Paso Doble escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 4
Capítulo 04




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RAFAEL

O dia já estava no fim, mas eu queria que ele acabasse de uma vez. Estava morto de cansado; não aguentava mais fingir que me divertia e ficar brincando de família feliz o tempo todo. Essa história de passar muito tempo em Hollywood, afastado de casa, me deixou mal acostumado. Não estava a fim de me envolver nos problemas familiares como fazia antes, preferia que os adultos resolvessem seus próprios problemas. Tinha pena de Roberto, que carregava a carga de ser o filho mais velho e exemplo para Mercedes, principalmente porque ele não estava desempenhando aquele papel muito bem.

De qualquer forma, era muito cansativo interpretar um papel o tempo todo. Já tinha que atuar no trabalho, não pretendia fazer a mesma coisa em casa. Depois do jantar e do jogo de baralho e da apresentação musical, já não suportava mais nada naquele lugar e menti, dizendo que passava mal apenas para perambular por aí. Queria ficar sozinho, restaurar as energias e tirar as máscaras. Roberto entendeu que era mentira e que me acompanhar era uma péssima ideia.

O hotel era no estilo fazenda, enorme, cheio de áreas verdes e descampados. Parecia-se com um condomínio de luxo, mas com menos casas. Afastei-me das construções principais e observei-as de longe para ter nova perspectiva do salão principal e do prédio de apartamentos. Havia, mais ao fundo, outra construção que supus pertencer aos proprietários.

Do outro lado, havia o lago. Estava tudo escuro naquele horário e achei melhor não chegar muito perto. Segui uma trilha mal feita por entre algumas árvores até que as luzes do salão diminuíssem, quase desaparecendo, e outras tomassem o seu lugar. Fiquei surpreso ao ver um conjunto de casinhas de madeira e alvenaria, com telhados rústicos e pequenas varandas, todas iluminadas. Não fazia ideia do que fosse aquilo, mas o movimento era audível. Gente rindo, música, vozes misturadas, tudo que indicava uma festa ou diversão. Fiquei curioso e decidi me aproximar para espiar o que significava aquele espaço.

Só não consegui ver nada, pois mal me aproximei e fui puxado pelo colarinho e arrastado para um espaço aberto entre as casas. Um cara grande, moreno e com expressão irritada me segurava a ponto de me levantar do chão. E olha que eu era alto, não seria qualquer um a me pegar daquele jeito.

— Muito bem, o que você está fazendo aqui, garoto?

Tentei me virar para falar alguma coisa e pessoas começaram a aparecer de todos os lados. Muitas caras confusas que olhavam para nós tentando entender como e por que a briga tinha começado.

— Estou perdido. Afastei-me do hotel e não sei voltar.

Não era uma mentira muito difícil de sustentar, pois não tinha mesmo a intenção de aparecer ali. Nem sabia o que era ali.

— Conta outra porque essa é uma desculpa muito mal feita.

— Não é desculpa.

— Jordan, o que está acontecendo?

Aquela voz eu jurava que conhecia. Virei-me novamente, já que estava igualzinho a um móbile nas mãos do brutamontes que me interrogava, para vê-la chegar. Sua postura era de enfrentamento, ou seja, ela não estava nem aí para o tamanho e a força do meu agressor.

— Peguei esse pirralho espionando seu quarto.

— Eu não estava…

— Jordie, ele é um hóspede! — Ela nem me deixou falar. — Ficou louco?

— Ele pode ser o Rei da Inglaterra, ainda assim não tem o direito de invadir nossa privacidade.

— Solte o moleque, Jordan… ele é o dançarino que apareceu na aula, hoje.

O professor de dança saiu em minha defesa e eu nem o tinha visto, ainda.

— Era dele que você falava, no jogo?

— Sim, esse é o fedelho que colocou banca em Frances Mulray em uma aula de dança.

Ela bateu no braço do professor e estava irritada com a piada. O burburinho de vozes se transformou em risinhos e fiquei incomodado por ser motivo de chacota. Comecei a me debater, não estava acostumado a ser ridicularizado.

