Cartas para Izuku escrita por AroisuK


Capítulo 1
Me ame com todas as letras


Notas iniciais do capítulo

Uma fanfic de dia dos namorados que postei adiantado no social spirit porém muuuuuuuuuito atrasado no nyah fanfic
Enfim, aproveitem a leitura!



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Não sei exatamente quando ou por que essa mania começou, apenas que, depois da nossa infância, durante o fundamental, e até mesmo agora no nosso ensino médio, eu continuo fazendo isso. Antes costumava dizer que se tratava apenas de uma brincadeira sem graça com uma intenção maldosa como desculpa, mas, agora, talvez seja apenas porquê não consigo evitar de fazê-lo sorrir.

— Normalmente não me intrometo na vida pessoal e nem nos problemas de ninguém, mas estou curioso em perguntar... — O tom de Aizawa não parecia julgador, ainda que continuasse sério e um tanto autoritário. De qualquer forma, isso me preocupava. — Por que você é o único escrevendo cartas para o Midoriya, Bakugou?

— Não faço ideia do que está falando.

A risada seca e sem humor de Aizawa comprovava que ele sabia, não sei desde quando, não sei como, que aquela frase era uma completa mentira e, querendo ou não, meu professor conseguia ler os seus alunos muito bem.

— Cada professor é responsável pela entrega das cartas se quem receber for um de seus alunos, sempre foi assim todos os anos no mês de São Valentim. Você achou mesmo que não te notei entrando na diretoria, deixando as cartas e indo embora logo depois? Não me insulte tanto assim. — Se não fosse pela sua expressão cansada e carrancuda de sempre, diria que, ao menos no final de sua fala, ele disse aquelas palavras com um tom de deboche. — Ainda que tenham passado por muita coisa esse ano e no ano passado, amadureceram e deixaram algumas das suas picuinhas de lado, ver uma atitude dessas vindo de você com o Midoriya é, no mínimo, inesperado, Bakugou.

E esse era eu naquele momento: Katsuki Bakugou, aluno do segundo ano da classe A, do colégio de super heróis mais famoso do país: escola Yuuei. Sem contar, claro, que ainda tive o azar de continuar com o mesmo professor dois anos seguidos. Esse fato não seria um problema, ao menos se ele não tivesse reparado na minha mesma mania idiota repetida do primeiro ano.

E o pior é que não havia ninguém para jogar minha culpa por cima.

— Como foi mencionado no começo do mês: qualquer carta enviada, sendo anônima ou não, se quebrasse alguma regra como ofensas, destinatário inexistente com a intenção de zoar os professores, ou uma simples forma de explanar segredos e boatos constrangedores sobre outros alunos, seria jogada fora e o responsável por ela seria chamado na hora. Mas você não se enquadra em nenhum desses casos, então... — Engoli em seco, sabendo exatamente onde aquele tipo de conversa iria chegar. — Vou perguntar mais uma vez: qual o seu propósito de escrever essas cartas para o Midoriya, Bakugou?

A verdade era que não tinha um motivo real para fazer isso com Deku, apenas gostava de ver a sua ridícula e adorável reação ao ler as falsas declarações de amor anônimas e aos elogios vazios, ou ao menos era nisso que pensava no início. Tudo começou quando éramos crianças e, desde então, essa foi a única coisa entre nós que nunca mudou. Claro, Deku até hoje não descobriu que quem era o autor daquelas cartas anônimas do mês de São Valentim era eu, e sinceramente esperava que ninguém soubesse, mas quando Aizawa se intrometeu no assunto, percebi que essa farsa poderia ser descoberta por Izuku a qualquer momento.

Não que me importasse se aquele velho soubesse ou não do que estava acontecendo, o que interessava era se essa informação iria chegar nos ouvidos daquele nerd de merda.

— Não existe um motivo. — Respondi, e então Aizawa pareceu curioso, porém nada surpreso, com aquela resposta.

— Para tudo existe um motivo, Bakugou, e é mais do que óbvio que, se tratando de você e do Midoriya, existe uma razão muito pessoal por trás. — Não era como se ele estivesse errado sobre sua conclusão, contudo, mesmo se tratando do meu professor, ninguém iria me ouvir admitindo isso. — Entenda que esse tipo de atitude pode acabar trazendo consequências desagradáveis, sem contar que brincar com os sentimentos de alguém assim, como está fazendo, é irresponsabilidade.

