Play Pretend escrita por pffwhocares


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767955/chapter/3

24 de Setembro, 1910

“Qual o nome da cidade onde ocorreu um famoso terremoto em 1906?”

Lídia estava sentada no chão da sala dos Benedito tentando concluir uma das palavras-cruzadas que haviam chegado para Cecília naquela manhã e estava falhando miseravelmente pois não tinha paciência suficiente para se concentrar por mais de alguns segundos então repetia todas as perguntas para as irmãs.

“São Francisco.”

“Como você sabe disso, Elisa?”, ela perguntou, desconfiada.

“Porque eu leio isso aqui”, ela respondeu sacudindo o jornal que estava em sua mão. “Talvez você devesse fazer o mesmo.”

Lídia mostrou a língua e começou a importunar Cecília que respondeu com a maior paciência do mundo. Mariana lia um livro do seu lado e Jane se arrumava em seu quarto.

Os ânimos das irmãs finalmente se acalmaram depois de toda comoção do dia anterior. Depois que Elisabeta se despediu de Darcy e voltou para casa, ela encontrou as irmãs ansiosas para mais detalhes do relacionamento dos dois. Ela contou o máximo que podia durante o jantar e quando as perguntas começaram a ficar complicadas demais ela alegou que estava exausta e sugeriu que todos fossem para cama. Houve um protesto geral mas Felisberto decretou que realmente estava tarde e elas deveriam dormir. Não sabia se fora intencionalmente mas o pai acabou salvando-a de dar com a língua nos dentes.

E era essa constante preocupação que fez com que ela perdesse o sono durante a noite. Havia tantas coisas que poderiam dar errado que uma folha de papel não seria o suficiente para preencher todas. Mas ao mesmo tempo estava extremamente grata que tinha encontrado alguém tão louco quanto ela para seguir suas travessuras. Ela sorriu ao pensar nele. Darcy irritava-a ao extremo mas no fundo era uma pessoa boa, conseguia se ver sendo amiga dele no futuro. E se fosse ser sincera, estava até ansiosa para que ele chegasse logo para devolver Tornado. Seus embates divertiam-na.

Foi com esses pensamentos em mente que Elisa escutou duas batidas na porta. Ela levantou num salto antes que as irmãs pudessem sequer reagir e correu para abrir a porta.

“Ah”, ela exclamou quando viu quem havia chegado. “Ema.”

“Decepcionada, minha amiga?”, ela perguntou já entrando dentro da casa, equilibrando uma caixa gigante nas mãos.

“Não, só não esperava ver você aqui hoje.”

“Ora essa, quem mais poderia ser?”

Elisa sorriu e lançou um olhar severo para Mariana que ameaçava rir.

“Meninas,” Ema anunciou, “os seus presentes chegaram! Consegui que François mandasse seus vestidos o mais rápido possível! Fiquei animadíssima com os modelos que vimos ontem em minha casa e não me contive. Elisa, peço perdão mas não soube escolher um vestido para você. Seu gosto é muito... excêntrico.”

“Ema, não há necessidade. Você sabe que eu não vejo graça em ter tantos vestidos.”

“Pois deveria”, Jane disse ao entrar na sala e pegar seu vestido azul das mãos de Lídia. “Ainda mais agora.”

“Por que? O que está acontecendo agora?”, Ema questionou.

“Elisabeta está namorando!”

“O que?!”, Ema gritou. “Como assim? Com quem?”

Ela sentiu seu rosto queimar de vergonha e nem teve tempo de explicar pois escutou novas batidas na porta. Quando abriu e viu ele encostado no batente da porta com as mãos no bolso e um sorriso torto no rosto, ela soltou uma respiração que não sabia que estava segurando.

“Oi!”

“Ei. Posso entrar?”

Ela pegou sua mão e puxou ele para dentro de casa. Ema compreendeu tudo quando viu os dois de mãos dadas mas o que surpreendeu Elisabeta foi a amiga ter corrido para os braços de Darcy para um abraço apertado.

“Darcy! Quanto tempo!”

Eles se abraçaram mas Darcy não soltou da mão dela. Ainda assim, se sentiu uma intrusa, uma espiã vendo um momento íntimo, um momento que não pertencia a ela. Soltou a mão dele e foi para o outro canto da sala ajudar Cecilia a organizar os vestidos.

“Vocês se conhecem?”, Lídia fez a pergunta que todos da sala queriam saber.

“Sim!”, ela exclamou. “Na última viagem que papai e Julieta fizeram para Paris eu os acompanhei e acabei conhecendo Darcy, que estava de passagem pela cidade.”

