Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 26
Meu querido (e verdadeiro) Seokjin




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— Eu... — ele iniciou, provavelmente logo interrompendo sua fala pela dificuldade em encontrar palavras para se expressar. — Eu preciso de algum tempo para processar tudo isso.  

Dito isso, Kim Namjoon tomou um longo gole do seu café gelado, o qual eu tinha feito questão de lhe comprar para preparar o terreno, digamos assim. Por se tratar do fim do horário de almoço da grande maioria dos trabalhadores da zona empresarial de Seul, onde eu tinha pedido Namjoon para me encontrar, a cafeteria estava cheia e, mesmo que eu tivesse pensado em escolher uma mesa mais afastada da concentração de pessoas, não tinha parado para pensar que o oficial Kim fardado no meio de um estabelecimento repleto de engravatados sociais ainda assim atrairia tanta atenção.  

Era óbvio que atrairia. 

Contudo, nem mesmo os olhares desconfiados e curiosos na nossa direção conseguiram se colocar entre o meu objetivo e eu mesma. Aos poucos, e julgava eu da melhor maneira possível, eu contei toda a verdade sobre Jimin e o seu passado para Namjoon — tudo, sem tirar e nem por uma única vírgula. Falei sozinha por cerca de meia hora, enquanto assistia a uma grande variedade de expressões passearem pelo rosto de Namjoon conforme ele me ouvia em silêncio. O policial tinha ido de instigado pela minha conversa a surpreso pelos fatos, até chegar na fase horrorizada na qual se encontrava. Mesmo que convivesse com o mundo do crime e provavelmente já estivesse acostumado a conhecer pessoas como Park Yeonan, o Kim ainda assim parecia chocado demais com toda aquela história para conseguir formular frases firmes e que fizessem sentido.  

— Isso... — pausou mais uma vez, me fitando em seguida. — Isso é demais para uma pessoa só. Agora eu entendo o porquê de Jimin nunca ter se sentido confortável para me contar o motivo do seu sonambulismo ou porque não conseguia se curar disso... É horrível.  

— Eu não consigo imaginar como deve ter sido difícil para ele durante todos esses anos. — sussurrei para mim mesma, desviando meu olhar pesaroso de Namjoon por um momento. 

— Você tem certeza de que está tudo bem me contar isso? Eu e o Jimin não somos exatamente melhores amigos, ele pode não gostar quando descobrir. Digo, eu suponho que ele não saiba que você está aqui, agora. — indagou, preocupado.   

Contorci-me na cadeira, incomodada pelo não-intencionado lembrete de que eu ainda estava mentindo para Jimin.  

— Deixa que eu cuido dessa parte. — respondi, balançando a cabeça na tentativa de afastar as preocupações que vinham tirando o meu sono durante a noite e a minha concentração durante o dia. Como se isso fosse possível através de um gesto tão simples. — Kim Namjoon, o motivo pelo qual eu lhe contei tudo isso, mesmo sem o Jimin saber, é porque eu preciso da sua ajuda.  

Ele franziu o cenho.  

— E como eu seria de ajuda no meio disso tudo? 

— Eu preciso de duas coisas. Na verdade, eu preciso de acesso a duas coisas. — afirmei sem pensar duas vezes. Namjoon era a única luz que eu via no fim do túnel naquele momento e, caso ele se recusasse a me ajudar, eu não tinha ideia do que faria em seguida. — Primeiro, eu preciso acessar o arquivo do caso do Do Bo Gum.  

Instantaneamente, Namjoon arregalou os dois olhos, surpreso com o meu pedido, ainda mais feito tão diretamente. Sendo franca, eu ainda me sentia mal por tê-lo enganado da última vez por conta do arquivo de Jimin, então mesmo correndo o risco de levar uma bela de uma negativa do Kim, eu estava decidida a não mentir para o mesmo e nem tentar enganá-lo. Qualquer que fosse a sua resposta, eu estava disposta a ser completamente honesta com ele.  

Já me bastavam as mentiras para Jimin. 