— Qual o problema com isso? São apenas algumas cartas idiotas, sem contar que ele nunca vai descobrir já que elas são enviadas de forma anônima. — O olhar de Aizawa se mostrou reprovador, mas antes que ele voltasse com suas broncas, o interrompi. — Não tenho nenhuma outra intenção sem ser a de fazê-lo se sentir admirado nessa época. Isso é tudo.

Ele me encarou em silêncio com os seus olhos escuros e cansados. A sensação formada naquela sala de aula vazia era desconfortável e, mesmo que não tivesse dado nenhum motivo realmente relevante para levar uma advertência, ainda me sentia como se tivesse acabado de fazer algo errado, e Aizawa parecia ver dessa forma.

Seja lá qual pensamento passou pela mente dele no momento, o professor apenas permaneceu quieto por curtos, ainda que demorados, segundos.

— Nesse caso, não vou impedi-lo de continuar escrevendo para o Midoriya, porém... — Fez uma pausa, passando uma mecha de cabelo para trás da orelha, o que deixava um de seus olhos mais visível que o outro. — Também não vou interferir caso essa ação acabe trazendo desentendimentos no futuro. Você está por sua própria conta e risco.

E então não disse mais nada. Naquele dia não consegui entender o que o professor Aizawa quis dizer com aquelas palavras ou o seu aviso, afinal, as cartas eram falsas e tudo não passava de uma brincadeira inocente.

Era nisso que estava convencido na época.

 

 

O aglomerado de cartas na mesa de Deku espantou a sala inteira quando todos voltaram do intervalo. Para o mês de São Valentim o evento da escola, ao invés de seguir com a tradição de distribuição de chocolates, era distribuído a entrega de cartas de alunos para outros alunos, sendo essas anônimas ou não. A única coisa que ninguém esperava era que justamente um dos garotos mais tímidos e impopulares entre as garotas, Deku, fosse ganhar tantas cartas.

E eu não conseguia decidir o que era mais engraçado: o espanto de Izuku ou a reação de inveja do inútil do Mineta, não que a reação de todos não fosse engraçada, ainda mais que momentos antes todos concordaram que Deku seria um dos poucos alunos a não ganhar uma carta sequer.

Provei para esse bando de arrombados que estavam errados.

— C-Como você conseguiu fazer isso?! — Era mais do que óbvio que Mineta estava transtornado. Gaguejando e tremendo, elevando a voz chorosa dele para Deku de uma maneira que o assustou.

— Mas... Eu não fiz nada...

— Mentira! — Dessa vez Kaminari foi quem elevou a voz em um tom maior do que o necessário, coisa que já estava começando a me irritar. — Isso é prova o suficiente de que você é popular com as garotas, qual o seu truque?

— E-Eu não tenho truque nenhum, é sério... — Deku estava começando a ficar nervoso com toda a atenção recebida, começando a se afastar dos seus colegas e ir em direção a sua carteira. — Já disse que isso sempre acontece comigo no mês de São Valentim sem fazer absolutamente nada.

— Então você tem uma admiradora secreta? — Até mesmo Kirishima começou a se intrometer no assunto, pegando um dos papeis em formato de coração da mesa de Deku, passando os olhos rapidamente sobre o bilhete. — Seja quem for ela deve gostar muito de você, Midoriya. — E então estendeu o papel para devolver nas mãos de Izuku, mas não antes que eu a roubasse dele.

— Kacchan! Devolve isso! — Na mesma hora ele se levantou da carteira, pulando na ponta dos pés para tentar arrancar o papel de minhas mãos, mas, devido a diferença de altura, claro que ele não conseguiu. — Isso não tem graça!

— Diga por si mesmo, nanico. — Mesmo que Deku não conseguisse alcançar a carta, ele não desistia de tentar recupera-la, nem ao menos notando que estava mais perto do que o meu próprio limite de espaço permitia. — É sério que está tão desesperado por uma carta? Que patético. — E então a cara dele ficou emburrada, e o seu olhar comprovava que deveria estar me xingando até o fim dos tempos. — O que foi? Magoei o Romeu apaixonado?

— Elas não são suas, então me devolva. — Mais uma tentativa fútil de arrancar o papel da minha mão, e a mesma carinha emburrada estava estampada em sua face. Eu poderia dizer que continuaria o aborrecendo apenas para ver até quando sua paciência duraria. — Estou falando sério, Kacchan.

