Olá, representante.

Vai aturar minha letra corrida e minha caneta falhando; vou escrever apenas uma e de uma vez e antes disso não irei comprar uma caneta nova. Sinto muito se esperava uma coisa pomposa e chique que nem essa sua letra toda redondinha e certinha. 'Cê sabe que eu nunca obedeci nada direito na minha vida, não é agora que vou obedecer linhas.

Sendo direto, você é engraçado. Sério, uma carta? Os anos podem se passar, todos eles, mas você continua sendo o mesmo nerd certinho. E isso é extremamente cômico.

E fofo.

Fora as cartas enviadas pelos meus pais quando estavam fora por muito tempo, nunca recebi uma carta de alguém. Okay, vamos desconsiderar também cobranças do cartão de crédito, e contas. Mas eu nunca realmente esperava receber uma carta de você.
Por mais que eu ainda ache complicado demais uma planilha pra chances de erro... Você realmente gosta de dificultar coisas simples né?

Eu não dou a mínima pra sua planilha, sinceramente. E nem pra esse monte de porcentagens. Infelizmente, gastou tempo fazendo contas e mais contas.

Primeiro que foi pura sorte eu ter lido sua carta. Eu precisava sair, na verdade, e tinha dormido demais. Talvez eu realmente o lixeiro poderia confundir. Ou o Demon II achar antes de mim. Ou entrar embaixo da estante e eu achar só... Nunca, porque eu estou cagando pro que tem embaixo da estante. Não, não teve porcentagem de nada em lugar algum, foi pura sorte.

E outra... Sorte que eu também gosto de você e o quero. E sorte que entendeu o recado com aquele beijo que te roubei na festa do Fim do Mundo.
Eu realmente caí da balança, se quer saber, mas a única dor em minha cabeça foi de tanto pensar em você. Antes disso, bem antes disso, eu já estava pensando em você e nesse beijo que, num impulso meu, aconteceu.
E, cacete, você aceitou. Eu fiquei muito surpreso.

Você sabe como você é. Certinho, metódico, e se eu fosse fazer essas... Essas coisas de planilhas e os carambas, pra mim, as chances de você realmente aceitar meu beijo seriam de 0,0000000001.
Porém, não tenho paciência pra fazer essas contas, e fui direto na minúscula chance de aquilo rolar.
E rolou. Porque você sabe que eu sou foda.
Mais um golpe de sorte.

Só que... Me desculpe.
Me desculpe por odiar sentir essas coisas, e por, depois daquela noite, apenas seguir como se nenhum de nós tivesse aquilo nas nossas mentes e corações.
Sabe que sou impulsivo. Sabe que eu não faço planilhas. E sabe que as consequências de não calcular coisas podem ser tão caras quanto as de fazer esse monte de cálculos.

Eu realmente achei que não tinha gostado, já que, mesmo aceitado o beijo, saiu correndo como se estivessem distribuindo dinheiro na entrada da festa. Ou só como se tivesse odiado aquilo e estivesse morrendo de vergonha.
Eu realmente achei que depois de tudo, aquilo foi um mal entendido, ou você deixou porque "ah tadinho, ele bateu com a cabeça" e depois se deu conta da bosta e saiu correndo. Porém, se querer você é ter batido com a cabeça, todo dia é um balanço diferente ao qual eu caio, meto a cabeça no chão e abro os olhos querendo te ver como naquele momento.

Você me deixa louco. E eu estou arrependido demais de assumir, por você, que aquilo foi um erro.
Talvez de tanto andar com você, depois que nos acertamos, simplesmente fiz todas essas contas na minha cabeça, sozinho, e ainda calculei errado: tudo dava 0.

0% de chances de ter gostado do beijo.
0% de chances de gostar de mim de volta.
0% de chances de se lembrar daquele dia como algo bom.
0% de chances de algo sair daquele momento e fazer nascer um sentimento maior e muito mais agradável do que o asco que achei que sentiria.

Estou muito feliz de estar errado. Talvez essa seja uma das poucas vezes que eu estou realmente errado (como eu disse acima, ambos sabemos quão foda eu sou) e estou feliz por isso.

Obrigado pela carta. Por pensar em mim.
E gastar tanto tempo com um monte de contas, mesmo sabendo que isso seria só perda de tempo.

Eu sei que nem sempre tive sorte, ou nem sempre soube a usar ao meu favor. Mas eu tive muita sorte em ter você na minha vida.
Sei que (por falta de sorte, e ok, por burrice) já te deixei sair da minha vida, entretanto, que sorte a minha ter me aceitado de volta.
Special thanks to Lysandre, sei que ele também nos ajudou muito, principalmente a nos falar depois de tudo.
Porém você poderia ter recusado. E continuado a ressentir de quando eu simplesmente preferi desconfiar de você. Ou não ter visto que eu valia ainda alguma coisa.
Que sorte a minha, realmente.
E agora, vendo essa carta sobre minha mesa, ao lado da que escrevo, recebendo seus mais sinceros (e confusos, desculpa real por isso) sentimentos, me sinto o homem mais sortudo do mundo.

Já que fez essa conta toda, vamos pegar o 1% de chances de darmos certo e, com a minha sorte, e meu coração preenchido por amor e você, vamos completar os 99% que restam.
Ou transformar em 1000%.

De, por sorte, seu

Castiel.


xxxx

Não sabia que, mais difícil que escrever aquela carta, seria a entregar.
Era sábado, pela manhã, e Castiel estava com menos coragem do que sentia que estava com sorte. Nathaniel poderia não estar ali, era fim de semana, então poderia ter aproveitado para estudar na biblioteca.

A porcentagem de chance era 70%... "Castiel, para de fazer essas porras de contas!" Chacoalhou a cabeça de cabelos vermelhos e suspirou.

Bateu na porta. O envelope em suas mãos não estava lacrado, e os dedos tremiam ao segura-lo.
Respirou fundo. Manteve a face calma, fingindo estar da mesma forma por dentro.
A expressão quase séria foi desfeita poucos segundos depois, quando olhos surpresos e dourados o receberam, ao abrir a porta.

Sorriu de canto.

— Hoje é o meu dia de sorte.