Odindóttir escrita por Shalashaska


Capítulo 1
I




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I swell without a scar
To the end of time
A shell without a star
At the end of time

Watch the bend of my wandering
Of hunting with the lightning gun
Tremor on my heaven son
Tares above my kingdom come

Torn open tomb
I fell in your
Cold fission bomb
I fell in your war

Soap&Skin, "Thanatos"

 

Frigga encarava a escuridão absoluta com os olhos muito absortos, a boca numa canção antiga. Não era o céu noturno tampouco era o breu do mar que encarava, mas sim os cabelos de sua filha, Hela. Quando ainda estava grávida, fantasiava com o momento em que cuidaria de sua criança; os cuidados, o carinho e beijos que depositaria em sua testa. Não lhe importava que fosse um menino ou uma menina, pois qualquer criança sua e de Odin seria recebida com amor e teria os mesmos traços de bravura dos pais. Ela imaginava os cabelos dourados na criança, olhos azuis. Talvez fosse ruiva por conta da barba com alguns fios cor de cobre de seu esposo, no entanto jamais cogitara cabelos pretos em seu filho. Hela estava ali e, ao contrário de todas as suas fantasias e sonhos de grávida, possuía as íris de um tom verde vibrante e as madeixas tão escuras como os corvos Huggin e Munin. Suas mãos pegaram mais uma negra e sedosa mecha para compor o penteado de sua primogênita, até que o olhar das duas se cruzou no espelho.

— Mãe. — A filha pediu, sua voz muito calma. — Não há necessidade de algo tão elaborado. Não irei para um festival, irei para a guerra.

Frigga fez menção de parar, mas mudou de ideia. Com um estalo de língua de falsa irritação, continuou a trançar o cabelo da filha, que em resposta lhe ofereceu um suspiro. Desviaram o olhar uma da outra, sabendo cada uma o motivo do silêncio. Ela estava certa. Sua menina, sua querida… Alvo de seu amor maternal e verdadeira devoção. Iria para guerra com o pai e não se tratava apenas uma caçada no verão, como costumavam fazer nos campos verdejantes há algumas horas de viagem do Palácio.

Por um segundo, ela se recordou daqueles tempos áureos. Foi antes do começo da construção da Bifrost, ainda em obras mesmo depois de estações. Odin já havia assegurado domínio sobre os reinos de Midgard e Vanaheim. Com Nidavellir tinham um acordo comercial e justamente por isso deram início a Ponte de Arco-Íris, que daria pleno trânsito entre os mundos. Os anões, habilidosos na forja, também presentearam o Pai de Todos com a Manopla capaz de segurar o poder das Jóias do Infinito. Faltava apenas conquistar os reinos considerados selvagens e com o Tesseract, uma das seis jóias, isso não seria difícil. Naquele tempo, Hela era ainda um criança. Ela gostava de correr à cavalo com o pai, porém não se intimidava com o sangue das caças abatidas, nem mesmo com o sofrimento dos cervos atravessados por flechas. Odin dizia que a filha, nascida numa noite de inverno e cheio de névoa, na realidade se tornaria uma comandante de mão firme, uma líder nata. Frigga sabia que isso era importante e que as palavras do marido eram verdadeiras, mas achava que sua filha não tinha noção ainda sobre a morte e a violência por ser muito nova. Aliás, não tinha como compreender. Era só uma criança silenciosa, doce, que gostava dos truques de magia da mãe e das leituras à noite.

E que gostava de facas também.

Naqueles dias, Odin ria com deboche da preocupação da esposa. Hela era sua garotinha, a menina que falava pouco mas que a língua cortava feito lâmina, a menina que gostava dos punhais de seu pai e que pregava peças de gosto duvidoso nos criados só porque podia. Enquanto crescia, seus gostos e valores se acentuavam como as bebidas guardadas nos porões profundos do submundo. Ela era forte, destemida, astuta, serena. Odin a pegava no colo e dizia que um dia, um belo dia quando fossem conquistar todos os mundos que existiam no universo, Hela estaria ao seu lado.

— Tu prometeste, meu pai?

— Sim, minha filha. Ao fim seremos tu e eu.

Hela não estava nem um pouco preocupada com se sujeitar ao perigo, ao ritmo exaustante de uma campanha de guerra e marchas com o exército asgardiano. Era habilidosa, implacável, frequentemente a melhor no que fazia. Era hoje uma jovem mulher. Estava mais é irritada por conta da preocupação da mãe, pois considerava tolice o tamanho do nervosismo e Frigga sabia disso. O antigo rei e pai de Odin, Bor, já havia entrado em conflito com os Elfos Negros por conta do Aether, uma relíquia ainda mais antiga que a própria Asgard e uma joia que Odin almejava encontrar. Todos os Elfos Negros foram aniquilados naquela ocasião e o Aether se perdera. Odin recrutara os guerreiros mais valentes de todo o reino e isso incluía a própria filha.

Hela se levantou, Frigga também.

— Eu retornarei vitoriosa, mãe. — Ela depositou os olhos sobre sua mãe com carinho e firmeza. Seus cabelos negros estavam trançados de forma bela sobre os ombros, adornando sua figura trajada em preto e verde. Eram suas cores, afinal. —  Meu pai terá as Joias do Infinito numa mão e todos o reinos na outra. O nosso legado irá perdurar por milênios.

Frigga a abraçou forte.

— Sei disso, minha filha. Você é uma mulher honrada. Eu apenas… Sentirei sua falta. Sei também que você dorme melhor quando ouve uma história antes de dormir ou quando tenta copiar alguns truques de magia.

— Mãe. — Afinal ela deu um sorriso. — Não é algo que se diga para uma Executora de Odin.

— Ainda não. — Deu a mão para a jovem e as duas começaram  a andar, atravessando o grande quarto. A meia luz dos archotes e velas reluzia o tecido dos trajes delas, enfeitados por brocados de prata em Hela e de ouro em Frigga. — Receberá o título na cerimônia. Por enquanto é apenas Hela, minha filha.

Os portões foram abertos pelos guardas de armadura. Frigga acariciava o braço, a mão de pele fria da primogênita. Naquele momento podia fingir que era justamente o que dissera, apenas sua filha, mas sabia que ela queria ser muito mais: Guerreira, Herdeira, a Executora de Odin. Hela, a Deusa da Morte.


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Notas finais do capítulo

Comentários são apreciados. Caso encontrei algum erro gramatical, coerência e etc, por favor me avise.