— ‘Tá, que se foda. Essas cartas continuam sendo idiotas, de qualquer forma.

Após falar isso, devolvi “gentilmente” a carta para ele, e com “gentilmente” quero dizer que esfreguei a carta em sua cara e sai andando em direção a minha carteira logo depois. Ainda de relance, pude ver as suas bochechas infladas de maneira infantil por conta da frustação que ele sentia no momento. Eu negaria para todos que perguntassem, mas, puta que pariu, como ele ficava fofo com aquela cara fechada e de quem acabou de chupar limão azedo.

Apesar da nossa pequena “briguinha” os colegas de Izuku não pararam de o rodear, querendo saber o que cada carta continha escrito. Claro que o professor Aizawa não deixou essa folia continuar por muito tempo, dando um sermão e fazendo todos os alunos que estavam de pé, se sentarem, e apenas assim conseguiu prosseguir com a aula.

Com a exceção de Izuku, e talvez até de mim mesmo, todos os outros alunos prestaram atenção em Aizawa e no conteúdo que esse passava no quadro negro. Quando a oportunidade me permitia, eu olhava por curtos segundos para trás. Os olhos brilhantes de Izuku passando sobre o papel, sua boca se movendo em silêncio, acompanhando a leitura, a forma como as bochechas com sardas enrubesciam de maneira sutil. Era um prazer estranho que não conseguia explicar, de vê-lo assim, feliz com uma admiradora imaginaria perfeitamente platônica que nunca iria aparecer na sua frente, transbordando um sentimento de falsa paixão por alguém que sequer existia.

Era estranha como me sentia feliz por ele estar feliz assim, porém já era tarde para mudar isso.

Antes que pudesse perceber, o ultimo sinal tocou, e então todos os alunos começaram a guardar os materiais. Já Deku, por sua vez, acabou por se preocupar mais com as suas cartas do que com o seu próprio material, as juntando e guardando como se fossem algo extremamente frágil.

Um calor agradável subiu em meu peito, e logo em seguida veio um suspiro inconsciente. Aquele nerd de merda nunca mudava o seu comportamento em relação aos bilhetes, ainda que fosse desastrado, distraído e muitas vezes desengonçado, ele sempre tratava aqueles pedaços de papeis com cuidado, até mais do que o necessário. Não me lembro de tê-lo visto jogando as cartas fora ou as rasgando depois de ler, nem ao menos uma vez, e me perguntava o que Izuku fazia com elas depois.

— Algum problema, Kacchan? — Sua voz com uma pergunta genuinamente inocente me pegou de surpresa, pois não pensava estar tão na cara que estivesse o encarando.

— Vai se foder, inútil de merda.

Antes que Deku pudesse responder qualquer coisa com aquela reação confusa, dei as costas para ele, provavelmente o deixando sem entender nada e pensativo com o que acabou de acontecer. Mas foda-se, minha função não era fazer aquele nerd de merda entender qualquer coisa, no final das contas.

Quando me aproximei de Kirishima e Kaminari puxei aqueles dois idiotas para fora da sala já que, se dependesse deles, iria demorar uma eternidade para sair da escola, e eu não estava nem um pouco afim de enrolar e dar brecha para ficar perto de Deku, não naquela ocasião. Minha cota de vacilos, como ficar encarando Izuku por muito tempo, era o bastante para uma semana inteira, não iria mais agir como idiota e dar outra chance para esse tipo de coisa acontecer de novo.

Mesmo pensando consequentemente dessa forma, e tentando ao máximo ficar na minha, era óbvio que, quando se tinha amizade com gente idiota, não poderia apenas agir como se nada estivesse acontecendo, e Kirishima parecia querer me lembrar disso a todo momento. Sempre que Deku recebia uma carta e ele estava por perto, o porco espinho vermelho tinha que soltar algum comentário sobre. Durante as semanas daquele mês fiquei me perguntando se Kirishima era mesmo idiota, ou se sabia de alguma coisa e aquela cara de tonto dele não passasse de uma fachada.

Mas não me importava se Kirishima sabia de algo ou não, afinal, sempre poderia dar a desculpa de que tudo não passava de uma brincadeira sem graça.

 

— Midoriya-kun, isso é para você. — Uma garota de outra classe, também do primeiro ano, estendia uma carta para Deku, ainda que muito nervosa. — Por favor, aceite meus sentimentos.

O olhar dele permaneceu estático por algum tempo, surpreso por alguém, depois de tanto tempo em anonimato, entrega-lhe uma carta pessoalmente. Aquela ideia, de uma pessoa de carne e osso estar demonstrando sentimentos românticos, nem que apenas platônicos, parecia não entrar na cabeça de Deku, tampouco na minha.

Aquilo foi tão repentino, tão inesperado. Era apenas para seguirmos de volta para casa depois de um dia cheio, porém, momentos depois de passar pelo portão da escola, essa garota maldita foi aparecer. Por quê? Por quê?! Ninguém de outra classe deveria sequer ter reparado na existência de Deku, então por que ela apareceu justamente agora?

Por que outra pessoa estava se intrometendo em algo que apenas eu deveria fazer?!

— Me desculpe, mas não posso aceitar.

A voz de Izuku, ainda que tentasse soar gentil, era vazia e sem emoção. Contudo, isso não parecia ter sido o suficiente para fazer a garota desistir, continuando com a declaração para que, ao menos, Deku aceitasse a sua carta e seus chocolates.

Aquilo já estava me dando nos nervos. A sua insistência, a arrogância de pensar que o conhecia o suficiente para se declarar, tudo nessa atitude patética e desesperada me irritava. Precisava dar um basta nisso antes que a situação se prolongasse.

— Ele disse para dar no pé, caralho! Não ouviu por que é surda ou simplesmente retardada para continuar insistindo?!

— Kacchan! — Repreendeu, me olhando diretamente nos olhos de forma irritada, e eu retribui o sentimento na mesma intensidade. — Me desculpe pelo o que acabou de ouvir do meu amigo, é que ele é muito explosivo. — Disse à garota, tentando mudar a atmosfera para uma mais leve e gentil, apenas para compensar minhas palavras anteriores.

Ser gentil assim, principalmente com quem ele não conhecia, era um desperdício de tempo. Odiava isso, quando Deku insistia em continuar sendo gentil mesmo quando a situação requeria um comportamento mais bruto, principalmente com aquela garota, do qual era uma chorona igualzinha ao próprio Deku, talvez fosse por esse motivo que ela tenha se interessado nele.

Foda-se a porra do motivo, já estávamos parados ali a tempo demais.

Aquela conversa ridícula de amor apenas teve um ponto final porquê eu a fiz ter. Pegando Deku pelo pulso, e então o arrastando para longe, para bem longe, consegui encerrar o assunto ali mesmo. Não me importava se aquela garota se sentisse rejeitada, ou com os sermões de Deku sobre meu comportamento, ou com os olhares de interrogação de outros alunos. Não iria me importar com isso se alguém, que não fosse eu, estivesse incomodando Izuku daquela forma.

Sentia raiva quando qualquer outra pessoa perturbava Deku, afinal, aquele era o meu trabalho.

 

— Por acaso você gosta do Deku, Bakugou? — A pergunta de Kirishima foi mais direta do que esperava. Junto com a surpresa, veio o engasgamento com comida, não era possível que tivesse entendido a pergunta direito.

— O que caralhos quer dizer com isso?

— O que eu quero dizer é “por acaso você gosta do Deku, Bakugou?”, qualé, essa pergunta não é tão difícil de entender. — Às vezes, a forma como esse porco espinho vermelho conseguia ser cara-de-pau, me surpreendia. — Quer dizer, desde que esse evento de cartas começou na escola você ‘tá sempre olhando pro Midoriya enquanto ele lê as cartas, mesmo que quando ele olhe para você automaticamente acaba xingando ele, sem contar que ontem seus olhos ficaram borbulhando de raiva quando aquela garota foi falar com ele. Você é algum tipo de tsundere ou o que?

Não sabia como responder aquela conclusão do Kirishima, definitivamente ele era menos idiota do que aparentava ser. Mas, espera, eu não gostava do Deku, nem no sentido em que Kirishima estava insinuando, e em nenhum outro.

— Não me compare com a porra de um personagem tsundere de anime! Eu não gosto do Deku, nunca gostei, nem agora e nem nunca vou gostar. — Respondi, raivoso, esperando que assim ele calasse a boca. — Pare de tirar conclusões de merda dessa sua cabeça oca.

Aquilo era idiotice. Eu? Gostar de alguém tão invisível quanto Deku? Ele estava errado. Só porquê reparava em algumas coisas que Izuku fazia, ou em como ele se comportava quando ficava com vergonha, ou em como as sardas das bochechas dele ficavam bonitinhas quando sorria, e também escrevia algumas cartas porquê ele gostava, não significava, necessariamente, que gostava dele.

