O valor da vida escrita por Ainsworth


Capítulo 1
O valor da vida


Notas iniciais do capítulo

Lição de vida pode ser algo chato, mas sempre pode nos trazer algo.



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O valor da vida

            

Jamais me esquecerei da sensação daqueles pingos de chuva caindo sobre meu rosto, apesar de eu quase não senti-los graças à capa de tristeza que me revestia.           

Não era fácil para um garoto de 10 anos perder sua mãe. Não era fácil para ninguém. Mas naquele dia eu senti a maior tristeza que viria a sentir em toda a minha vida. Eu não veria mais aquele sorriso que me iluminava todo dia de manhã quando me dava “Bom dia”, eu não veria mais aquela face repressora quando ela me dava uma bronca, e não veria mais aquele rosto sem graça quando eu lhe dizia que a amava. Naquele dia, naquele funeral, seria a última vez que eu viria aquele semblante sem emoção, com os olhos fechados, dentro daquele caixão, prestes a ser enterrada. Aquele seria meu último adeus, minha última despedida, sem data prevista para reencontro.           

Sim, seria isso.           

A não ser que eu fizesse algo a respeito.

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A partir daquele dia, dediquei minha vida inteiramente a ver minha mãe de novo. Mortos não podem ser revividos, sabia disso e mantive em minha cabeça o tempo todo. Mas havia outro jeito, outra coisa, que ninguém havia tentado ainda, e se eu não arriscasse, jamais iria descobrir se conseguiria ou não.           

Estudei, estudei muito. Terminei a escola como o melhor da turma. Mas isso não me interessava, o que me interessava era o que vinha depois, a faculdade. Queria entrar em uma boa universidade que tivesse um setor de astronomia, por que esse era o meu interesse. Mais especificamente, buracos negros. Por quê? Porque sempre soube que buracos negros e viagens no tempo estavam relacionados, e era isso o que queria: viajar no tempo.           

De fato, consegui o que queria, entrei numa ótima universidade e dei início aos meus estudos nessa área. Porém, quanto mais estudava, mais me decepcionava. Tudo me dizia que o que eu queria era impossível. Ir para o futuro era algo plausível, agora, voltar no tempo, algo impensável. A cada vez que uma hipótese minha era refutada, eu me desesperava.           

Cheguei a um ponto que não aguentava mais, e saí da universidade. Meu pai ficou louco comigo, me questionou o porquê daquilo. Eu respondi que agi conforme achei melhor, ficar lá não iria me levar a lugar algum, jamais me encontraria com mamãe de novo. Meu pai ficou abismado com o que eu disse. Falou que as coisas não deveriam acontecer assim. Brigamos feio, e ele me expulsou de casa. Não foi um grande choque, eu meio que estava preparado para aquele desfecho. Somente eu poderia compreender quão grandioso era meu ideal.           

Me mudei de cidade. Arrumei um emprego para conseguir me sustentar, era o suficiente por hora. Trabalhava como ajudante numa mecânica. O dono era um senhor muito gentil, que além de me acolher, também me ofereceu uma moradia. É verdade, eu devo muito àquele senhor.           

Agora com uma casa, e com um emprego, eu poderia me concentrar nas minhas pesquisas. Sozinho e do meu jeito, eu acharia a solução, o caminho para chegar até minha mãe.

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Muitos anos se passaram, e eu já me encontrava na casa dos meus 30 anos. Em todo esse tempo, jamais falei com meu pai novamente. Mas sempre me perguntava como ele estava.           

Também cresci na mecânica. Deixei de ser um simples ajudante e agora ocupava a vaga de segundo no comando, à frente, somente o senhor que me acolhera, que já estava com a saúde um pouco debilitada. Era hora de pensar para quem ele passaria os negócios para frente. Não tinha filhos, e morava muito longe da família. Acho que foi por isso que ele me acolheu tão bem, acho que ele via em mim o filho que nunca teve. Em algumas de nossas conversas, ele citou o fato de que pensava em deixar comigo a responsabilidade de tocar a nossa firma para frente. Seria uma honra para mim, mas não tinha certeza se era o certo. Gostava muito daquele local, dos outros funcionários, e dos clientes em geral. Só não tinha certeza se era mesmo aquilo que gostaria de seguir na vida, até porque, se eu estava ali, era por causa do meu grande objetivo.           

