Visco de Sangue escrita por Kaline Bogard


Capítulo 3
... Forever


Notas iniciais do capítulo

Esse é o último!

Vou tentar focar no desafio de Dezembro agora!

Obrigada pelo apoio ♥



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Kiba pisou em uma armadilha para ursos.

Shino observou o cenário, imerso em uma paralisia que durou dois segundos.

Era costume que os caçadores espalhassem as peças de ferro pela floresta no decorrer do outono, época em que os grandes ursos se tornavam mais brandos pelo período de hibernação e eram capturados com frequência. As armadilhas continuavam escondidas até o despontar da primavera por motivos semelhantes: os animais despertavam do longo sono um tanto lentos e fracos, se recuperando.

Todos em Konoha sabiam disso e evitavam a área perigosa.

Mas Kiba era um shifter. Não tinha como ele saber da tradição de caça.

— Não consigo abrir — a voz do garoto tremia de dor, sentado na neve e cercado por sangue vívido. Trouxe Shino à realidade — Me ajuda.

Urgência veio a ele. Abaixou-se e observou o ferimento: sangue minava em bicas, porque os dentes de ferro se cravaram na carne do tornozelo e resvalavam o osso. Um pouco mais... alguns centímetros a mais e teria decepado o pé do garoto.

Uma grossa corrente saia da armadilha e Shino não precisou investigar para saber que ela se estendia por entre a neve até se prender em alguma árvore, tal medida impedia que os ursos tentassem fugir mesmo presos e feridos.

Não conseguiria quebrar os gomos grossos, feitos para resistir a ursos capazes de esmagar toneladas. Também teve dúvidas sobre ir até Konoha e pedir ajuda para algum adulto. Podia confiar em alguém além do pai para entregar o shifter? Talvez um professor... mas mesmo assim os riscos eram grandes!

— Shino — o garoto gemeu. Os olhos marejados lutavam para não deixar rolarem as lágrimas. Akamaru ia de um lado para o outro, latindo desesperado.

O jovem humano decidiu-se. Teria que abrir a armadilha. Sua força precisava bastar! Não hesitou mais.

— Vai doer — avisou de um jeito inútil.

Kiba só balançou a cabeça, numa forma de incentivo. Então Shino segurou nas duas partes da armadilha e testou. Era firme, exigiria muita, muita força para destravar.

Respirou fundo duas vezes e forcejou com tudo o que tinha para abrir a peça de ferro. O shifter gritou e dor e serviu como incentivo para Shino emanar o Chacra no limite do próprio esforço. Suor juntou-se na fronte, todavia não fraquejou, foi em frente até conseguir a circunferência completa e retravar a armadilha para ursos.

Com cuidado levantou a perna ferida e empurrou a armadilha para longe. Kiba caiu pra trás, afundando um pouco na neve fofa. A face estava lívida, com um aspecto fragilizado, brilhando de suor. Agora chorava abertamente, sem qualquer preocupação em tentar parecer forte.

Shino rasgou a barra do longo casaco e usou para envolver-lhe o tornozelo em uma bandagem improvisada. Ignorou a feiura do machucado, assim como ignorou os gemidos e soluços de dor.

O dilema sobre levar Kiba para a aldeia voltou. Era um risco muito grande para decidir sem ponderar. Embora tempo para pensar era tudo o que Shino não tinha. A bandagem logo se empapou de sangue. O rosto contorcido de dor assumia uma palidez assustadora. Não sabia desde quando o shifter estava preso, tentando se libertar e perdendo sangue em abundância.

Por outro lado, levá-lo para o território shifter colocava a vida do jovem humano em perigo. Não imaginava o quão hostil aquela raça poderia se tornar ao levar um deles ferido para casa.

— Me mostre o caminho — disse para Akamaru. Arriscado ou não, era a única decisão que Shino poderia tomar. Nem os conhecimentos de seu pareciam suficientes para dar conta da situação. Precisavam de ajuda especializada.

O cachorro latiu e tomou a dianteira, indicando qual rumo deveriam seguir. O rapaz demorou meio segundo para pegar o shifter nos braços, surdo as manifestações de dor que aquilo causou. Se prestasse atenção, seu coração se partiria de tristeza, levando embora a coragem de sair do lugar.

Por sorte era um ninja ágil, cada passada afundava rápida na neve, mas já se erguia veloz para o próximo impulso que o fazia acompanhar Akamaru sem dificuldade.

