Uma Seleção com Rosie Ambers escrita por ANA


Capítulo 8
Capítulo 7




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Quando dei por mim, estava em meio a uma cena bem inusitada: caída em cima da saia de meu vestido, estava princesa Kerttu e havia terra molhada me sujando, melhor, lama.

"Ah, não, não!" Bridget choramingou passando a mão pela borda de seu vestido que recebeu respingos.

"Desculpem, foi sem querer" Kerttu se levantou com a ajuda do guarda e ergueu o vaso com uma muda de samambaia que agora estava preenchido pela metade de terra.

"Tudo bem... " sorri amarela. "Alteza" Completei sem evitar pensar o quanto era engraçado ter que prestar homenagem e devoção a uma criança de oito anos.

Com seus cabelos castanhos bagunçados pela queda, roupa suja e um sorriso delicado e tímido, Kerttu poderia se passar por uma menina comum. Mas ela era a herdeira do trono de Illea e como primogênita da Rainha Eadlyn estava em primeiro lugar na fila do trono, antes mesmo de seus tios Ahren, Kaden e Osten...

Me levantei, encarando a ruiva ao meu lado. Percebi o rosto de Bridget trocar de raiva para alegre.

"Ah! princesa Kerttu, é um prazer conhecê-la", disse, exibindo um sorriso com todos os seus dentes brancos.

Burra ela não era...

A princesa se deu conta da presença de Bridget.

"O prazer é meu! Eu sou muito sua fã, Bridget, você é perfeita!"

A ruiva se agachou para falar com ela.

"Obrigada, você é que é, minha linda! Vai querer um autógrafo?"

Troquei um olhar com o guarda e o mesmo estava de sobrancelhas erguidas com a cena. Provável que com a bipolaridade de certa pessoa...

"Eu quero!" Kerttu deu alguns pulinhos de alegria." Eu vou buscar um papel e caneta, mas, antes, eu tenho que pegar mais terra para minha plantinha." Ela ergueu a pequena muda sorrindo."Você vem comigo?"

"Ah, não, querida! Tenho que me trocar correndo para o jantar das Selecionadas. Não posso ir com o vestido assim..."

A ruiva rapidamente se retirou subindo os degraus, apesar dos protestos da princesa. Kerttu se virou para mim.

"E você? Pode me ajudar a pegar mais terra?"

"Bom, eu também me sujei "Apontei para o vestido. Vi o rosto da pequena se desanimar." Desculpe, eu preciso mudar de roupa também e não posso me atrasar, se não me chamam atenção."

"Mas é rapidinho! É a tia Silvia que cuida de vocês, não é?" Confirmei com a cabeça. "Eu prometo que falo para ela não brigar com você. Por favor!"

Ela me lançou um olhar fofo de súplica. Troquei outro olhar com o guarda que deu de ombros sorrindo. Suspirei.

"Tudo bem, princesa, mas tem que ser rápido mesmo."

Ela assentiu e segurou minha mão, puxando-me para a porta de vidro, de onde provavelmente entrou correndo.

Saímos em um jardim. Ele tinha uma grama muito bem aparada. Seguindo um caminho com os olhos, podia ver um banco solitário e mais à frente uma espécie de floresta.

"É por aqui." Kerttu apontou para a lateral. Foi quando meu queixo caiu.

"Aqui tem uma estufa!" Não consegui conter o sorriso. Será que eu estava tendo uma miragem?

"Sim. Foi minha mãe que mandou construir quando eu tinha uns três anos. Minha avó Meri e a tia May deram a ideia", falou enquanto nos aproximávamos do lugar. "Eu gosto de vir aqui todos os dias para molhar as flores." Disse empolgada.

Passamos por uma entrada de cascalho e entramos.

As paredes eram de vidro, mas o lugar possuía tantas plantas e árvores que eu quase julgava impossível ver o lado de fora, e vice-versa, em alguns pontos.

No meio da estufa havia uma fonte funcionando. Kerttu largou minha mão e correu até lá. Ela apontou para a água.

