It All Changed So Fast escrita por Getaway6738


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Mais um dos meus contos malucos aushusahuash Bom, esse é um pouco mais adulto que os outros, por assim dizer. Espero que vocês gostem dele.

Playlist:
Nome: Shanic - It All Changed So Fast
Link: https://www.youtube.com/watch?v=ynHyec9tB6k



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Eu tenho varias memorias da infância, mas normalmente não costumo lembrar muito bem delas. As que eu consigo lembrar com mais claridade normalmente tem a ver com o teclado que minha mãe um dia comprou. Um daqueles digitais, sabe?

Era um dia quente, eu lembro dela usando um short jeans, e segurando a minha mão quando entramos num daqueles brechós de esquina, com velharias e tranqueiras.

Depois disso, chegamos em casa com o teclado, e ela o ligou na parede. As pernas faziam um barulho estranho e engraçado. Eu ri. A luz estava batendo em seus olhos, e ela estava feliz. Era tão raro ver ela assim…

Ela tocou uma música. Uma música tão linda. Era linda como aquele dia, linda como uma manhã tranquila de domingo. Linda como a minha infância.

E é essa música que não sai da minha cabeça.

Ela me ensinou tudo sobre teclados. Quais são as notas, e várias músicas, mas nunca me ensinou essa.

— Vem tocar com a mamãe, vem — chamava ela.

Eu corria para a mesa da cozinha, e lá ficávamos por horas a fio, toda noite, e às vezes alguns finais de semana por insistência minha. Nós nos sentávamos um pouco afastados no começo, eu ainda tinha um pé atrás com essa moça nova que apareceu na minha vida.

Minha mãe me adotou, mesmo solteira. Ela queria muito ter um filho, acho que queria que alguém tivesse a infância que ela não teve. Mesmo que no final das contas nós não tivéssemos dinheiro para comer de vez em quando.

No início, eu tenho que admitir que era bem ruim, mas conforme tocavamos… Eu fui melhorando, e me sentando mais perto.

Com alguma luta, eu consegui entrar na universidade, graças a ela. Nós ainda tocavamos juntos de vez em quando nas festas de família, e eu lembro de seu sorriso aparecendo sempre que ela tocava ou me via tocar.

Era algo só nosso. Um momento no espaço em que as contas e as dificuldades não importavam de nada. Só as teclas e os sorrisos valiam a pena.

Minha mãe trabalhou por quarenta e três anos como garçonete. Eu lembro de como ela ficou inquieta depois que saiu do emprego. As coisas não eram mais as mesmas.

Ela estava sozinha.

Eu ja havia saido de casa e começado a trabalhar numa empresa de seguros. Ela me ligava de vez em quando para jogar conversa fora.

— Filho?

— Fala, mãe.

— Você vai vir para o natal, não é?

— Eu vou passar o natal na casa da Sophia, esqueceu?

— Ah… A minha memória está realmente ruim esses dias — ri.

— Prometo que vou tentar passar ai no final de semana seguinte, hm? Eu levo alguma coisa pra gente comer junto.

— Eu te espero então, meu filho — ela responde, com a voz um pouco mais animada — Você ficou sabendo que seu tio se separou?

Ele tinha se separado a dois anos. E eu não consegui passar o final de semana com ela naquele ano.

Começou com alguns esquecimentos bobos, sabe? Ela esquecia uma panela no fogão, ou de apagar as luzes a noite.

Depois…

Depois as coisas foram ficando mais difíceis. Ela esquecia de tomar banho, tomar os remédios… E eventualmente, de todo o resto.

Quando o médico me disse o que ela tinha, já era bem tarde. Eu a coloquei num asilo e ia vê-la sempre que podia, e a única coisa que ela ainda lembrava como fazer, era como tocar.

Eu lembro de como todo mundo do asilo ficava feliz quando eu vinha. Era a hora dela tocar. Seus dentes já haviam sido trocados por uma dentadura e ela não sorria mais tanto, mas naqueles momentos…

Nada mais importava. Éramos só eu e ela.

Quando ela se foi… Metade de mim se foi junto. Eu havia perdido a pessoa que havia feito a minha vida um lugar mais feliz.

Parei de ouvir música.

Eventualmente continuei com a minha vida. Continuei com meu trabalho idiota. Mas ela nunca ia embora de verdade. Ela nunca foi.

Até que numa ida ao sótão para buscar uma bicicleta velha me pega de surpresa.

Seu teclado velho.

Jogado ali, cheio de poeira por todos os lados, descolorado e marcado com o uso, como se fosse mais um móvel ou tranqueira qualquer. Eu o pego e desço as escadas, o segurando como se fosse um bebe.

O levo para a minha cozinha, e o ligo, em cima da mesa. Meus filhos morrem de curiosidade, mas a única coisa que acontece é um cheiro estranho de queimado. Tive que correr para o banheiro para chorar naquele dia.

O teclado foi parar na minha garagem, onde eu tentei concertar o que havia de errado. Não consegui. Então ele acabou ficando lá, por mais algum tempo, acumulando mais poeira, e jogado novamente como se fosse um móvel qualquer.

Um de meus filhos, alguns anos depois, me ajudando a limpar a garagem para sua mudança para a faculdade, achou o teclado. Eu expliquei para ele a história, e ele me pediu emprestado. Mesmo que doesse um pouco, pensei que ele estaria melhor nas mãos dele, sendo usado, se ele arrumasse um jeito de consertar, é claro.

No natal daquele ano, eu ganhei um presente. Um teclado.

O nosso teclado.

Meu filho conseguiu consertá-lo, e me disse que ele achou que ele ficava melhor comigo do que com ele. Que eu merecia poder tocar de novo.

Naquela noite, eu não consegui tocar nada. E nem nas noites seguintes. Era como se meus dedos enferrujados não quisessem que nada saísse daquele instrumento.

Eu passei a deixar o teclado na cozinha, e tentava tocar um pouco todo final de semana, mesmo que saíssem só alguns garranchos em forma de notas.

Eventualmente, eu comecei a relembrar algumas coisas, algumas das músicas. E meus filhos vinham ver eu tocar nas festas de família. Era quase como uma tradição, nós nos juntamos, e meus netos corriam ao meu redor para ouvir e tocar um pouco. Parece que estava no sangue da família.

Um dia… Estava muito quente, e era um domingo. Eu acordei cedo e vi o teclado na cozinha. Fiz meu chá, coloquei a caneca na mesa ao lado dele, e me sentei. A casa estava silenciosa, minha esposa ainda dormia.

A luz batia suavemente em meu rosto, me aquecendo. Passei os dedos suavemente pelas teclas, inspirei fundo, e sorri, ouvindo a melodia.

Eu estava feliz.


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Notas finais do capítulo

E ai? Gostou do capítulo? Quer bater a minha cabeça contra a parede mais próxima? Então favorite, comente e se possível recomende que você vai estar me ajudando pra caramba. Eu respondo todos os comentários, então não seja tímida(o) e me escreva alguma coisa :D

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