Durante todos aqueles anos evoluí muito em minha pesquisa, até que enfim a terminei. Sim, eu consegui, todas as peças estavam encaixadas e prontas.  Aos poucos, fui construindo aquilo que você pode chamar de “máquina do tempo”. Muito do que tempo que levei, foi para conseguir o dinheiro necessário para todos os materiais requisitados, inclusive. Não tinha o design mais bonito, mais parecia uma lata de conserva do que qualquer outra coisa. Contudo, era funcional, cumpria o seu dever, e era isso o que eu precisava.           

Naquela noite, dei os toques finais. Estava pronta, finalmente. Algo assim iria revolucionar o mundo, a ciência e todas as coisas. Pessoas teriam que pensar diferente, e abrir a cabeça para possibilidades antes jamais exploradas. Havia tanto para fazer, mas eu só queria uma coisa, reencontrar minha mãe, e impedir que ela morresse. Foi com esse pensamento que vivi durante todos os anos da minha vida desde aquele funeral. Foi com esse objetivo que cheguei até ali, sacrificando o que foi necessário, abdicando de coisas que eu poderia ter feito. Tudo, tudo foi para chegar naquele momento.           

Não podia esperar mais. Entrei na maquina do tempo. Acionei os controles. Regulei a distância a ser percorrida. E me preparei para os últimos instantes naquele presente inaceitável.

— Mamãe, estou indo.

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Demorei a abrir os olhos. Quando consegui, estava tudo escuro. Bom, era isso o planejado. Logo após uma viagem ser concluída, a maquina do tempo entraria em modo de repouso. Parecia tudo certo. Tentei me levantar, mas senti uma tontura muito forte, além de náuseas. Aquelas deviam ser as sensações que uma pessoa deve ter após uma viagem no tempo. Mas se aqueles eram sintomas de que havia dado certo, eu não me importava.           

Após algum esforço, consegui me levantar, e abri a comporta. De imediato, um forte raio de Sol bateu em meu rosto, me forçando a cobri-lo com minhas mãos. De fato, era um lindo dia, assim como eu me lembrava.           

Estava num parque próximo a minha antiga casa. As coordenadas ao menos eu tinha acertado. Aquele era um lugar pouco frequentado, por isso achei adequado para estacionar. Agora só precisava confirmar se tinha mesmo voltado para aquele dia fatídico. Cobri a máquina com alguns galhos e arbustos. Nada que a tornasse imperceptível, mas ao menos era alguma coisa. Pus-me a andar. Apesar de pouco frequentado, gostava daquele parque. Gostava de passar algum tempo sozinho lá. Enquanto andava, reconheci que tudo estava como me recordava. As árvores, os bancos. Estavam como antes.           

Mas minha alegria veio mesmo quando achei um jornal no chão e confirmei. Era 23 de Julho de 2012. O dia em que minha mãe havia falecido. Apertei com força aquele jornal. Eu havia conseguido. Finalmente, após tanto tempo. Eu realmente voltei para o passado.           

Estava tão feliz e orgulhoso que uma lágrima quase desceu de meus olhos. Mas não havia tempo para isso. Tinha algo a fazer. Meu objetivo ainda não tinha se cumprido por completo.           

Ainda precisava salvar minha mãe.

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Lá estava minha antiga casa, o lugar em que morei durante grande parte da minha vida. Perguntava-me como estaria depois de mais de 10 anos em que meu pai vivera lá sozinho.           

Balancei a casa. Não era hora para isso. Minha missão era salvar minha mãe. Precisava me concentrar.           

Olhei no relógio. 9 horas da manhã. Ela costumava sair naquele horário para fazer compras. Naquele dia não foi diferente. Esperei os últimos instantes antes de ela sair pela porta de casa. E quando a hora chegou, senti me faltar o ar.           

Ali estava ela. A mulher responsável por tanta coisa na minha vida. A pessoa que me carregou em seu ventre por 9 meses, e depois me deu a luz. A pessoa que apenas por sorrir, conseguia me fazer esquecer de todos os meus problemas. Enfim, ela estava ali. Linda como sempre.           

Meu corpo fraquejou. Não esperava sentir tudo aquilo. Sabia que a rever seria uma emoção muito grande, mas não esperava por aquela explosão de sensações. Eu estive certo em devotar minha vida para reencontra-la. Não tinha arrependimentos. Todas as minhas decisões haviam sido corretas.           

