Immortals escrita por Lillac


Capítulo 4
I am the sand in the bottom half of the hourglass


Notas iniciais do capítulo

(Como sempre) demorei, mas voltei! Eu honestamente ia deixar para postar esse capítulo depois que o meu período de avaliações terminassem e eu tivesse mais tempo para revisar, mas visto que isso só vai rolar depois do final do mês, decidi acelerar um pouco.

Esse capítulo é um pouco mais longo, tem bastante coisa acontecendo, e alguns detalhes que eu espero que fiquem claros o suficiente, haha.
Não revisei a ortografia (ainda!) então se encontrarem algum erro, por favor relevem, que eu já vou corrigir ♥

Como sempre, espero que gostem!



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I am the sand in the bottom half 

Will deveria ter adivinhado.

Fazia tanto tempo desde a última vez que se vestira para um evento formal, no qual certamente haveriam câmeras e jornalistas com gravadores à postos sem que, por um momento rígido e perturbador, ele não cessasse seus passos no vão das portas, sentindo a respiração esfriar, o coração martelando na caixa torácica. E um único pensamento pulsando no fundo de sua mente, como uma peça fora de lugar.

Será essa noite?       

Ele conhecia Rachel Elizabeth – os deuses perdoassem quem a referisse deliberadamente pelo sobrenome – melhor do que ninguém. Infinitamente mais do que os pais, muito à frente das empregadas e serventes que haviam trocado suas fraldas e a visto crescer, e tão melhor do que o pobre Perseu Jackson achava que a conhecia, o que chegava a ser macabramente cômico.

E sempre soubera, sem perigo de dúvidas, que Rachel era malevolamente corajosa. Não o tipo de coragem que alguém precisava para colocar a vida em risco por heroísmo, ou para salvar alguém. Mas do tipo perigosamente histérica, sapateando no vão entre aquilo que era seguro, e aquilo que terminaria com todos eles mortos, e-

Seria essa noite?

Mas, ao levantar o olhar, ele a viu ajoelhada no centro do palco, como um espetáculo de péssimo gosto. Seu vestido havia sido pisoteado pelo homem mascarado, e o violino quebrado. Will estreitou o olhar até conseguir traduzir as feições do seu rosto. Rachel era impossivelmente bonita, não do tipo convencional, prático, como os das atrizes ou jovens rapazes modelos beirando o estrelado, pelos quais pai dele era tão ardentemente afeiçoado. Ela tinha um tipo de beleza encantador, e traiçoeiro. E mesmo assim, era uma péssima atriz. Se as coisas estivessem indo de acordo com o seu repertório – em todos os sentidos – ela não teria sido capaz de disfarçar o sorriso zombeteiro e triunfante que lhe era característico. E tal sorriso não estava presente.

Os passos pesados do homem mascarado que circundava seu grupo se aproximaram, e ele empurrou a cabeça de Will com um movimento brusco até que estivesse com o olhar grudado no chão. Ele sentiu a garganta fechando – porque o que estava acontecendo ali era real.

E, apesar de tudo, Will escolheria sempre a certeza da insanidade corajosa de Rachel à morte imprevisível.

O estrondo foi tão alto que seus ouvidos zuniram por um segundo, parcialmente surdo, motivo pelo qual não foi capaz de ouvir – apenas assistir, boquiaberto, enquanto o homem que vigiava Rachel era lançado para trás, tropeçando sobre os próprios pés uma ou duas vezes, e cair no palco ao lado do violino destruído, sangue tingindo o carvalho do chão.

Os outros dois homens imediatamente reagiram, sacando as armas e seguindo a origem do som. O mais à leste acenou com força – e raiva, Will notou – e o outro plantou-se onde estava, girando nos calcanhares e apontando o fuzil para eles novamente.

— Se algum filho da puta se mexer, morre, entendeu?! — ele rosnou.