— Por que você quer isso? — ele perguntou, o que já era diferente da reação defensiva que eu esperava. — A polícia não é brincadeira, Jeon Soojin. Eu não posso simplesmente... 

— Você se lembra de que eu lhe disse que consegui uma filmagem do Seokjin entrando e saindo da casa do Bo Gum no mesmo dia que ele morreu? — indaguei apressada, o interrompendo antes que ele finalmente me negasse ajuda. O Kim balançou a cabeça positivamente, o que me fez prosseguir. — Nessa filmagem tem o horário que o Seokjin esteve dentro da casa. Assim, se eu soubesse a hora exata da morte do Bo Gum e se os dois horários batessem... 

— Você conseguiria provar que ele é o assassino. — foi a vez dele me interromper, concluindo meu raciocínio em voz alta. — Ou, pelo menos, que ele estava na casa na hora da morte do Bo Gum, o que já seria motivo suficiente para a polícia reabrir o caso e tratá-lo como principal suspeito.  

— Exatamente. — afirmei. — Você me entende, não é? Na verdade, eu não preciso nem do arquivo do caso em si, mas se você pudesse apenas acessá-lo e verificar esse horário... Bem, já seria um enorme passo na direção de colocar esse monstro atrás das grades. 

De repente, Namjoon pareceu entender o meu ponto de vista, o que o fez recostar pensativo na sua cadeira, de frente para a minha. Ele levou a mão direita até o copo de café, onde só havia um resquício do líquido, mas desistiu em seguida. Depois, voltou a me fitar. 

— Qual é a outra coisa da qual você precisa? — indagou, frustrando as minhas expectativas de quem acreditava estar prestes a receber alguma resposta, por pior que fosse. 

Mesmo assim, eu resolvi me manter firme e apenas respondê-lo. 

— Da ficha de Kim Seokjin. — contei de uma vez. Havia algo no passado daquele homem que simplesmente me cheirava a estar esperando para ser encontrado e, por isso, eu sentia que não tardaria a encontrá-lo se tivesse acesso aos seus arquivos. — Assim como você pesquisou a de um conhecido para mim da última vez, Min Yoongi, eu preciso ler a de Kim Seokjin. Dessa vez... pode realmente ser caso de vida ou morte. 

Ao contrário do que eu esperava, Namjoon não exibiu nenhum tipo de expressão surpresa. Ainda recostado em sua cadeira, ele abaixou a cabeça e coçou as têmporas, parecendo prestes a ter um colapso diante do cansaço que toda aquela situação já estava lhe causando.  

— Isso é loucura. — bufou. — Vai contra todos os meus princípios pessoais, deveres como policial, o código de ética... — pausou, ainda sussurrando tudo aquilo apenas para si mesmo. Eu sabia que ele estava pensando alto e conhecia a sensação de ter coisas demais na cabeça para conseguir mantê-las guardadas lá dentro, então permaneci em silêncio respeitando o seu momento. — Isso é realmente demais. 

— Eu sinto muito por tudo isso, Namjoon, de verdade. — foi a minha vez de abaixar o tom de voz, certamente envergonhada. — Eu realmente não teria vindo até você se conseguisse pensar em outra saída. Não era a minha intenção lhe causar todo esse transtorno, mas... 

— Eu vou precisar de algum tempo. — ele me interrompeu novamente, mas eu estava longe de me incomodar com aquilo, especialmente diante de sua resposta em tom determinado. Estava tão surpresa que, no momento, sequer tinha me lembrado de fechar a boca. — A ficha do Seokjin eu consigo assim que voltar para a delegacia, mas pode ser que o arquivo do caso do Bo Gum demore mais algumas horas. Eu vou precisar entrar em contato com a delegacia de Busan e vou depender da resposta deles.  

Incrédula, eu precisei tomar alguns segundos para digerir sua resposta. 

— Isso é um sim? — indaguei, surpresa. — Você realmente vai me ajudar com toda essa loucura? 