Em algum momento uma das mãos de Kiba se agarrou ao casaco de Shino, segurando firme em busca de algum conforto pela dor excruciante. Breve olhar para baixo comoveu Shino, que notou pela primeira vez o ramo de visco que o shifter segurava na outra mão junto ao peito. Ficou curioso, pois foi impossível não lembrar do mito que envolvia tal plantinha. Pensamentos que sumiram de sua mente, não era local nem momento para lendas de natal.

Correram por toda a floresta silenciosa e fria, até o paredão de pedra que sinalizada o fim do percurso. Cenário que intrigou Shino, pois era impossível escalar tal obstáculo! Ao menos para humanos como ele...

O impasse não durou muito.

Akamaru latiu, como se o chamasse, farejando próximo à base. Shino observou, em dúvida sobre o que fazer, quando sentiu Kiba tentar emanar um pouco de energia, que veio fraca junto com um gemido. Mas em quantidade suficiente para fazer uma das rochas se mover lenta para o lado.

Havia ali uma passagem secreta protegida por uma técnica que usava Chacra! Quem não tivesse energia shifter jamais encontraria!

Por trás da pedra se descortinava um túnel apertado, escuro e úmido, no qual Shino entrou sem medo. Acabou arranhando-se nas paredes ásperas e rasgando o casaco em diversos pontos, contudo fez o possível para proteger o shifter em seus braços, principalmente a perna ferida.

Depois de avançar por longos minutos, pisando em um solo irregular, conseguiram atravessar todo o paredão pelo lado interno. E saíram em um lugar surpreendente! Uma nova floresta, com vegetação diferenciada e rústica, quase mística.

Até o ar era um tanto diferente, com energia mágica a atingir o chacra de Shino. Nunca sentiu nada parecido, era desconcertante e agradável!

Akamaru latiu com raiva. Estava mais a frente, esperando por Shino que se paralisara de surpresa pela descoberta inusitada.

— Perdão — pediu e recomeçou a correr.

Algum tempo depois divisou as casas, construções agrupadas em uma grande clareira, similares aos lares de Konoha. O ninken aproximou-se de um dos primeiros e pôs-se a latir copiosamente.

Shino entendeu que aquela era a casa de Kiba.

Aproximou-se no segundo em que a porta se abriu e uma mulher revelou-se. Claramente mãe de Kiba (ou uma parente muito próxima). Os olhos selvagens eram idênticos. Os cabelos castanhos e o ar indomado provavam os laços de sangue.

— Ele se feriu — Shino evidenciou o garoto em seus braços — Precisa de ajuda.

— Entra — a mulher shifter cedeu espaço e Shino obedeceu — Onde meu filho se feriu?

Ela perguntou enquanto atravessavam uma sala de móveis quase primitivos com uma lareira acesa aquecendo de modo confortante. Foram direto para uma das portas que se abria em um quarto simples.

— Armadilha para ursos. Está bem feio.

— Coloque-o na cama, vou chamar o curandeiro — fez menção de sair, mas voltou-se no último segundo — Meu nome é Inuzuka Tsume. Como se chama, humano?

— Shino. Aburame Shino.

Tsume acenou e saiu sem receio de deixar o filho sozinho com o desconhecido. Sentiu de longe o cheiro do garoto, cheiro que captava de vez em quando, fraquinho nas roupas de Kiba no decorrer dos últimos meses, mesmo o moleque achando que escondia bem o seu “segredo”. Era o aroma de humano, sim. Mas também algo que remetia a muita bondade.

—--

O curandeiro shifter veio rápido.

Shino estava sentado na beirada da cama, pois ao colocar Kiba sobre o colchão não conseguiu se afastar. O menino continuava agarrado em seu casaco, incapaz de soltá-lo. E Shino não teve coragem de forçar a quebra de contato. Apenas acomodou-se quietamente, condoído em ver como o outro parecia sofrer.

Sangue logo manchou a cama, o próprio casaco de Shino tinha grandes manchas vermelhas.

Esperou pelo que pareceu ser uma eternidade, ainda que pouquíssimos minutos se passaram, até porta do quarto se abrir e Tsume entrar com um shifter grande e forte, de aura poderosa.

— Esperem lá fora — ele decretou com a voz rouca.

Shino teve que obedecer, com cuidado abriu os dedos que seguravam sua roupa e levantou-se. Tsume não questionou, apenas aproximou-se da cama e pegou o ramo de visco que seu filho ainda segurava.

— Besta — ela resmungou cheia de carinho.