"Você pode limpar seu vestido aqui, é..." franziu a testa" Qual o seu nome? Eu esqueci de perguntar" deu um sorriso amarelo.

"Rosie" Sorri.

"Rosie tipo as rosas?" Ri de sua pergunta simples, mas, ao mesmo tempo, certeira.

"Sim. O meu pai que me deu. Ele é botânico, estuda plantas...e..."

"Que legal. Meu nome é Kerttu por causa de uma tia do meu pai que morreu de câncer." Eu assenti."Você sabia que eu que plantei essas flores?" A pequena já emendou a fala apontando para o lado direito. Ali estava um vaso largo com algumas margaridas.

"Elas são lindas. Teve um ótimo trabalho, princesa."

"Obrigada." Ela pegou uma pá ao lado do vaso e passou a roubar terra dele para o da sua muda. " Você também quer fazer?"Parou o trabalho e me encarou"Eu deixo."

Ela me estendeu uma pá extra. Trabalhamos juntas enquanto ela tagarelava sobre o jardim e a estufa.

Prendi o riso com o seu ar intelectual quando ela me falou sobre o livro de botânica que vinha lendo para aprender mais sobre o assunto e aplicar as ideias durante o cuidado com as plantas.

"As minhas flores preferidas são lírios e rosas. Mas eu gosto mais de lírios, eles são tão fofos! As pétalas parecem com as saias dos meus vestidos... E eu adoro quando eles têm aqueles pontinhos no meio, que nem onças-pintadas. Tem um monte deles ali, olha." Apontou para a esquerda.

"Legal" Concordei olhando para a direção enquanto terminava de colocar a terra. "Princesa Kerttu, eu acho melhor voltar correndo para o quarto. Acho que..."

"Eu te levo!" Ela fez um sinal com a mão para que eu me aproximasse dela."Eu conheço um atalho para chegar bem rápido, você quer ver?"

"É, pode ser..."

"Vem comigo!" Segurou outra vez em minha mão me puxando para uma outra porta da estufa.

Andamos por um corredor com paredes altas de folhagem verde-escura e seguimos até uma porta de vidro. Ela deu para saguão menor com um sofá médio e uma lamparina alaranjada.

"Aqui quase não tem guardas vigiando. Só tem um que fica passeando por aqui de vez em quando. Eu posso vir na estufa na hora em que eu quiser se os guardas dos corredores não me virem."

Ela disse num tom baixo e me mostrou uma sequência de números para abrir uma porta em específico, revelando uma escada de emergência.

Eu estava boquiaberta com a esperteza da menina.

"Era uma das saídas dos esconderijos que usavam quando os rebeldes entravam no palácio. Dá pra ir em todos os andares!"

Me lembrei sobre os comentários breves de minha mãe sempre esse tópico assim que fui sorteada. Não que fosse ter algum ataque, mas ela queria que eu procurasse saber sobre essas opções de fuga, por precaução.

Senti que isso era um fardo e tanto para ela...

"Como você está no segundo andar,"Kerttu continuou" Vamos sair na primeira porta com um símbolo de Illea. As outros vão para alguns esconderijos." Ela apontou para a porta correta e abriu-a bem devagar verificando os lados." Está limpo" lançou um sorriso maroto. Eu segurei o riso. "Pra que lado fica o seu quarto?" Perguntou assim que começamos a caminhar pelo corredor.

Tive um certo trabalho para lembrar. As alas pareciam demais...Depois de alguns minutos sem ideia para onde ir, me recostei numa parede.

"E agora? Como eu vou me trocar a tempo?"

"Tenta lembrar o número." a princesa apontou para uma porta com o número 27.

"Eu não reparei nisso quando cheguei..." Suspirei cansada. Foi quanto me veio à mente um detalhe: A minha ala possui uma janela, a maioria não tinha. Disse isso a ela e começamos a verificar. Eliminei várias assim até que uma que me foi familiar.

