Fenda Mesozóica escrita por carlotakuy


Capítulo 4
[4/4] – Capítulo IV




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765329/chapter/4

Eles se embrenharam entre as árvores numa fuga desajeitada enquanto ouviam os rugidos e gritos desesperados dos dinossauros. Thiago e Isabela pararam somente quando deram de frente a uma enorme rocha, impossível de pular ou escalar, e encurralados se entreolharam desesperados.

— O que fazemos agora?

— Nós precisamos...

— Subir em árvores?

— Não, não é seguro, podemos cair caso eles a derrubem.

— Subir essa maldita pedra não dá – chiou – estamos presos! Vamos morrer!

— Calma! Preciso pensar.

Ele puxou o mapa do bolso, mas molhado como estava, mostrava de forma turva a entrada próxima, sem qualquer exatidão, que era exatamente o que eles precisavam.

— Pense logo então – ela encostou o corpo na rocha, vendo, a poucos metros, o grupo de herbívoros se aproximar – porque se não formos mortos pelos dentes daqueles ali, com certeza seremos pelas patas dos outros.

Thiago respirou fundo e tentou pensar rápido, voltando a enfiar o papel de volta ao bolso. A rocha a sua frente se esticava para os dois lados, ambos sumindo de vista e com protuberâncias que os forçariam a retroceder muito.

Soltando o fôlego ele puxou Isabela consigo, desta vez pela mão, que ela entrelaçou a sua no medo de se soltarem. Thiago os guiou pelo lado direito e colados à grande pedra eles voltaram por onde vieram, ainda ouvindo os passos pesados e os rugidos próximos e escondidos pelas árvores, que caiam uma a uma na aproximação deles.

A tensão era palpável e a cada passada, mais medo e nervosismo se instalavam dentro da jovem. Em determinado momento Thiago parou e Isabela quase o beliscou pelo ato, mas no instante seguinte percebeu o porquê dele o ter feito.

Um Edmontosaurro voou na direção da rocha bem a frente da dupla, partindo-a em pequenos pedaços no local da colisão. O animal gritou de dor, machucado, e Isabela sentiu seu estômago se revirar em medo, pavor e tristeza.

Passos pesados se aproximaram e Thiago a puxou para o lado oposto, afim de voltarem, porém tarde demais. As narinas do Tiranossauro exalaram um vapor quente sobre eles, mas o animal ainda parecia perdido e aturdido, procurando, aparentemente, o dinossauro ferido.

Lentamente Isabela puxou o garoto e juntos deslizaram para debaixo do corpo em agonia do Edmontosaurro. Sem saber se era uma boa ou péssima ideia eles se espremeram entre a rocha e o animal, esperando que o mesmo os encobrisse.

Ao longe mais um rugido soou, se aproximando em passadas pesadas, e a multidão de herbívoros parecia se afastar cada vez mais. A garota prendeu a respiração fechando os olhos. Seu corpo estava contra a rocha irregular e ela sentia as pontas da mesma lhe arranharem a pele do braço.

Thiago estava na sua frente e ela podia sentir o calor do corpo dele, a tranquilizando e protegendo de qualquer dinossauro que os avistasse, ainda que ao mesmo tempo ele estivesse tremendo pelo medo que o envolvia.

O garoto respirou fundo pela terceira ao ver, pelo espaço minúsculo que haviam passado, dois dos grandes e perigosos dinossauros se aproximarem. Eles pareciam se comunicar, com rugidos e sons nasalados, dando tempo o suficiente para ele pensar em algo.

E Thiago pensou quando viu os mesmos se afastarem brevemente, como que em busca de outra presa. Virando-se para Isabela ele tentou ensaiar dizer alguma coisa tranquilizadora, mas ao ver seus olhos mão conseguiu pensar em mais nada.

— Nós vamos sair pelo outro lado – disse baixinho – eles estão se afastando, só precisamos correr e encontrar a fenda, ela está em algum lugar nessa rocha.

— Eu odeio os momentos em que você não consegue ser específico – ela sussurrou tentando controlar a respiração ofegante – onde ela está?

— Eu não sei, tá bom? Ou vamos sair e tentar a sorte ou ficar aqui e morrermos assim que eles atacarem nosso amiguinho – apontou para o dinossauro que parava lentamente de agonizar.