Quando saíram do quarto, Shino logo viu a outra mulher parada na sala, junto à lareira. Era uma jovem shifter linda, de aparência nobre, quase aristocrática, ainda que um toque selvagem brilhasse nos grandes olhos, prova de que era parte daquela família.

Mas o que prendia a atenção era a grande barriga gestante que ela exibia. O parto deveria ser muito em breve!

— Como ele está?

— O curandeiro irá avaliar — Tsume suspirou. Então estendeu o visco e entregou para a moça — Seu irmão pegou isso para você.

Shino compreendeu que a futura mãe era Hana-nee, irmã mais velha de Kiba! Não sabia que ela esperava um bebê, pois Kiba nunca comentou.

— Kiba — Hana mordeu os lábios, desolada.

Shino não compreendeu e a confusão deve ter ficado evidente em sua face, pois Tsume virou-se para ele e explicou:

— Para bebês nascidos no inverno costumamos pendurar visco sobre o berço. Isso atrai bênçãos e boa sorte. Mas no nosso lado da floresta é raro encontrar visco.

Só então tudo fez sentido. Por isso Kiba se embrenhou em uma parte da floresta em que poucos iam e se arriscou sem saber! Se tivesse falado para Shino, conseguiria a plantinha de modo fácil e rápido. No quintal da casa Aburame tinha muitas que cresciam quase como pragas.

— Ele vai ficar bem? — perguntou com preocupação.

— Claro que vai — Tsume riu — Kiba é duro na queda. O Ômega mais forte da nossa vila. Mas vai perder uma orelha, pra aprender a ter cuidado. Me conte tudo o que aconteceu, garoto.

Shino começou a narrativa, de modo sucinto e rápido. Tsume notou a ênfase que o garoto colocou na tradição humana de caçar ursos naquele local e na época em que estavam, querendo clarificar que não era nada contra shifters ou proposital para capturá-los. Insistiu que ninguém além dele sabia sobre as aventuras de Kiba.

Ao final, Tsume foi a cozinha e voltou com um canecão de vinho quente artesanal e um grande pedaço de pão.

— Sou grata por ajudar meu filho. Se alimente antes de partir, porque você não pode ficar aqui. Humanos não são bem vindos — havia certo pesar nas palavras de Tsume, que não se sentia a melhor pessoa ao basicamente expulsar aquele que trouxe Kiba de volta. Porém as regras eram rígidas. O cheiro do rapaz logo se espalharia e teriam que lidar com um humano desconhecido que sabia como chegar à vila shifter.

Shino aceitou o pão, mas recusou o vinho.

— Vou embora agora mesmo — o coração se partiu. Não teria chance de se despedir do menino a quem amava mais do que simples amigo.  Apesar disso sabia que estar ali era um risco que aumentava a cada segundo. Envolvia a si próprio e à família em cuja casa estava.

— Akamaru te mostrará o caminho de volta. A passagem se abre pelo lado de dentro sem precisar emanar Chacra — foi a única coisa que Tsume disse.

— Obrigada — Hana agradeceu com sinceridade.

Shino respondeu com um gesto de cabeça. Lançou um derradeiro olhar em direção à porta do quarto e deu o sofrido passo para sair daquela casa. Não sabia se teria notícias de Kiba algum dia, mas as palavras de Tsume eram tranquilizadoras e verdadeiras: Kiba era forte. Sairia daquela para aprontar muitas travessuras ainda.

Agarrou-se a essa esperança como um náufrago abraçaria sua tábua de salvação.

—--

Só ao voltar para casa deu-se conta do quão tarde era.  A madrugada chegava ao fim, vencida pelo novo dia.

Shibi aguardava o retorno do filho, sua única família, sentado na sala a observar as chamas da pequena lareira. Lançou um olhar inquisitivo ao filho, do qual Shino podia se esquivar. Seu pai nunca o obrigaria revelar coisas que guardava, mesmo que isso significasse chegar em casa com sangue no casaco.

Todavia Shino não ficou calado, sentou-se ao lado pai e partilhou o pão que ganhou e que não sentiu vontade de comer até então.

Contou todo o seu segredo, desde que se sentiu observado a primeira vez, o contato com o shifter, os treinos durante longas tardes que se transformaram em conversas morosas dividindo bento sem grandes pretensões.

Finalizou com o terrível acontecido da noite, a visão e o odor de sangue ainda muito nítidos em sua memória. Enquanto narrava, a adrenalina saia do sistema sanguíneo. Começou a sentir os efeitos da aventura. As mão tremeram de leve e suaram. A boca tornou-se um tanto seca, o canecão de vinho ofertado por Tsume-san seria bem-vindo naquele instante!