Will respirou fundo, tentando se acalmar. O homem estava de pé bem na frente dele, costas largas completamente desprotegidas, e se... se ao menos Will fosse forte e rápido o suficiente, teria tempo de romper uma das veias em seu pescoço, imobilizá-lo—

Um tiro ressoou na porta fechada que dava para a sacada, e o estômago do rapaz revirou-se com a lembrança. Annabeth Chase estava ali. Por um instante, ele abriu a boca, quis gritar algo. Subitamente engolfado em um misto de terror e simpatia pelo homem que carregava o fuzil.

Que ele ficasse ali e tentasse a sorte com eles.

Annabeth Chase era, em todos os sentidos, um fim muito pior para qualquer alma pecadora.

Mas ele ficou calado, claro. O homem continuou avançando, mas parou de súbito. O tempo pareceu parar com ele. Will quase conseguia ouvir os outros reféns orando e chorando baixinho. Ele desviou o caminho e marchou com resignação.

— Ei, cuzão, atira de novo e a mocinha aqui vai morrer!

Ele viu uma cascata de cabelos escuros e um corpo esbelto em um vestido roxo... reconhecimento esclareceu sua visão, e ele praguejou aos deuses. Seu olhar voou para Rachel, que havia ficado parada exatamente no meio do palco, apesar do seu captor estar urrando e contorcendo-se no chão. A visão dela parecia acompanhar os passos dos outros dois.

Will não lembrava-se do nome, mas sabia que aquela mulher estivera com Perseu. E se o jovem detetive saísse dali — supondo que eles fossem sobreviver — machucado em qualquer sentido... Will achava que preferiria não estar vivo para lidar com Rachel depois.

— Não...! — ele sentiu a própria voz quebrando. Os dois homens viraram-se para ele, armas em punhos, e ele viu a mulher o fitando com olhos ferozes — Me levem no lugar dela.

O homem que parecia ser o líder balançou a cabeça, irritado, e a empurrou de volta para o chão.

— Eu não tô nem aí, caralho — grunhiu — só vem logo então.

Ele andou com cautela entre as vítimas abaixadas. Tentou o melhor que pôde controlar as vibrações pelo seu corpo, a forma como cada soluço ou suspiro de medo parecia chacoalhar seu interior. Disse a si mesmo, repetidas vezes, que por mais que quisesse, não podia fazer nada por elas.

O captor o segurou pelo ombro e o arrastou para frente de si. Will soube o que ele estava fazendo de imediato — ele só nunca imaginara que seu fim chegaria como um escudo humano em um sequestro. Passo ante passo, ele fez o caminho até a porta, ouvindo o sangue correndo em seus ouvidos e a mão apertada do homem em seu ombro.

Ouviu, bem ao lado do seu rosto, quando ele abriu a boca para falar... e então a porta foi escancarada. A ponta do fuzil levantou-se, mirando exatamente no peito de Jackson, que havia levantado ambas as mãos e vinha arrastando a arma com o pé.

A arma caiu no chão, o homem soltou um gemido estrangulado, e passos ecoaram mais rápidos do que Will conseguia registrar.

Tudo pareceu um borrão. Só que ele soube foi que o captor caiu, corpo rígido, sobre o seu ombro, antes de ser puxado para trás e prensado contra o chão, um braço dobrado atrás da costa e o cano de um revolver 12mm pressionado atrás de sua orelha. Ao mesmo tempo em que, em algum ponto mais longe, um vulto acertava o segundo homem com o cabo da própria arma, e Will sentiu a corrente elétrica em seu corpo quando o nariz partiu-se. O fuzil escapou de suas mãos, e foi agarrado e girado.

— Nico — Percy chamou, se abaixando para recuperar a arma que havia colocado no chão. — Não exagera.

Ele parecia sério, muito mais do que possível. Sua voz soava mais rouca também. Atrás dele, Annabeth vinha caminhando de forma lenta, quase preguiçosa. Seu cabelo não parecia ter um fio fora do lugar. Will olhou por cima do ombro para onde eles observavam, e viu o outro garoto, o irmão de Bianca, soltando o fuzil que segurava de forma que a arma ricocheteou no rosto do captor derrubado no chão.