Agora, o que eu precisava fazer era salva-la. Precisava me recompor e impedir que ela fosse ao mercado. Fazendo isso, seria o suficiente. Tudo teria valido a pena.           

Recompus-me e caminhei até sua direção. Já saía pelo portão quando eu a abordei. Engoli em seco, e pus-me a falar.

— Com licença, desculpe atrapalhar a senhora...

— Oh... – Me encarou nos olhos fazendo-me tremer ainda mais – Posso lhe ajudar com alguma coisa?

— Na verdade...  – Era difícil falar, mas eu precisava – Eu sei que é um pedido meio estranho de se fazer, mas a senhora poderia não ir ao mercado hoje?

— Ora, mas por quê? Preciso comprar batatas para fazer o almoço.

— Eu sei que é confuso, mas... – Respirei fundo, precisava ser mais claro – Algo muito ruim vai acontecer com a senhora se for ao mercado hoje. Eu peço que, por favor, fique em casa – Consegui concluir seriamente.           

Ela me encarou com olhos curiosos. Temi pela sua resposta, mas esperava ansioso que ela seguisse meu conselho.           

Finalmente, ela sorriu.

— Ah... Então era isso mesmo...

— O que!? – Exclamei espantado.

— Eu acordei com certa sensação hoje, parecia que algo assim iria acontecer...           

O ar sumiu de meus pulmões. Ela sabia? Ela sabia o tempo inteiro? Mas como? E por quê? Se ela sabia, por que ela foi ao mercado do mesmo jeito?

— Mas... Não há muito a se fazer, não é mesmo? – Disse enquanto sorria inocentemente.           

Aquilo me quebrou.

— O-o... O que... O que a senhora está dizendo? – Balbuciei.

— Não há nada que possamos fazer. Se for esse o meu destino, devo cumpri-lo – Explicou calmamente.           

Eu não acreditei naquelas palavras. O que ela estava dizendo? Ela queria morrer? Ela queria fazer todo o tempo que gastei pra chegar até ali e salva-la, se tornar algo inútil. Ela pretendia desperdiçar todo o meu esforço? Ela queria deixar aquele garoto de 10 anos sozinho para o resto da vida dele? Por quê?           

Cerrei os punhos, e rangi os dentes.

— Como... Como você pode dizer algo assim? – Perguntei.           

Ela nada disse. Irritei-me e continuei.

— Me responda. Por que age de forma tão egoísta? Você não se importa com seu filho? Não se importa com o futuro dele? Não se importa com o seu marido? E o resto das pessoas a sua volta? Você não se importa com como as pessoas vão se sentir quando você se for!? NÃO SE IMPORTA COM QUÃO TRISTES ELAS VÃO FICAR!? ME RESPONDA, DROGA...           

A essa altura, eu já chorava, de cabeça baixa. Também havia socado o portão. Não devia ter feito aquilo, doeu muito.           

Ela se aproximou de mim, e segurou a mão que eu usei para socar o portão. Me espantei ainda mais quando ela começou a fazer carinho nela.

— Dói, não é? – Perguntou.

— Sim... – Respondi, ainda em lágrimas.

— Acho que perder alguém querido também deve ser assim...

— Acredite em mim, é bem pior.           

Ela sorriu.           

Não entendia. Como ela conseguia tratar a morte de forma tão natural?

— Sabe, todas as coisas tem seu começo e seu fim. A dor, por exemplo, uma hora ela começa, mas com o tempo e o devido cuidado, ela logo passa. O mesmo vale para a vida. Toda vida se inicia, percorre pelo tempo e chega ao seu fim. Mas sabe qual é a diferença da vida?           

Retive-me a balançar a cabeça negativamente.

— A vida tem um valor. Um valor maior que qualquer coisa. Ela é composta de experiências e aprendizado, além de heranças que são deixadas para trás. Todas as pessoas que você conhece, todos os momentos pelos quais você passa, sejam bons ou ruins, toda felicidade que você compartilha, tudo isso, você carrega com a sua vida. E é isso que agrega tanto valor para ela. Viver não é simplesmente existir. Viver é deixar sua marca no mundo, provar que você esteve aqui, é amar, e ser amado, e ter para sempre um lugar no coração das pessoas que ama. A vida... – Fechou os olhos – A vida é linda! – Exclamou com um lindo sorriso.           

Senti o corpo tremer com aquelas palavras. Arregalei os olhos e a encarei erguendo meu rosto.

— Mas... – Tornou a ter um sorriso triste – Assim como falei, a vida tem um fim. No entanto, ao contrário do que as pessoas pensam, o fim de uma vida não é algo completamente ruim. Não mentirei, ter que dizer “tchau” pode ser bem triste. Mas o fim de uma vida não é somente uma despedida. O fim de uma vida significa o término de uma missão. Significa que seus objetivos foram concluídos. Você fez o que tinha de fazer, e agora é hora de voltar.           

Não conseguia entender uma coisa naquelas palavras.

— Mas... Por que? Por que tem que ser tão pouco? Por que temos que dizer “tchau” tão cedo? Eu não entendo... Isso não é justo!

— Não há como dizer se isso é justo ou não. As coisas são assim por que tem que ser. Talvez não sejamos capazes de entender agora, mas um dia tudo será claro para nós, e perceberemos quão justa e bela nossa vida foi – Apertou ainda mais a minha mão – Não dá pra evitar ficarmos tristes. O ser humano é assim, nossas emoções sempre aparecem e dominam em momentos como esse. Mas o que nós podemos fazer, é seguir em frente, e superar. Por que assim como a dor, a tristeza, com o tempo e o devido cuidado, há de acabar. Devemos apenas nos lembrar de sermos gratos. Gratos por tudo que acontece. Por tudo que começa e termina. Gratos pela nossa vida.           

Eu não aguentei, e as lágrimas ficaram mais fortes.

— Mas... Como você pode ter tanta certeza de que as pessoas vão aguentar toda essa tristeza? Como você pode estar tão tranquila com isso? Você não se importa de morrer?...

— Eu ajo assim porque aceitei meu destino. É claro, ainda há muitas coisas que eu gostaria de fazer. Mas olhando para trás, eu não me arrependo de nada que fiz – Tornou a apertar minha mão com força – É por isso, Ben, que eu sei que estou tomando a decisão correta, e estou tranquila com isso.           

Encarei-a assustado. Fiquei boquiaberto, e meus olhos arregalaram. Ela disse meu nome. Ela realmente disse meu nome. Ela sabia quem eu era.

— Então, Ben, eu sei que você vai ser forte. Você sempre foi. Você e seu pai. Eu confio muito nos dois e na sua felicidade.

— M-m-mãe... – Eu tentava balbuciar algo em sucesso.           

Lentamente, ela soltou minha mão. Assustado e com medo, tentei alcança-la novamente, mas não obtive sucesso.

— Não devemos tentar alterar nossos destinos, Ben, não desse jeito – Sorriu – Agora eu tenho que ir. Viva, Ben. Seja feliz. E mande um abraço para o seu pai. Eu amo muito os dois. Adeus.           

Ela se virou e começou a andar. Não tinha medo, nem arrependimentos. Caminhava segura de si e de cabeça erguida, rumo ao seu inevitável destino.           

E eu... Eu fiquei para trás. Chamando inutilmente por ela.

— N-não... Mãe... Mãe...           

Já não havia mais nada que eu podia fazer. Ela aceitou seu destino, e não me era mais permitido tentar interferir.           

Ela havia feito sua decisão, e restava a eu fazer a minha.           

Olhei a ir embora até virar a rua mais a frente. Continuei ali, parado em frente a minha antiga casa por um bom tempo.           

Depois, caminhei lentamente de volta ao parque onde estava a máquina. Não falei com ninguém, mal olhei no rosto das pessoas. Mas percebia o espanto de cada um pelo qual passava assim que percebiam a cara de choro que eu tinha.           

Mesmo assim, os ignorei. Cheguei até a máquina do tempo. Entrei, acionei os controles, regulei a distância a ser percorrida, e voltei para casa.

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Chegando, nem me lembrei do mal estar que iria sentir. Não consegui me levantar. Mesmo após me recuperar, continuei ali, chorando. Pensei sobre tudo o que aconteceu. Tudo o que passei para chegar naquele momento. Todo o esforço, até reencontra-la. Lembrei-me de todas as palavras que ela me disse, e principalmente do sorriso que ela tinha no rosto quando disse “adeus”.           

Eu jamais esqueceria aquele sorriso.           

Continuei a chorar por horas.           

Quando minhas lágrimas finalmente cessaram, saí da máquina. Olhei para o relógio, e vi que era 5:30 da manhã. Logo o sol nasceria. Como era domingo, não trabalharia. Deitei em minha cama e dormi, por um longo tempo.

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Quando acordei, já era quase 4 horas da tarde. Foi uma longa soneca, mas era necessária e me ajudou muito. Jurei que havia sonhado com minha mãe, mas não me lembrava de muito que tinha acontecido. Sentei na cama e cocei a cabeça, posteriormente me espreguiçando. Talvez pudesse ficar ali por mais algum tempo, não me importava. Porém, havia uma coisa para fazer. Uma última coisa que precisava fazer. O último desejo da minha mãe.

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Peguei meu carro e dirigi até minha antiga cidade. Não era uma viagem tão longa, então, em pouco tempo, já estava lá. Antes de chegar até meu objetivo de verdade, entretanto, dei uma parada no parque onde havia escondido a máquina do tempo.           

Caminhei até o local específico. Assim que cheguei, sorri. Estava tudo diferente de como me lembrava. Não tinha algumas árvores, e a vegetação também tinha se alterado. Obra do homem, mas também da natureza. Pode-se dizer que eu gostaria de chegar lá e ver o lugar exatamente como deixei no passado com a máquina, mas também era esperado que ele estivesse diferente do que me lembrava. Talvez eu quisesse confirmar que realmente estive lá, que realmente tinha feito o impossível. Mas aquilo já não importava muito.           

Enfim, satisfeito com o que vi, voltei minha atenção para meu verdadeiro objetivo. Meu pai. Como havia falado, o parque era próximo a minha antiga casa, portanto, fui dali andando até lá. Porém, chegando lá, não sabia o que fazer. Depois de todos aqueles anos, ver meu pai... Ainda mais daquele jeito, naquela situação... Mas... Não poderia fraquejar, não agora.           

Hesitei muito, mas enfim, toquei a campainha. Após algum tempo, ouvi-lo gritar:

— Já vai!           

Respirei fundo. Então, ele abriu a porta. Como esperado, tomou um susto quando me viu. Mas não havia dúvida, aquele era meu pai. Quando ainda morava com ele, já estava um pouco mais alto, mas com o passar dos anos essa diferença aumentou. Seu rosto também, devido à idade, havia se alterado em muito. Estava mais flácido, perdendo a rigidez de antes. Sim, meu pai estava velho. E eu estive muito longe para acompanhar seu envelhecimento ao longo daqueles anos. Só isso, já apertava meu coração.           

Ele, por sua vez, recuperado da surpresa, me encarava sério, como quem tentasse entender o que estava acontecendo. Ficamos alguns bons segundos apenas nos encarando na porta. Até que ele enfim quebrou o silêncio.

— O que você quer?           

Pois é, uma recepção meio seca, mas já estava preparado. Era um comportamento mais do que compreensível, dada a nossa situação. Mas mesmo assim, eu precisava que ele no mínimo aceitasse minhas palavras.           

Me preparei, e disse o que precisava:

— Eu me encontrei com mamãe.           

Palavras difíceis, duvidosas, mas não importava se ele não acreditasse, eu precisava dizê-las. A princípio, meu pai não esboçou nenhuma reação. Achei que ele estava apenas pensando que eu havia delirado ou algo do gênero.           

Foi então, que, algo totalmente inesperado por mim aconteceu.           

Ali, na minha frente, uma lágrima desceu do rosto do meu pai.           

Eu fiquei pasmo, não soube como reagir. Ele, provavelmente envergonhado, secou a lágrima com o dedo e perguntou:

— Bem, e o que ela disse?           

Não poderia ser. Ele realmente estava acreditando no que eu falava? Ele... Nesse caso... Eu deveria apenas continuar.           

Cerrei os punhos, e disse:

— Ela te mandou um abraço.           

Com isso, aquele homem de 60 anos desabou a minha frente. Não só uma lágrima desceu, foram várias. Ele ficou em prantos. Rangi os dentes, eu não só não acreditava no que via como também não suportava. Danem-se todos os anos separados, aquilo já não importava mais. Tomei-o em meus braços, abraçando-o. Ele, sem demora, retribuiu. E de certa forma, juntei-me as lagrimas com ele.

— E-Ela estava feliz? – Perguntou meu pai após algum tempo.

— Sim... Ela estava muito feliz, como sempre... – Respondi.

— É mesmo?... Que bom... – Disse soluçando.           

Depois de alguns minutos naquela situação, ele enfim me convidou para entrar. Secamos nossas lágrimas, e ele me ofereceu café. Aceitei, e juntos, sentados na sala, comecei a contar tudo, tudo que vivenciei naqueles dez anos.           

Contei de como foi no começo, de como o senhor Jonnes havia me ajudado. Do meu trabalho e minhas experiências naquela mecânica. Contei da minha pesquisa. Os erros e acertos que finalmente me levaram ao tão esperado resultado. Contei de como encontrei com mamãe, das coisas que ela me disse, e de como ela sorria.           

Enquanto isso, meu pai não dizia uma única palavra. Não questionava, não protestava. Apenas me ouvia com atenção.           

Assim que terminei, não aguentei. Pedi desculpa. Desculpa por ter sido tão egoísta, por ter saído da faculdade, e por ter ficado tão distante durante aqueles anos, sem nem ao menos dar uma notícia sequer.           

Ele se aproximou de mim e me abraçou. O calor daquele forte e apertado abraço me reconfortou como nunca em toda a minha vida.

— Tudo bem, você correu atrás dos seus sonhos, apenas fez o que achou certo. Fico triste por termos ficado longe um do outro, e por não ter te compreendido naquela época, a culpa foi minha também. Mas fico feliz por ver que se tornou um grande homem – Disse no meu ouvido.           

Eu não queria continuar a chorar, embora fosse essa minha reação instintiva perante aquela situação. Segurei firme as lágrimas e apenas agradeci:

— Obrigado...           

Após tanto tempo, tínhamos enfim feitos as pazes e acertado as coisas entre nós. Missão mais do que cumprida. Estava tarde, e eu precisava voltar para casa. Meu pai pediu para que eu dormisse lá, mas recusei educadamente. Despedi-me dele com um abraço e um beijo no rosto, prometendo visita-lo no próximo fim de semana novamente.           

Com isso, voltei para meu carro. Antes, porém, não pude deixar de dar uma última conferida no parque, especificamente onde deixei a máquina do tempo. Após algum tempo refletindo e observando, despedi-me com um sorriso no rosto.

— Adeus.           

Naquele dia, minha vida começaria uma segunda vez.

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Após pensar um pouco, aceitei a proposta do senhor Jonnes, assumindo a liderança da mecânica. O velhinho ficou mesmo feliz. Pelo visto, estava afim de relaxar e se cuidar durante o restante de sua vida, mas também queria deixar a empresa em boas mãos. E aparentemente foi o que conseguiu. No começo, eu demorei um pouquinho para me adaptar àquela posição, mas me acostumando com as novas responsabilidades e ouvindo os conselhos do senhor Jonnes, logo me tornei um líder de prestígio, prosperando muito com aquela pequena, mas amável mecânica.           

Não só isso, assim que acabei com a minha pesquisa, comecei a sair mais de casa, falar com mais pessoas, conhecer o mundo. Não demorou muito e encontrei a mulher da minha vida. Começamos a namorar, e não foram poucas as vezes que brigamos ou que nos desentendemos, mas no final, fazíamos sempre as pazes, reafirmando cada vez mais o nosso amor. Foi assim, que após três anos de namoro, enfim nos casávamos. E posso dizer que foi uma das melhores escolhas que fiz na minha vida. Junto com ela tive dois filhos, Kate e Adam, que são o meu maior tesouro, e sou infinitamente grato por eles.           

Também perguntei ao meu pai se ele queria se mudar para ficar mais perto de mim, estava disposto a comprar uma bela casa para ele. Mas ele recusou. Disse que preferia continuar naquela casa, onde ele cultivava as memórias com a minha mãe.           

Eu o entendia. Concordei com sua opção, e passei a visita-lo mais vezes. Levando sempre que podia meus filhos. Ele simplesmente os adorava, gostava muito da ideia de ser vovô. E eu me sentia incrivelmente bem quando o via brincando todo alegre com as crianças.           

Triste foi ver ele partir, algum tempo depois do senhor Jonnes. É, ele já não era mais tão jovem e enfim seu tempo chegara. Dizer “adeus’’ não era fácil, mas todos deveriam se preparar para isso. As crianças choraram durante o funeral, e eu também. Mas aquela não era minha primeira despedida, e estava longe de ser a última.

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Muitos anos se passaram. Vi Adam e Kate se formarem e seguirem suas profissões, ambos muito bem sucedidos. Adam se tornou um cirurgião de renome, e Kate, uma jogadora de futebol da liga profissional. Eram meu orgulho, não tinha dúvida. Foram anos incríveis, até que aquilo aconteceu.           