Ele sorriu. “Ema, élégant comme jamais.”

Comme tu es gentil, Darcy”, ela respondeu.

Nous ne parlons pas français”, Elisa pigarreou reunindo todo seu conhecimento em uma frase.

Lídia bufou irritada por ficar fora da conversa. “O que vocês estão falando?”

“Elisabeta está dizendo que ninguém fala francês. Em francês”, Ema explicou risonha. Ela puxou Darcy para o sofá e Elisa tentou não gritar. “Por favor, me conte mais sobre essa história.”

Darcy contou sua versão do romance sendo analisado friamente pelos olhos de Elisabeta. Ela estava completamente tensa e não conseguia focar na nova conversa que as irmãs iniciaram. Tinha medo que em algum momento ele fosse dizer algo que divergisse do que ela havia contado para as irmãs na noite anterior e arruinasse toda a farsa. Quando Darcy terminou de contar a versão resumida dos fatos ela sentiu como se pudesse finalmente respirar.

“Elisa! Isso tudo é muito instigante! Como você não me contou antes?”

“Minhas irmãs só descobriram a novidade ontem. Eu iria te contar mas Darcy resolveu aparecer e estragar a surpresa”, ela disse sarcasticamente.

“Tornado estava comigo!”, Darcy se vangloriou.

“Ah! Isso me fez lembrar. Ema, talvez seu pai possa dar uma olhada no meu cavalo. Ele só pode estar com algum tipo de problema para querer passar mais do que alguns minutos com esse ai.”

Um silencio constrangedor se instalou na sala e só então Elisa percebeu o que tinha dito. Ela sentiu o pânico se instalando dentro de si e exalou uma risada nervosa. “É brincadeira!”

Darcy se levantou e aproximou dela. Quando estava devidamente de costas para todas as irmãs ele piscou e a menina soube que estavam jogando. Ele a abraçou pela cintura e deu um beijo na base do seu pescoço.

“Meu amor está com ciúmes que Tornado já me ama.”

As irmãs riram e começaram a conversar entre si sobre os novos vestidos que iriam abrigar seus armários. Os dois permaneceram abraçados por um tempo e, por mais que Elisa se considerasse uma mulher progressista, ela começou a ficar desconfortável. Era um abraço perfeitamente normal para dois namorados mas isso não era o que eles eram e, além desses pensamentos, a menina começou a se sentir ansiosa, afobada, claustrofóbica, quente. Como se todo o calor da primavera de Setembro tivesse se instalado numa bolha que envolvia apenas os dois.

Ela levantou o rosto, deitando-o no ombro dele.

“Eu acho que você deveria me soltar”, ela disse baixinho.

“Aconteceu alguma coisa?”

“Creio que estou passando mal.”

Darcy pareceu preocupado. “Eu vou buscar água para você.”

Elisa sacudiu a cabeça e puxou as mãos dele para que ela pudesse sair do abraço. “Não há necessidade. Apenas sente ali no sofá. Vou avisar mamãe que temos companhia masculina em casa.”

Quando chegou com dona Ofélia ela já se sentia mais calma. Não sabia o que estava acontecendo, mas chegou à conclusão de que quando os dois tivessem um tempo a sós ela estabeleceria regras do que poderia ou não ser feito nesse relacionamento. Talvez assim ela se sentiria mais confiante no que dizer e fazer e não sentiria como se estivesse pisando em ovos o tempo todo.

“Darcy! Mas que bondade do senhor aguentar esse falatório feminino na sua cabeça já na manhã!”, a mãe falou enquanto o abraçava. “Felisberto teve que resolver algumas pendências em São Paulo e volta só no fim da semana.”

Ele sorriu. “Faço de bom grado, dona Ofélia.”

“E que notícia mais animadora a senhora recebeu, não é mesmo dona Ofélia?”, Ema disse, sorrindo.

“Ara, Ema, nem me diga! Achava que para essa aí iria sobrar só os porcos e o cavalo.”

“Só me senti um pouco chateada que ela não me disse antes. Teria agilizado esse encontro séculos atrás!”

“Era segredo, Ema”, Elisa explicou pela milionésima vez. “Mas Darcy sempre falou muito bem da senhorita e eu ficava morrendo de vontade de te contar.”

“Bom, isso acalma meus ânimos”, ela respondeu calmamente mas seu rosto se contorceu num sorriso animado e ela se levantou num pulo. “Sabe o que acalmaria ainda mais meus ânimos? Um baile!”

“Um baile?”, as irmãs gritaram.

“Ema, você não parece nem um pouco calma. Um baile apenas te estressaria mais”, Elisabeta arguiu.