O detetive olhou ao redor, e—

— Perce!

O sangue de Will gelou nas veias. Ele virou-se, quase querendo acreditar que havia escutado errado, mas lá estava Rachel, segurada entre um braço musculoso e um peitoral ainda ensanguentado, e com uma arma apontada para a cabeça. Ele não conseguia ver o rosto do homem, mas podia senti-lo furioso.

Se sentiria melhor se pudesse ver ao menos algum resquício de medo no rosto de Rachel. Qualquer sinal de aquilo – tudo aquilo – significava mais para ela do que só um passatempo no qual ela apostava a própria vida. Mas ela estava tão impassível quanto sempre, maxilar cerrado e olhos fervorosos, olhando para Perseu de forma desafiadora. O detetive olhou ao redor uma vez, ponderando, e ergueu as mãos em uma rendição.

— Tudo bem, cara. Calma — pediu — ninguém vai fazer nada. Deixa a garota em... —

— Cala a boca, caralho! — a voz do homem soava tão rouca quanto dolorida. Will soube que o tiro que ele havia levado estava drenando suas forças — Coloca a porra da arma no chão e fica ali!

Ele gesticulou para o espaço bem no centro das fileiras. Perseu e seus dois parceiros trocaram um olhar, e obedeceram, além de depositarem suas armas nos bancos da frente (o que provavelmente era o que o sequestrador havia tentado dizer, embora a dor estivesse nublando seu raciocínio). Por um longo momento, ninguém disse ou fez nada. Will engoliu em seco. Uma parte de si pulsava com o medo, uma angústia de que talvez o captor não estivesse disposto a pensar e negociar, e em breve, o cérebro de Rachel estivesse espalhado em mil pedacinhos ali no palco.

Ele sentiu um calafrio. Até então, não havia percebido apenas o quanto de sua vida estivera nas mãos da violinista, nas pontas dos dedos de Annabeth, nos olhares cruzados de Thalia. Não havia parado para pensar no quão fundo havia descido no abismo, fundo demais para que qualquer um pudesse lhe resgatar. Havia sido assim que Annabeth se sentira no incêndio? Houvera sido essa sensação de sufoco, fechando sua garganta, acelerando seu pulso, embaralhando seus pensamentos, que ela havia sentido quando vira a tia sendo queimada viva em Boston?

Era assustador pensar no quanto ele estava emaranhando naquela rede de segredos e manipulação, mas—

Mas, por algum motivo, enquanto um sorriso involuntário rasgava suas feições, Will não se sentia nem um pouco arrependido.

Então, as portas foram chutadas com um estrondo, e um mar de uniformes azuis-escuros preencheu o salão. O homem vacilou, tendo perdido sangue demais, e o susto foi suficiente para que Will soubesse que estava muito fraco para puxar o gatilho. Duas dúzias de policiais apontaram suas armas para ele, e uma voz conhecida ordenou:

— Você tem direito à um habeas corpus imediato, e pode reduzir consideravelmente seu tempo de sentença se cooperar — ele gesticulou com o revolver para Rachel. — Se soltar a garota.

Will piscou, tirando à si mesmo do torpor que a voz do policial induzia. Embora houvessem se falada poucas vezes, ele tinha perfeita ciência do quão convincente as palavras de Luke Castellan soavam.

Um batimento cardíaco e um longo e tenso momento se passaram, antes do homem dar um passo para trás e soltar a arma no chão. O peito de Will ficou um tanto sufocado quando ele tirou o capuz. Seus olhos estavam amarelados, fundos, e sua boca pálida. Precisava de uma transfusão imediatamente se quisesse ficar vivo até o julgamento. Rachel saltou do palco em um átimo, e circundou as fileiras tão rápido que era possível imaginar que havia acabado de acordar de um sono revigorante, e não com o coldre de uma arma na cabeça.