Não, eu não gostava dele, não poderia gostar dele, isso era algo impossível.

Era nisso que queria acreditar, era nisso que precisava acreditar. Porém, afinal de contas, existia outra forma de explicar a minha obsessão com Izuku?

 

Sentia raiva, mas não apenas isso, como um ódio gigantesco por Deku. O que ele acabou de fazer, sem a mínima consideração sequer, era imperdoável. Aquele idiota, arrogante, insensível, quem ele pensava que era?

Segurar em seu pulso com força exigiu muito do meu auto controle para não acabar o explodindo pela raiva. Encarava aqueles olhos esmeralda com intensidade. Izuku, mesmo que ainda confuso com a reação repentina, não se deixou intimidar, destemido em me enfrentar a altura, e aquele era o preço que pegava por deixa-lo tão acostumado a mim.

Ah, se ao menos as coisas fossem iguais antigamente.

Com um puxão rápido, Deku conseguiu soltar o seu pulso, porém ainda mantinha o olhar desafiador, como se quisesse me provocar para saber qual seria a minha próxima reação.

A atmosfera naquele corredor era pesada, até mesmo para quem estivesse acostumado com conflitos cotidianos entre mim e Izuku. Mas se enganava quem pensasse que aquele fosse apenas um simples conflito, não, era muito mais do que isso. Estava claro, para todos ali, que tinha algo se passando na mente de Deku, ainda mais por esse continuar em silêncio, mantendo seu julgamento apenas para ele mesmo. Já estava cheio daquela brincadeira idiota.

— Você ficou mudo de repente ou o que?! Te fiz uma pergunta, arrombado. — Gritei, em alto e bom tom. Contudo, isso pareceu ter o mesmo efeito que nada, já que Deku nem sequer piscou. — Para de me encarar com essa cara de cu e responde, porra!

Seus olhos se estreitaram por uns três segundos, como se estivesse pensando na hipótese de dar um tapa na minha cara, mas isso era tudo que consegui ler de sua expressão. Não sabia o que estava se passando em sua mente ou em seu coração, apenas que não eram coisas boas, isso poderia garantir. Foi quando Deku passou metade do papel rasgado para a sua outra mão, deixando as duas metades da carta juntas,

— Primeiro: o único “arrombado” aqui é você. — Ele praticamente socou a carta em meu peito, os dedos vermelhos pela força que usava no punho fechado. Apenas com isso dava para ver a clara raiva que Izuku tentava conter. — Em segundo: vai se foder, e em terceiro; para de gritar no meio do corredor.

— Você ainda não respondeu a minha pergunta...

E se importar também não parecia a sua prioridade no momento, uma prova disso era que ele simplesmente largou o resto da carta rasgada em minhas mãos antes de passar por mim, dando as costas sem nem olhar para trás.

A dor que senti com isso foi maior do que quando o vi rasgar as cartas, e, somando as duas coisas ao mesmo tempo, era óbvio que estava longe de ficar “tranquilo” com toda a situação. Droga, não era para as coisas seguirem aquele caminho, não era para me importar, não era para ele entender daquela forma maldosa, não era para tudo dar tão errado naquele dia.

Era apenas para tudo ser uma simples brincadeira, nada além disso.

No segundo ano, exatamente no segundo ano, Deku acabou de descobrir a verdade sobre as cartas, ainda que as pessoas em volta não tivessem entendido nem um por cento do que acabou de acontecer. Mas, foda-se se elas entendessem ou não, aquilo não consertaria o desentendimento entre mim e ele.

Apenas por um deslize, e um pequeno deslize insignificante, todo o meu mundo desmoronou de uma hora para a outra. Nunca me preocupei com pessoas mexendo nas minhas coisas e xeretando objetos pessoais alheios pois isso nunca aconteceu comigo antes, mas, por algum caralho de motivo, hoje a primeira pessoa a fazer isso tinha que ser ele, e, como uma piada sem graça, alguns dos mesmos papeis das cartas entregues tinham que estar na bolsa. Toda. A. Desgraça. Teve. Que. Acontecer. Hoje! Por que ele precisou mexer nas minhas coisas?! Por que, Deku?! Por que não poderia ser o Kirishima ou o Kaminari?! Por que você?...

