Monstro escrita por ColibriMoriarty


Capítulo 1
Capítulo 1




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O alarme soava alto enquanto o garoto corria pelos corredores brancos do QG. O barulho era ensurdecedor, com as luzes piscando em vermelho, sinalizando o perigo.

Ao seu redor, vários agentes uniformizados corriam em direção contrária à sua para assumirem seus postos, muitos com as armas em riste. Ele nunca havia visto nada parecido. Os soldados normalmente eram frios como máquinas devido ao treinamento que receberam na academia, mas, mesmo que tentassem manter a compostura, estavam agindo com muito nervosismo naquele momento.

Era de se esperar, afinal, algo estava acontecendo. E, pelo que parecia, era algo muito, muito ruim.

O rapaz irrompeu na sala em alta velocidade. O semblante duro de um homem albino estava sendo transmitido em uma enorme tela, em meio a inúmeras, na parede. Muitos agentes estavam sentados em frente a computadores, digitando freneticamente e encarando com preocupação os relatórios que estavam sendo gerados.

O garoto derrapou, parando exatamente ao lado de um homem alto e sério, que trajava uma roupa social esverdeada e óculos escuros. O que era um tanto estranho por estarem em um ambiente fechado, mas ele já estava acostumado às excentricidades do parceiro.

— Cheguei. – Disse ofegante, apoiando as mãos nos joelhos para se recuperar. – O que está acontecendo? – Perguntou, encarando o homem de terno.

— Estamos tendo um ataque E.V.O de nível 1 no centro. – Falou o homem albino, tendo sua imagem substituída por uma gravação em que mostrava a repórter Diane Farrah gritando algo no microfone antes que alguma coisa cinzenta acertasse a câmera e apenas estática restasse. – Essa gravação é de alguns minutos atrás. – Adicionou, com sua face ressurgindo. – Qual o relatório sobre a extensão de danos? – Ordenou, se referindo a qualquer agente ali presente.

— Ainda estamos calculando, senhor. – Respondeu uma mulher com o uniforme da Providência. Ela se virou para encarar a tela. – Mas são preocupantes. Quase dez quarteirões estão comprometidos!

— Continuem com o trabalho. – Instruiu o homem. – Seis, precisamos evitar que Manhattan seja totalmente destruída!

— Ora, Cavaleiro Branco. – Pronunciou-se o rapaz antes que o agente de terno pudesse responder. – É por isso que eu estou indo para lá. – Disse com um sorriso arrogante colocando uma das mãos no quadril e a outra apontando para o próprio peito. O albino o encarou por alguns segundos com seu semblante sério, o que fez o sorriso do garoto esmorecer, arruinando sua pose orgulhosa.

— Faremos tudo que for preciso para evitar isso, Cavaleiro. – Disse Seis quebrando o silêncio. – Vamos, Rex. – Disse, dando um tapa leve no ombro do rapaz e então saiu correndo. O garoto encarou a figura do Cavaleiro Branco por mais alguns segundos na tela, então suspirou derrotado e seguiu o parceiro.

“E eu querendo apenas uma sexta-feira normal.”, pensou Rex, desanimado.

~X~

Algo semelhante a um polvo do tamanho de um prédio de quinze andares atacava os soldados da Providência. Muitos estavam caídos no chão, inconscientes ou feridos. Os que restavam, tentavam conter o avanço do E.V.O com as armas, mas os tiros pareciam não surtir nenhum efeito sobre a pele borrachuda e acinzentada do mutante.

Do alto, voando com seu constructo, o rapaz não precisava observar por muito tempo o campo de batalha para saber quem estava vencendo.

— Recuar! Recuar! – Um soldado gritou, fazendo um gesto para que os outros o seguissem para trás das barricadas que haviam feito com os veículos da organização.

— Qual a situação? – Questionou Seis, após correr na direção de um agente loiro com uma cicatriz no olho.

— Nada boa. – Respondeu o capitão Calan com uma certa nota de nervosismo em sua voz. – Essa coisa derrubou quase todo meu esquadrão! – Disse exasperado. – Os outros esquadrões estão tentando conter esse bicho, mas não está funcionando. Os tentáculos não nos permitem nos aproximar o suficiente!

— Rex. – Chamou o homem de terno pelo comunicador, após pensar por alguns segundos. – Preciso que você retire os soldados feridos de perto do E.V.O.

— Já estou indo, Seis. – Respondeu o rapaz, que desconstruiu as turbinas. Despencando em queda livre sobre o mutante. – Ei, sushi ambulante!!! – Gritou chamando a atenção do E.V.O.