Perseu a envolveu em um abraço que parecia cobrir todo o seu corpo, levantando-a do chão e enfiando o rosto nos cachos ruivos. Rachel o abraçou de volta com vigor. Will constatou, naquele momento, que por mais manipulativa e inescrupulosa que a jovem herdeira fosse... aquilo ali real. A amizade dela com o detetive era uma das poucas coisas genuínas na vida de Rachel.

Ele não soube muito bem o que fazer daquilo.

— Eu não sei o que eu faria sem você — disse, quando se separaram. Após uma profunda respiração, ela tirou o cabelo da frente do rosto suado, e desviou o olhar para os outros dois: — sem vocês.

Nico e a garota do vestido roxo responderam com um aceno, embora houvesse qualquer coisa sombria na expressão do irmão de Bianca. Rachel apertou firmemente a mão de ambos, e Will não deixou de notar a forma cordial como agradeceu à Annabeth também. Era quase como se as duas nunca houvessem se visto antes.

— Não parece que vai dar muito trabalho. Vocês cuidaram de quase tudo.

O sorriso de Annabeth foi largo.

— Luke.

Ele a envolveu em um abraço de lado, bem menos espalhafatoso do que o de Rachel. Os dois faziam um quadro e tano juntos. Ele, alto e bonito em seu uniforme de Sargento, com o cabelo penteado para trás e o sorriso de modelo. E ela deslumbrante no vestido, com os cachos emoldurando o rosto. Mas Will sabiam que eles faziam uma figura bem menos elegante quando estavam sem as máscaras.

— Jackson, di Ãngelo, Ramírez-Arellano — ele cumprimentou cordialmente — vocês foram incríveis. Meus parabéns. O sargento de vocês está lá fora com algumas informações, podem deixar que o meu pessoal segura as pontas aqui.

A expressão de Luke era amigável e contente, embora ainda professional. Mas um olhar para o rosto de Nico e o sangue de Will parou nas veias.

— Certo, nós vamos fazer o relatório. Obrigado pelo bom trabalho.

Os três saíram andando na direção das portas duplas. Assim que eles foram embora, Luke correu os dedos pelos fios cor de areia e suspirou.

— Di Ângelo sabe. Ou ao menos, está bem perto de saber.

Rachel cruzou os braços e apoiou o ombro no torso dele, seguindo as três silhuetas que se afastavam vagarosamente.

— Nico sempre foi muito inteligente — Rachel pontuou.

Will os observou por apenas um momento. Os olhares de três predadores que muito calmamente calculavam os passos de suas próximas refeições. Ele assistiu até que os três houvessem desaparecido pela porta, e então trocou o peso dos pés, sentindo o fio gélido da faca acoplada em seu tornozelo, e, em um tom monótono e cansado, disse:

— Uma pena — ele deu de ombros. — Eu não queria deixar a Bianca triste.

 

 

Uma chuva fina havia começado a cair do lado de fora, e, em meio às viaturas com faróis apitando e a equipe de jornalistas do lado de fora que parecia querer forçar a entrada, foi um pouco difícil encontrar o Sargento, conversando com uma dupla de policiais em um canto entre dois carros. Assim que eles os viu, no entanto, dispensou os oficiais e rolou a cadeira de rodas até eles.

— Eu mal posso acreditar — foi a primeira coisa que disse, em um tom cansado. A água da chuva escorria pelo seu rosto já enrugado, acumulando-se em gotículas cristalinas nos fios desgrenhados da barba. — A família Dare é tão renomada que eu jamais imaginei que alguém fosse ser burro o suficiente para atacar a filha deles.

Percy aceitou o casaco que uma policial o ofereceu.

— Rachel vai ficar bem — garantiu — ele não se assusta com muito.

Então, mordendo o lábio inferior, ele ponderou sobre a próxima colocação. Por fim, resolveu por:

— O cara...

— Os advogados do Sr. Dare já contataram a delegacia — Brunner balançou a cabeça. — Conseguiram refutar o pedido de habeas corpus e ele já foi levado para a delegacia. Duvido que consiga menos do que vinte anos. Você conhece os Dare.

