés estavam pintadas de branco, com o esmalte já quase saindo.

Então, fui até o rosto para mexer no que eu mais odiava: os olhos. Eu detestava mexer nos globos oculares, e sempre que fazia aquilo, minha vontade de vomitar era enorme. A mulher ainda estava com os olhos abertos, e com cuidado, coloquei meus dedos em um dos olhos, os afundei nas laterais e comecei a puxá-lo.

De repente, um subto flash distorcido passou pelos meus olhos, acompanhado de um zumbido, e me lembrei de quando vi Toby fazendo a mesma coisa. Mas não foi apenas uma lembrança, em questão de segundos, eu literalmente vi a floresta e todo aquele cenário na minha frente, e Ticci fazendo aquilo. Meu corpo se estremeceu e eu larguei o olho.

—Vai logo! Por que a demora?!- gritou Jeff, fazendo minhas costas gelarem de medo.

—Desculpa.- minha voz falhou.

Voltei a fazer o de antes, mas tentei não olhar tanto para o rosto da mulher. Quando senti que o olho saltou para fora, fechei os meus olhos e suspirei. O nervo óptico ainda estava prendendo o olho à cabeça, então, sem fazer muita força, puxei o olho e o soltei. Segurei o globo ocular com uma das mãos, e fui fazer a mesma coisa com o outro, que saiu com mais facilidade, simplesmente deslizando para fora.

Peguei os dois olhos com as mãos, sem apertar muito, e os levei para a bancada de onde Jeff tinha tirado a faca, e as outras partes cortadas ali também. Olhei para Jeff como que perguntando "E agora?" ele me encarou de volta.

—O que foi? Vai logo, começa a trabalhar.

Percebi que ele não iria me instruir em mais nada, então assenti novamente. Comecei a abrir os armários até encontrar as panelas. Peguei uma de pressão e uma frigideira, porque não pensei em outra coisa para fazer com aqueles olhos. Procurei também por tempeiros e óleo, porque, sinceramente, eu queria agradar Jeff, para que este pensasse que eu estava ao seu lado. Talvez não fosse 100% verdade, eu apenas não queria que ele me machucasse. Lavei os órgãos ensanguentados, tirei os ossos e as unhas dos pés e comecei meu trabalho.

Fritei rapidamente um pé e o coloquei na panela de pressão, e depois fiz o mesmo com o outro. Depois, lavei a frigideira, troquei o óleo e coloquei o fígado nela, com até alguns tempeiros. Me esforcei para me lembrar de como minha mãe me ensinara a fritar e fiz o que pude. Tentei não queimar nada e dar o meu melhor. Enquanto via o fígado pegando uma cor diferente, esperava a panela de pressão apitar para que eu pudesse tirar os pés dali. Por mais monstruoso que pareça, eu temperei os pés da mesma maneira que se faz com qualquer carne, para depois colocá-la para cozinhar. Depois do fígado, até pensei em colocar os olhos na frigideira, mas fiquei com medo de se desfazerem. Eu sinceramente não fazia ideia do que podia acontecer se tentasse fritá-los, mas não queria arriscar, então pensei em colocá-los no prato crus, e convencer Jeff de que aquilo era bom.

Enquanto eu fazia o que devia, comecei a falar com ele. Não sei o motivo daquilo, eu só não aguentava tanta solidão e sentia que precisava falar.

—Essa casa...-falei ainda com os olhos nas panelas.- como você a invadiu?

Ele demorou um pouco para responder.

—Ontem.-falou.- O resto das pessoas estão lá em cima.

Engoli em seco.

—Ah... você as matou?

—Sim. Tinha até um bebê.

Bati minha mão na panela e queimei meus dedos. Tentei disfarçar, mas tenho quase certeza de que ele percebeu, porque deu uma risada abafada. Matar crianças... matar um bebê. Aquilo era certamente o que eu mais abominava naquele monstro.

—Jeff... você morava nessa cidade?- perguntei.

—Não. Por que se interessou tão de repente na minha vida?

Pensei antes de responder, porque aquela questão foi uma surpresa, e eu não sabia o porquê.

—É que...-tentei arranjar uma desculpa.- Eu só... pensei que... seria legal saber sobre você.

Engoli em seco. As reações dele para tudo o que eu fazia eram tão aleatórias, que qualquer coisa que eu dizia me deixava preocupada. Ele ficou em silêncio por um tempo.

—Eu te levo qualquer dia desses...- ele disse.- para ver minha casa.

—Sua casa...?

—Ainda é minha casa.- ele enfatizou o "ainda" e não parecia nada calmo.