Nunca foi minha prioridade me importar com o que iria acontecer mais tarde, nunca foi o meu objetivo deixar você saber. Mas que porra! Era algo simples, então por que precisou complicar tudo?

A história das cartas parou a partir daquele dia, justo na véspera de São Valentim. Agora que Deku sabia a verdade, aquele costume, quase que uma tradição, perdia a graça. Ainda assim, o estranho era que, mesmo depois daquela rejeição, o simples ato de “parar” parecia impossível, pois, querendo ou não, ainda que antigamente fosse mais vago o sentimento, nunca mentia em nenhuma das cartas que enviava para Izuku.

As declarações nunca foram falsas, os elogios nunca foram vazios, e a admiradora platônica, que deveria permanecer apenas no imaginário, nunca deixou de ser algo que se não eu. Todavia, do que isso importava mesmo?

Depois que Deku descobriu a verdade, apesar da minha vontade de escrever para ele ainda existir, a minha coragem foi embora por completo. Sentia a necessidade de demonstrar minhas emoções para ele, mesmo que com a desculpa anterior de que tudo não passava de uma brincadeira, porém, como poderia fazer isso agora? Ainda mais depois de presenciar o seu ódio.

Ah, sim, o ódio em seu olhar. A sensação de ser enganado, depois de tantos anos, por alguém que estava bem do seu lado. O irônico naquilo era que Deku não foi o único a se sentir enganado com essa farsa.

Mesmo assim, costumes do passado não poderiam ser deixados para trás de forma tão repentina. Ainda que cada carta fosse rasgada e jogada fora, não era como se pudesse simplesmente parar, e não iria, enquanto apenas eu, ele e o professor soubessem, não havia motivo para parar. Ou talvez, quando descobrisse da pior forma, que havia apenas um motivo:

— Eu já entendi a sua brincadeira, agora chega. — O mais surpreendente, não foi Deku se pronunciar depois de tanto tempo em silêncio, mas em como a sua voz soava calma e controlada, ainda que sua aura raivosa estivesse presente. — É sério, Kacchan, isso não tem mais graça.

— Por quê? Antes você gostava das cartas.

E então Izuku virou seus olhos em minha direção, de maneira discreta, não que realmente precisasse, já que voltávamos sozinhos de metrô para casa. Ainda assim, não pude deixar de notar em o quão sério estava, como se o seu antigo “eu” de um ano atrás não existisse mais, e agora Deku era uma pessoa diferente do qual costumava conhecer.

Aliás, esse era um desconforto que não conseguia evitar de sentir, da impressão de nunca o conhecer realmente. Antes daquele dia, pensei que finalmente tinha voltado com a nossa amizade e que tudo estava bem, no entanto, quando fiquei em presença do seu ódio, de seu rancor sobre mim, a pergunta que não para de me aterrorizar era: “será que o conheço de verdade, ou me idealizei tanto naquela fantasia que não conseguia mais sair?”

A única coisa que queria naquele caralho era de ter certeza de alguma coisa.

— Isso foi antes de descobrir que você as escrevia. — Sua resposta carregava um tom, ainda que sutil, de rancor com o propósito de me causar desconforto. Pois bem, ele conseguiu. — Sério, qual a graça de ter todo esse trabalho para zoar com a minha cara?

— Eu não estava zoando com a sua cara. — Aquilo não pareceu ter o convencido, já que seus olhos se estreitaram, mas não era como se pudesse convence-lo a acreditar em mim, de qualquer forma. Querendo ou não, Deku estava com a razão de permanecer desconfiado, porém isso não me faria desistir tão facilmente dele. — Apenas queria que ficasse feliz com isso.

— Oh, sério? Estou tão feliz... — Não precisava ser nenhum gênio para perceber o sarcasmo em sua voz e, na medida que isso me deixava preocupado em relação a Deku, também começava a me irritar pela sua teimosia. — Não sei se percebeu, mas não nasci ontem, Kacchan.

— E eu nunca disse que nasceu... — Acabei por responder quase que na mesma grosseria, porém um pouco mais controlado. Meu propósito não era começar uma nova discussão, não igual na escola. — Não importa se você acredita em mim ou não, mas tudo que escrevi era verdade, em todas elas.

Silêncio, e então Izuku voltou a olhar para frente com sua expressão neutra. Nesse momento, era difícil ler os seus pensamentos, principalmente para quem, durante a vida toda, tinha expressões e emoções tão legíveis e que qualquer um poderia decifrar.