É, Percy os conhecia bastante. Sabia o que acontecia com qualquer pessoa que ousasse deitar um dedo em Rachel. E, ainda assim:

— Senhor, com todo o respeito, esses caras... eles não estavam sozinhos — disse. — Como o senhor mesmo disse, ninguém é burro o suficiente para invadir um recital de uma das famílias mais ricas do país com só três armas e um capuz de roquei. Alguém está tentando assustá-los. Algum inimigo de mercado, ou.... —

Brunner ergueu uma mão para que ele parasse.

— Eu vou ouvir tudo o que você tem para dizer, Percy, mas não agora. Tem muitos repórteres do por perto e eu não quero nenhum tipo de confusão. Depois que o Sargento Castellan recolher os depoimentos de todas as vítimas, eu vou apontar uma reunião com o Sr. Dare e nós vamos discutir isso juntos. Até lá... — ele abriu a pasta que tinha no colo, pegando meia dúzia de folhas e as entregou para ele — acho que você deveria ver isso.

Confuso, Percy abriu o documento, Nico e Reyna acompanhando a leitura por cima dos seus ombros. Quando ele reconheceu do que se tratava, não conseguiu impedir a si mesmo de arfar, surpreso.

— O que foi? — Reyna perguntou, franzindo o rosto.

— São eles dois — Nico apontou, pegando as folhas das mãos de Percy — os adolescentes que nós entrevistamos na oficina.

Piper McLean, 16 anos, estudante.

Filha de Amanda “Vênus” Deschamps, e Tristan McLean.

Modelo na empresa da mãe e matriculada na Academia Júpiter,

2º ano do Ensino Médio.

Desaparecida há: 52 horas.

Vista pela última vez: em frente ao antigo armazém da O. Air Force, centro.

 

                                Leônidas Valdez, 16 anos, mecânico autônomo.

Originário da Cidade do México. Foi para a adoção aos 9 anos.

Sem residência fixa desde então.

Trabalhava de forma autônoma em uma oficina no subúrbio.

Desaparecido há: 52 horas.

Visto pela última vez: em frente ao antigo armazém da O. Air Force, centro.

 

— Eu não quero alarmar ninguém. Todos sabemos como os jovens de hoje em dia podem ser.... frívolos com as suas fugas românticas, mas — Brunner parecia os observar intensamente — mas se as únicas duas pessoas que vocês investigaram simplesmente desaparecem assim...

— Não faz sentido — Percy balançou a cabeça — Leo me disse que Octavian falou com a Piper para negociar. E ela estava lá quando fui com o Nico. A Academia Júpiter é uma escola interna.

— E com aquela quantidade de segurança, eu duvido que ela conseguisse sair e entrar tão facilmente assim — Reyna lembrou-se.

Percy olhou rapidamente para ela. Ele conseguia ver no fundo daqueles olhos escuros, os pensamentos flutuando, formando fosse lá o que ela estava imaginado. Sabia que ela estava escondendo alguma coisa, mas soube também que não queria mencionar aquilo na frente do Sargento. Se não podia fazer a policial sob o seu comando obedecê-lo, então talvez não fosse um detetive tão bom assim.

— Eles não pareciam namorados — Nico comentou — não é nenhuma certeza, mas foi a sensação que eu tive.

Brunner voltou a fechar a pasta.

— De toda forma, eu estou deixando essa investigação com você — disse, com um menear cansado da cabeça — eu confio que irá limpar essa confusão antes que aumente de escala, Jackson?

Uma sensação ruim se alastrou por ele. Não queria decepcionar Brunner, e céus, todos sabiam o quanto ele gostava de um bom desafio, mas o caso de quem estava por trás daquele ataque à Rachel ainda preenchia seus pensamentos. Mas ele era um detetive à serviço da cidade de São Francisco, e não podia colocar sua curiosidade pessoal acima do trabalho. Ele dobrou as folhas e enfiou-as debaixo do braço.

— Com toda certeza. Eu vou cuidar dos desaparecimentos, e alguma coisa me diz que talvez me dê alguma pista do latrocínio.

Brunner abriu um sorriso que não alcançava seus olhos.

— Eu aposto — e deu meia volta com a cadeira, desaparecendo na multidão de policiais.

Percy começou a andar de novo, mas Reyna o segurou pelo braço. A chuva havia desfeito seu penteado, mas a maquiagem em torno dos olhos ainda estava intacta. E, mesmo assim, Percy achou que ela não precisava do delineador para parecer afiada.

— Quando eu fui com a Silena naquela escola, o garoto que nos recepcionou... ele era filho do dono dessa empresa — ela apontou para onde ele ainda segurava as folhas — você precisa me deixar falar com ele.

— E o que ele pode fazer? — perguntou, meio exausto. — Ele é só um garoto, Reyna.

Ela deu a volta até estar de frente para ele. Geralmente, Percy achava muito legal que eles tivessem a mesma altura, mas agora gostaria de ter algum centímetros a mais, ao menos para tentar intimidá-la um pouco.

— Ezequiel foi preso e os bens dele foram tomados pelo Estado para pagar a dívida fiscal — ela o lembrou. — Mas esse galpão, não. Por que?

Percy hesitou. Ele nunca fora um grande fã de polêmicas políticas e fiscais, sempre se interessando mais pelos casos de assassinato que precisavam de um raciocínio intuitivo. Mas ele se lembrava desse.

— Perce — Nico tocou no ombro dele — você lembra o que os advogados dele disseram para a tia Sally, não lembra?

As mãos dele se fecharam em punhos até os nos ficarem brancos, e ele passou a língua pelos lábios, sentindo o gosto da chuva. Reyna os observou, confusa.

— Minha avó morreu em uma queda de avião. Mamãe nunca quis pensar muito no assunto, mas quando foi revelado que haviam provas de que o voo não estava em condições de decolar, ela tentou buscar a indenização, porque precisávamos do dinheiro pros remédios da minha tia-avó, que tinha cuidado dela desde então — ele contou, sentindo como se estivesse jogando sal na ferida de novo. — Mas, eu não sei como, eles conseguiram contornar a situação. As acusações foram retiradas e a minha mãe teve que pagar por calúnia e danos morais. Ela não teve dinheiro pros remédios. Minha tia-avó morreu dois meses depois da mamãe ter que trancar a faculdade para pagar as dívidas.

Ele não se deu ao trabalho de observar a raiva na expressão de Reyna. Na verdade, nem queria contar aquilo, principalmente não ali, no meio da chuva, depois de quase morrerem. Sabia como essas histórias de família podiam afetá-la. Mas...

Ele empurrou as folhas nas mãos dela.

— Pode ler. E quando for falar com esse garoto, me avisa. Eu vou junto — ele comprimiu os lábios, pensando por um momento, e então: — eu confio em você.

Pensou ver o início de um sorriso na boca dela. Nico perguntou:

— E eu?

Percy pensou em dizer que Nico nem sequer era daquele departamento, mas chegou à conclusão de que, para ele, aquilo provavelmente pouco importava.

— Vai até o galpão e vê o que você consegue encontrar — Nico sorriu, e então Percy plantou uma mão no ombro dele, firme — sem invadir. Nós vamos fazer isso do jeito certo.

Do jeito certo, sim. Era por esse motivo que ele havia se tornado um policial. Não queria ser para sempre o garotinho mirrado do Brooklyn que se envolvia em mais confusões do que podia contar e estava sempre deixando a mãe com aquela expressão de decepção. Percy queria fazer as coisas do jeito certo.

Reyna pediu licença para perguntar alguma coisa do sargento, e saiu correndo com as folhas debaixo do braço.

Eles haviam alcançado a saída traseira do salão, e Percy encontrou uma figura conhecida, parada na calçada com os braços em torno do corpo. A lâmpada fosca da rua refletia no cabelo loiro de uma forma quase fantasmagórica.