Acho que ele se referia à casa onde matou sua família, mas decidi não fazer mais perguntas.

A panela de pressão apitou. Tirei os pés de lá, e eles pareciam algo que eu teria muita vontade de comer, se eu não soubesse o que eram. Até mesmo o cheiro estava bom. Nunca imaginei que utilizaria meus hobbies culinários para cozinhar pés (humanos).

Peguei um prato grande, mas não muito fundo e coloquei os pés um ao lado do outro em um canto. Eles estavam moles e quase não ficavam de pé, mas tentei equilibrá-los. Ao lado deles coloquei o fígado frito, que também cheirava bem, mas tinha uma cor estranha. E na frente dos pés e do fígado, coloquei os dois olhos, com as íris viradas para frente. Fiz o melhor prato que podia, mas mesmo assim, senti medo de Jeff não gostar. Fui até a mesa segurando o prato e coloquei na frente dele. Ele olhou para a comida e não se mexeu até olhar para mim e gritar:

—Acha que eu vou comer com as mãos, idiota?!

Foi aí que me toquei que não tinha colocado talheres para ele. Fui em direção à gaveta onde estava a faca que ele jogou para mim e peguei um garfo e uma faca prateados. Coloquei-os um de cada lado do prato e tentei sorrir.

—Os olhos estãos crus porque eu sei que você gosta assim. Irá neutralizar o sabor dos órgãos cozinhados.- falei.

—Hm. Certo. Vamos ver.- respondeu, sem olhar para mim.

Ele cortou o dedão de um dos pés e agarfanhou-o delicadamente, colocando-o na boca e mastigando logo em seguida. Engoli em seco. Ele mastigou devagar e engoliu. Depois, cortou o fígado o devorou também, comendo um dos olhos junto.

Ele comeu tudo bem devagar, sem dizer uma única palavra, mas quando limpou o prato, fechou uma das mãos e deu um soco na mesa, que fez um barulho escandaloso e me fez gemer de susto.

—Incrível!- gritou de olhos arregalados.- Se continuar assim, eu posso pensar em te compensar.

Suspirei, aliviada.

—Compensar como...?- perguntei.

—Sem mais perguntas.- ele mudou de assunto.- Tire o coração como eu te mandei e limpe tudo depois.

Fui novamente até o corpo da mulher e, com cuidado, retirei o coração. Eu já havia feito aquilo antes, então não foi tão complicado fazer de novo. Pesava um pouco e o vermelho que o cobria era lindo.

—Limpe o sangue e me espere. Eu já volto.- disse Jeff e saiu da cozinha.

Lavei o coração e o sequei levemente com um pano, apenas dando batidas. Jeff voltou com uma caixa de madeira nas mãos e a colocou em cima da mesa. Ela tinha detalhes esculpidos na tampa e parecia ser muito cara. Ele levantou a tampa e o interior da caixa estava forrado com algum tipo de pano escuro.

—Coloque aí dentro.- ele disse.- Com cuidado.

Fiz o que ele pediu e ele fechou a caixa.

—O que vai fazer com isso?- perguntei.

—Vou vender.

—Mercado negro?

—E onde mais seria? Na padaria?

—Mas como você vai fazer isso? Você pode contatar com pessoas de fora? Quer dizer, você é o assassino mais perigoso e perseguido do mundo, e vai simplesmente falar com outras pessoas assim? Além disso...

—Cala a boca! E fala devagar, isso me irrita demais, garota.

Suspirei.

—Desculpa. E além disso...- falei mais devagar.- o que você vai fazer com o dinheiro?

Ele riu.

—Vou deixar você descobrir tudo sozinha. Mas... o que fazer com o dinheiro? Não é óbvio? Dinheiro é o que move tudo.

—Mas Jeff... vamos ignorar o fato de você roubar, como você poderia comprar alguma coisa?

—Nunca ouviu falar de mercado online? Tem um computador aqui.

—Sim, mas de qualquer forma...

—É por isso que eu vou te usar, idiota! Acha mesmo que sou eu quem vai fazer tudo?!- ele se alterou.- Agora para de falar disso e vai limpar tudo isso! Leva esse corpo lá pra cima e vá dormir!

Ele saiu impaciente da cozinha e entrou na sala, mas não sei para que cômodo foi.

Antes de limpar tudo, levei o corpo da mulher para onde ele tinha me dito, no banheiro do andar de cima. Foi muito complicado, precisei arrastá-la até lá, até mesmo para subir as escadas, onde o corpo pareceu ficar mais pesado, e fiz um rastro de sangue pela casa.