O mutante olhou para cima no exato momento em que Rex construiu pernas robóticas. O rapaz caiu sobre o que seria a cara do bicho, o esmagando contra o asfalto. O E.V.O urrou com dor, fazendo as janelas dos prédios vizinhos se espatifarem. Cacos de vidro desabaram sobre todos. Os soldados, que estavam atirando, correram, tentando se proteger da chuva mortal.

— Rex! – A voz repreensiva de Seis explodiu no comunicador, fazendo o garoto se encolher devido ao volume alto.

— Eu sei! Eu sei! – Retrucou, levemente irritado. Com um impulso das pernas metálicas, ele se jogou no ar. Os constructos desapareceram para, logo em seguida, um par de turbinas surgirem nas costas do garoto. Rex mergulhou, agarrando alguns agentes e os levando para trás das barricadas.

Ele deu meia-volta para repetir a ação, mas um tentáculo se chocou contra si, o jogando longe.

Seis sacou suas lâminas e correu na direção do E.V.O. Outro tentáculo tentou acertá-lo, assim como fizera com o garoto, mas o homem desviou, usando suas espadas para atacar a fera. Infelizmente, as lâminas ricochetearam na couraça do mutante. O agente recuou ao perceber que seus ataques não estavam surtindo nenhum efeito além de irritar ainda mais o E.V.O.

Rex gemeu se colocando de pé, suas costas doíam devido à banca de flores que amaciara sua queda. Ele esfregou sua cabeça dolorida, tirando terra e algumas raízes e flores que haviam se enroscado em seu cabelo negro.

— Rex! – Seu parceiro chamou. – Aonde você está?! – Questionou.

— Resolvi encomendar um buquê de flores para você, Seis. – Retrucou, saindo da loja pela vitrine estilhaçada pela qual entrara. – Eu sei que você adora crisântemos. – Ele limpou a sujeira de seu casaco vermelho de maneira petulante.

— Pare de brincar de jardineiro e venha conter esse E.V.O! – Ralhou o agente. – Minhas lâminas não surtem efeito sobre a pele dele. – Informou. Ele olhou ao redor, assistindo alguns soldados arriscarem se aproximar do mutante para resgatar seus colegas feridos.

— Então a minha irá! – Retorquiu, e uma enorme espada laranja surgiu no lugar de sua mão direita. – Seis, vou dar cobertura aos agentes. – Avisou, colocando seus óculos. Ele teria corrido para cima do E.V.O com um grito de guerra estridente, se algo não houvesse grudado em sua lâmina. O rapaz desviou o olhar do inimigo para ver o que o havia impedido de prosseguir.

— Pare! – Gritou a criança. Um menino, de no máximo uns 10 anos, usando o uniforme de algum time de baseball escolar. – Vocês a estão machucando!!

— Calma, garoto. Somos os mocinhos! – Assegurou Rex tentando tirar a criança de sua arma.

— Mas por que estão machucando minha mamãe?! – Gritou o menino, lágrimas escorriam por seu rosto infantil. – Ela não fez nada! Não machuquem a mamãe!! Por favor! Parem! – Implorava.

O rapaz estava estático, encarando a criança, em prantos, implorando para que ele, um dos caras bons, não ferisse sua mãe. Para o menino, o E.V.O gigante no qual sua mamãe havia se transformado não era o monstro de verdade, mas sim Rex, com suas armas construídas com o propósito de destruí-lo.

— Rex! – Seis tornou a chamar pelo comunicador. – Rex! Responda!

O garoto perdeu a concentração e sua espada se desmontou em vários pedaços, que caíram inúteis no chão junto da criança.

— Eu... – Murmurou, sentindo-se perdido por um momento. De repente, algo refletido na vitrine quebrada chamou sua atenção. – Cuidado! – Gritou de súbito agarrando o menino e pulando para longe quando um tentáculo destruiu o local onde eles estavam momentos antes. – Você está bem? – Questionou preocupado, mas relaxou ao ver a criança assentir em concordância. – Aqui é perigoso demais para você. – Murmurou, avaliando o campo de batalha. Os soldados feridos já haviam sido retirados de perto do mutante. Mas, mesmo que atacasse, ele ainda estava com o menino nos braços. – Preciso te levar para um lugar seguro.

— Não! – Exclamou a criança tentando se livrar dos braços do rapaz. – Eu quero ficar com a minha mãe!

