O Inesquecível 364 Dia escrita por Sue Dii


Capítulo 1
O Inesquecível 364 Dia


Notas iniciais do capítulo

Agradeço pela betagem da minha shishou L-sama e também pela capa que Ita-san fez para mim.
Agradeço a todas as pessoas que leram e me apoiaram no Desafio VIII!

Eu sinto por isso, mas eu preciso explicar algumas coisas antes de liberá-los pra leitura...

Valentine Day: em vários países (inclusive no Japão) as mulheres entregam doces aos homens que amam. É comemorado no dia 14 de fevereiro de todo ano, e geralmente são as adolescentes quem dão mais valor à data.

White Day: seria o dia do “retorno”. É a vez dos homens darem presentes às suas amadas, ou de retribuírem algum presente recebido. Comemorado dia 14 de março.

Boa leitura!



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O inesquecível 364º dia

 

 

 

 

 

Fazia exatamente 364 que o conhecia – ou tentava conhecê-lo. Ele era alguns anos mais velho que ela, mas nem por isso a tratava como se ela fosse mais imatura ou infantil. Sempre a havia respeitado usando sufixos e pronomes um tanto antiquados para pessoas da época e que não deixavam de ser um charme na visão daquela que o amava.

Havia se apaixonado, após passar toda a adolescência jurando que seria solteira convicta, uma mulher independente. E o pior de tudo era não se arrepender do que sentia, mesmo naquele dia.

Dia 14 de março. Seria outro dia qualquer – aprendera a ignorar datas ligadas a relacionamentos amorosos – e sem significado, se a cada esquina não visse um rapaz entregando presente a sua atual ou futura namorada. Por mais que tentasse ignorar, aquilo era uma tortura para Kamiya Kaoru, a universitária que percorria com passos rápidos o caminho de casa até a estação de metrô.

“Eu não sabia que existiam tantos homens românticos ainda hoje!”, observou silenciosamente, desviando o rosto toda vez que seus olhos paravam sobre os jovens na rua. “Será que é só comigo...?”, se vocalizasse aquele pensamento, provavelmente seria num tom manhoso.

Suspirando, desceu a escadaria para a estação. O melhor a fazer por ora seria poupar sua visão escondendo-se atrás de um livro sobre a Era Edo na biblioteca.

Quando adentrou o metrô em sentido norte-sul, não notou ninguém com melenas ruivas tentando passar pela multidão que ficara...

Ao descer, logo subiu as escadas e saiu da estação, andando cerca de quatro quadras para encontrar-se no campus. Passando perto de uma das árvores dispostas no local, avistou um rosto conhecido – uma vizinha -, e foi até lá cumprimentá-la. Sabia que pelo menos ela seria sua companheira de “solidão” naquele bendito White Day.

- Misao-chan! Como vai?

- Olá! – a garota poucos anos mais nova parecia estar com seu humor costumeiro, sempre espontânea. – Sabe da novidade? – perguntou-lhe num tom maroto, que a fez reagir com um olhar desconfiado.

- Que novidade?

- Você é do clube de Kendo daqui, certo?

Assentindo uma vez, Kamiya confirmou; o sorriso de sua colega se tornou ainda mais visível.

- Venha comigo! – puxou-lhe pelo braço de tal forma que Kaoru quase tropeçou.

Resmungando frases como “Hei!” e “Espere um pouco!”, a mais velha acompanhou Makimachi para um lugar onde ela nunca havia ido e, sobretudo, para um lugar onde não seria encontrada.

Correu o que contaria como quinze metros, até parar em frente a uma construção peculiar.

- Um... Dojo? – os olhos azulados brilharam com a vista.

- Foi decidido num acordo entre o Departamento de Educação Física e o Departamento de História que seria bom nós termos um dojo aqui – Misao explicou orgulhosa.

- E você nunca me disse nada o tempo todo! – Kaoru repreendeu com as mãos na cintura e o cenho franzido, expressão que não durou muito, tamanha a felicidade com as boas-novas.

- Você terá acesso a esse dojo sempre que lhe convir, até porque servirá mesmo para a prática de Kendo e outras artes marciais – explicou, desta vez era o sorriso de Kamiya que estava mais visível que o normal.

- Agora não precisaremos limitar nosso tempo conforme a disponibilidade do ginásio! – comemorou.

A excitação de Kaoru teria durado bem mais, não fosse a visão clara do que aconteceu em seguida. Saindo do novo lugar de prática, Shinomori Aoshi trajava um casaco azul-marinho aberto e podia-se ver a camisa branca excessivamente passada, na opinião de Kaoru, o que, segundo ela ainda, devia estar deixando a colega sem fôlego.