Shibi escutou em silêncio, salvo uma ou outra constatação pontual. Nunca tinha visto um shifter em toda a sua vida. Podia dizer que o filho era sortudo.

— Ouvi dizer que shifters não abandonam uma amizade. Vocês se encontrarão de novo — garantiu.

Shino confiava no pai, as palavras vieram com um conforto extra que o aliviaram e o alegraram por ter contado tudo.

—--

O inverno foi longo e rigoroso. Nevou a maior parte do tempo, de modo que os moradores de Konoha pouco saiam de casa com medo do clima inclemente.

Quando o sol se redesenhou no céu esticando a claridade dos dias, foi época de voltar a ativa. Crianças regressavam para terminar o semestre letivo. Missões corriqueiras dos times ninjas reativaram. Tudo entrou nos eixos.

Cheio de esperança, Shino retomou a rotina de treinar à beira do lago, na esperança de reencontrar Kiba.

Às vezes sentia tentação de procurá-lo no território shifter, ideia descartada sem muita insistência. Ir até lá causaria um incidente entre as raças. Shino não era ousado a tal ponto. Preferia esperar com as tranquilizadoras palavras de Tsume e Shibi a ampará-lo. Além disso, não tinha energia shifter! De que adiantaria ficar vagando perto do paredão, sabendo da passagem e incapaz de abri-la?

Kiba ficaria bem. Shifters nunca abandonam uma amizade.

E foi no final de abril, período em que a primavera seguia esplendorosa, que Shino teve a saudosa sensação de ser observado. Procurou em derredor, e lá estava o shifter lobo que mais parecia um macaquinho: Kiba e o ninken sentados em um galho de árvore.

— Yo! — ele acenou.

— Olá — Shino respondeu comedido enquanto o peito explodia em milhões de fragmentos, cada um com um tracinho de pura alegria.

Kiba saltou, aterrissando na grama com agilidade. Estava com uma aparência ótima: saudável e cheio de vida. No tornozelo, logo acima dos pés descalços, trazia a cicatriz que o marcaria pelo resto da vida, a lembrança de que quase perdeu um dos pés naquela triste noite de inverno.

— Meu sobrinho nasceu! — Kiba foi dizendo e cruzando as mãos atrás da nuca — É um garotão! Quando ele crescer eu trago pra você conhecer.

— Claro — Shino esperou o garoto se aproximar, sorrindo e conversando como se nem tivessem se separado pelo longo inverno — Será um prazer.

— E obrigado por me ajudar. Se não fosse por você nem sei o que teria acontecido — o shifter só parou de avançar quando ficou bem pertinho de Shino, o bastante para invadir-lhe o espaço pessoal.

Shino analisou os olhos brilhantes de expectativa, animação. Havia um convite ali, que ainda que fosse jovem, podia compreender. Segurou o rosto de Kiba com as duas mãos, um gesto ousado e coberto de devoção. Não pediu permissão, apenas inclinou-se de leve e uniu os lábios de ambos, notando no limiar da mente que Kiba também ia fechando os olhos em antecipação.

O gesto foi singelo, quase pueril. Um mero roçar de lábios de jovens que dão os primeiros passos nos caminhos diligentes do amor. Em seguida passou os braços pelo corpo menor e o puxou de encontro ao peito.

— Senti a sua falta — Shino confessou, feliz ao perceber que Kiba o abraçava pela cintura — Muita.

— Eu também, Shino! Só hoje consegui driblar minha mãe.

A frase lembrou ao rapaz humano que as opções que fariam não eram simples. As raças se antagonizavam, obstáculos surgiriam de ambos os lados. Valeria a pena lutar? Valeria a pena insistir e seguir adiante?

Sim.

Foi o que concluiu mirando firme nos olhos de Kiba, que sorria de pura felicidade. Compreendeu que o shifter se sentia igual em expectativas e esperanças, cheio de planos para o futuro a longo prazo que envolviam os dois ficando juntinhos.

Valia a pena lutar por isso.

E um novo beijo selou a decisão. Dessa vez pouco tinha de casto!

And I just wanna stay with you
In this moment forever
Forever and ever

 


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Notas finais do capítulo

E assim termina mais um conto de fadas ShinoKiba.
Que ano incrivel! ♥ obrigada a todos os envolvidos!

Deby, dá sinal de vida! To preocupada, mulher!



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