— Eu sei, eu sei. – Disse tentando acalmá-lo. – Estamos tentando contê-la. Sua mãe virou um cefalópode gigante que irá destruir tudo que estiver em seu caminho, incluindo nós dois!

— Ela não faria isso! – Insistiu a criança. – Ela nunca faria isso! Deixe eu falar com ela!

— É perigoso demais. – Disse, mas o menino conseguiu se desvencilhar e correu na direção do E.V.O muito antes que Rex conseguisse segurá-lo novamente.

— MÃE! MÃE! – Berrou, sacudindo os braços na tentativa de chamar a atenção do mutante.

— Suspender fogo! Suspender fogo! Temos um civil em campo! – O capitão Calan gritou, alguns agentes obedeceram, mas a informação chegou tarde demais. A criança se virou com os olhos se arregalando enquanto assistia os projéteis mortais serem disparados contra si.

Rex repreendeu um xingamento enquanto que corria na direção do menino. Ele o derrubou no chão a tempo de protegê-lo dos tiros usando o próprio corpo. O rapaz soltou um baixo grito de dor quando um o acertou de raspão no braço, sangue começou a escorrer por sua ferida aberta, mas ele a ignorou.

— Você está louco, moleque?! – Disparou, ele agarrou ambos os pulsos da criança e os prendeu sobre a cabeça para impedi-lo de fugir novamente. Ele encarou o menino, que começou a chorar novamente.

“Hoje não é meu dia...”, pensou, incomodado.

— Escuta, eu posso curar sua mãe! – Confidenciou por cima dos rugidos da fera, a criança pareceu se acalmar um pouco com a informação.

— Você pode curá-la? – Repetiu, ainda sem compreender. – Mesmo? – Insistiu, Rex assentiu em confirmação. – Você promete?

— Sim, eu prometo. – Compactuou, após bufar, ranzinza. – Mas você precisa ficar longe, ou pode se machucar. Ok? – Ele nem esperou por uma resposta, simplesmente pegou a criança no colo e construiu sua moto flutuante, levando o menino para longe da fera, deixando-o sob os cuidados do Capitão Calan. – Seis, aquele monstro é uma mãe. – Informou, o parceiro ergueu uma sobrancelha em estranhamento ao timbre empregado pelo rapaz. – Não podemos machucá-la. – Continuou.

— E o que pretende fazer, então? – Questionou por obrigação. Ele já conhecia Rex muito bem para saber que ele nunca faria algo drástico que colocasse a vida de outros em risco.

— Corte os fios de luz. – Ele construiu mãos robóticas e encarou o inimigo a frente, que esmagava a tudo com seus tentáculos. – Deixe o resto comigo. – Ele correu na direção do E.V.O, sacudindo os braços e gritando em plenos pulmões. – Ei! Feioso!

O mutante o ignorou, continuando a se arrastar pelas ruas, destruindo tudo que estivesse em seu caminho. Um grunhido de frustração escapou por entre os dentes cerrados do rapaz.

— Odeio quando eles ignoram... – Murmurou baixinho. – EI! SUA BOLHA GIGANTE COM TENTÁCULOS!! – Rex precipitou-se na direção do cefalópode, usando seus punhos metálicos para socá-lo. Os murros não fizeram nenhum efeito sobre o couro borrachudo da fera, mas chamaram sua atenção. O bicho rugiu alto se voltando contra ele, muito irritado.

Seis subiu no telhado de um prédio, saltando para o próximo enquanto que acompanhava a movimentação lá embaixo.

— Rex! Pare de brincar! – Repreendeu, vendo o garoto desviar de um ataque.

— É fácil falar... – Resmungou entre gemidos gerados pelo esforço. Ele havia agarrado a dois tentáculos e estava tentando retardar o avanço do mutante usando as turbinas que construíra. Irada, a fera conseguiu agarrá-lo. As ventosas se fecharam ao redor da cintura e tórax do rapaz, apertando com força, seu constructo se partiu, caindo no chão muitos metros abaixo. Um grito de dor escapou de sua boca enquanto que era espremido. – Seis! – Chamou com dificuldade. – Agora! – O agente hesitou por um momento. – VAI! – Rex exigiu, já sem forças.

Seis assentiu sacando suas lâminas, então pulou do alto da edificação, caindo exatamente sobre a estrutura de concreto do poste, empoleirando-se com maestria. Com um golpe calculado, os fios de alta tensão foram cortados, chicoteando loucamente para todos os lados até caírem sobre o corpo úmido e cinzento da fera.