— Esperando por um milagre? — perguntou, sem o ânimo habitual, mas se esforçando para sorrir.

Annabeth limpou a água da chuva do rosto.

— Esperando por uma carona — respondeu, de forma parecida — mas acho que o Luke ainda vai demorar.

Percy tirou as chaves do carro do cinto.

— Vem, a gente te dá uma carona — ofereceu.

Annabeth o observou por um momento, e então seus olhos deslizaram para Nico.

— Na verdade... eu ia perguntar se algum de vocês poderia dar uma carona para a Srta. Dare. Eu não a conheço bem, mas ela parecia assustada.

Percy imediatamente abriu a boca para se oferecer, mas Nico foi mais rápido:

— Você leva a Annabeth, eu vou falar com a Reyna — disse.

— Mas e você?

Ele lançou um olhar condescende para o primo.

— Vou dormir na casa do Mike hoje, não se preocupa.

Percy torceu a boca com a menção do namorado babaca de Nico, mas resolveu não interferir. Eles se despediram com um aceno e ele guiou Annabeth para o carro, enquanto Nico se afastava, já telefonando para a amiga.

 

 

Ela aguardou do lado de fora enquanto a violinista terminava de se trocar. Nico, ao seu lado, não parava de bater os pés. Quando o som se tornou distrativo demais, ela o lembrou:

— Se você não quiser ir para a casa dele, sabe que pode dormir na minha, certo?

Sua voz era macia, e calma, como ela sempre fazia quando tocava no assunto do relacionamento de Nico. Ele a olhou por um instante. Reyna sempre sentia um puxãozinho no peito quando olhava para o rosto dele. O rapaz condizia com o seu sobrenome, as feições delicadas e suaves, a pele bonita, e o cabelo que caía em ondulações sobre os olhos castanhos cinzentos. Mas ela sabia que por baixo de toda aquela leveza, Nico podia ser rude e impulsivo. Era algo que ela tentava evitar.

Ele hesitou. Seu olhar vacilou dela, para o celular, e então de volta para ela. Por fim, ele apertou seu antebraço tão rapidamente que poderia ter sido impressão, mas sorriu agradecido.

— Eu te vejo lá então.

Quando ele já havia se afastado um pouco, ela exclamou:

— Faz a janta!

— Eu não prometo nada!

Meneando a cabeça, ela virou-se de volta para a porta do banheiro, e encontrou-a aberta, com a violinista parada bem na frente dela. Rachel havia trocado o vestido de camadas por um short escuro e uma camisa lilás de botões quase transparente, mas usava uma regata branca por baixo. Os saltos tinham dado lugar para botas de cadarço xadrez, e o cabelo estava preso em um coque volumoso. Reyna podia ver que as sardas dela se estendiam por todo o corpo, não só na face. Ela olhou para si mesma: havia enfiado a saia do vestido nas calças de uniforme da policia e carregava os saltos em uma mão. Fazer o que?

Rachel sorriu:

— Seu namorado?

— Um amigo — meneou a cabeça — você já está pronta?

Ela deu de ombros.

— O máximo que dá. Ele não vai com a gente?

— Não tenho carteira para carros — ela balançou as chaves na mão — só moto.

Os olhos de Rachel se arregalaram.

— Eu não... eu...

Reyna riu.

— Tem medo de motos? — a vermelhidão que consumiu o rosto da violinista foi suficiente para lhe responder — Não se preocupa, eu vou devagar.

Ela enfiou os saltos no compartimento da moto da polícia e subiu, mas Rachel ficou plantada do lado. Reyna entregou um capacete para ela.

— É isso ou ficar doente nessa chuva, senhorita Dare.

A expressão dela amuou.

— Rachel — corrigiu — e eu não fico doente.

— Claro que não. Mas eu fico, então, por favor...?

Ela pegou o capacete, bufando quase imperceptivelmente. Reyna divertiu-se com a expressão dela quando passou uma das pernas para o outro lado da moto e batalhou para colocar o capacete.

— Eu preciso segurar em você?