“Imagina!”, ela dispensou o comentário com a mão. “Planejar eventos é o dom que Deus me deu. Faço isso até mesmo dormindo. Então? Estamos de acordo?”

“Mas para que exatamente há a necessidade de um evento de tamanho porte?” Darcy parecia extremamente desconfortável com a prospectiva de ter que interagir com mais do que dez pessoas, ainda mais se elas fossem desconhecidas.

“Para receber o novo morador do Vale e apresentar o novo casal para a sociedade, ora, o que mais poderia ser?”

“Ema, eu e Darcy, nós somos muito... reservados”, a menina argumentou se aproximando do namorado. Ela não precisou fazer nenhum sinal para que ele concordasse pois sabia o quanto interações sociais o incomodavam. “Não há necessidade para tanto.”

“Minha Nossa Senhora da Aparecida, Elisabeta! A menina já disse que não há problema algum!”, Ofélia gritou. “Ema, estamos muito agradecidas pela oferta viu? Vamos aceitar.”

As irmãs riram de felicidade e Lídia soltou um gritinho.

“Mamãe! Eu nem mesmo tenho um vestido!”

“Não seja por isso!”, Ema disse. “Podemos ir agora mesmo na loja de tecidos e eu te darei o vestido que quiser de presente.”

“Ema, você sabe que eu odeio essa sua mania de dar presentes sem ter um motivo. Nós não estamos necessitadas!”

“Ai, Elisabeta, deixa de ser estraga prazeres! Não é porque você não gosta de se divertir que todas nós devemos viver nesse mundo chatinho que é o seu.”, Lídia disse.

“Sinto que tenho que concordar com Lídia”, Mariana disse e a primogênita soube que ela estava fazendo isso apenas para contrariá-la. “Já faz tempo que não temos algum evento animador na cidade. Não nos prive disso!”

As seis moças olharam para os dois com um olhar de expectativa e Darcy sacudiu a cabeça, derrotado.

“Tudo bem por mim”, ele decidiu.

“Tanto faz”, Elisa disse e era o máximo de confirmação que elas teriam.

As irmãs gritaram e Ema e Ofélia deram uns pulinhos. “Pois vamos agora comprar esse tecido. Darcy pode se juntar a nós!”

“Tenho certeza que ele tem coisas melhores para fazer”, Elisa argumentou.

“Na verdade, não.” Darcy sorriu e ela soube que ele iria apenas para irritá-la ainda mais.

Se puseram todos para fora da casa dos Benedito e foram a pé até o centro da cidade. Pareciam uma comitiva. Lídia e Ema puxavam a fila, seguidas de Ofélia e Jane e Mariana e Cecília atrás. Darcy e Elisabeta estavam um pouco afastados para evitar os ouvidos curiosos das irmãs e também porque eram poucos os momentos que os dois tinham para ficar sozinhos, sem a necessidade de fingir.

“Nós precisamos conversar”, Darcy disse.

“O que aconteceu?”

“Temos que colocar essa história em dia. Temo pela minha vida. Perdi minha noite de sono pensando que se eu pisar em falso é provável que a senhorita me linche em praça pública.”

Elisabeta não confirmou que essa era uma das suas preocupações e o mesmo havia acontecido com ela mas ficou feliz em saber que seus temores também afligiam ele.

“É provável que eu faça isso mesmo. E não ajuda em nada que o senhor não compartilhe seus conhecimentos. Deveria ter me avisado que era amigo de Ema.”

“Eu não sabia que você era amiga de Ema.”

Touché”, ela concordou.

Ele sorriu como se não houvesse algo mais divertido no mundo do que ver ela admitindo que estava errada.

“Eu também não sabia que a senhorita falava outras línguas.”

“Isso te surpreende?”

“Não mais que o normal”, ele riu. “Você é uma caixinha de surpresas.”

Ela revirou os olhos mas respondeu. “Sei francês, porque era obrigatório no colégio local, espanhol, porque papai nos obrigou e um pouco de italiano graças aos nossos vizinhos estrangeiros.”

“Nossa! Temos aqui uma poliglota! Mas pelo o que você disse, nenhuma dessas línguas você aprendeu por vontade própria. Tem alguma outra que a senhorita gostaria de conhecer?”, ele perguntou com um sincero interesse.

Ela sorriu sarcasticamente. “Inglês. Para que eu possa te irritar na língua que o senhor melhor conhece.”

Darcy riu alto da resposta fazendo com que as irmãs virassem para trás e sorrissem para os dois.

“Eu até poderia me oferecer para te ensinar mas acho que estaria dando um tiro no pé.”

