Aquela porcaria de escola só sabia falar dos alunos novos. Foi como se o momento na entrada tivesse puxado algum tipo de gatilho que causou um número absurdo de fofocas. 

Só nas duas aulas que se seguiram à chegada deles, eu já tinha escutado que um havia estado na cadeia, que eles eram novos na cidade - como se uma pessoa nova em uma escola em Los Angeles fosse absurdo, que os dois estavam lutando pelo coração da garota, que eram famosos no mundo da música e cinema, que estavam aqui para aprender como o colégio funcionava para um filme. Estavam falando até que eles eram seres sobrenaturais. 

Toda vez que a sala começava a conversar sobre eles e a fofoca se espalhava, eu e Simon apostávamos o que seria dessa vez. Na maioria das vezes quem chutou a coisa mais absurda acertou. 

Mas eu não podia exatamente culpar a nossa escola por estar tão fascinada pelos garotos novos. Não quando eu não conseguia tirar o loiro da cabeça. 

Era como se ele de algum modo tivesse tomado posse de meus pensamentos. Tudo o que eu pensava acabava girando em torno dele. Todas as histórias que eu tentei inventar no tédio das aulas tinham ele como personagem principal. Eu já não aguentava mais. Fiquei completamente irritada.

Quando o sinal do intervalo finalmente tocou, quase implorei para Simon começar a fazer qualquer coisa para me distrair, qualquer coisa para tirar aquele loiro oxigenado da cabeça. 

Mas fiquei quieta e ignorei a droga de meus pensamentos pela milésima vez naquela manhã, enquanto nos dirigíamos ao refeitório. 

Eu odiava o refeitório. Odiava a quantidade de pessoas reunidas naquele lugar, mas detestava ainda mais o quanto o sistema de grupos sociais da escola ficava evidente nas mesas espalhadas pelo lugar. Era assim desde sempre, os grupos não se misturavam. Era ridículo. 

Eu não ficava naquele refeitório desde a primeira semana minha naquela escola, eu e Simon preferíamos pegar a comida e sentar atrás da arquibancada do campo de futebol onde aconteciam as aulas de educação física. Sentar lá tinha muitas vantagens, era ao ar livre, não tinha muitas pessoas e nem o barulho que elas traziam e eu podia me perder em um livro ou em uma nova história que estivesse escrevendo. 

Eu só queria pegar logo a comida para poder ir para lá.

— Vamos logo Simon - falei para meu melhor amigo.

— Está apressada hoje hein? - ele respondeu - Alguma coisa mexeu com seus nervos Clary?

— Tirando o fato de eu quase ter matado a Camille na entrada? Não muita coisa....

— Você teria mesmo dado um soco nela de novo? Você parecia estar se decidindo na hora.

— Eu daria.

Simon riu e balançou a cabeça como se impressionado e surpreso. Sorri cruelmente

— Não acho que conseguiria me segurar quando se trata de acabar com aquela....

As portas do refeitório se abriram e pela primeira vez desde que eu entrei nessa escola, suspeito que desde que aquela droga de refeitório foi criado, o lugar entrou em um completo silêncio. Os alunos novos entraram pelas portas e não pareceram surpresos com a atenção que receberam, na verdade com a facilidade com que agiram como se aquilo fosse esperado... tão arrogante. Mas eu não conseguia desviar o olhar, não quando o menino de cabelos dourados entrou e nosso olhar se cruzou. 

Os olhos eram tão lindos, tão completamente diferentes e majestosos, tão predadores. Como um grande leão, bocejando, satisfeito em saber que é o rei da floresta.

Apesar do entorpecimento, apesar da minha fascinação não consegui evitar revirar os olhos diante de tanta presunção. 

As sobrancelhas dele se franziram, como se notando o meu desprezo, mas eu estava cansada de ter aquele grupo tomando os meus pensamentos. Eram só alunos novos, a escola - e eu - iria superar a chegada deles. 