Merda, vou precisar limpar tudo isso.

Quando cheguei com o corpo na parte de cima, o deixei perto da escada e fui ver em qual das quatro portas do grande corredor se encontrava o banheiro. O corredor era decorado com quadros, e abajures nos cantos, e tinha preteleitas com livros entre as portas, além de objetos para hobbies, como um cavalete encostado na parede. A porta da esquerda tinha um quarto com uma cama de casal. Uma das portas em frente à escada era um quarto com papel de parede azul escuro, cheio de estrelinhas, como a galáxia. A porta ao lado apresentou um quarto mais claro, com um beliche. E a porta à direita, a mais próxima à escada, era o banheiro. Como eu não reparei naquela maçaneta ensanguentada?

Ele era maior que o debaixo e se eu não tivesse me acostumado com a bagunça de Jeff, teria estragado minhas cordas vocais de tanto gritar. Um filme de terror nunca conseguiria produzir um cenário daqueles.

Primeiramente, o cheiro dali era horrível, de carne podre. Havia sangue quase seco manchando as paredes e o chão. Sentado ao vaso sanitário, em cima da tampa, com o corpo encostado na parede de trás, estava um homem... que já não era mais homem. Jeff tinha feito algo no rosto dele que eu nunca tinha o visto fazer.

O homem estava com o corpo inteiro, o problema era seu rosto. Jeff aparentemente arrebentou a mandíbula do cara, que estava com a boca tão aberta, que sua úvula estava facilmente visível. A boca era aberta, pelo menos, até o fim do pescoço. Além disso, Jeff a havia cortado nos cantos também, para formar um sorriso, feito tão profundamente, que abriu as bochechas do homem, e deixou a lateral de suas gengivas expostas. A língua estava pendurada, caindo fora da boca, tocando o lábio inferior. Me perguntei o que Jeff tinha feito para deixar o homem naquela situação e o imaginei colocando os dedos por dentro da boca dele e puxando para baixo com agressividade.

Além da boca, ele arrancou as pálpebras inferiores e superiores dos olhos, então parecia que o homem estava com os olhos mais arregalados do que qualquer um jamais pudesse estar, e escorria por eles sangue, como se o homem estivesse chorando aquilo. A cabeça careca tinha um pé de cabra atravessado por si. Estava terrivelmente machucada do lado direito, como se tivesse recebido as pancadas ali para que o pé de cabra pudesse ser passado. Do lado de onde o ferro saiu, estava completamente vermelho, e com pedaços de carne.

Um pouco à direita do vaso sanitário havia os corpo de um garoto, que aparentava ter uns 7 anos. Ele também estava sorrindo, mas não tão terrivelmente quanto o homem. O menininho não tinha olhos, e as órbitas estavam quase negras de tão escuras. Ele usava um pijama de mangas e calças compridas, mas percebi que não haviam mais ferimentos por seu corpo, então imaginei que Jeff teria feito aquilo com ele vivo, e ele morreu de hemorragia.

Do outro lado do banheiro, próximos à banheira, haviam dois corpos empilhados. Eram duas garotas, com os vestidos quase idênticos, se diferendo apenas na cor: a garota debaixo estava com um vestido rosa, enquanto a que estava por cima dela, usava um vestido azul. O cabelos grudados ao chão e ao rosto eram do mesmo tamanho e da mesma cor, o que me fez pensar que eram gêmeas. Elas pareciam ter a idade do menino e, apesar da debaixo estar com o rosto encoberto, eu pude ver o da de cima. Estava igual ao menino, mas percebi que a garganta dela estava profundamente cortada, e imaginei que a garota debaixo estava na mesma situação.

Quando me virei para ir pegar o corpo da mulher, vi o que mais me assustou, e o que eu não gostaria de ter visto. O bebê estava dentro da pia. Quando percebi aquilo, desviei o olhar tão rapidamente que quase não notei os detalhes, mas mesmo assim, pude captar o que Jeff fez. O bebê estava sem roupa, apenas de fralda. Não tinha os braços e as pernas, o que o fez caber perfeitamente dentro da pia. E seu rosto estava deformado, mas não olhei o bastante para saber como. Fechei meus olhos com força e fui buscar o corpo da mulher.

A arrastei para o banheiro, perto das meninas. Quando a soltei, tirei o casaco aberto e ensanguentado e, de olhos fechados, fui até a pia e o coloquei em cima do bebê. Até pensei em embrulhar e tirá-lo dali, mas pensei no que Jeff faria se soubesse disso, então deixei para lá. Saí rápido daquele lugar e fechei a porta. Olhei escada abaixo e pensei no quanto teria que esfregar para tirar aquele rastro de sangue dali.