"Eu reconheço aquela pintura na parede. É aqui!" Corri para a porta com Kerttu ao meu encalço. A porta estava trancada." Audrey, Lee, Amy! Sou eu, Rosie" bati insistentemente até que Audrey abriu.

"Rosie, por que voltou cedo?" Dei espaço para que ela pudesse ver a princesa." Ah, minha nossa, Alteza!" Se curvou de imediato.

"Oh, a princesa" Ouvi a voz de Lee. Ela e Amy saíram da sacada e levaram o mesmo choque de Audrey, repetindo a reverência.

"Oi" Kerttu deu uma risadinha.

"Eu precisei voltar por causa de um acidente." Apontei para minha roupa.

"Seu vestido!" Lee exclamou.

"Fui eu que sujei ela de terra molhada. Eu estava com pressa para levar minha planta para o quarto, sem minha mãe ver, e esbarrei na Rosie." Uou.. dessa parte eu não sabia..."Aí, ela me ajudou a colocar a terra que tinha caído do vaso e viemos para ela trocar de roupa."

As criadas ouviram atentamente cada palavra da princesa. Lee disse que eu não devia me preocupar, afinal, haviam muitos vestidos disponíveis no meu armário.

Audrey sugeriu que eu usasse um azul marinho. O resto aprovou de cara e eu fui para o banheiro me trocar. Consegui convencê-las com muito custo que eu faria mais rápido sozinha.

Podia ouvir o barulho das vozes das quatro através da porta. Mais o de certa pequena que parecia contar uma história engraçada sobre ela tentando aprender a cavalgar e fazer o seu instrutor perder a cabeça várias vezes por ela quase cair do cavalo, ou ele cair. Não consegui entender muito...

Quando abri a porta, Amy estava sentada na cama sem seu lenço da cabeça e com o cabelo acabando de ser trançado por Kerttu.

"Você está linda, Amy" Elogiei e ela agradeceu." Agora, preciso ir ou...São quase oito e vinte!" Praticamente gritei ao ver o relógio.

Kerttu se jogou da cama falando para pegarmos o atalho outra vez. Nós nos despedimos das meninas e saímos quase correndo pela porta.

"Eu estou ferrada, princesa."

"Não está, não! Lembra que eu prometi te ajudar?"

"Lembro."

Eu só esperava que tudo desse certo...

Assim que descemos as escadas, Kerttu me guiou por umas portas até escancarar a porta da sala de jantar.

35 pares de olhos se voltaram unanimemente para nós. Silvia se levantou na mesma hora de uma cadeira.

"Senhorita Ambers, achei que não viria mais."

"Ah, é que..."

"Eu posso explicar tudo, tia Silvia." Kerttu correu até a mulher e sussurrou toda a nossa 'aventura' em seu ouvido.

Fiquei ali plantada no lugar. Os olhares das Selecionadas ainda estavam sobre mim. Procurei um lugar vago com os olhos e achei um do outro lado da mesa entre Mylene Kaviny e Paige Stuart.

"A história está esclarecida." Silvia disse em voz alta me chamando a atenção."Pode se sentar, Rosie. Vou pedir para te servirem".

Comecei a caminhada em direção a minha mesa, mas o som da porta do local se abrindo outra vez me faz parar. As garotas se agitaram com expressões surpresas.

"Majestade!" Me virei para trás vendo a rainha Eadlyn na entrada." Estava a procura da sua filha?"

"Sim, estava, Silvia. Boa noite meninas" Todas responderam um 'Boa noite' em coro.

"O cronograma dizia que nos veríamos apenas amanhã. Mas graças a Kerttu isso foi adiantado." Ela tinha uma certa seriedade ao falar, mas apresentava um sorriso nos lábios. "Sejam Bem-Vindas, fico honrada de recebê-las aqui e espero que estejam gostando... Kerttu e eu precisamos nos retirar, mas amanhã quero conversar com todas vocês pessoalmente."

Eadlyn fez um sinal para filha que correu para a abraçar. Eu continuei a andar para minha mesa até a fala da princesa.