— Eu fico feliz que você tenha consciência de que o que está fazendo é uma completa loucura. — respondeu, sério. — Inclusive, sim, eu vou lhe ajudar, mas com a condição de que, se esses horários coincidirem, você deixará o caso nas mãos da polícia. É perigoso demais lidar com esses homens sozinha, então você me deixará fazer a denúncia e dará um passo para trás. 

— Eu aceito. — respondi sem pensar duas vezes e tendo que me segurar para não dar a volta na mesa e abraçá-lo ali mesmo. — Eu aceito o que quer que venha depois, contanto que Kim Seokjin e Park Yeonan paguem pelo o que fizeram.  

De repente, Kim Namjoon ergueu uma mão na minha direção, como quem buscava um acordo entre ambas as partes. 

— Eles vão pagar. — afirmou, ainda com a mão estendida. — Confie em mim.  

Diante da segurança que Namjoon simplesmente exalava, meu coração se encheu de esperança no mesmo instante e, alcançando aquela mão erguida, eu a apertei com a firmeza de quem deliberadamente depositava toda a sua confiança no homem fardado à minha frente.  

Depois disso, não havia muito mais o que ser conversado entre nós dois, então nós resolvemos nos despedir enquanto ainda me restavam menos de dez minutos do meu horário de almoço e, mais uma vez, eu lhe pedi desculpas por todo aquele transtorno antes de voltar correndo para a Maximum Group. Quando aproximei meu crachá da catraca de uma das roletas no térreo do prédio e a mesma permitiu a minha passagem, eu senti meu coração acelerar diante da esperança de que eu estivesse perto de encontrar as respostas que tanto ansiava.  

Talvez eu estivesse mais próxima do que imaginava de colocar um ponto final naquele pesadelo de Jimin, agora também meu. 

E, por falar no mesmo, era o Park quem se destacava no meio do pequeno grupo de funcionários que esperavam pelo elevador. Mesmo ainda me aproximando da cerca de meia dúzia de pessoas que aguardavam no saguão, seus cabelos loiros bem penteados em um topete e o terno cinza-grafite foram as primeiras coisas a capturarem a minha atenção. Assim que os alcancei, cumprimentei todos com uma saudação discreta, mas Jimin foi o único a não me responder. 

Abusado. 

As portas do elevador se abriram e todos nós entramos no amplo cubo, onde Jimin acabou ficando no canto esquerdo e eu no direito, mais separados impossível. O grupo de funcionários desceu por completo no mesmo andar, o qual ainda ficava alguns bons andares abaixo do nosso, e o Park sequer se moveu quando percebeu que estávamos sozinhos.  

— Posso saber por que você está me ignorando, Jimin-ssi? — indaguei cruzando os braços e fitando-o apenas de escanteio.  

O Park bufou.  

— Não era você quem queria manter nosso relacionamento em segredo, Soojin-ssi? — rebateu, me imitando. No mesmo instante, descruzei os braços e virei-me na direção dele com toda a minha revolta, mas Jimin apenas fez aumentar o seu bico. — Você saiu para almoçar cheia de pressa e nem era para comer comigo...  

Inconscientemente, eu dei um passo para trás e vi toda a minha indignação se desfazer em pedaços. O elevador parecia nunca chegar no nosso andar, o que de repente me deixou ansiosa e fez com que eu me virasse para frente mais uma vez. 

— Eu tinha marcado de almoçar com a Naeun, mas perdi a noção do tempo enquanto trabalhava e me atrasei, por isso saí correndo. — respondi tentando não deixar a mentira transparecer em minha voz já insegura. — Fazia muito tempo que nós não almoçávamos juntas. 

— Naeun? Aquela sua amiga loira do seu antigo setor? — ele indagou, franzindo o cenho. De repente, finalmente virou-se para mim, o que me obrigou a balançar a cabeça positivamente. — Estranho... Eu acabei de vê-la saindo do prédio. Vocês não voltaram juntas? 

