A princesa proibida escrita por Helena Melbourne


Capítulo 16
A morte veste seda




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Semanas se passavam, Scar e Sarabe estavam no auge de suas felicidades. Nunca o reino inteiro vira o príncipe rebelde tão contente desde a chegada de sua noiva de Xártis. O rei Oberon e Ahadi pareciam igualmente satisfeitos pela aliança formada estar dando tão certo, tudo estava nos eixos.

 Aquele dia não quebrava a sintonia harmoniosa dos últimos. Era uma tarde agradavelmente quente, os pássaros cantavam alegres e o vento soprava melodiosamente. Ou, talvez soasse assim apenas para o jovem casal, mas o fato era que o mundo parecia sorrir junto a eles. Estavam amando afinal, tornando tudo ao redor muito mais cheio de cor e vida.

Os dois se encontravam relaxadamente sentados ao pé do salgueiro, Sarabe tinha suas costas recostadas no peito do marido. Este brincava com os cabelos da amada, inalando seu perfume cítrico. Ela suspirava e arrepiava-se eventualmente com o contato dos dedos do homem por seu braço. Astuto, percebendo e gostando da reação, abandonou os fios loiros e suavemente, com a ponta dos dedos, subiu pelo braço da garota, causando tremores pelo corpo magro. Apreciou ainda mais seu estado e continuou a carícia subindo e descendo lentamente por sua pele, até que achou mais interessante explorar outros locais de seu corpo. Moveu a mão mais para baixo, encontrando a coxa da princesa, alisou-a e tentou puxar o tecido para ter um contato maior com a pele leitosa.  

— Scar! – exclamou a moça, dando um tapa na mão do príncipe.

— O quê? – reclamou revirando os olhos. – Não é como se eu nunca tivesse a tocado assim antes. E você gostou. -sorriu presunçosamente. O rosto porcelana de Sarabe tomou uma coloração escarlate e seus olhos se arregalaram.

— Isso não é modo de se falar! Além do mais, quando fizemos, estávamos a sós. Aqui qualquer um pode nos ver. – explicou tomando certa distância do marido, colocando-se ao lado dele. No entanto, isso não o conteve e ele se aproximou perigosamente.

— E não é o que torna mais... estimulante? – sussurrou ao pé de seu ouvido e mordiscou o lóbulo da orelha. A princesa ruborizou ainda mais e num ímpeto empurrou o peito do amado para longe de si, temendo a luxúria desenfreada de Scar.

— Recomponha-se, senhor! Somos príncipe e princesa, não coelhos descontrolados. – respondeu levemente ofendida.

Taka bufou e desistiu, jogando as costas desleixadamente de encontro ao tronco da árvore, precisava acalmar os pensamentos. Odiava ser contrariado, mas nunca insistiria diante de seu não. Não gostou do silêncio desconfortável que se formou, por isso, ajoelhou-se diante da amada e teatralmente, com os braços esticados no ar, começou a recitar:

— “ Senhora minha, que tão leda estais

Coo princípio de tudo, e o mereceste

Por essa vida santa que viveste,

E em sédia gloriosa vos sentais, — Sarabe ria do gesto, esquecendo-se dos acontecimentos passados. -

Ó rara e portentosa entre as demais,

Ora, no Olhar que tudo vê celeste,

Vê o meu amor...

 

— E a pura fé que veste – fora interrompido por outra voz. -

De lágrimas choradas versos tais.

Não haviam notado a presença de Mufasa no local. Ele conhecia a poesia, claro que conhecia. O que Scar fazia que Mufasa não sabia fazer 10 vezes melhor? Não poderia nem ao menos declarar seu amor sem que o pequeno fedelho quisesse tomar parte no momento.

— Olá, Mufasa. Como vai? – saudou Sarabe com gentileza. Para a infelicidade de Scar, os dois haviam se dado muito bem e aquilo o irritava muito mais do que o vermezinho tomar a atenção do pai.

— Estou bem, Sab. É um dia lindo, não acham? Poderíamos sair para nos refrescarmos na cachoeira atrás do castelo. Não é preciso andar muito, você gostaria de conhecer? Poderíamos leva-la, Taka.

— Eu adoraria, Mufasa. – O maxilar de Scar trincou em fúria. Odiava a intimidade com que estavam se tratando, odiou aquela proposta, odiou tudo aquilo.

— Ah, vamos então, antes que...

— Nós não vamos, irmãozinho. – cortou rudemente.

— Ué, mas por quê? – questionou inocentemente, olhando de um para o outro. Sarabe estava igualmente perdida, já os olhos de Scar faiscavam.

— Eu já havia planejado algo para fazermos. Só nós dois. -tentou ser o mais cordial possível, pois a noiva detestava quando era malcriado com os outros.

— Tudo bem então... Quem sabe outro dia. – o menino ruivo saiu chateado.

— Que sabe... – murmurou amargo, ainda com os olhos faiscando às costas do irmão.

— Por que fez isso? Ele é tão bonzinho. Só queria dar um passeio com o irmão mais velho. – questionou decepcionada.

— Não era na minha companhia que ele parecia interessado... – não diminuiu sua raiva. Sarabe desatou a rir.