O mutante se contorceu, urrando, enquanto que milhares de volts percorriam seu corpo, Rex também se debatia, aos gritos, recebendo a alta voltagem.

O cefalópode tombou contra um prédio próximo, ele afrouxou o aperto que exercia sobre o corpo do rapaz. Rex escorregou das ventosas grudentas e despencou como uma boneca de pano, caindo pesadamente sobre asfalto com um baque excruciante, sem tornar a levantar, para total preocupação do agente que assistia a tudo.

— Lancem a rede! – O Capitão Calan comandou, e uma enorme rede caiu de uma aeronave sobre o cefalópode, finalmente o aprisionando.

— Rex! – Seis chamou enquanto corria na direção do garoto ferido. – Rex! – Ele se abaixou, ficando de cócoras, checando a pulsação dele com dois dedos em seu pescoço. Suas pálpebras tremeram e o rapaz tossiu, acordando.

— Arght, você anotou a placa daquele caminhão? – Questionou desorientado, o agente de terno o ajudou a se sentar.

— Você está bem? – Indagou, fitando garoto fazer uma careta de dor. Seu corpo inteiro reclamava a cada movimento que fazia, ficaria dolorido por semanas, ou até meses.

— Acho que sim. – Ele se colocou de pé vacilante. – Vamos acabar logo com isso. – Ele se aproximou do mutante inconsciente. – Parece um anjinho dormindo. – Ironizou com uma voz idiota. – Hora de voltar ao normal. – Disse, posicionando suas mãos sobre a couraça da fera. Rex respirou fundo, sentindo suas costelas doerem com o gesto. Ignorando seus ferimentos, o rapaz cerrou os olhos centrando-se em curar o E.V.O.

Alguns segundos se passaram, seu cenho se franziu em estranhamento quando seus nanites foram repelidos. Ele abriu os olhos surpreso.

— É incurável... – Murmurou, desacreditado.

— Vamos removê-la para o zoológico. – Seis anunciou após receber ordens pelo comunicador. – Rex, afaste-se.

— Não! – Disparou o garoto. – Eu consigo! Minha biometria deve estar fraca. – Respondeu, ele se voltou novamente para o mutante. – Vamos lá seu sushi gigante, seu filho precisa de você.

— Rex. – O agente murmurou em tom repreensivo.

— Eu consigo! – Insistiu, ele cerrou seus olhos novamente e tentou forçar a conversão. Mas os nanites que hospedavam aquele corpo continuaram a oferecer resistência. O garoto gemeu com o esforço, suor escorria de sua testa. Ele não conseguiria, estava fraco demais pela luta.

— Vamos, não há mais nada que você possa fazer! – Disse Seis em algum lugar próximo a si. O rapaz sentia-se pesado. Seu corpo estava exausto, a beira de um colapso, mas ele precisava curar aquele E.V.O. Aquela criança precisava da mãe.

— Só mais um pouco... – Gemeu teimosamente.

Ele não sairia dali até aquele cefalópode voltar a ser a mãe daquele garotinho. Nem que precisasse gastar todos os seus nanites com aquilo.

— Rex. – A mão do agente pesou sobre seu ombro, quebrando sua concentração. Rex recuou, tonto devido ao esforço. O homem o aparou antes que tombasse no chão. – Você não pode curar a todos. – Havia uma nota de melancolia em suas palavras.

— Mãe! – A criança surgiu de repente, correndo na direção dos dois. – Você disse que iria curá-la! Você prometeu! Cure-a! – Exigiu.

— Eu não posso... – Balbuciou sentindo-se um incompetente. Um inútil.

— Mas você prometeu! – Disparou o menino. – Você mentiu para mim! Seu mentiroso! – O rapaz cerrou seus punhos com a raiva crescendo dentro de si como uma erva daninha.

— Rex. – Chamou Seis, tentando acalmá-lo, mas o garoto se livrou de seus braços.

— Eu não posso curar a sua mãe! Eu tentei! Me desculpe! – Enormes turbinas surgiram em suas costas, mas se desfizeram logo em seguida. Ele cambaleou, sentindo que iria desmaiar. Sacudindo a cabeça, seu constructo foi reconstruído e o garoto disparou para os céus em alta velocidade, com fumaça preta escapando de um dos mecanismos, deixando um rastro para trás.

— Rex! – O agente de terno ainda tentou chamá-lo, mas ele já estava longe demais, sendo apenas mais uma manchinha escura e trôpega no horizonte tingido de laranja pelo crepúsculo.


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Notas finais do capítulo

Uma palavra define este capítulo: Drama.



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