O olhar sério que ele lhe direcionou fez Isabela revirar os olhos.

— Você já me deu a alternativa de sair ou morrer antes.

— E qual a sua resposta agora?

Ela o empurrou levemente.

— Vai rápido ou se não eu mesma te lanço para aqueles... bichanos.

Thiago quis sorrir mas sem relutância fez o que ela pediu e juntos eles deslizaram para fora do espaço apertado. Com luz suficiente pra conseguir enxergar alguma coisa na sua frente Isabela reparou no estrago na roupa de ambos, sujas e rasgadas, e desejou apenas chegar em casa.

Para sua família, seu irmão e sua falecida avó.

Nunca na vida desejou tanto algo.

— Vamos – sussurrou o garoto – devagar, para não chamar atenção.

Ela assentiu ao comando e seguindo-o de perto, caminhou ao redor da rocha. O olhar de Thiago revezava entre a floresta e a pedra logo ao seu lado, apreensivo e determinado.

Seus passos eram como plumas, silenciosos e meticulosos, mas na velocidade que iam o Edmontosaurro mal saia de seu campo de visão e os sons amedrontadores dos carnívoros só se tornavam mais altos e estridentes.

E foi em um desses rugidos, tão próximos, que eles foram surpreendidos. O animal ao seu lado abriu a enorme bocarra, mostrando com destaque seus dentes afiados, e rugiu na direção da dupla ao identificá-los como presas.

Thiago não precisou dizer nada para que começassem a correr, desesperados, por suas vidas. O Tiranossauro os observou correr por míseros segundos antes de iniciar uma perseguição.

As mãos da dupla ainda permaneciam juntas, ao menos até o garoto soltar a de Isabela e lhe gritar, tão próximo e alto quanto poderia.

— Corra, eu dou um jeito nele.

— Ah não! – ela esbravejou de volta – não venha bancar o bom samaritano agora garoto!

Ele sorriu de lado, sentindo pesar em seus olhos sua própria escolha.

— Não me olhe assim! E não ouse ficar para trás!

Isabela tentou agarrar a mão dele de volta, mas o mesmo se esquivou.

— Você não manda em mim.

Seu tom foi sério, ainda que o sorriso em seu rosto quisesse transmitir divertimento, e indo contra tudo que a garota dissera ele a empurrou para dentro de um conjunto de arbustos, e a mesma rolou na grama fina.

Thiago permaneceu a correr, trazendo consigo o enorme bichano e Isabela praguejou ao se sentar atordoada pelo baque, vendo-o se afastar e ser quase alcançado pelo dinossauro.

Em meio aos xingamentos que direcionava ao garoto Isabela avistou logo a frente, na rocha que estavam procurando, uma pequena brecha. O formato desregular lhe dava invisibilidade em comparação ao todo, mas o vento que saia dela dizia outra coisa para a jovem.

— A maldita fenda – sussurrou para si mesma.

Isabela levantou cambaleante. Podia simplesmente se jogar lá dentro e estar longe, finalmente, daqueles carnívoros terríveis, mas contrariando seus instintos de segurança ela gritou bem alto e sem tentar pensar muito, cravou sua próprias unhas em sua perna.

A garota arranhou-se, fazendo o sangue escorrer por sua pele, e grunhiu de dor ao sentir a queimação do corte. Mas quase que instantaneamente, respondendo aos seus atos, o Tiranossauro voltou seus olhos e narizes em sua direção.

Isabela quis sorrir, mas não teve tempo, pois logo o dinossauro desistiu do garoto insosso que perseguia para abocanhar a jovem bem mal passada a sua frente.

Thiago a xingou de onde estava e voltou correndo em sua direção, logo atrás do animal sedento. A garota correu como pôde, sentindo pesar a perna recém ferida, mas com poucos segundos de correria, algo deu muito certo em todo o plano maluco da mesma.

Ela esperava que em vez do garoto o Tiranossauro viesse atrás dela, e até aí tudo bem, estava tudo indo muito certo. Mas a parte em que Isabela se salvaria ainda não tinha sido formulada e ocorreu da forma mais inesperada possível.

O segundo Tiranossauro se lançou sobre o primeiro, com dentes e garras, pronto para lutar pela presa. Foi observando-os que Isabela parou de correr para longe e os contornou, cuidadosa, enquanto a dupla se rasgava e grunhia entre si.

