Reencontro escrita por Nanquim


Capítulo 1
Reencontro




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A rua fervilhava.

Jorge mancava pela multidão, usando a bengala para não tropeçar. Odiava ter que usá-la, mas, como seu filho fazia sempre o favor de lembrar, ele tinha quase noventa anos, e não era mais o jovem energético que conseguia ir correndo a qualquer lugar sem se preocupar com nada.

Não que Frederick II fosse muito jovem ele mesmo: tinha quase sessenta anos, pelos calções listrados de Merlin!

Parou no ponto de ônibus, apoiando-se contra a placa. Distraidamente, examinou os próprios pés, com sapatos sociais cor de vinho e meias vermelhas e douradas. Um presente de natal de Angelina, é claro.

Angelina...

Sentiu um aperto no peito ao pensar na esposa. Nos olhos pretos e brilhantes que sempre pareciam inevitavelmente felizes. Nos cabelos cheios que ela fazia questão de manter os mais armados possível. No sorriso bondoso e satisfeito que o conquistara tão definitivamente no quarto ano.

Ela já havia se ido há quase vinte anos, mas ainda doía como uma ferida recém-aberta.

Como seus pais. Como Charlie, Bill e Percy. Como Lee Jordan.

Como Fred.

Sentiu seus pulsos tremerem, mas não tinha nada a ver com a idade avançada. Trancou o maxilar e tentou refrear as lágrimas que faziam seus olhos arderem. Alguma coisa doeu profundamente em seu peito, mas ele a ignorou. Respirou fundo. O ônibus parou no ponto, e ele ergueu a cabeça, seus olhos esbarrando na janela escura.

Seu reflexo tinha vinte anos e duas orelhas.

Suas pernas bambearam. Confuso, sentiu o mundo girar. Recompôs-se pouco depois e se virou, largando a bengala e embrenhando-se sem dificuldades na multidão. Ouviu alguém gritar às suas costas, mas não ligou.

Continuou em frente, calmo e decidido, sentindo o cheiro de fumaça e ouvindo tudo mais alto, como se nunca tivesse perdido uma orelha.

À medida em que saía da cidade, as pessoas começavam a rarear. Os carros desapareciam, substituídos por árvores, o asfalto se tornava barro e o céu poluído dava lugar a uma imensidão azul e sem nuvens como um dia pleno de verão em Ottery St. Catchpole. Respirou fundo, sentindo o cheiro de ar puro e subitamente muito melhor, como se tivesse vinte anos de novo.

À distância, podia ver o desenho recortado d’A Toca. Já era quase meio-dia, sua mãe devia estar começando o almoço. Logo, Bill chegaria com Fleur, Charlie arrastaria o novo namorado casa adentro e Percy chegaria cheio de medo com Audrey.

Esse pensamento despertou-o.

Ele estava no centro de Londres, a quilômetros de qualquer tipo de periferia, quem dirá um lugar remoto como Ottery St. Catchpole. Ele não poderia ter chego lá tão facilmente, mesmo de ônibus. Um ônibus que ele nunca pegara.

E não andaria nem dois quarteirões sem sua bengala.

Onde diabos ela estava?

Ele a deixara no ponto de ônibus... Mas onde estava o ponto de ônibus? Olhou para trás, mas havia apenas a estrada de terra batida que levava para a cidade.

— Não se preocupe. Você não está louco. – a voz brincalhona vinha de um dos lados da estrada. Ele se virou. – Só morto.

Fred estava sentado nos galhos altos de uma das árvores que ladeavam a estradinha de terra. Usava uma camisa de uma banda muggle qualquer e uma calça jeans gasta, mas a capa e o sapato que usavam na Gemialidades Weasley. Seus olhos brilhavam brincalhões, como sempre acontecia quando estavam prestes a aprontar alguma em Hogwarts e os cabelos ruivos estavam bagunçados como se ele tivesse acabado de subir naquela árvore.

Talvez tivesse.

— Fred... O quê... Como...?

Franziu a testa, tentando em vão compreender. