Stella escrita por Gil Haruno


Capítulo 2
Convite perigoso


Notas iniciais do capítulo

Mais um cap. Beijos!



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Depois de ter encurralado minha mãe com perguntas sobre o seu passado, nossa relação havia esfriado. Falávamos o necessário, não muito diferente dos dias normais, mas senti que a jovem senhora Johnson estava me evitando. Era como se ela temesse que, há qualquer momento, sua filha mais velha fosse enchê-la de perguntas banais novamente.

—O que houve entre você e sua mãe ontem à noite?

Durante o café da manhã, meu pai fizera uma pergunta incomum.

—O que ela te disse?

Eu estava absurdamente curiosa.

—Ela disse que você estava muito estressada.

—Não acho que seja problema com estresse uma garota perguntar coisas do passado para sua mãe.

Meu pai me olhou surpreso. –Você nunca se interessou pelo passado da sua mãe.

—Por que Eu deveria? Já sei que ela foi abandonada pelo namorado, meu pai biológico, e que você surgiu em nossas vidas quando eu tinha dois anos. – Comentei casualmente. –Isso deveria irritar minha mãe? Obviamente não.

—Talvez, ela não se sinta bem comentando coisas que aconteceram a muitos anos na vida dela.

—Respeito isso, mas... a verdade é que eu também faço parte do passado que minha mãe odeia lembrar, então... Não é meu direito, como filha, saber mais a respeito?

—Não tem mais o que saber, Stella.

—É mesmo? Ninguém me contou ainda quem é o cara que arruinou a vida da minha mãe.

—Isso não importa mais. – Ele se levantou da mesa e recolheu seu material de trabalho. –Não aborreça sua mãe com esse tipo de coisa.

—Mas...!

Sem dá importância à minha urgência por informação, o enigmático Patrick abriu a porta e a fechou em tempo recorde.

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—Você nunca quis saber nada sobre o seu verdadeiro pai. – Brigitte não fora a única a estranha minha nova atitude. –Além do mais, o Patrick sempre te aceitou como filha.

—Não posso reclamar, mesmo que ele seja uma figura ausente na minha vida. – Respirei alto, encarando o teto desbotado. –Estive pensando... E se o meu pai biológico for um psicopata ou um marginal? – Brigitte parecia descartar a possibilidade. –Por que minha mãe não fala nada sobre ele?

—Por que você sempre pareceu satisfeita em não querer saber nada sobre o homem misterioso que te instalou no útero da sua mãe. – Ela estava certa. –O que você ganha desvendando essa história depois de dezoito anos?

Provavelmente, eu não ganharia nada, por que nada mais seria revelado. Entretanto, me vi saliente por novidade. Não sei o porquê de toda aquela curiosidade espontânea, mas, verdade fosse dita, um punhado de palavras corriqueiras não me pararia. Eu queria detalhes e eles pouco a pouco iriam surgir.

—Tenho uma idéia! Vem comigo! – Arrastei Brigitte para o quarto dos meus pais.

—O que vai fazer?

—Vou vasculhar todo o quarto. Temos uma hora e meia livre.

—Sua mãe vais nos matar se descobrir! – Ignorando-a, comecei a vasculhar as gavetas do velho guarda-roupa. –Stella!

—Deixa de ser medrosa, garota! Aliás, você não é nada molenga!

—Mas... esse é o quarto da senhora Johnson! Já disse que sua mãe me dá medo às vezes!

—Pára de falar bobagens! Preciso de sua ajuda!

—Ok! – Contrariada ela puxou com força a primeira gaveta que seus olhos azuis encontraram. –Nunca mais vou falar com você se sua mãe nos flagrar!

Uma hora havia passado e nenhum sinal de algo que pudéssemos chamar de ‘pista’. E, para completar meu desespero, tudo que eu havia lido sobre a minha mãe, havia desaparecido, completamente.

—Está convencida de que não há nada aqui?

Brigitte tinha razão. Não havia mais lugares para ser vasculhado naquele quarto.

—Eu...