Os olhos de Thiago, que parou a poucos passos dos dinossauros, saíram da luta direto para a jovem que agora corria em sua direção, com sangue na mão e na perna, e uma expressão de raiva que o fez pensar duas vezes sobre deixá-la alcança-lo.

Mas Isabela não precisou de muito porque assim que ela se afastou, os brutamontes desistiram da briga interna e se lançaram na direção de ambos, numa competição de quem conseguiria a refeição primeiro.

E logo eles estavam juntos de novo, correndo lado a lado, numa discussão ferrenha.

— Você está louca?!

— Eu? Você que é um imbecil!

— Por que eu sou um imbecil? – esbravejou.

— Você poderia estar salva se não tivesse...

Thiago foi calado quando ela o empurrou para o lado e ambos caíram dentro da rocha por uma brecha lateral. O chão da parte de dentro era íngreme e juntos eles rolaram, sendo melados por poeira e terra, até a parte mais plana da entrada.

Lá atrás ainda estavam os dinossauros, rugindo, indignados, com a perca da refeição, mas tudo que Thiago conseguia ver era o olhar felino e repleto de raiva da garota a sua frente.

— Eu estaria salva sim! – retrucou assim que eles se estabilizaram no chão – Mas não teria nenhum sentido se você também não estivesse!

Ela o desferiu socos e tapas, sem qualquer grau de intensidade, e foi interceptada pelo mesmo, que ainda aturdido tentava processar o que havia e o que estava acontecendo.

— Você é um idiota! Um imbecil! Estúpido! É isso que você é, um estúpido!

— Calma, eu...

Thiago foi calado por um beijo. Ele não teve qualquer chance para conseguir discernir o que estava realmente acontecendo, e apenas a retribuiu, com tanta intensidade quanto ela se impunha.

Depois dos lábios se separarem, os xingamentos continuaram, e Thiago sorriu ao vê-la esbravejar os piores adjetivos que encontrava para ele, ainda que seu rosto estivesse completamente corado e os olhos marejados em lágrimas.

— Isabela, por favor, pare um pouco!

Isabela se calou ao ouvi-lo, mas antes de rebatê-lo sentiu os lábios dele contra os seus e sem demora os aceitou, em mais um beijo profundo.

— Pelo amor de Deus, fique calada por pelo menos cinco minutos – sussurrou contra a boca dela, a tomando de volta em seguida, antes de qualquer resposta.

Quando o beijo cessou e os olhos se encontraram, o garoto sorriu de imediato, sendo retribuído com um soco sem força e um sorriso fechado.

— Você é um idiota.

— Eu entendi, eu sou um idiota e você salvou a minha vida, obrigado.

Isabela amoleceu o olhar e o corpo, sentindo toda a adrenalina amenizar ao olhar naqueles olhos tom de mel.

— Eu só fiz o que eu queria, só isso – resmungou baixinho.

Thiago riu e a puxou pela mão para si. Ela cambaleou sentada no chão para cima dele e apoiada em seus braços a garota afundou nos mesmos.

— Ainda bem que você está aqui – disse num sussurro contra a roupa suja do jovem.

Ele sorriu e a abraçou, sendo retribuído. Todo o calor que aquele corpo possuía inundou Isabela, que o apertou ainda mais contra si. O silêncio do lugar era confortável em comparação ao terror que sofreram segundos antes, e aquilo a confortava.

Mas não tanto quanto aquele garoto na sua frente.

— Temos ir – disse a contragosto se afastando do mesmo – minha perna está doendo.

Como que num flash Thiago se lembrou do ferimento que ela havia feito em si mesma e a ajudou a levantar.

— Consegue andar?

— Eu arranhei minha perna, não a joguei fora, por favor.

Ainda sem querer o garoto riu a apoiando consigo para fora da escuridão da caverna-fenda, em direção ao vento agitado que se debatia sobre eles.

— O que você estava pensando quando fez isso em si mesma?

— Em você – resmungou – idiota.

Thiago se calou, ainda com um sorriso. Era terrível vê-la machucada daquele jeito, mas estar vivo era extremamente gratificante.