— Desculpem, sei que você está me defendendo, mas não sou um moleque ou um fedelho. Meu nome é Rafael Mendez.

— Como eu dizia, você pode ser qualquer um, ainda assim se meteu aonde não foi chamado. Agora dê meia volta e retorne para o colo da mamãe.

O tal Jordan me colocou no chão e fez um gesto com as mãos indicando que eu deveria ir embora.

— Vocês moram aqui?

— Qual parte do “vá embora” você não entendeu?

— Deixem de ser grosseiros. — Frances interviu novamente. — Diga-nos, Rafael, por que veio até aqui?

Olhei ao redor e deparei-me com algumas expressões curiosas que aguardavam a resposta. Boa parte do grupo já tinha dispersado ao ver que não era briga nem nada mais divertido, mas mesmo assim vários empregados ainda observavam o desfecho da confusão.

— Tédio. Não tenho muita afinidade com as propostas de entretenimento oferecidas pelo hotel, se me entendem.

— E acha que vai encontrar diversão aqui?

— Vocês pareciam estar se divertindo. O que faziam? Duvido que jogassem bacará ou fizessem mímicas.

— Estávamos bebendo, dançando e jogando pôquer, a dinheiro. Quer participar?

Dominic, o professor, desafiou-me. Ele não sabia com quem estava jogando, nem eu. Aquele era um momento de reconhecimento, talvez até mesmo uma disputa para determinar quem era o dono do território. Eram eles, claro, eu era um intruso que ainda não tinha descoberto o que estava fazendo por aquelas bandas.

— Ele não deve ter idade para beber.

— Ele não vai participar. — Ela determinou. Devo confessar que fiquei frustrado por ela achar que eu não estava no nível dos brutamontes. — Melhor voltar para o hotel, não queremos problemas porque hóspedes estão aqui.

— Os hóspedes não podem vir até aqui?

— Nunca nenhum se meteu no conjunto dos empregados. — Meu agressor considerou. Naquele momento, eu já estava com os dois pés no chão novamente. — Então, não fazemos a menor ideia.

— Não vou contar para ninguém que estive aqui. Eu gostaria sim, de beber, dançar e apostar alguns dólares; não vai ser um problema.

O professor passou o braço por meu ombro e me conduziu para onde estavam as luzes e a música. Tinha gente lá, dançando e conversando, divertindo-se, e o ambiente parecia muito mais legal do que o do hotel. Aquele espaço não parecia pertencer ao Keller. Percebi que Frances estava contrariada, mas não me importaria. Não precisava da aprovação dela para interagir com os homens, para agir como um. Estava cansado de ser chamado de moleque, garoto, menino ou qualquer outro adjetivo que indicasse que minha idade mental não passava de quinze anos.

— Você tem quanto para apostar, menino? — Jordan perguntou, arrumando as cadeiras da mesa de pôquer.

— Não trouxe dinheiro, mas tenho mil dólares no quarto.

— Se eu tivesse mil dólares para jogar, não estaria dando aulas em hoteis para hóspedes retardados. — Dominic disparou. — Menos, garoto. Uns cinquenta está bom, ou você quebra a banca.

Tudo bem, tudo bem, cinquenta dólares. Não podia mesmo achar que aquelas pessoas tinham dinheiro para apostar, eles eram trabalhadores assalariados de um hotel de luxo; não deviam ganhar muito mais que vinte mil dólares pelo verão. Eu ganhava aquilo por semana, muitas vezes por dia, e precisava lembrar sempre que nem todo mundo na California era rico ou vivia com fartura.

O mais interessante foi que eles não tinham qualquer garantia de que eu levaria o dinheiro depois, mas acreditaram em mim mesmo assim. Eu estava acostumado com a desconfiança e o ceticismo, aquela gentileza toda me assustava. Sentei-me e recebi as cartas, enquanto o movimento no quarto continuou sem que se dessem conta da minha presença. Também não me lembrava como era passar despercebido em qualquer lugar, então a noite seria divertida. Fosse o que fosse, tinha certeza que me divertiria bem mais tomando vinho barato com os empregado do que brincando de casinha com meus pais.


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