- Ah, Kaoru-san... – a colega chamou-lhe com rubor no rosto. – Eu acho que a minha aula já começará... – com um aceno, despediu-se e tentou fugir, o que não deu certo e rendeu a mais velha uma bela cena romântica a assistir, na medida do possível.

Bufou, a crise de White Day novamente a consumindo, e decidiu que era hora de ela mesma ir à aula. Não que estivesse infeliz com Misao, aliás, achava até bom que ela estivesse se dando bem com o homem que amava. Não obstante, era inevitável sentir inveja quando até o homem mais silencioso que conhecia demonstrava afeto naquela data.

Tomou um atalho pelos fundos para chegar mais rápido, ainda que, provavelmente, seria obrigada a se retirar da sala por chegar atrasada. E justo o que ela queria evitar aconteceu: a professora mais rígida – a de História Ocidental – mandara-a para fora no exato segundo em que pisara na sala, impedindo-a de assistir à última aula prévia à prova final.

“Deve ser outra mal-amada!”, a conclusão teria sido dita se ela fosse mais impulsiva, mas aprendera melhor que ninguém que o silêncio era o seu melhor amigo. Prosseguiu com seu mau-humor até a biblioteca, onde realmente se escondeu do mundo ao se sentar entre as duas últimas prateleiras no lado direito do segundo piso.

O livro sobre a matéria que perdia estava em mãos, mas a mente insistiu em voltar para o mês anterior, ignorando o conteúdo da última prova.

 

Dia 14 de fevereiro, o conhecia há 336 dias. Tentara esconder suas olheiras – resultado de uma noite insone. Sem sucesso, pegava a única coisa que lhe importava naquele dia, a embalagem preparada pessoalmente, que guardava o presente mais caro em sua vida, o chocolate caseiro.

O coração estava acelerado, uma reação óbvia para alguém que estava prestes a se encontrar com o homem que amava e se declarar. Naquele momento, nem o medo de perder a amizade dele era capaz de contê-la, até porque, desde quando conversara com ele pela primeira vez, apaixonara-se.

Não voltaria atrás. Se não fizesse o que devia naquele dia, talvez no ano posterior já fosse tarde.

Correu. Não estava interessada em quantas aulas perderia ou se teria prova naquele dia. Tudo o que queria era encontrá-lo antes de todo mundo e entregar-lhe o presente antes que o dia maçante na sala de aula a fizesse perder a coragem.

Chegando à estação de metrô – e após ver muitas garotas do colégio fazendo a mesma coisa que estava em vias de fazer -, tomou o metrô em sentido oeste-leste, seguindo para a biblioteca do centro.

A vantagem era que a saída da estação ficava bem em frente ao local, o que a fez economizar passos e tempo.

Respirando fundo, deu seu primeiro passo em direção à escadaria. À entrada, avistou o tão esperado rosto, os longos cabelos ruivos presos num rabo baixo e a expressão serena enquanto lia algum livro. Alcançou o balcão e, com os terríveis sintomas da paixonite – tremor nas pernas, pulsação irregular e suor frio -, começou:

- Kenshin, eu preciso falar com você.

Rapidamente os olhos de cor exótica se voltaram para ela, o livro foi fechado e um sorriso se abriu.

- Bom dia, Kaoru-dono. O que gostaria de falar com este servo?

- Você pode deixar o balcão, por favor? – pediu e logo foi atendida.

Vendo-o tão “costumeiro” a fez recuar um pouco e, antes que lhe passasse pela cabeça desistir dele, inclinou-se e estendeu o pacote antes escondido.

- Quer... Que eu guarde para alguém? – aquela era a última coisa que ela esperava ouvir.

 

Kaoru então se lembrou de como ficou furiosa, gritando dentro da biblioteca para dizer que não havia ali ninguém além dele que ela quisesse presentear e que ele devia ter mais tenacidade ao receber um presente tão importante. Depois daquele Valentine, continuara a contar quantos dias fazia desde que havia o visto pela primeira vez, ainda que nunca mais tivesse sido audaciosa para visitá-lo na biblioteca central.

Com um profundo suspiro, assumiu, estava deprimida e precisava direcionar seus pensamentos para outro assunto. Esforçando-se para não observar os casais fingindo estudar na biblioteca da universidade, Kamiya retirou-se de lá e foi direto para a piscina, onde, novamente, encontrou Misao e outro amigo em sua aula prática.

Ao ser notada ali na arquibancada, Misao logo lhe acenou, enquanto Sagara Sanosuke retirou-se da piscina, indo diretamente a ela.