"Mamãe, aquela ali é a Rosie. Eu esbarrei nela e na Bridget Collins, no corredor hoje." Voltei-me outra vez para a porta e vi Kerttu apontar para mim e para uma outra direção." Elas são muito legais. A Bridget vai me dar um autógrafo e a Rosie me ajudou a cuidar das minhas margaridas."

Eadlyn expressou confusão de início.

"Ah, obrigada por darem atenção a elas, meninas. Espero que Kerttu não tenha dado nenhum trabalho."

"Ei. Eu não dou trabalho!"Kerttu cruzou os braços com cara de emburrada.

"Não, imagina." A rainha rolou os olhos, provocando risos pela sala.

"A princesa, com certeza, não deu trabalho, Majestade" Bridget disse de uma forma pomposa. Concordei com a cabeça.

"Nenhum."

Eadlyn assentiu se despedindo de todos com a filha. Terminei meu caminho até a mesa após a porta ser fechada, sentando de frente para Samantha Hill. O jeito como me olhava não era nada amigável, assim como a maioria da mesa...

...

Suspirei frustrada. Apesar do conforto da cama, do ar fresco vindo da sacada e da calmaria que se fazia naquele quarto, eu estava há vinte minutos sem conseguir pegar no sono.

Flashes do dia passavam constantemente pela minha cabeça, junto com aquela sensação de que eu pudesse ter errado em algum momento. Era sempre assim. Se o dia fosse, em qualquer aspecto, fora do normal, eu repassava tudo.

Pensei na minha despedida, no sorriso de meus pais, na animação de Taylor e Hanna e na atitude estranha de Tyler. Eu agi friamente com ele. A garota de duas semanas atrás, antes do dia do incidente na piscina, costumava depender dele.

A garota que partiu naquele dia ignorou tudo, toda uma vida de companheirismo e cumplicidade. Tratei-o como se fosse um inimigo, alguém que não valesse nada e não tivesse boa alma. Mas eu sabia que, no fundo, ele não era aquilo...

Tyler era ele quem me defendia na escola desde o maternal e me incentivava a sair de casa, invadia minha casa sem aviso para alegrar o meu dia, estudava comigo para as provas, me acompanhava nas minhas maratonas de filmes e séries... Enfim, ele era o meu companheiro do dia a dia.Tyler rejeitou muitas amizades que me discriminavam para continuar ao meu lado. Mesmo quando meus pais tinham que se ausentar para fazer reuniões ou horas extras de trabalho na faculdade, eu não me sentia sozinha. Por sua causa.

Agora estávamos a quilômetros de distância e tudo o que eu mais queria era que aquela rotina voltasse. Me perguntei o que estaria fazendo. Numa festa com os amigos de Veronica? Sem nem lembrar que eu existo, me excluindo do seu pensamento? Aquilo me inquietava. Eu só queria que ele se tocasse sobre a garota com quem ele estava lidando...

Por falar em ignorância, agora eu estava com gente assim de sobra na minha vida. Desde o momento em que Jade e Bridget apareceram, pela manhã, até o jantar daquela noite. Eu fiquei em silêncio durante o resto da refeição. Todas as garotas conversavam entre si, eu era a excluída.

Observei Suki numa conversa com Emma a poucos metros de mim. Ela tinha muita sorte de ser mais aberta. Eu já não era, e ainda estava no alvo de todo ódio.

Me segurei para não chorar ali. As garotas já estavam na sobremesa quando cheguei, por isso foram deixando a mesa antes de mim. Terminei de comer por último e sai andando pelo saguão. Ainda teria algum tempo para conhecer o castelo, segundo as instruções de Silvia. Talvez eu conseguisse achar Suki... Uma mão no ombro me fez virar assustada.

"O que você fez?" Encarei Jade. Ela estava agora com mechas loiras no cabelo, no lugar das rosas. Ao seu lado estava Samantha e Blair.

"Como assim?"

"Não se faça de sonsa. Como conseguiu se aproximar da princesa Kerttu em apenas um dia?" Notei pelo canto do olho algumas selecionadas se ajuntando curiosas. Pelo visto, isso era o interesse de todas elas. Foi então que entendi o ódio na sala de jantar.