E tudo ficou muito mais fácil quando Camille Belcourt se dirigiu para o grupo, já analisando os novos integrantes do grupinho insuportável dos “Reis e Rainhas” - como eles mesmos se chamavam - da escola. 

Voltei minha atenção para Simon, passando o olhar pelo garoto lindo de olhos azuis e a garota maravilhosa com os longos cabelos negros sedosos. 

— Eu não estou nem um pouco afim de ficar aqui mais um segundo, vamos indo? 

Simon sorriu, como se soubesse de algo que eu não sabia e me guiou até a fila para pegar o almoço. 

— Bom, eu acho que a personagem principal tinha que ser pequena e carregar um machado.

— Simon, isso seria totalmente, completamente, fora de tudo o que é possível e coerente na história - respondi sarcástica para ele.

— É um mundo de fantasia Clary - Simon revirou os olhos - você pode moldar a personagem do jeito que quiser, nada ficaria irreal.  

— Não é por que é um mundo de fantasia que eu posso ignorar a coerência dos personagens com o jeito que a história é formada e com a própria realidade. Também não posso ignorar a gravidade sabia?

Simon balançou a cabeça e abriu a boca mas eu o interrompi.

— Se quer tanto uma loli carregando um machado pode ir ler algum daqueles mangás aleatórios que você gosta, não vou transformar as minhas histórias em um deles.

— Mas seria tão divertido - ele falou - ela podia montar em um dragão e sair dando machadadas nas cabeças das pessoas e...

— Eu gostei da ideia do dragão - ponderei - um grande dragão negro....com olhos violeta e cicatrizes e...

“A floresta estava calma. De um jeito que quase parecia que as árvores e plantas e animais esperavam pela chegada da garota de cabelos prateados. Ela estava machucada, mancando pelo espaço com uma mão no abdômen estocando o sangue do ferimento. 

Os galhos e folhas se moveram com um vento súbito, junto com o cabelo da menina. Ela olhou para o céu, os olhos azuis da cor dele se demorando para focar o mundo ao redor quando ela suspirou. 

A menina caiu na grama de uma clareira e gemeu com o esforço de se levantar, ela estava fugindo, tinha que fazê-lo antes que eles a encontrassem. Ela estava conseguindo, quase lá quando um barulho enorme e poderoso de asas batendo preencheu todo o espaço.

Foi quando ela sentiu, sentiu com todo o corpo e a magia, o enorme bicho que desceu dos céus ao seu encontro. Um monstro gigantesco com asas de coro fortes e um corpo reptiliano. O animal era tão negro quanto a própria noite. 

A garota se assustou, sacou a espada das costas com esforço para não prejudicar seu ferimento e a apontou para o dragão enquanto se afastava. Mas ele olhou para ela.

E foi durante aquele olhar, aquele lindo olhar violeta que o mundo dela se desfez...”

— Clary!

— Que? Oi? - olhei assustada para meu amigo - Você disse alguma coisa?

— Se eu disse alguma coisa? Você está aí olhando para o nada a uns bons 10 minutos... - ele parou para contemplar - quando você escrever o que quer que esteve imaginando quero ser o primeiro a ler entendeu? Parece genial!

— Hahahahahah - eu ri - e o que te garante que eu estava imaginado alguma história?

— Clary, minha cara amiga Clary, eu te conheço desde sempre - uma piscadela - acha que não sei reconhecer quando você está em um mundo paralelo estranho da sua imaginação? Quando as historinhas se desenvolvem por baixo dessa sua cabeleira ruiva?

— Aí Simon! 

Nós ficamos conversando por mais um tempo em baixo da arquibancada, até o sinal tocar e sermos obrigados a voltar para as aulas. E por uma vez naquele dia, eu sorri satisfeita. O louro tinha saído. Ele não aparecerá naquela história, eu tinha superado. 

Ou foi o que eu pensei.