O Intruso escrita por thierryol1


Capítulo 17
Eu Sei Quem Me Matou




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"Me perdoe... Eu não pude te salvar."

 

Abel veio em direção à Lucie empunhando a faca.

— Você? Por que Abel? – Perguntou Lucie, segurando o choro.

— Não venha inverter os fatos agora, querida Freewood... Você nunca foi a vitima aqui! Muito pelo contrário, você destruiu a vida de muita gente! – Respondeu Abel, avançando pra cima da garota.

Antes que Lucie pudesse dizer algo, Abel tentou golpeá-la com a faca, mas ela desviou. Pegou a vela acesa do pequeno balcão e jogou contra Abel, mas não conseguiu acertar ele. A vela caiu no chão, e começou a espalhar fogo pelo chão da cozinha. Abel foi para acertar Lucie novamente, mas ela pegou uma panela e jogou contra ele. Aproveitando a distração, ela saiu correndo da cozinha e foi para o hall principal. O fogo começou a se espalhar assim que Abel abriu a porta.

— Você não pode escapar do que fez, senhora Freewood... Você não pode... – Gritou Abel, avançando novamente em cima da garota, que tentou escapar, mas infelizmente a faca acertou seu ombro esquerdo.

Ela empurrou Abel e começou a correr em meio às chamas. Sua casa estava em combustão. O fogo se espalhou rapidamente da cozinha para o restante da casa, graças à estrutura de madeira rústica.

O intruso, tão familiar, corria atrás dela enquanto subia as escadas para o segundo andar. Lucie sentia seu peito arder com a fumaça exalada do incêndio, começara a ficar mais lenta, e o assassino, mais perto. Quando a garota estava quase terminando de subir as escadas, o piso se rompeu em um pedaço, fazendo-a cair alguns degraus.

Portando uma grande faca de cozinha, Abel parou subitamente na frente de Lucie. A garota levantou o olhar em direção a ele, numa última esperança de sensibilizar o assassino, que ela nem mesmo reconhecia. Mas sua visão fria direcionada para a garota destruiu suas esperanças de sair viva dali, assim como aquelas chamas destruíam sua casa. Ele levantou lentamente a faca, a garota fechou seus olhos.

Quando estava prestes a cravar a faca no belo corpo claro da jovem, o intruso ouviu um estalo, hesitando por um segundo. Lucie abriu seus olhos e se lançou contra o assassino, com um pedaço de madeira pontudo que acabara que arrancar do piso rompido.

Infelizmente não foi suficiente para perfurar o homem, que apenas caiu de volta para o início da escada. A garota aproveitou para subir ao segundo andar, já que a porta principal estava em chamas e não seria possível fugir por ali.

Ela corria entre os corredores do segundo andar, desviando de algumas chamas que apareciam aqui e ali, procurando um jeito de escapar, mesmo tendo um profundo sentimento de que não sairia viva dali. Ela entrou no quarto de hospedes, se perguntando o que faria. Lembrou-se de sua consulta com o psiquiatra, desejando que aquilo fosse uma alucinação. E talvez fosse, já que a garota começou a ver sangue descendo pelas paredes do quarto, mas que não causava efeito algum sob o fogo. Talvez o fogo fosse uma alucinação também. Talvez Abel também fosse. Talvez tudo fosse fruto de uma alucinação.

Lucie se recolheu num canto, ficando numa posição fetal. Não queria chorar, mas as lágrimas começaram a escorrer abaixo. De repente tudo se calou: o barulho do fogo, os passos do assassino no corredor, até mesmo seus pensamentos. Lucie levantou o rosto. Não estava mais em Vila Obélia. Estava em casa, na sua casa há doze anos, sob sua cama. Aos poucos a porta foi abrindo, e a figura familiar foi entrando. Lucie não podia acreditar, estava vivendo novamente aquele pesadelo.

Escondeu-se debaixo dos cobertores, mas ela sentia-o próximo, vindo em sua direção. Começou a chorar novamente, então a coberta foi puxada violentamente e ela estava de volta.

As chamas queimavam todo quarto, aumentando progressivamente seu tamanho.

O intruso fitou-a por um momento. Parecia estar em outro lugar, com medo de algo pior que ele. Então, subitamente, ela direcionou seus olhos lacrimejantes e frios para ele, e disse com uma voz firme:

— Eu os matei. Eu o fiz. E se fiz isso com eles, posso muito bem fazer com você...

Abel ficou ali parado, sem entender. Lucie então começou a gargalhar, mas as gargalhadas foram substituídas por choro.

— Isso não é justo! Eu tentei morrer tantas vezes! E agora que eu simplesmente dei um jeito na minha vida... Justo agora... – Ela falou, em meio aos prantos.

— Sinto muito Lucie... Mas você tem que pagar pelo seu passado! Por todo mundo que você machucou! Você não é a vitima.

— E quem me machucou, ein? E sobre o meu passado? O meu verdadeiro passado? Você sabe alguma coisa sobre ele Abel?