— É bom, né.

Quando Rachel terminou de enlaçar os braços trêmulos no seu torso, Reyna sorriu uma vez, sentido o cheiro agradável do perfume de marca dela, a acelerou. A violinista soltou uma exclamação abafada, e elas ganharam as ruas escorregadias de São Francisco, com a chuva de música de fundo.

 

 

Annabeth trocou a estação de rádio uma centena de vezes antes de encontrar alguma coisa que gostasse, e Percy só conseguiu pensar em como ela daria uma péssima policial se tivesse que ficar sentada por horas escutando a estação da policial. Os acordes suaves preencheram o interior do seu carro, e Percy sorriu.

— Ok, que música é essa?

— Some Feeling, Mild Orange — ela sorriu de volta — não vai me dizer que você não gostou.

Ele balançou a cabeça.

— Eu estou cada vez mais convencido de que você é algum tipo de protagonista de filme dos anos 50 com gostos refinados e maquiagem esfumaçada.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Talvez eu seja.

Rindo, Percy voltou a atenção para a rua. Annabeth era... estranhamente familiar. Ele não sabia muito sobre a garota, mas toda a vez que eles se falavam, parecia que a camada de estranhamento e desconforto que se estendia quando ele conhecia pessoas novas não existia com ela. Embora ele houvesse sido responsável por alertar Luke pelo celular e se mantido extremamente calma durante toda a situação, e estivesse agora sentada no banco do carona em um vestido bonito e olhar divertido, Percy ainda conseguia ver a garota com os cachos desgrenhados e moletom cinza atrás de um balcão.

Eles pararam para tomar um café muito forte e muito adoçado uma loja de conveniência 24h, sentados no banco do lado de fora, enquanto a chuva, que apontava para o lado oposto, balançava seus cabelos e fazia a fumaça saindo dos copos dançar na frente dos seus rostos.

Annabeth falou sobre seu tempo morando com outras duas garotas em um quarto apertado no dormitório da faculdade, como uma delas sempre tinha os fones no último volume com um punk dos anos 70 vibrando pelo apartamento, e a outra passava mais tempo na academia do que na aula. Ela contou sobre o inverno em Boston, e os bonecos de neve que ela fazia com o primo.

Percy sorveu as informações com mais ânsia do que tomava o café. Havia alguma coisa no modo como ela falava, como se as palavras se atropelassem na ponta de sua língua, uma ansiedade para dizer tudo rápido demais, como se fosse esquecer. Uma forma de falar que era tão familiar para si mesmo...

— Obrigada por isso — ela disse, quando ele parou na frente do apartamento meio manchado, escondido entre prédios maiores. — Até algum dia, detetive.

— Até algum dia, Annabeth.

Algum dia próximo, por favor, ele pensou, mas ficou calado.

— E se serve de alguma coisa! — ela exclamou, quando já estava na porta — Eu acho que você salvou o dia!

Percy dirigiu de volta com um sorriso no rosto. Ele abriu os primeiros botões da camisa e chutou os sapatos para um canto. Só haviam outros três detetives na delegacia, com suas eternas caretas de sono e copos de café frios esquecidos na mesinha. Espalhou as cópias das fichas de Piper e Leo na mesa, e abriu o notebook no caso de Gwen.

— Jackson — uma voz suave chamou sua atenção, quando já eram quase quatro da manhã, e seus olhos doíam com a luz do computador.

Ele ergueu a cabeça, primeiro registrando a caneca de chocolate quente, e depois a mão que a empurrava para ele. Srta. Héstia tinha o cabelo castanho em uma trança simples, e os fios gracejavam seu rosto, coroado com um sorriso.

— Coloquei uns lençóis no sofá do sargento, ele nunca usa — disse, e Percy tomou um gole do chocolate — vai descansar um pouco.

Ele se levantou, estalando as costas, e decidiu que, definitivamente, aquela era uma noite da qual ele precisava se recuperar.

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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Comentários são sempre apreciados, e até a próxima ♥