Elas acreditavam piamente que eu tivesse atingindo um patamar mais elevado na competição por causa de uma amizade com a princesa. Será que não entendiam que a escolha era do príncipe? E que a Seleção começava mesmo no dia seguinte?

"Foi apenas um acidente. Ela derrubou terra em mim. Depois me mostrou a estufa. Nada de mais."

"Você só tem cara de inocente"

"Não acredita em mim? Procure a Bridget, ela estava na hora. Agora, com licença." Eu dei meia volta e sai praticamente correndo dali. Tinha experiências o suficiente com humilhação escolar para saber que se não fugisse acabaria ouvindo mais palavras venenosas e me magoaria fácil.

Passei pelas portas do jardim, rumo às portas de vidro. O lugar estava calmo e deserto.

Aproveitei o momento no chão mesmo e ao lado da fonte para descarregar todas as lágrimas que queriam descer. Naquele instante, eu só queria o aconchego de casa, as pessoas que amava. Minha vida antes de ser sorteada não era a melhor de todas, mas era segura e confortável. Eu sentia como se estivesse numa numa bolha, bem sossegada, e de uma hora para a outra, ela tivesse estourado...

Fiquei por ali tentando me acalmar por um tempo até que um guarda apareceu na porta da estufa.

"Senhorita?"

"Sim?"

"Já passam das dez. Temos ordens de chamar todas as selecionadas para subir"

"Tudo bem. Eu já estou indo." Ele afirmou com a cabeça e saiu. Minutos depois eu estava no quarto.

Por sorte, quando cheguei, meu rosto já não estava tão inchado. Lee, Amy e Audrey me ajudaram a tomar banho e colocar minha camisola. Se despediram me avisando que, qualquer coisa, era só procurar um guarda no corredor com um roupão e pedir para chamá-las.

...

Acordei num sobressalto. Estranhei as paredes amarelas, a cama larga e os móveis escuros até me tocar que o lugar em que estava fazia parte da minha nova realidade e aquele de onde eu acabara de sair era apenas parte do meu subconsciente. Sonhei estar na Columbia, mas isso não parava por aí.

Eu me encontrava na casa de Veronica e procurava por Tyler. Achei-o perto da piscina e toquei em seu ombro. Ele se voltou para mim com uma expressão surpresa, perguntou o que eu fazia ali e eu respondi que queria lhe pedir perdão, além de que nós dois sempre fomos amigos inseparáveis e que não podíamos deixar com que uma pessoa estragasse nossa relação.

Tyler me abraçou forte. Ficamos um tempo assim até ele me chamar. Ele olhou nos meus olhos, encostando nossas testas, dizendo que eu significava tudo para ele e que valia mais do que Veronica. Então nós nos beijamos. Eu senti um arrepio e uma sensação boa que durou até acordar.

Saber que eu estava gostando daquilo foi o que mais me assustou. Uma vez me disseram que a maioria das coisas que sonhamos são aquelas que queremos que seja realidade. Passei as mãos pelos olhos e pelo cabelo ofegante.

Como aquilo era possível?

Eu tinha plena certeza de que o que sentia por Tyler era pura amizade. As suposições de minha mãe, Taylor e Hanna de que aquilo era muito mais me vieram a lembrança. Também recordei dos ciúmes que senti nas vezes em que Veronica se aproximava dele e de quando fiquei sem palavras quando Tyler colocou os braços ao redor de Veronica, me fazendo perceber haver algo entre eles. Por fim, o dia na minha casa em que me amargurei muito por saber que estavam namorando.

Os sinais e a lógica indicavam o que eu não queria aceitar.

Vislumbrei o relógio e vi estar perto da meia-noite. Aquilo era uma tragédia, eu não ia conseguir dormir tão cedo.

Levantei da cama e passei andar de um lado para o outro no quarto. As cenas de minha vida com Tyler passavam na minha mente e eu tentava descobrir se todo aquele sentimento tinha fundamento e, se tinha, desde quando surgiu.

Passei para a sacada para contemplar o jardim. Se ao menos houvesse uma possibilidade de sair ao ar livre para sentir o verde e relaxar do modo como sempre me acalmei...

Uma ideia me veio em mente.

"Não" disse em voz alta para mim mesma.

A passagem 'secreta' que Kerttu me mostrou mais cedo me levaria direto para a estufa. Agora eu sabia a senha de acesso de ida e volta. Eu só teria que lidar para não ser pega nos corredores, segundo ela. E, lá, eu poderia me posicionar num lugar que não tivesse visibilidade de fora, como tinha reparado. Comecei a rir sozinha. Eu estava mesmo considerando a ideia de uma criança? Se eu fosse flagrada, estaria fora da Seleção na mesma hora.

Então, tive um estalo na cabeça. Eu estava pouco me importando com aquela competição. Se fosse embora, estaria livre daquele ambiente de guerra. Teria minha vida de volta. Não havia o que perder. Foi com esse pensamento que corri até o armário e vesti um roupão por cima da camisola.

"Eu não acredito que estou fazendo isso..."

Abri a porta com cuidado e me dirigi à pequena escada. Tendo passado duas vezes por ela, consegui me lembrar exatamente o caminho.

...

Me admirei de não ver nenhum guarda. Deveriam estar perto das escadas maiores, como ponto principal de vigilância.

Senti um embrulho no estômago ao chegar no final das escadas. Que loucura eu estava fazendo! Aquilo não fazia meu perfil...

Respirei fundo várias vezes repetindo que não tinha nada a perder e se já tinha começado aquela loucura, eu iria até o final. O saguão também estava limpo. Passei bem rápido até a porta de vidro com medo de algum guarda em ronda.

Meus sentidos se acalmaram quando passei pelo longo corredor verde e entrei na estufa. Eu tinha conseguido. Imaginei a cara de Taylor e Hanna quando elas soubessem de tal fato. Elas iriam custar a acreditar, se o fizessem.

Olhei ao redor notando os vasos, os arranjos pendurados, os arbustos e árvores de porte pequeno. Meu pai ficaria louco se visse isso. Me lembrei de procurar um lugar bem escondido. Sorri ao ver que um tronco grosso de uma árvore voltado para alguns arranjos seria perfeito.

Me desloquei até lá me sentando. A brisa que soprava no interior da estufa era leve e refrescante. Minha mente continuou no assunto Tyler por um certo tempo. Eu decidi que devia esperar a hora de voltar para casa para realmente saber o que eu sentia. De todo jeito, ele estava com Veronica nesse momento, não adiantava nada sofrer por isso. Eu tinha que me concentrar na nossa amizade.

Voltei aos problemas no castelo... Pensei num fato diferente. As garotas lá dentro pareciam querer me devorar viva, mas não se tocaram de um detalhe: ser filha de Kriss Ambers não significava ser a mais bem vista pela família real, até porque minha mãe quase venceu a Seleção. Maxon ficou entre ela e America e não sabia até que ponto as duas foram amigas ou arque inimigas.

Eu tinha ciência de que nunca se falaram diretamente nesses anos e isso já não era um bom sinal. Então, numa realidade, sem lógica, de eu me tornando uma princesa e morando no castelo para sempre, minha mãe teria que aparecer para me visitar. Isso seria MUITO DESCONFORTÁVEL. No lugar de Maxon e America, não me sentiria numa boa se meu filho casasse com a filha de quem quase nos separou. Então, por que as selecionadas me odiavam? Elas eram burras por acaso?

Suspirei cansada daquilo.

"Vai entender." Disse em voz alta para mim mesma e arregalei os olhos ao ouvir passos. Eles pararam. Eu fiquei aliviada, porém, logo retornaram. Coloquei a mão na testa. O barulho indicava que a pessoa estava cada vez mais perto. Não era possível... a única burra ali, pelo visto, era eu. Por que tinha falado tão alto?