Procurei por toda casa produtos de limpeza até que, na cozinha, encontrei uma porta trancada, com as chaves na tranca. Destranquei abri a porta, que dava a uma escada, levando a um porão.

Por que aquele doente não trouxe os corpos para cá? pensei.

Desci e percebi uma cordinha no teto, que puxei e a luz se acendeu, iluminando o cômodo. Haviam prateleiras com comida enlatada, livros, ferramentas. Caixas espalhadas por toda parte. O chão era de terra e eu pude sentir o cheiro dela. Fiquei com muita vontade de comer aquela comida, mas primeiro me foquei em fazer o que Jeff me tinha pedido, para que não sobrasse para as minhas costas depois. Encontrei produtos de limpeza em uma prateleira, no canto. Vassoura, balde, rodo, pano. Peguei tudo o que precisava e voltei para a cozinha.

Limpei tudo, desde onde começou até onde terminou a sujeira, e quando acabei, nem podia mais sentir minhas pernas e meus braços. Eu estava horrivelmente cansada, mais cansada do que com fome. Mas sabia que precisava me alimentar.

Voltei para baixo e guardei os produtos de qualquer jeito, em qualquer lugar. Olhei para as latas e imaginei que talvez tivesse comida normal lá em cima, que não fosse preciso esforço para serem abertas, então subi e fui em direção à cozinha novamente.

Abri a geladeira e percebi uma infinidade de alimentos, alguns já preparados. Tinha uma torta magnífica, a primeira coisa em que meus olhos focaram, e foi exatamente o que peguei para comer.

Me sentei onde Jeff havia se sentado e, ao invés de pratos e talheres, comi com as mãos, pegando qualquer parte da torta, e ri, percebendo que estava mais selvagem que Jeff. Aquele alimento era incrivelmente saboroso, e o sabor de chocolate era bem acentuado. Não sei o quanto comi, mas foi o suficiente para fazer meu estômago começar a doer. Coloquei o que sobrou na geladeira, lavei as mãos e o rosto na pia da cozinha. Bebi água de uma garrafa que estava dentro da geladeira, e a esvaziei.

Subi as escadas e fui em direção ao quarto com a cama de casal. Eu não fazia ideia de onde Jeff estava, e nem queria saber. Só queria ter o privilégio de me deitar em uma cama pelo tempo que me fosse permitido. E foi o que eu fiz. Não olhei o quarto, apenas tirei as botas, apaguei a luz, fechei a porta e me joguei naqueles edredons macios. Fiquei de olhos abertos na escuridão por bastante tempo.

O que é a vida...? me perguntei.

Porém, eu não queria pensar em nada, absolutamente nada. Então me cobri, me virei de lado e fechei os olhos, para tentar dormir. Mas eu não consegui.

Depois de 20 segundos com os olhos fechados, eu comecei a ficar com medo. Aquele medo idiota que as crianças sentem do escuro. Medo de abrir os olhos na escuridão e encontrar uma figura desproporcional na sua frente e não ter para onde correr. Medo de que alguma coisa puxasse meu pé. Medo de ver algo estranho me olhando pela janela. Medo de que algo saísse de dentro do armário. Medo de fantasmas, porque eu sabia que eles eram reais, e sabia que eu tinha todos os motivos para ser atormentada.

Puxei o cobertor para cima de minha cabeça e me encolhi. Fechei os olhos com força e tentei afastar esses pensamentos, mas eles não iam embora. E eu me senti vulnerável, mesmo com os cobertores, mesmo encolhida e mesmo com os olhos fechados. Minhas costas começaram a suar e meu coração começou a bater rápido. E uma maldita e forte vontade de urinar invadiu o meu corpo, mas eu não queria nem mexer os meus dedos. O quarto estava escuro e tão silencioso, que eu podia ouvir até meu coração batendo.

Foi quando eu senti um cutucão por cima do edredom, me atingindo no ombro.

E eu não consegui me segurar, e urinei na cama, e gemi de medo, mas não queria fazer barulho. Senti o cutucão mais forte, e cobri mais ainda meu rosto, bem devagar, deixando pelas cobertas apenas uma frecha para que pudesse respirar.

E senti o cutucão de novo.

E de novo.

E com mais força.

 E eu queria fingir que estava dormindo, mas a coisa continuou me cutucando, cada vez com mais força, machucando meu ombro.


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Notas finais do capítulo

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