— Que você acabou com a vida de muita gente... Humilhou outros tantos... Esnobou, negou ajuda, machucou fisicamente... O que mais preciso saber? Mas fique tranquila, Lucie, eu estou aqui pra te salvar! – Disse Abel, se aproximando da garota e levantando a faca.

Lucie ficou ali parada, como se esperasse pelo golpe fatal. Mas quando Abel estava prestes a acerta-la, ela falou:

— Me salvar? Você quer me salvar? Volte no tempo quando eu tinha nove anos e minha mãe me vendeu por um pacote de drogas! Bem... Está certo que eu consegui fugir dos traficantes, e fui parar num orfanato, mas não demorou muito pra eu me arrepender de ter fugido: quando eu estava com quase onze anos uma família me adotou. Eu estava tão feliz por finalmente alguém me querer, mas aí começou a pior parte da minha vida. Meu novo “papai” começou a vir no meu quarto toda maldita noite, e me obrigava a fazer coisas que eu não queria. Seu nome era Julius e ele sempre dizia que se eu não ficasse caladinha, ele iria me jogar no lixo de onde eu vim. Com treze anos, eu tomei coragem e contei para minha mãe o que aquele nojento fazia comigo. A reação dela? Foi me bater, me culpar, então ela começou a me humilhar. Durante o dia, eu tinha que limpar toda a casa diversas vezes, e quando eu acabava de limpar, ela vinha e sujava novamente. Se eu me recusasse a limpar, apanhava das piores formas. Quando eu descobri que ela tinha um caso com o advogado, Connor, ela usou um alicate para apertar minha língua. Eu não aguentava mais... Eles tinham um outro filho, chamado Samuel, também adotivo. Ele sabia tudo que acontecia, até desconfio que ele era a vitima dos abusos antes de mim. O que ele fez pra me ajudar? Nada! Ele empacotou suas malas assim que fez dezoito anos e foi embora. E eu fiquei para trás... Com quinze anos, eu descobri que estava grávida. Grávida de um monstro! Isso foi o ponto final para mim. Um dia eu comprei sonífero e coloquei na bebida dos meus pais adotivos. Quando eles dormiram, joguei gasolina na casa toda e ateei fogo. Eu fiquei do lado de fora, assistindo. Não foi uma sensação boa... Mas foi uma sensação necessária. Então eu saí... Fui pra outra cidade, chamada Provo, lá eu tive meu filho, mas eu abandonei ele na porta de uma casa chique. Eu queria ter abortado, não queria trazer uma criança no mundo para sofrer, mas... eu não consegui. Não consegui abortar. Mas era o que eu queria ter feito. Achei que estava tudo bem, mas o pessoal do conselho tutelar me achou, e fui mandada de volta para o orfanato de Salt Lake City. Fiquei lá até meus dezoito anos, quando fui liberada e recebi a herança dos meus pais adotivos. Não sei porque eles me colocaram no testamento... Samuel então teve uma doença estranha e morreu, eu nem sei direito como tudo aconteceu, ele estava numa cidade bem distante. Comecei a escrever livros e bem, o resto acho que você já sabe. Sim... eu fiz coisas horríveis na minha adolescência, na escola. Mas... era uma válvula de escape. Eu precisava descontar meu ódio. Mas então você aparece aqui e simplesmente acha que pode me salvar?

— Lucie...

— Você não pode me salvar, meu querido. Eu não tenho salvação. Mas você está certo, de certa forma... Sabe por que? Porque se eu tivesse conseguido me matar, alguma das vezes que eu tentei, ninguém mais teria sido machucado. Me mate... Faça. ME MATE! – Lucie gritou.

*****

A viatura andava pelas ruas estreitas da pequena cidade. Fischer se manteu calado todo o trajeto. Mas passado alguns segundos, ele quebrou o silêncio:

— Por que Josh? Não consigo entender.

Josh ficou calado. Suas pernas estavam tremendo. Fischer não insistiu, nunca foi uma pessoa de ficar insistindo.

— Meu nome não é Josh. Meu nome é Samuel... – Falou ele, com o corpo tremendo. – Por favor... Sal-salve Lucie... de si mesma...

Fischer parou o carro no mesmo instante, afinal Samuel começou a ter um ataque. Ele desceu do carro e correu até o banco de trás, tentando acudir o jardineiro, mas já era tarde. Seus olhos vermelhos e sua boca cheia de espuma de saliva eram uma visão perturbadora. Na mão de Samuel, havia um pequeno potinho, Fischer pegou e leu: Cianeto de Potássio, um veneno altamente tóxico.

O detetive não estava entendendo mais nada, mas indo contra toda sua moral, ele ligou o carro e acelerou em direção à casa de Lucie.