Engoli em seco e me juntei mais o meu vestido para ajudar a me esconder atrás da árvore ao ouvir o barulho do cascalho da entrada sendo esmagado. Provavelmente um guarda entrou na estufa.

A realidade e o pessimismo resolveram atacar.

Percebi que sim: não fazia a menor diferença estar ou na Seleção, mas se eu fosse descoberta, isso seria um adeus rápido a todos os novos amigos que fiz: Suki, Kerttu, Audrey, Lee, Amy... Não haveria muitas chances delas me visitarem na Columbia e vice-versa.

Tentei controlar o ritmo da minha respiração, que ficou descompassada.

"Quem está aí?" Uma voz masculina ecoou pela estufa.

Céus. A minha própria respiração tinha me entregado. Tentei segurá-la.

"Quem está aí? " Ele repetiu."Eu ouvi sua voz, sabe? É uma selecionada?"

"Sim" disse num misto de coragem e temor. "Sou sim. Me desculpe por desrespeitar a regra do toque de recolher, é que eu vi essa estufa mais cedo e eu precisava de um lugar florido para pensar..."

"....Pensar? Pensar sobre o quê?" Sua voz expressava curiosidade.

"Sobre tudo. A mudança para o Castelo, a vida que eu tinha antes de vir para cá..."

"Você... Não gosta do castelo?" Pareceu ofendido.

"Gosto!" Disse sem graça." Eu até gosto. Aqui é muito mais confortável e espaçoso que a minha casa. Mas... eu não estou acostumada com tudo isso."

"Sei... " ele, pelo visto, não estava muito convencido.

"Por favor, só imagine: Viver a vida toda numa província e, de uma hora para outra, estar em um lugar completamente diferente sem sua família e amigos, num lugar com pessoas desconhecidas. Como se sentiria?"

Ele não disse nada por um tempo.

"Talvez esteja certa, senhorita. Mas perdoe-me por perguntá-la. Já que está pensativa sobre sua estadia aqui, posso saber se está aqui no castelo por vontade própria?"

"Estou, por quê? Eu não me inscrevi na Seleção?" Franzi a testa.

"Você poderia ter se inscrito apenas para agradar sua família. Conheço uma pessoa que já agiu assim... De qualquer forma, fico feliz que alguma de minhas pretendentes não esteja se sentido entediada aqui." Ele riu fraco.

PRETENDENTES? Céus... Aquele era o Príncipe Osten. Mesmo assim, eu tinha que confirmar.

"Você é o Príncipe Osten?"

"O próprio." Ouvi ele andar. "Você está atrás da árvore, certo? Qual o nome da senhorita?"

"Por favor, Alteza, não se aproxime. Pela regra só devo te conhecer amanhã."

Se a simpatia de Silvia e a atenção de Kerttu me causaram problemas, imagina então as meninas ficarem sabendo que eu conheci o príncipe primeiro que elas.... Seria o meu fim!

Ele parou de andar.

"Ah, é. Mas de que importa seguir essa regra, sendo que você já quebrou a do toque de recolher?"

Seu argumento era bom,mas eu não podia deixar que ele me visse.

"Não acho justo com as outras garotas. Por favor,Alteza, eu sei que você é um príncipe e não precisa fazer o que eu quero, mas peço que pelo menos essa regra seja cumprida."

"Você falando isso só me deixou com mais curiosidade."

"Sinto muito, mas é o certo..."

Ouvi-o bufar.

"Como sou uma pessoa gentil, vou fazer o que me pediu."

"Obrigada,Alteza" suspirei aliviada.

"Por nada. Peço que diga apenas Osten, por favor."

"Então... obrigada, Osten"

"Por nada, novamente."

Tenho vontade de rir do quão esquisito isso soou, mas isso se dissipou assim que ele voltou a caminhar. Estava cada vez mais perto.

"O-Osten?"

"Sim?"

"Por que está se aproximando?" Ele riu. Parecia se divertir com meu desespero.

"Eu só vou me sentar aqui do outro lado da árvore. Não vou olhá-la, prometo."