Por mais boa mentirosa que eu fosse, mesmo que não gostasse disso, eu simplesmente não conseguia sustentar mais mentiras na frente de Jimin. Encarei-o de volta e pisquei algumas vezes, chegando a abrir a boca para tentar dizer mais alguma farsa, mas não consegui verbalizar nada. Ele deu um passo à frente, provavelmente pronto para me questionar de novo, mas felizmente as portas do elevador se abriram naquele exato momento e me salvaram — mais ou menos — daquela angústia. Havia duas outras mulheres do mesmo setor que o meu do lado de fora do elevador, esperando pelo mesmo, e assim que eu notei a presença das duas fiz o melhor que pude para disfarçar a situação. Curvei-me na direção de Jimin, notando que o mesmo sequer se mexeu e, pelo contrário, permaneceu me fitando com uma interrogação exposta em sua testa.  

— Tenha um bom dia, vice-diretor Park. — disse o mais formalmente que consegui, em seguida me apressando para fora do elevador. 

Sem olhar para trás, eu percorri a passos rápidos o corredor principal do andar e logo virei à direita, sumindo do campo de visão do Park e só então voltando a respirar. 

Mesmo com a certeza de que tinha deixado para trás um Jimin cheio de dúvidas. 

 

*** 

 

O céu de Seul já tinha escurecido quando eu deixei o prédio da Maximum Group com um destino fixo em mente. Depois de enviar uma mensagem para Jimin avisando que não voltaria com ele para casa, inventando que precisaria passar em algum lugar primeiro, eu me dirigi até o ponto de ônibus mais próximo da empresa e lá esperei por um veículo que já conhecia — afinal de contas, coincidentemente, eu já tinha morado naquele mesmo bairro alguma vez na minha vida e conhecia a região. 

Já no ônibus que, pelo horário, estava praticamente vazio, eu me sentei em um banco mais ao fundo e saquei o celular da bolsa. Procurei pelo arquivo que Namjoon tinha me enviado naquela tarde, um pouco depois da nossa conversa, e encarei o nome de Kim Seokjin no título. Todas as informações do homem estavam ali e, para a minha surpresa, as mesmas eram praticamente nulas.  

Era como se, da sua pré-adolescência até os dias atuais, Kim Seokjin praticamente não tivesse existido. 

Sem endereço fixo, local de trabalho, informações de contato ou sequer sobre os colégios onde tinha estudado, o arquivo de Seokjin consistia em um par de páginas que infelizmente não me diziam muita coisa. Tudo o que se sabia sobre o Kim era que ele tinha crescido sem o pai e com uma mãe detentora de uma longa ficha criminal que, por conta disso, tinha passado mais tempo atrás das grades por crimes como prostituição e tráfico de drogas do que de fato cuidando de seus filhos — filhos, no plural, pois constava no documento que Seokjin tinha uma irmã seis anos mais velha do que ele. Assim, sem muitas opções, eu decidir ir atrás da única coisa acessível no que se tratava do Kim: o seu passado

Depois de uma viagem de ônibus de mais ou menos meia hora e mais alguns metros a pé, eu finalmente encontrei o meu destino. Fitando a discreta casa de um andar, porém com um exterior extremamente bem cuidado, eu hesitei por um momento diante da pequena cerca branca que lembrava muito aquelas dos filmes de Hollywood.  

O que eu diria? Qual seria a mentira daquela vez? 

— Com licença? — ouvi a voz feminina vindo detrás de mim, o que me pegou de surpresa e me fez virar de supetão.  

Diante de mim, com algumas sacolas de mercado penduradas no seu braço esquerdo e a mão direita entrelaçada a de uma bela menininha, uma mulher alta e de longos cabelos negros me encarava com um pouco de receio. Eu não precisava lhe perguntar nada para ter certeza de que aquela era a irmã de Seokjin, já que ela tinha todos os traços dele estampados em seu rosto. 

Eles eram idênticos. 

— Posso ajudá-la? — a mulher continuava me analisando enquanto me fitava, mas, bem, eu não a julgaria por agir assim com uma estranha parada diante da sua casa no meio da noite.  

De repente, a possibilidade de que ela pudesse ser literalmente igual ao irmão finalmente me ocorreu, o que me fez hesitar. Contudo, fitando o olhar doce da pequena garotinha ao seu lado, algo me fez resolver tentar a chance e arriscar; até porque, era provável que aquela fosse a minha única chance. 