— Você está com ciúmes? – se postou de frente ao príncipe, que preferia não manter contato visual no momento. Ela puxou o queixo do homem, o obrigando a fita-la nos olhos. – Mufasa é mais novo do que eu, é apenas um menino. Eu sou sua e não o trocaria por nenhum outro, nem por nada neste mundo. – declarou profundamente com toda a sinceridade que poderia transpassar. Em seguida, distribuiu selinhos estalados nos lábios do príncipe, até que ele cedeu e desemburrou, sorrindo junto a ela. No entanto, o momento foi quebrado por gritos agudos ecoando do interior do castelo.

— A rainha! Ajudem!! Socorro!! Tragam um médico! – gritavam pelos corredores. Imediatamente, Scar e Sarabe dispararam em direção ao quarto da rainha.

***

Uma lenda chinesa diz que, certo dia, uma princesa tomava chá debaixo de uma amoreira e ali adormeceu. Quando acordou, havia um casulo em sua xícara e um fio fino, que saia de seu interior. Curiosa, a menina puxou o fio e, assim, descobriu a seda. Porque a seda é digna da realeza, foi feita para nobres.

Uru continha um lençol de seda amarrado em seu pescoço quando Scar adentrou o quarto. Ele abraçou o corpo da mãe numa tentativa de sustenta-la, para evitar que sufocasse, mas o ar já havia deixado seus pulmões. Naquele dia, Taka libertou as lágrimas que há muito tempo aprisionava.  Chorou a dor de perder a única que sempre estivera do seu lado desde que nascera, que lhe deu amor incondicional e colo. A única que não deixou de lhe dar atenção quando o irmão mais novo nasceu.

Contudo, ali, naquele momento, as lágrimas que escapavam das esmeraldas do moreno eram de ódio. Ahadi mantivera-se inexpressivo durante os dois dias de velório. Muitos achavam que o rei apenas procurava manter-se firme, mas Scar sabia da verdade. Sabia que o pai não estava sofrendo. Pelo contrário, devia estar sentindo-se aliviado de não ter que aturar a esposa infeliz lamuriando-se por suas atividades noturnas com as criadas e demais nobres.

Scar observou toda a frieza do homem ao entrar no quarto e ordenar que a notícia do suicídio não se espalhasse. Avisou que mandaria para a forca quem fofocasse e ao médico que informasse o povo do falecimento da esposa devido a uma doença nos órgãos internos. Afinal, suicidas não poderiam ser sepultados em território sagrado e ficaria mal a imagem do rei ter uma esposa profana.

Em nenhum segundo Ahadi demonstrou qualquer pesar, mas, mesmo assim, consolou o filho mais novo que se desmanchava em lágrimas. Ele ficou ao lado de Mufasa durante os dias de velório. E o pequeno verme passou todo o tempo grudado ao corpo da mãe, como o verdadeiro sanguessuga que sempre foi.

Nem mesmo a morte conseguiu acabar com a beleza de Uru. Apesar de pálida, sua pele escura sedosa e os cabelos ondulados continuavam com os mesmos traços angelicais. Era uma beleza triste, mas não deixava de ser bela.

 Scar se parecia muito com a mãe, com exceção dos olhos do pai. Talvez por isso Ahadi o odiasse, por ele o lembrar tanto da mulher que nunca amou. Preferia Mufasa que tanto se parecia com ele, a não ser o cabelo ruivo, herdado, provavelmente, pela avó paterna.

Sarabe permanecia ao lado de Scar a todo tempo. Nunca chegou a conversar muito com a futura sogra, mas a tinha em consideração por todo o amor que dera ao homem que ela amava.

O padre terminou de proferir suas palavras e, assim, o corpo de Uru foi fechado na sepultura quadrada de mármore.  Com o tempo, as pessoas foram deixando o local, sobrando apenas Scar, Mufasa e Ahadi. O menino ruivo pareceu perceber que não havia falado com o irmão esse tempo todo e tentou abraçar-lhe. No entanto, recebeu um empurrão de volta.

— Por que me trata assim, Scar? Nossa mãe morreu! – reclamou Mufasa, agora irritado.

— E você sente muito, não é mesmo? – debochou.

— É claro que sinto. Ela era minha mãe! -gritou o menino.

— Era mesmo? Você nem se parece com ela. – nesse momento, Ahadi, que estava quieto, o olhou com interesse, mas não parou a briga como geralmente fazia. –  Eu sou filho dela. Porque eu estive ao lado dela enquanto o seu pai a matava lentamente todos os dias com seu espírito porco! – Sentiu a face arder com a bofetada da mão do rei.

— Saia daqui! – os olhos igualmente esmeraldas do rei flamejavam. Odiava ser afrontado pelo filho.

— Como quiser, Majestade. Não tenho intenção de ficar aqui admirando vossa podridão. – respondeu com escárnio.

— Você deveria ter nascido morto! – Mufasa olhou pasmo a cena, mas, como sempre, não se metia, ficando em silêncio. As palavras de Ahadi já não surtiam mais efeito em Scar, então ele apenas deu as costas e foi embora.

— Não vai demorar muito para terem um final parecido, se depender de mim. – sussurrou baixinho com amargura olhando mais uma vez a sepultura da mãe, antes de sair da igreja.

 

E sente um coração tão fiel na terra

Qual o é no céu agora, e que não tende

A mais de ti que ao Sol dos olhos teus.

 

E pois, para vencer a dura guerra

Que neste mundo só a ti me prende,

Roga que eu vá depressa a estar nos céus.


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