—Amiga, olha só! – Brigitte praticamente me forçou a sentar e escutá-la. –Você já parou para pensar que deve existir um motivo muito forte para a sua mãe não falar sobre o seu pai de sangue? – Ela continuou, mais que pensativa. –Eu, particularmente, não teria curiosidades sobre esse homem. O fato de sua mãe sentir repulsa dele já é o suficiente para você se dá conta de que o destino se encarregou de fazer a coisa certa: afastá-lo para sempre de sua vida!

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Naquela noite, durante o improvisado jantar, minha mãe achou inspiração para combinar um fim de semana na praia. A idéia era fantástica, particularmente, o mar me agradava em qualquer época do ano, no entanto, não me vi entusiasmada para o passeio.

—Posso ficar na casa da Brigitte?

A atenção da minha mãe se voltou para mim. Ela não negou está surpresa.

—Você adora ir à praia? – Justificou. –Além do mais, consegui alugar um quarto para dois dias.

—Valeu mesmo, mas... vou tentar arrumar um bico para os fins de semana.

Vi minha mãe se remexer na cadeira. Nada a incomodava mais que meus trabalhos paralelos.

—Você deveria tentar ganhar uma bolsa de estudo. Aposto como seria bem colocada nas primeiras questões mais complexas de matemática.

—Devo ter herdado o seu dom. – Comentei.

—Impossível! – Meu pai achou graça. –Sua mãe herdara o talento em outras matérias, mas números não era lá o seu forte.

—Bem, então... – Pigarreei. –Devo ser parecida com meu outro pai. –Concluí, cheia de ingenuidade. Minha mãe lançou um olhar de reprovação a mim, mas não me importei.

—Você sabe que não gosto de vê-la sacrificar sua juventude em trabalhos passageiros. Uma universidade seria...

—Como pode querer que eu vá para uma universidade se você desistiu de todas elas? – O clima, de repente, se tornou hostil. –Não estou interessada em um futuro brilhante.

Minha mãe respirou fundo, dissera uma frase firme, que tirara as crianças da sala, e me fitou, vagarosamente.

—Então, o que pretende fazer com sua vida?

Não era preciso pensar em uma resposta sábia. –Quero viver, como todas as pessoas vivem.

—A maioria das pessoas vive como fracassados. É assim que você se enxerga?

—Mamãe, por favor! A senhora tem quatro filhos, um marido, um apartamento, e um emprego. Não há ambição em sua vida, a não ser conseguir o dinheiro do aluguel e manter a geladeira sempre abastecida. É o que você escolheu para si e não a vejo se lamuriar. Por que tenho que seguir um script americano? Deixe-me ser assim!

Afastei a cadeira, deixando a mesa, sem tirar meus olhos castanhos do rosto enraivecido da minha mãe. No quarto, tranquei a porta e aumentei o som, de maneira que ninguém tentasse me perturbar. Provavelmente, aquele seria meu refúgio até a casa ficar vazia.

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—Vai com calma, garota! – Brigitte tirou a garrafa de whisky de minhas mãos inexperientes. –É um johnnie Walker! Tem que ser apreciado e não engolido com cara feia!

Sem noção do que eu estava tentando fazer, sentei no braço do sofá, e olhei em volta.

—Estou me sentindo horrível!

—É a ressaca da discussão com sua mãe. – Disse saboreando o queridinho das noites de Brigitte Adams. –E se fôssemos a uma festa? – Indagou saltitante. –É claro que você não vai. Stella Johnson enfiada em uma festa? Quem proferiu tamanha blasfêmia?

—Eu vou! – Minha determinação havia impactado minha amiga. –E... quero ficar com alguém essa noite.

Brigitte sorria embasbacada. –Nossa! Já faz tempo que você não fica com ninguém! – Lembrou ela, preparando-se para sair. –Beleza! Vou te indicar o cara mais legal da festa!

—Não me importo com os pervertidos. – Tirei o batom da mão de Brigitte e o levei aos lábios. –Não vou mais me importar.

Perdida, Brigitte estreitou os olhos e franziu a testa. –Já vi esse comportamento uma vez. – Contou observando-me com atenção. –No dia seguinte a garota acordou nua em uma cama desconhecida, tentando lembrar o nome do cara que a convenceu a transar com ele, pela primeira vez na vida.

Ao fim de seu comentário, soltei meus longos cabelos pretos, e dei uma bela ajeitada no decote escondido debaixo da blusa larga.

—Você vem ou não? – Perguntei, deixando-a para trás.

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Fiz coisas que, normalmente, eu não teria feito se o efeito do johnnie Walker não estivesse alucinando meu sangue O positivo.

—Quem era o cara? – Brigitte se aproximou, sorrateira.

—Não sei. – Dei de ombros. –Ele pediu um abraço e eu dei.

—Eu, hein! – Ela não era a única a achar o abraço carinhoso esquisito para duas pessoas que mal se apresentaram. –Tem uma galera do mal aqui. Fique longe deles.

—Galera do mal? – Perguntei divertida.

—Um pessoal encrenqueiro. Vivem se metendo com a polícia. – Cochichou.

—Está falando do pessoal da Côrte?

—É assim que chamam os vândalos da rua Hamilton? – Desconfiada, Brigitte encarou um deles. –Vou pegar cervejas. Não demoro.

Uma vez sozinha, o mesmo rapaz que me convencera a lhe dá um abraço estava voltando para o meu lado. Ele se vestia como um bad boy desleixado e andava como um vagabundo à procura de confusão.

—Olha só se não é o garoto da Corte! – Sorri para ele. –Não encontrou por aí o que esperava encontrar em mim?

—Você é sarcasticamente sincera. – Levou o cigarro aos lábios e me tentara soprando a fumaça em meu rosto. –Está a fim de sair por aí?

—Não costumo andar sem destino.

Ele sorriu, como se estivesse hipnotizado. –Você se encaixa perfeitamente na Côrte.

—Eu? – Ri alto. –Sei o que a Côrte costuma aprontar nos melhores bairros de Manhattan. Uma garota como eu jamais se encaixaria no seu grupo de delinquentes. – Não era uma crítica, era uma diversão descabida.

—Como você tem certeza disso se ao menos quer tentar?

Meu sorriso morrera, dando lugar a lábios entreabertos de êxtase. O errado, de repente, se fez doce e estranhamente deslumbrante. O mundo de perigos e falhas, de alguma maneira, estava me lançado um convite quase que irreversível.

—Não. – Balancei a cabeça como se tentasse sair de um transe. –Meu nome é Stella Johnson, moro num apartamento alugado com uma família grande. Essa sou Eu! – Saltei da janela, um pouco zonza. –Tenho que ir embora.

—Espera. – Ele gentilmente segurou minha mão. –Eu já estive onde você está agora e, acredite, isso não passa tão facilmente.

Meus olhos trêmulos capturaram toda a essência de um provável passado perturbador. Eu tinha mesmo que dá atenção aquele homem?

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—E é assim todos os dias... todos os meses... – Efeito ou não do whisky, acabei abrindo minha vida para alguém desconhecido. –Perto de sua história minha vida é um conto de fadas. – Sentada no capô de um carro grande, me ofusquei no brilho noturno da cidade ao longe. –Eu não sabia que...

E foi assim que Luke, como ele tinha dito minutos atrás, capturou meus lábios surpreendentemente. Embora eu não tivesse repelido o beijo, mesclado ao cigarro e álcool, o interrompi sem explicação alguma.

—Eu... – Levantei bruscamente. –Preciso ir embora.

—Mas são só duas horas da manhã.

—Prometi a minha mãe que voltaria cedo.

—Prometeu? – Incrédulo, ele deu a volta no carro. –Eu sei que isso é uma desculpa esfarrapada, Stella.

—Perdão, mas... já deu para perceber que não levo jeito para aventuras.

—Qualquer um pode se aventurar. É só querer. – Piscou para mim e adentrou o carro, ficando a minha espera.


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