- Oi! – cumprimentou, uma afabilidade peculiar presente em sua voz.

Olhando-o com certa desconfiança, Kaoru assentiu e logo Sano já estava sentado ao seu lado.

- Kenshin perguntou de você – soltou, fazendo-a corar terrivelmente e virar o rosto para o lado.

Antes, porém, que pudesse esboçar qualquer resposta, foi pega com a pergunta de Sano, o ponto “x” ao qual ele queria chegar.

- Você poderia me ajudar com o almoço?

- Ah! Desculpe-me, hoje não estou com muito – respondeu-lhe monotonamente, fazendo-o esboçar uma careta em resposta.

- Não pode me ajudar nem um pouco? – a insistência veio acompanhada de um tom de súplica e Kaoru logo compreendeu.

- Você a chamou para almoçar, não foi? Como se atreve a fazer uma coisa dessas quando nem pode pagar? - bronqueou, abrindo a carteira após bater com ela na cabeça do amigo, para retirar algumas notas. – Saiba que está me devendo um almoço! E não vá fazer feio!

- Quando eu puder, pagarei todas as dívidas! – respondeu alegremente, levantando as notas recebidas em agradecimento e indo a direção dos vestiários.

Balançando a cabeça em sinal reprovador, Kaoru guardou a carteira em sua bolsa e voltou a observar a aula, para não demorar a ficar sozinha outra vez. “Desculpe-me Kaoru, terei prova agora.”, era o que sua colega lhe dissera antes de correr para o vestiário.

Sentindo-se amuada pela sensação de solidão que carregava, Kamiya retornou à biblioteca com a obstinada intenção de estudar para as próprias provas e foi o que fez até a hora do almoço, quando a fome a fez sair do foco.

Teve vontade de seguir Sano para ver como seria seu encontro com a chefa da enfermaria, Megumi-sensei; mas o medo de ficar ainda mais deprimida a fez tomar outra direção. Voltou para a sala de aula de modo a ficar enclausurada ali com um livro, esperando pela próxima aula.

As aulas da tarde – provas, mais especificamente – não foram tão terríveis como a acadêmica imaginava e, depois de pouco tempo, já estava indo embora.

Em casa, tomou um banho rápido e secava os cabelos, olhando para o relógio. “Já passam das 16 horas?”. Suspirou, pegando o seu diário para descrever o seu dia.

- Dia 14 de março, faz 364 dias que eu conheço Kenshin. Amanhã fará um ano desde quando o vi pela primeira vez e eu ainda me recordo de como ele foi gentil ao me explicar sobre o feudalismo para a minha prova final – suspirou. – Hoje foi o pior dia da minha vida. Ponto.

Largou o diário sobre a mesa da cozinha e deitou-se no sofá, adormecendo e acordando apenas algumas horas depois, quando a campainha soou. Levantou-se e espreguiçou-se, enquanto se perguntava quem estava ali. Displicente, atendeu a porta vestida de pijama amarelo e cabelos bagunçados, arrependendo-se imediatamente.

- O que...?

O homem à sua frente estava ofegante, parecia ter corrido quilômetros para chegar até ali.

- Kaoru-dono...  – começou, estendendo-lhe os braços com um buquê de tulipas brancas. – Eu me desculparia pelo atraso, se não fosse a senhorita a fugir de mim o dia todo.

Os olhos azulados lacrimejaram enquanto Kaoru estendia os braços para aceitar seu presente.

- Kaoru-dono...

- Você demorou... – reclamou, ainda chorando de emoção.

- Desde quando a senhorita me presenteou, eu fiquei pensativo... Eu demorei 364 dias para perceber isso, sinto muito. – Surpreendeu-a ao falar o número exato.

- Está tudo bem. – O sorriso dela era genuíno, o que o fez sorrir em resposta. – Obrigada, Kenshin.

Desconhecia a forma como Kenshin sabia daquele número, e também estava curiosa sobre como ele havia chegado a sua casa, mas ainda não perguntaria.

Aquele estava longe de ser o pior dia de sua vida e ela só não o classificava como o melhor porque sabia que dias ainda melhores viriam.


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Notas finais do capítulo

Glossário:


Era Edo: A história do Japão é dividida em Eras, a Era Edo é a última do Shogunato, é a que vem antes da Era Meiji, o tempo em que a história do anime se passa.

Kendo: esporte tipicamente japonês em que se luta com uma espada de madeira, baseada em técnicas de combate dos samurais.

Dojo: lugar específico para treinar artes marciais, principalmente as japonesas.

Sensei: sufixo usado para professores e doutores.