“Ótimo! Assim reduzimos ainda mais a quantidade de tempo que temos que passar juntos”, ela respondeu com um sorriso travesso no rosto.

Eles seguiram caminho até a Loja de Tecidos. As irmãs, especialmente Lídia, já imploravam para que a mãe comprasse mais tecidos e Ofélia acabou cedendo com a desculpa de que Felisberto não estava em casa para impedir. Elisa foi na costumeira seção de tons de vermelho e estava pronta para escolher o primeiro que visse quando percebeu Darcy parecendo extremamente desconfortável parado na entrada da loja.

“Meu amor!”, ela chamou mas ele parecia ansioso, absorto em pensamentos. “Darcy”, ela tentou novamente e dessa vez ele se virou e se aproximou quando ela fez um sinal com a mão.

“Eu preciso lembrar que o “meu amor” é você?”, ela sorriu sarcasticamente.

“Pois não, minha flor? Como posso te ajudar?”, ele respondeu sorrindo também.

“Eu gostaria de saber... se não for muito incômodo, é claro, qual é a cor favorita do meu namorado hoje?”

Ele olhou no fundo dos olhos dela com tanta intensidade que Elisabeta começou a se sentir desconfortável. Pareceu achar a resposta ali mesmo e sorriu.

“Azul.”

“Pois então me ajude a escolher um pano vermelho com azul, por favor.”

Os dois procuraram juntos nas prateleiras e foi uma experiência diferente. Era divertido ver um homem tão masculino buscar panos delicados e perguntar sua opinião. Ela, por sua vez, o contrariava o tempo todo apenas pela graça de ver sua expressão frustrada por não conseguir agradá-la. Por fim, conseguiram limitar suas opções em apenas duas: um tecido azul com estampa floral vermelha e um tecido com uma técnica francesa chamada dégradé que era vinho mas apresentava algumas partes azuis.

“Qual você prefere?”

Darcy ponderou e apontou para o tecido francês.

“Ótimo!”, Elisa respondeu pegando o vestido estampado. “Ficarei com esse floral aqui.”

Ele bufou alto em resposta e esfregou a testa. “Eu desisto!”

“Estou fazendo hora com você”, ela disse quando conseguiu controlar sua risada. “Eu também gostei desse aqui.”

Uma nova discussão começou quando Darcy avisou para o vendedor que iria pagar pelos tecidos das moças. Elisabeta foi a primeira – e única – a protestar e as irmãs observavam o embate com curiosidade. Seu argumento se esvaiu quando ele disse que era quase ofensivo que seu namorado (e ele colocou bastante ênfase para que ela entendesse) não pudesse dar um agrado tão singelo para a família da sua amada. Ela suspirou e concordou com a cabeça.

Ao saírem da loja, Darcy avisou que deveria se despedir pois tinha muitas pendências na ferrovia. As irmãs, a mãe e Ema acenaram em conjunto e se afastaram para que os dois ficassem sozinhos.

“Não quer me ajudar a escolher o modelo do vestido?” Elisa perguntou e ficou surpresa como parecia decepcionada que ele já estava indo embora.

“Prefiro que você me surpreenda”, ele respondeu entregando para ela a sacola com os panos.

Ela sorriu tentando esconder seu desconforto. Sentia os olhares curiosos dos moradores do Vale sobre os dois, o questionamento de quem era o homem novo na cidadezinha e o que ele fazia junto de Elisabeta Benedito. Mas pior do que a curiosidade alheia, era a expectativa da sua família e amiga que observavam a interação com ansiedade. Iriam se beijar em público ou iriam guardar o grande beijo para o baile? Elisabeta sabia que iria decepcioná-las pois não fariam nenhuma das duas coisas. Darcy pareceu sentir seu incômodo e só então notou os olhares inquisidores das pessoas.

Ele ofereceu um sorriso tímido e sacudiu a cabeça, um pedido silencioso para que a menina ignorasse a presença de quem os observava.

“Quando vou te ver novamente?”

Elisa não saberia explicar se foi pela sensação gostosa que surgiu no seu peito ao perceber que ele queria vê-la mais vezes ou se foi pela irritação causada pelos fofoqueiros do Vale. Independente do que fosse, ela se sentiu corajosa. Se aproximou lentamente, colocou a mão nos ombros dele e beijou sua bochecha. Quando se afastou, Darcy parecia transtornado. Ela sorriu e respondeu numa voz grave, que nem mesmo parecia a dela.

“Prefiro que você me surpreenda.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Nova enquete: Elisabeta estava com ciúmes disfarçado de preocupação com o plano ou era uma preocupação real? ahahahha quero saber!