— Você é Kim Seokmin? — indaguei, logo em seguida percebendo o meu erro ao ter como resposta um olhar ainda mais desconfiado acompanhado de uma interrogação em sua testa. — Desculpe a minha indelicadeza. Prazer, meu nome é Jeon Soojin.  

Eu tinha um sorriso simpático no rosto quando estendi minha mão na direção da mulher, mas isso não a impediu de hesitar durante um par de segundos. Por fim, ela soltou a mão da criança por um breve momento, apertou a minha e logo buscou a de menina novamente, tudo isso num piscar de olhos. 

— Sim, eu sou Kim Seokmin. — respondeu. — Em que posso ajudá-la? 

— Na verdade... — pausei, pensando no jeito mais sutil de me fazer entender. Por que eu só conseguia pensar no que dizer em cima da hora? — Eu estou aqui por causa do seu irmão, Kim Seokjin.  

Naquele momento, ao ouvir o nome do irmão, a expressão desconfiada da mulher automaticamente deu lugar a olhos arregalados em surpresa. Inconscientemente, ela deu um passo nervoso na minha direção. 

— Aconteceu alguma coisa com ele? — indagou preocupada.  

— Não, ele está bem. — entre aspas. — Eu só gostaria de conversar um pouco sobre ele, se não for incômodo.  

Parecendo um pouco mais relaxada ao saber que Seokjin estava bem, pelo menos fisicamente, Seokmin deixou os ombros caírem e, por um momento, fitou a menina escondida atrás de sua saia longa. Pensou um pouco, mas eu via em seus olhos a sua urgência em relação ao irmão e também para entender o que eu estava fazendo ali.  

— Está bem, vamos entrar. — concordou, por fim. — Eu vou colocá-la para dormir e depois nós conversamos.  

E assim nós o fizemos. A mulher permitiu que eu entrasse em sua casa, um lugar pequeno, porém extremamente aconchegante e familiar, e me serviu uma xícara de chá para que eu tomasse na sala enquanto a esperava por a menina — que depois eu descobri ser sua única filha de seis anos — para dormir. Cerca de meia hora depois, quando eu já estava no fim do meu chá e já tinha decorado todas as fotos dos porta-retratos sobre o aparador da sala, Seokmin se sentou em uma poltrona de frente para o sofá onde eu estava e ajeitou o casaco de crochê azul bebê. Ela parecia ser uma pessoa simples que vivia em função da sua família e, pelo pouco que tinha me contado enquanto preparava a bebida, esperava pelo marido que trabalhava em outro estado e por isso só voltava para casa nos finais de semana. 

— Desculpe pela minha reação quando você perguntou pelo Jin. — foi a primeira coisa que ela disse e, sinceramente, me surpreendeu que aquele homem tivesse um apelido. — É que fazia tanto tempo que eu não escutava o nome dele... 

Na sua voz havia saudade, o que me deixou curiosa. 

— Vocês não são próximos?  

Eu poderia estar sendo indelicada, mas Seokmin pareceu não se importar com a minha pergunta. Na verdade, ela parecia apenas emocionada ao se lembrar e falar do irmão, o suficiente para sequer procurar saber quem eu era e porque estava ali fazendo todas aquelas perguntas. 

— Quando nós éramos crianças, ele vinha chorando para casa porque brigava com os meninos da outra rua e me pedia para defendê-lo. Ele sempre apanhava e eu sempre descia a rua para puxar a orelha daqueles meninos, porque nós erámos esse tipo de irmãos. — riu fraco, fitando o chão em seguida. — Já tem mais de uma década que ele foi embora. Depois disso, eu nunca mais tive nenhuma notícia dele.  

Bem, aquilo não era exatamente o que eu esperava. Talvez, por não vê-lo há tanto tempo, Seokmin não tivesse muito o que me contar sobre o irmão.  

A menos que fosse sobre o seu passado. 

— O que aconteceu? — perguntei.  