Os passos cessaram, é como se ele estivesse se sentando.

"Posso te fazer mais uma pergunta, senhorita?"

"Sim..." Aquela situação de proximidade estava sendo um pouco estranha para mim.

"Como conseguiu chegar aqui sem os guardas te verem?"

"Bem, isso tem a ver com a princesa Kerttu."

"Kerttu?"

"Sim. Ela esbarrou comigo no corredor enquanto levava uma samambaia para a escada correndo para seu quarto. E.."

"Uma samambaia?"

"Aham" Osten começou a ter uma crise de riso inesperada. Fiquei tentando entender.

"Me desculpe... É que minha sobrinha é uma figura. Ela quer transformar o quarto numa floresta tropical e estava decidida que deveria começar por essas plantas. Deixa a Eadlyn descobrir isso..."

" Puxa..."

"Pois é, mas eu era pior na idade dela. Posso te garantir. Eu nunca vou esquecer do dia em que coloquei um pó que induz a coceira no terno de três diplomatas..." Arregalei os olhos soltando uma risada incrédula." Meus pais acharam que eu nunca ia tomar juízo... Agora, continue a contar. A Kerttu esbarrou em você..."

"Ah, isso me sujou de terra. Antes que pudesse sair para me trocar, ela me pediu para ver essa estufa e começou a tagarelar..."

"Como esperado..."

"Depois me mostrou um atalho para ir dos quartos até aqui que passa por escadas menores aqui perto."

"Fui eu quem ensinei esse atalho para ela. Acabei de usá-lo, inclusive, para vir... Amanhã é o aniversário de Kerttu. Ela gosta muito de plantas, como você deve ter percebido, e eu estava pensando em colher umas das rosas que ela gosta para colocar no quarto dela amanhã de manhã."

A lembrança da princesinha me mostrando suas flores me fez sorrir.

"Ela gosta mais de lírios" disse no automático.

"Como disse?" ouvi ele se remexer do outro lado.

"Ah, é que Kerttu me disse que preferia lírios ao invés de rosas na hora em que estávamos aqui."

"Ela nunca me disse isso. Então, gosta de lírios...Onde os acho?" Olhei para tais flores a minha frente.

"Estão desse lado. Eu posso pegá-los e te passar, você quer?"

"Seria ótimo."

"Ok.Mas, por favor, não olhe." disse levantando e esticando o braço para pegá-los.

"Eu sou um homem de palavra, senhorita."

Não aguentei.

"Qual a graça?"

"Você me chamando de senhorita. É estranho..."

"Você não disse seu nome. Eu não tive escolha! A não ser que tenha mudado de ideia."

Revirei os olhos.

"Não"

"Não custava tentar..."

"Quantos lírios você quer? Aqui tem muitos deles."

"Acho que um cinco está de bom tamanho"

"Aqui está" estendo minha mão ao redor do tronco e espero que ele pegue.

"Obrigado pela ajuda"

"Por nada" Repeti sua fala de mais cedo.

"Agora só preciso transformar isso em buquê com uma fita. Vai ser difícil, porque eu sou péssimo nessas coisas."

Dei um riso.

"Ahn, Osten?"

"Sim."

"Acho que está ficando um pouco tarde. Eu deveria voltar para meu quarto. Tem como você..."

"Virar para não te ver? É claro. Só espere um pouco." Ouvi ele afastar." Estou virado para o lado oposto,próximo à fonte e com os olhos fechados. Pode ir."

"Está bem. " Espiei para ver se era mesmo verdade. Assim que vi ele de costas, com os braços atrás segurando os lírios, caminhei para saída.

"Obrigada, A-Alte.. Quer dizer, Osten. Boa noite." Tive vontade de me espancar por gaguejar.

"Boa noite, senhorita." Escutei antes de sair da estufa." Não se preocupe com nada. Essa noite será nosso segredo."

 


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Notas finais do capítulo

Uhuuulll CAPITULOSÃO e olha a Seleção só começa no outro dia.
Até a próxima!! :)