Quando ele enxergou sangue no momento em que corria dos Tiranossauros sentiu o coração vacilar, e ainda mais ali, tão perto, vendo os filetes escorrem perna a baixo.

 Seu  estômago embrulhava em pesar.

Em questão de minutos entre uma curva e outra eles saíram da caverna, direto na floresta, que ainda era atacada pela chuva fria e grossa. Isabela olhou para Thiago instantaneamente.

— Será possível que...

— Não se tenha passado mais do que alguns minutos? – concluiu o garoto encarando as copas sendo açoitadas – sim, é possível, mas antes de tudo...

Thiago esticou a perna de Isabela para fora da coberta e deixou que a chuva fria limpasse o ferimento. Ela se agarrou a sua blusa rasgada, quase o machucando com as unhas grande, mas ele se manteve firme, ainda que a ouvindo chiar em desgosto.

— Cadê aquela garota selvagem? – perguntou brincalhão tentando desviar sua atenção.

— Ela vai te matar – lhe resmungou, entredentes o fazendo rir.

 Depois de alguns minutos tendo a perna atacada pela água gélida e de ver Thiago examinando seu próprio arranhão, Isabela sorriu consigo. Era surreal estarem vivos e ainda mais terem estado, minutos atrás, no mundo dos dinossauros.

Tudo caia como concreto sobre sua cabeça agora e ela tentava focalizar em ficar calma, enquanto observava o garoto ao seu lado, murmurando que o ferimento era feio, mas que melhoraria logo se bem tratado.

Isabela ainda não sabia o porquê de tê-lo beijado, mas sequer se arrependia de tê-lo feito. A sensação de ter sua boca contra a dele ainda permanecia ali, em seus lábios, sempre que ela sentia o calor dele tão próximo.

E ele era realmente quente, ainda encharcado por frias rajadas de vento. As mãos mornas que avaliavam cuidadosas sua perna era um contraste delicioso contra o gelo do lado de fora.

Ela não queria que Thiago a soltasse.

Isabela só parou com os pensamentos sobre o garoto quando viu um guarda-chuva amarelo surgir por entre as árvores trazendo consigo um garoto baixinho e gordinho, que chamava, incessantemente, seu nome.

— Isa! Isa! Isa-be-la!

A atenção de Thiago caiu sobre o mesmo e ele sequer teve tempo de perguntar alguma coisa a garota, que correu em disparada até o irmão.

Caio a viu de longe e também correu, jogando a proteção de lado e se lançando sobre ela na chuva fria. Abraçados fortemente Isabela chorou, enquanto o irmão, sem entender nada, apenas a apertou ainda mais.

A garota se sentia alivia em estar ali com seu irmão novamente. No abraço dele ela prometeu ser melhor para ele, para sua mãe, para sua família. Ela tentaria o seu melhor para não ser egoísta e deixar de lado as coisas importantes.

Naqueles míseros segundos Isabela prometeu o mundo ao seu irmão menor.

— O que aconteceu? – perguntou o menino, se afastando brevemente da mesma – O que fizeram com você? Você nunca me deixa te abraçar assim!

O comentário de Caio a fez rir e ela novamente o abraçou apertado, o esmagando contra si mesma.

— Eu te amo, está me ouvindo? Eu te amo.

O garotinho riu e a abraçou de volta, desengonçado, a fazendo rir.

— Eu também Isa, eu também.

No meio do encontro entre irmãos o guarda-chuva voltou a cobri-los, cessando as gotas que caiam frias. Carregando ele estava Thiago, com um sorriso fechado para com a cena.

— É melhor irmos ou todos nós vamos pegar um resfriado.

Isabela assentiu e com a mão entrelaçada a de Caio, entrou debaixo do grande guarda-chuva.

— Quem é esse? – o pequeno cochichou com a irmã.

O garoto sorriu.

— Sou o novo amigo da sua irmã – se apresentou com um afago no ombro do menino – meu nome é Thiago, e o seu?

Caio sorriu, com seus dentes faltando.

— Caio. Você é amigo da Isa? Como consegue? Ela é tão chata!

— Ei garotinho – Isabela apertou o nariz do mesmo.

Ele chiou indignado e em seguida voltou-se para Thiago, apontando para a irmã.

— Viu?

A dupla riu e juntos eles começaram uma caminhada em direção a casa da garota, que guiava Thiago após terem se localizado na floresta. Lentamente os pingos foram diminuindo e afinando.

— Onde você estava? – perguntou o pequeno depois de longos minutos de caminhada – Te procurei por todo lugar!

A garota olhou para Thiago e vice-versa. Dando de ombros o mesmo deu carta branca a jovem sobre o sigiloso mundo dos dinossauros, mas ao invés disso, Isabela piscou para o irmão, fazendo sinal de silêncio.

— Não vou contar.

Caio fez expressão de tristeza, mas Isabela o afagou os cabelos castanhos em seguida.

— Mas quem sabe um dia eu te conte, se você manter segredo sobre isso aqui – indicou a sua roupa rasgada e suja, assim como o arranhão na perna – da mamãe e do papai.

Caio sorriu animado com a possibilidade e piscou para a irmã, aceitando o trato de confidencialidade.

— Vocês são parecidos – comentou Thiago.

Isabela sorriu para ele, quase orgulhosa das palavras do mesmo, e ele admirou extasiado sua beleza. Seus olhos grandes e verdes, os cabelos já novamente amansados pela água e o sorriso que ele gostava tanto.

Mas antes que ela o respondesse, lá estavam eles, de frente a casa da mesma, enquanto a chuva afinava quase parando.

— Chegamos – cantarolou o menino.

Isabela assentiu.

— Por falar nisso, por que estava atrás de mim Caio?

Ele deu de ombros.

— Eu queria brincar e você saiu cedo, então fui te buscar.

— Demorou muito pra me achar?

— Não – ele balançou a cabeça – por que?

A garota soltou um suspiro longo e de alívio pela percepção de que realmente haviam se passado poucos minutos desde que ela entrara na fenda.

— Por nada – afagou a cabeça dele – entre na frente, assim que me organizar vou brincar com você.

Caio sorriu animado e concordou com a cabeça. Se despedindo do estranho amigo da irmã ele entrou às pressas, nos seus passos desengonçados e agitados.

Assim que a cabeleira castanha dele sumiu pela porta, Isabela se voltou ao garoto, que lhe lançou um sorriso fechado.

— Aqui está – Thiago entregou o guarda-chuva a ela – acho que vou indo.

O coração da mesma apertou.

— Espere, eu...

Os olhos tom de mel pousaram dentro dos dela e Isabela não conseguiu formular nada para mantê-lo ali. Thiago pareceu perceber e sorriu mais abertamente, dando vez as covinhas em seu rosto.

— Nos vemos depois – adiantou-se o mesmo.

A garota entortou a boca fazendo-o rir.

— Não seja birrenta – ele deu um passo a frente, ficando próximo – você tem que cuidar da sua perna.

— Ok.

Thiago apertou o nariz da jovem.

— Somos vizinhos, não se preocupe, nos vemos depois – ele frisou e Isabela não teve como respondê-lo – até depois, Bela. Cuide bem disso aí.

O beijo que ele depositou na testa de Isabela só serviu para deixá-la vermelha e fazer o garoto se afastar com um grande sorriso no rosto. Ela o xingou antes dele sumir entre as árvores e recebeu como resposta um aceno animado.

Após longos segundos o vendo sumir e mais alguns se estabilizando na sua atual realidade, ela entrou em casa. Subiu às pressas para o banheiro e se trancou lá dentro.

Tudo que se passou nas horas em que ela esteve do outro lado da fenda se repetiu diversas vezes em seus pensamentos durante o longo banho que ela tomou. Os dinossauros, a floresta e a noite estrela que compartilhou com Thiago.

Ao lembrar do garoto ela sorriu e balançou a cabeça. Era como se tudo estivesse se revirado de cabeça para baixo, Matheus a traindo, se perder em um mundo pré-histórico e Thiago.

Fechando o chuveiro ela respirou fundo com um sorriso de orelha a orelha. No curto espaço de tempo que ainda tinha limpou o corte da perna, passando remédio e o cobrindo.

Usou uma calça pelo resto do dia e contou com Caio para manter segredo sobre as feridas. Ele prontamente aceitou e juntos brincaram tarde a dentro.

Isabela percebeu, bem a tempo, que estar com sua família era algo tão bom quanto sair por aí com seus amigos. Eram momentos suaves, de risadas sinceras e de brigas tão boas quanto as reconciliações.

Foi com essa nova visão que ela abraçou sua mãe na cozinha e disse que a amava e que jamais a deixaria sozinha. Foi com um sorriso de satisfação que ela observou seu pai chegar em casa com a caminhonete velha da família e o interceptou, com abraços e beijos, prometendo se tornar uma filha melhor.

Foi nesse misto de certezas que ela recebeu a visita de seu pai durante a noite, no quarto em que dormia sozinha. Charles bateu antes de entrar e caminhou lentamente até a cama da garota, que se encontrava enrolada no lençol e lia um livro qualquer.

O pai a examinou nos olhos e no rosto, por longos segundos, antes de suspirar.

— O que foi? – perguntou Isabela se remexendo no colchão – Estou tão feia assim?

O homem sorriu e negou com a cabeça, afagando os cabelos da mesma.

— Você é linda minha filha.

— Então já que me acha linda e maravilhosa, por que está tão tenso e escondendo esse papel no seu bolso?

Charles riu, desfazendo a tensão em seu rosto, e se acomodou melhor na pequena cama.

— Como...

 

— Consigo ler você facilmente – ela piscou – o que houve? Alguma coisa ruim?

A expressão no rosto de seu pai fez a jovem prender a respiração em expectativa.

— Na verdade, não sei. Isabela, veja bem, eu sei que você demorou muito pra superar a morte de sua avó e ainda está... nesse processo. – concluiu pausadamente com os olhos fixos no rosto da filha, esperando alguma reação – Mas organizando as coisas dela descobrimos isso daqui.

Charles tirou de seu bolso um papel meio amassado que Isabela identificou, após um segundo olhar, que era uma carta. O coração da mesma apertou assim que a viu.

— Ela deixou uma carta para você.

O homem se remexeu, inquieto.

— Eu e sua mãe discutimos muito sobre dá-la ou não a você.

Com delicadeza ele puxou a mão da filha, depositando a carta nela.

— Mas nós não podemos privá-la disso.

Isabela olhou para seu pai segurando o choro e ele lhe sorriu terno, a encorajando.

— Sabemos o quanto gostava dela e o quanto ela gostava de você. Possuíam uma conexão única, não podemos interferir nisso.

A jovem respirou fundo e assentiu. Seu pai tentou sair da cama, para deixá-la sozinha, mas a mesma o segurou e sentado ao seu lado ele esperou que a carta fosse aberta.

As mãos de Isabela tremiam, mas com pulso firme ela abriu a carta, visualizando, assim que puxou o papel para fora, uma bela caligrafia.
 

Querida Isabela,

Gostaria de estar com você agora e ver se cresceu tanto desde aquele último verão, se está tão bonita quanto sua mãe me fala e saber se já está namorando. Mas acho que, se essa carta chegou a você, eu já não vou poder saber essas coisas.

É uma pena, mas não se sinta triste. Eu não estou triste minha pequena. Vivi o suficiente e fui bastante feliz no tempo em que estive aqui nesse mundo, com sua mãe, com você, nessa cidade.

O fim chega para todos e, infelizmente, temo que ele chegue para mim em breve. Estou ditando esta carta para uma grande amiga que se dispôs a me ajudar a escrevê-la e não quero deixá-la triste ao ponto de lhe fazer chorar.

Eu tenho um chamado, minha neta, uma coisa que só eu posso fazer e espero que algum dia você possa me perdoar por ter ficado nessa cidade pequena e isolada do mundo.

Tenho certeza de que grandes coisas esperam por você e ainda que eu não esteja mais aqui, saiba que a apoiarei de todo meu coração. Eu a amo, minha neta, você é uma das coisas mais preciosas da minha vida..

Então viva a sua vida do seu jeito, com suas escolhas e não a dos outros. Trilhe seu próprio caminho.

Com todo amor do mundo,

Isabel Oliveira.

Quando chegou ao final Isabela chorava copiosamente. Durante boa parte daquela noite ela permaneceu assim, abraçada ao seu pai e com as palavras da carta ainda ressoando dentro de sua cabeça.

Ela visitou o túmulo de sua avó no dia seguinte e pediu perdão por sua displicência, e agradeceu, imensamente, por ter tido ela em sua vida. Prometeu, sob a cruz de seu túmulo, que faria seu próprio caminho, assim como ela havia feito o dela.