Ela respirou fundo, parecendo escolher o melhor jeito de começar a contar uma longa e sinuosa história. 

— Eu cheguei a conhecer o nosso pai, apesar de não me lembrar dele, mas o Jin não. Ele foi embora assim que o meu irmão nasceu, perdido no mundo das drogas. A minha mãe não era muito diferente, mas ela nos criou até não poder mais. — pausou, apesar de nitidamente já parecer acostumada com aquela história, com o abandono do pai e a prisão da mãe. — Por ser a irmã mais velha, eu sempre dei tudo de mim para criar o Jin da melhor maneira que eu pude, mas, infelizmente, isso não foi o suficiente.  

De repente, eu me peguei me vendo no lugar daquela mulher. Pais ausentes, irmã mais velha criando o irmãozinho mais novo... Se não fosse pela ótima pessoa que eu sabia que Jungkook tinha se tornado, eu poderia facilmente ser mais uma Kim Seokmin na vida, e eu confesso que somente o ato de imaginar isso provocou um arrepio pela minha espinha.  

— Ele cresceu sentindo muito a falta dos nossos pais, mas especialmente de um pai. — ela continuou, me desviando dos meus devaneios. — Quando ele era mais novo, o Jin costumava chamar os professores e tios do colégio de pai. Por mais que eu tentasse preencher esse vazio, ele continuava procurando uma figura paterna em todos os homens que conhecia. 

— E então?  

— Então, certo dia, já no final da sua adolescência, um menino que morava na nossa rua tirou a sorte grande que o meu irmão sempre desejou. — fitou-me. — Os dois eram amigos e acabaram ficando próximos justamente porque ambos nunca tinham conhecido seus pais. O menino morava com a mãe e, pelo o que eu soube, era filho de um homem casado e por isso a mãe tinha escondido a gravidez do mesmo. Ainda assim, quando o homem descobriu, a procurou e veio atrás do menino, porque seu sonho era ter um filho homem. Mais tarde, eu descobri que a sua esposa não podia ter filhos, por isso ele fez questão de assumir o menino.  

De repente, aquela história me soava conhecida até demais. Inclinei-me um pouco para frente, imersa na conversa. 

— Por acaso, você sabe o nome desse homem? — indaguei sem sequer saber como aquela história terminaria ou qual seria a importância daquilo na vida de Seokjin.  

A mulher pareceu forçar a memória para tentar se lembrar, franzindo o cenho.  

— Era Park... — pausou, pensativa. — Park Yeone, talvez. Ou seria Park... 

— Yeonan. — afirmei, pois algo dentro de mim já tinha certeza da resposta. 

— Isso mesmo. — respondeu, em seguida voltando-se curiosa na minha direção. — Você o conhece?  

— Não. — menti, coisa que àquela altura eu já fazia mais do que bem. — Eu já ouvi o nome antes e apenas dei um chute. Mas enfim, o que esse tal de Park Yeonan tem a ver com o seu irmão?  

Enquanto a mulher se preparava para explicar, eu finalmente percebi a importância daquela história: Seokjin conhecia Park Yeonan há mais de uma década, assim como ele e Hoseok — porque sim, aquele menino só poderia ser o Jung — eram amigos de infância e antigos vizinhos. A relação do capanga com a família agora me parecia extremamente mais íntima, algo de longa data, o que deixava toda aquela história ainda mais assustadora. 

— Park Yeonan queria assumir e criar o filho, mas a mãe não concordou. Por isso, eles brigaram na justiça até o homem conseguir tomar o menino dela usando da sua fortuna como meio. Acompanhando tudo isso, o Jin ficou admirado... Ver Yeonan lutando pelo filho, mesmo que daquela maneira errônea, fez nascer em Jin um deslumbre bizarro pelo Park. — pausou, agora assumindo uma expressão pesadora. — Eu não percebi o que estava acontecendo, até o dia no qual essa admiração do Jin se transformou em uma obsessão assustadora. Ele chegou em casa dizendo que tinha encontrado o nosso pai e que Park Yeonan era o mesmo, tudo isso com um sorriso de orelha a orelha.  