E claro que não conseguir entender as emoções de Deku no momento era, no mínimo, preocupante, como se não bastante todas as outras coisas que não sabia sobre ele.

— Tem alguma garantia de que posso confiar em você? — A pergunta me pegou de surpresa pois, de forma estranha, ela não parecia apenas séria mas... preocupada? Talvez até um pouco triste, não poderia ter certeza.

Pensei um pouco sobre isso. “Uma garantia?” Não era como se pudesse pedir para Izuku acreditar e confiar em mim de uma hora para outra, contudo também não queria que tudo fosse deixado de lado, como se não tivesse significado nada. Era um sentimento confuso, estranho, sem uma definição concreta para representar essa situação. Agora, bem no segundo ano, era tarde demais para dizer que tudo não passava de uma simples “brincadeira”, coisa que claramente não era.

Gostava muito de Izuku para deixar as coisas passarem batido.

Em reflexo, sem pensar muito bem no que estava fazendo, acabei segurando sua mão. A reação de Deku foi imediata, surpresa e ao mesmo tempo assustada, as bochechas mais coradas do que deveriam, correndo o risco de chamar a atenção de quem nos visse. Ainda assim, não disse nada, mesmo surpreso e encarando nossas mãos como se não pudesse acreditar, e depois me encarando, e então encarando a minha mão de novo.

— Isso já é garantia o suficiente para você? — Perguntei, mesmo sabendo que Deku continuava transtornado demais para responder qualquer coisa. — De qualquer forma... — Continuei, ignorando sua ausência de resposta. — A decisão continua sendo sua, sabe.

Seguimos o resto do caminho em silêncio, no entanto, diferente de antes, não era um silêncio desagradável e nem pesado, se tornando algo até natural, como se já tivéssemos feito isso várias vezes antes. Não importava de verdade, enquanto durasse, não iria me importar com mais nada.

 

— Acho que agora me lembro.

— Do que? — Questionei, não parando de subir a pequena montanha, tomando cuidado a cada passo a medida que também tentava prestar atenção em Izuku, apesar de que tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo, ainda mais no escuro, era um tanto arriscado.

Não que estivesse completamente escuro, faltando poucos minutos para as seis da manhã, já se podia ter uma boa visão da trilha da montanha e de onde nossos pés pisavam. Como fazer esse tipo de passeio nos dias livres era comum para mim, não encontrava muitas dificuldades e, apesar daquela ser a primeira vez do Deku, ele até que se acostumou bem ao meu ritmo, o que deixava a caminhada, de certo modo, agradável.

Aquela era a primeira vez, com exceção das vezes em que Kirishima me acompanhava, que subia a montanha com outra pessoa. Não poderia ser por outro motivo, como o primeiro dia pós Ano Novo, queria ver o nascer do sol com outra pessoa, alguém que fosse realmente especial para mim. Então, quem eu pediria para passar esse tempo comigo, de todas as pessoas que conhecia, se não Deku?

— Já se esqueceu? Você mesmo comentou sobre: “foi algo que aconteceu na infância, mas não lembro exatamente como”, depois da nossa conversa, lá pela metade do ano passado. — Depois de Izuku informar isso, consegui relacionar sobre o que ele queria dizer, fazendo um sinal para que continuasse. — Não tenho certeza, mas acho que foi uns meses antes de você e todo mundo manifestar as pecualidades. Não se lembra?

— Francamente? Não. — Respondi seco, podendo ter corrido o risco de soar um tanto quanto insensível, não que fosse o caso. Em primeiro lugar, se não me importasse realmente com ele, essa história das cartas nunca teria começado, mas detalhes como e por que comecei com isso não tinham mais tanta relevância agora. Num pequeno momento de distração, Izuku acabou pisando em falso, mas para a sua sorte, estava bem do seu lado, conseguindo segura-lo a tempo. — Hey! Cuidado onde pisa, nerd de merda.

O pedido de desculpas de Izuku acabou saindo um tanto sem graça, talvez um pouco constrangido por ter sido salvo de uma coisa tão boba quanto uma pequena queda.

— Você tinha ficado com pena de mim. — Voltou ao assunto, falando de peito cheio, como se estivesse sentindo orgulho. — Aquilo foi muito fofo da sua parte.

— Não me lembro disso. — Neguei o fato, mesmo que estivesse começando a me lembrar. — Não, nunca senti pena de você.