Minha esposa, Sara, ficou doente. Os médicos disseram que era um tipo de câncer, e que infelizmente, por termos descoberto tarde de mais, já estava em estado terminal. Aquilo foi um choque para todos, ainda mais para mim. Sara e eu já estávamos sim um pouco acima da idade, mas jamais esperaria que ela iria antes de mim. Todos na família ficaram desolados.           

Nos seus últimos momentos, estava com ela no quarto. Ela estava deitada na cama, e eu, ao seu lado, segurava sua mão. Dizia palavras bonitas e relaxantes para ela se manter calma. Até que ela olhou fundo nos meus olhos e disse:

— Eu fui muito feliz vivendo minha vida ao seu lado, Ben. Eu te amo.           

Tão cedo quanto disse aquilo, fechou os olhos. Entrei em pânico e abracei-a.

— Sara? Não... Sara!? Por favor... Não me deixe... Sara...           

Mas não importava quanto eu a chamasse, ela não abriu mais os olhos.

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Depois que Sara partiu, eu ainda vivi mais vinte anos. Meus filhos estabeleceram suas famílias, que por sua vez, propagaram ainda mais. Tinha até mesmo uma neta minha que estava grávida. Queria muito ver meu bisneto, estava mesmo ansioso. Mas sabia que isso não seria possível.           

Após tanto tempo, andando e respirando como qualquer ser humano, finalmente chegava minha hora. Não era uma doença espetacular, era apenas a velhice. Eu já não andava, e mal conseguia falar. Meu filho Adam, um quase vovô era quem cuidava de mim. E sentindo que o fim era próximo, reuni forças para lhe fazer um último pedido. Pedi para que reunisse toda a família. Queria ver a todos uma última vez.           

Então, naquele dia, meu quarto lotou-se de pessoas. De todas as idades, crianças, adolescentes, adultos. Minha família tinha crescida muito, e eu estava realmente feliz por isso. Olhava para seus rostos, alguns tristes, outros fingindo estarem alegres por me ver, e outros, ainda jovens e ingênuos, confusos com aquela situação.           

Sorri. Lembrei-me de cada momento com aquelas pessoas. Cada almoço, cada tarde, cada fim de semana. Eu jamais me esqueceria daqueles momentos tão especiais.           

Foi assim, que rodeado de carinho, e imensamente satisfeito com a vida que tive, despedi-me uma última vez das pessoas a minha volta. Dessa vez, quem estava indo era eu.           

Sorrindo, meu último pensamento em vida foi reencontrar Sara.

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Pois é, entre trancos e barrancos, conquistei tudo o que eu mais queria. Vivi uma vida feliz, que era justamente um dos desejos da minha mãe, uma das últimas coisas que ela me disse. Em verdade, digo, não me arrependo de nada. Vivi cada segundo tendo em mente de que aquilo era o que eu deveria fazer. Todas as pessoas que conheci, tudo o que reuni, tudo me fez confirmar as palavras da minha mãe. As pessoas vivem para deixar sua marca no mundo, para amar e serem amadas, para provar que de fato existiram. E foi isso o que eu fiz. Assim, quando chegou a hora do adeus, estava com a consciência limpa. Estava tranquilo, satisfeito. Pois não mudaria nada do que vivi em toda a minha vida.           

E quanto à máquina do tempo, você deve estar se perguntando. Após minha primeira viagem, nunca mais a toquei. Inclusive me pergunto se ela ainda está naquele velho quarto. Você talvez deva achar que isso era um desperdício. Mas eu não pensava assim. Cruzar a linha temporal não era, e nunca será a melhor saída para resolvermos nossos problemas. Para evoluirmos e melhorarmos, precisamos aprender com nossos erros e com a realidade, só assim saberemos ser verdadeiramente felizes, como a vida deve ser.           

Porque afinal:           

Não importa quão tênue seja a linha da vida, sempre há a solução para os problemas.           

Não importa quão escuro seja o túnel da angústia, no fim sempre haverá a luz que lhe trará a felicidade.           

É sabendo disso, que você realmente compreende o verdadeiro valor da vida.

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Notas finais do capítulo

Espero que quem leia possa tirar algo dessa história. Lamentar acontece, é algo natural. Mas levantar, e seguir em frente, é algo louvável.

Até mais ^^



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