Na segunda noite depois de sua volta da fenda pré-histórica, Isabela sentou no sofá da varanda sentindo os arranhões doerem com o contato do tecido calça. Ela foi muito bem sucedida em esconder as feridas de sua família, mas sempre tinha que suportar, calada, quando a cicatrização começava a se fazer presente.

E naquela noite, sozinha na varanda mal iluminada, ela assoprou suavemente a xícara de café pensando no que faria em seus próximos dias naquele lugar isolado.

Após longos segundos de um silêncio tranquilo algo nos arbustos próximos chamou a atenção da jovem e com um sorriso de lado ela viu surgir, da escuridão, o sorriso que ela jamais esqueceria.

Depositando a xícara na mesa de canto ela se levantou e parou nas grades que contornavam a varanda, cruzando os braços e erguendo a sobrancelha.

— Você gosta de aparecer assim do nada ou é impressão minha?

Thiago a retribuiu com um dar de ombros e se aproximou, pulando a grande e se pondo ao lado da garota.

— Você me descobriu – elevou os braços com um sorriso – o que farei agora?
Isabela riu batendo nos braços dele.

— E então, como você está?

Ela sentiu o fazendo imitá-la.

— Estou bem e você?

Ele acenou um sim.

— E a perna?

Isabela fez uma careta e a mexeu, reforçando a irritante dor do arranhão.

— Melhorando aos poucos, com bastante remédio e curativo.

Thiago riu baixinho.

— Você é louca. Usar seu sangue para atrair o dinossauro?

Isabela bateu no mesmo.

— Olha quem fala – retrucou – saiu correndo para despistá-lo também.

Concordando e encerrando o tema o garoto a observou de cima a baixo, notando, com um sorriso, que ela usava os cabelos soltos lhe caindo os ombros. Quando ela o olhou, interrogativa pelos olhos dele em cima de si, o mesmo sorriu.

— Gostei do novo estilo.

Isabela sorriu.

— Ah, sim – ela passou o dedos por eles – eles estavam molhados, então...

— Seus cabelos combinam com seu rosto. Você fica muito bonita assim.

A garota riu e fez uma careta, apalpando os fios enrolados nas mão.

— Eu sei – murmurou.

O garoto riu e se encostou totalmente ao banco fitando despretensioso as árvores ao longe e o céu escuro, quase sem estrelas.

— Eu recebi uma carta deixada por minha avó – disse a mesma o acompanhando no ato – e chorei muito.

Thiago sorriu e a fitou, vendo-o vagar o olhar pelo chão de madeira sob seus pés.

— Chorar faz bem e você é uma menina forte.

— Obrigada pelas palavras – Isabela bateu o ombro no dele – eu estou sendo eu mesma.

Ele a fitou em confusão.

— Quero dizer – sorriu – peguei sua dica de “seja você mesma”, “seja sincera consigo mesma”, “faça o que você sente”, e tal.

— Uau, você decorou o que eu falei?

Isabela riu o levando consigo. Lentamente as mãos do mesmo envolveram a cintura da jovem, a puxando para si. Surpresa ela apoiou as mãos no ombro dele focando em seus olhos e seu sorriso brincalhão.

— Então isso quer dizer que o “faça o que você sente” engloba aquele nosso beijo?

Isabela abriu um sorriso de lado.

— Sim.

— E o que você estava sentindo?

— Adrenalina.

Ele se aproximou ficando a poucos centímetros de distância.

— E o que posso fazer para conseguir outro daqueles?

As palavras dele saíram baixas e sussurradas contra a boca de Isabela, que sorriu ainda mais abertamente, piscando e tocando levemente nos lábios dele com a ponta do dedo.

Se ela seria sincera consigo mesma a partir dali, se seguiria o que sentisse, então tinha que admitir: queria e muito beijá-lo.

— Você só precisa respirar.

Abrindo um sorriso ainda maior Thiago a apertou contra si.

— Com todo prazer.

Tomando uma longa respiração, que a fez rir, ele selou seus lábios e Isabela sorriu, boa contra boca, confirmando para si mesma o quão bom era beijá-lo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Dicas? Críticas? Comentários?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Fenda Mesozóica" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.