— Bem, naquele dia você sentiu. — Andando mais um pouco, o ponto alto daquela montanha estava começando a ficar visível, mesmo que ainda de noite, mostrando que não demoraria muito para chegarmos no nosso destino. — Me lembro de que, quando você recebeu um monte de cartas, e eu fiquei sem nenhuma, você pegou o primeiro papel e giz que viu e então desenhou um coração para mim, já que ainda não sabia escrever naquela época.

— Bobagem, nunca faria esse tipo de coisa. — Izuku soltou uma pequena risada, o que me fez parar de caminhar para encara-lo. — Qual a graça?

— É que, mesmo depois de ter recusado, você guardou o papel na minha bolsa quando não estava olhando, e ele acabou ficando amassado enquanto voltava para casa. — A simplicidade do qual Deku tinha para dizer aquelas coisas era tanta que acabava me deixando sem jeito para responde-lo, não restando outra opção sem ser negar ou deixar com que ele continuasse. — Sabe, ainda mantenho aquele desenho guardado até hoje.

— E por que você manteria um papel velho guardado?

— Por que ele é especial para mim. — Mais uma vez, de uma forma que não esperava, Izuku conseguiu me deixar sem graça, tão sem graça que acabei deixando-o passar na minha frente na trilha enquanto permaneci parado. Porém, não continuei assim por muito tempo, já que precisava acelerar o passo para alcança-lo. — Parece que chegamos, Kacchan.

E, de fato, conseguimos chegar no topo da montanha a tempo. Sentamos ali e, como se tudo tivesse sido planejado para nós dois, o sol começou a nascer no horizonte, iluminando os prédios de uma pequena cidade não muito longe dali. Logo em seguida, os primeiros raios de sol começaram a iluminar o templo vazio, um pouco abaixo da montanha, e trazendo uma sensação de paz e tranquilidade para todo o lugar.

Deku acabou encostando sua cabeça em meu ombro, em resposta, também acabei me apoiando nele. O silêncio entre nós, a calmaria, a ausência da necessidade de trocar palavras. Não precisávamos de nada disso, apenas da companhia um do outro enquanto aproveitávamos a primeira visão da manhã do Ano Novo.

Depois de tudo que vivemos, era irreal demais acreditar que aquele seria o nosso último ano na Yuuei e, em um curto período de alguns meses, nos tornaríamos heróis de verdade. Parecia que tudo não passava de um sonho, um sonho que não queria nunca acordar.

Fechei os olhos por um momento, sentindo a brisa gelada tocar em meu rosto e o ar entrar sutilmente em meus pulmões. Nossas origens, brigas e conflitos não importavam mais, nosso passado não significava mais nada. A única coisa importante era o nosso futuro juntos, e em como nossos sonhos iriam se completar e se realizariam ao mesmo tempo.

Senti a ponta de alguma coisa cutucar o meu nariz, quando abri os olhos, me deparei com um pequeno envelope branco nas mãos de Deku. Em um primeiro momento, me indaguei sobre o que era aquilo, porém ainda o peguei com certo cuidado e, em seguida, olhei para Izuku, perguntando o que seria aquilo.

— Apenas abra-o. — Foi o que me respondeu.

Como ordenado, abri a carta, tirando de dentro do envelope um papel dobrado ao meio. Quando o desdobrei, não pude evitar de enrubescer, assim como me engasgar ao mesmo tempo em que deixava um sorriso bobo aparecer. Era a cara daquele nerd de merda ser tão irônico, e tão fofo, ao mesmo tempo.

— Feliz Ano Novo, Na. Mo. Ra. Do. — Murmurou Izuku, próximo ao meu ouvido, e não pude evitar de sentir um arrepio com isso.

Virei meu rosto em sua direção, nossos narizes próximos, nossos lábios quase se tocando, bastando apenas um pouco para que ficassem juntos. Conseguia sentir sua respiração leve ao mesmo tempo em que prendia o meu folego com aqueles olhos brilhantes, me perdendo neles como se estivesse no mais profundo oceano, se tornando quase impossível de retornar a superfície.

— Feliz Ano Novo, nerd de merda. — Respondi e, exatamente um segundo depois, me aproximei mais dele, sumindo com toda a distância que nos separava, em todos os sentidos possíveis.

Agora, aquela era uma brincadeira que nós dois poderíamos brincar.


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