— Então... — tentei concluir, porém ainda ligando as informações na minha cabeça. — A carência de pai do Seokjin se transformou numa espécie de doença e, quando encontrou Park Yeonan, ele colocou na cabeça que aquele homem era o pai dele? 

De repente, uma respiração longa, uma tentativa falha de tentar conter as lágrimas. 

— Para ele, Yeonan tinha finalmente voltado para buscá-lo. — respondeu com a voz embargada. — Ele estava tão feliz e eu aterrorizada por vê-lo acreditando fielmente naquilo. Céus, eu tentei convencê-lo, mas ele parecia cego por aquela ideia.  

— E então, o que aconteceu depois que Yeonan levou o filho embora? — indaguei. 

Por fim, a mulher finalmente permitiu que uma lágrima solitária descesse pela sua bochecha direita. 

— O Jin simplesmente foi atrás. — disse, me surpreendendo. — Eu não sei de muito porque nunca mais o vi, mas ouvi dizer que Yeonan teve pena dele e lhe ofereceu um emprego. O meu irmão parece ter se transformado em outra pessoa e, por mais que eu o procurasse, ele nunca aceitava me ver. Uma vez, pediu para a recepcionista da empresa onde ele trabalha me dizer que estava feliz com a nova família e que eu nunca mais deveria procurá-lo... Aquela foi a última vez que eu tive notícias suas. 

Aquela história era, no mínimo, chocante. Seokjin era um homem ainda pior do que eu imaginava, porque na sua cabeça ele fazia o que fazia pela sua família, o que provavelmente ilimitava os seus limites morais ou quaisquer outros — e, ainda por cima, tinha também Park Yeonan aproveitando-se descaradamente disso. 

De repente, eu senti meu estômago embrulhar diante daquele contexto doentio. Fitei Seokmin, que logo pareceu notar o meu desconforto.  

— Você está bem, Soojin-ssi? — indagou preocupada. 

Ela me chamava exatamente como ele. Eu quis sair correndo dali e, num impulso, me levantei.  

— Desculpe, eu não quero ser rude, mas acho que preciso ir embora... — comentei, já caminhando em direção à porta. 

— Espere! Você está passando mal? Talvez não devesse dirigir, eu posso...  

— Não, tudo bem. — a interrompi. — Eu vim de ônibus. Só preciso de um pouco de ar e voltar para casa. 

— Mas você nem me contou porque quer saber tanto sobre o meu irmão. — disse, tentando se colocar entre mim e a porta. — Não vá embora ainda, nós podemos... 

— Desculpe, mas eu realmente preciso ir. — a cortei novamente, dessa vez eu mesma girando a maçaneta da porta da frente, saindo apressada pela rua escura. 

Toda aquela história estava se tornando demais para mim. De repente, eu não conseguia mais continuar guardando aquilo tudo, carregando aquela bagagem extremamente pesada sozinha, o que me fez alcançar o meu telefone num impulso enquanto caminhava praticamente sem rumo. O número que eu procurava era um dos favoritos e, no segundo toque, a chamada foi atendida. 

— Jimin, eu... — comecei afobada, mas logo fui interrompida. 

— Soojin, graças aos céus você ligou! — exclamou, soando aliviado. — Onde você está? Bem, não importa, você precisa voltar para casa agora, de um jeito ou de outro. — ele afirmou enquanto atropelava as palavras tanto quanto eu. ]De repente, respirou fundo e abaixou o tom de voz, parecendo não querer me dizer o que quer que estava prestes a dizer. — Soojin, nós temos uma visita... 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Espero que não queiram me bater pelos acontecimentos, porque ainda vem mais por aí kkkkk (soltei e saí correndo)...

Para quem deseja aliviar a tensão do capítulo, eu postei uma oneshot bem curtinha e leve e vou deixar o link aqui caso alguém queira dar uma olhada. É baseada numa música do Seveteen, mas não precisa conhecer o grupo para ler e entender!
https://fanfiction.com.br/historia/784308/Snap_Shoot/

Até breve ♥



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