*****

— Me mata logo! Anda Abel! – Lucie desceu da cama e se ajoelhou em frente ao garoto. Ela fechou seus olhos lacrimejantes. – Eu tentei tanto tempo esconder meu passado... Mas agora eu vejo: a gente nunca vai poder negar nosso passado. Por isso... eu aceito meu passado. Eu... aceito meu passado. É hora de seguir em frente.

Um barulho foi ouvido e Lucie abriu os olhos. A faca estava caída no chão, ao lado direito dela.

— Abel?

Não havia ninguém no quarto. Lucie pegou a faca e saiu correndo, tentando achar o garoto. Ao entrar no corredor, ela viu a pequena portinha da escada para o telhado se fechar.

— Abel?! Me mata! Por favor! – Ela gritou e saiu correndo.

Ela não conseguia parar de chorar. A fumaça da casa completamente em combustão estava deixando ela tonta, mas não demorou muito para ela subir até o telhado, mas ele estava vazio. Ela começou a berrar, enquanto as chamas começavam a romper o telhado:

— Abel! Abel! Você precisa me matar! Por favor... Eu não aguento mais!

Ela se debruçou no telhado, ficando ajoelhada. Olhou fixamente para a faca, chorando.

— É hora de seguir em frente... – Ela falou para si mesma, levantando a faca e apontando-a na direção do seu estômago. Quando ela avançou seu braço contra sua barriga, uma mão a segurou. Era Fischer.

Ele pegou a garota em seus braços e saiu carregando ela pelo telhado caindo aos pedaços e entre as chamas.

*****

Dia Seguinte

Lucie estava saindo da sala de depoimento da delegacia quando Fischer a parou.

— Ei, Lucie. Como você está?

— Estou bem melhor detetive, obrigada!

— Bem, fico feliz por ouvir isso. Lucie, eu sei como é sair de uma experiência traumática como essa, e se quiser, posso te recomendar uns terapeutas para que você possa lidar com tudo isso.

Lucie pensou por uns segundos. Então ela sorriu, olhou bem fundo nos olhos de Fischer, e respondeu:

— Obrigada, mas não será necessário. Acho que, na verdade, eu já lidei com o meu trauma. Aliás, já reservei uma passagem, meu avião sai hoje à noite. Estou indo embora.

— Ah, sim... – Disse Fischer, forçando um sorriso. – Bem, boa viagem.

*****

3 Dias Depois

Caleb praticamente invadiu o escritório de Fischer.

— Chefe! Chefe! Onde está Lucie Freewood?

— Ei ei, se acalme! O que aconteceu? Você conseguiu realizar a missão que te pedi?

Caleb respirou fundo e mandou Fischer se sentar. Jogou um monte de papéis em cima da mesa e começou a explicar:

— Detetive, eu vasculhei todo passado de Lucie, e bem, descobri que ela sempre foi uma pessoa psicologicamente instável. Na escola ninguém conseguia manter um relacionamento com ela. A mãe biológica de Lucie não pôde dar nenhuma informação, porque ela foi misteriosamente assassinada. Agora, adivinhe!

— Fale logo Caleb, não tenho paciência para joguinhos!

Caleb pegou um dos papéis que havia jogado sobre a mesa e mostrou para o detetive.

— Essa é a imagem da câmera que pegou o assassino da mãe dela. Parece um garoto, certo? Mas se você reparar bem, vai perceber que a forma do corpo, é de uma garota. Olha aqui, até é possível ver seios.

— Isso não significa nada Caleb.

— Calma, eu vou chegar lá! Agora olhe isso aqui. É o resumo policial do incêndio na casa dos pais adotivos de Lucie. Aqui diz que foi um incêndio criminoso, e que havia substâncias no sangue dos pais. Sonífero. Porém a investigação foi cancelada porque o testemunho da filha foi extremamente bem explicativo, até nos últimos detalhes.

Fischer acompanhava tudo. Ele já havia começado a ligar os fatos.

— É claro que isso tudo não prova nada e eu já estava ficando sem esperanças. – Continuou Caleb. – Porém, eu dei a sorte de conseguir dois documentos importantes: o registro da casa onde o tal Abel morava estava no nome de um senhor chamado Lukas e ele já está morto há anos. E o documento mais importante: o resultado da consulta psiquiátrica que Lucie fez. Nele atesta que a garota tem esquizofrenia e também claramente aparenta ter sinais de psicose.

Fischer olhou em direção ao mural de suspeitos do assassino da borboleta. Todas as provas apontavam para Lucie Freewood.

— Então... Eu vou te fazer uma pergunta, já que todo mundo que poderia ter visto esse Abel agora estão mortos ou desaparecidos. – Disse Caleb. – Abel realmente era o assassino que arquitetou isso tudo e tentou incriminar Lucie desde o inicio? Ou... Lucie é uma psicótica que matou todo mundo pensando ser o próprio Abel e sem nem mesmo saber que fez  isso?

Fischer olhou dentro dos olhos de Caleb e respondeu:

— Eu não faço ideia Caleb... Eu não faço ideia.


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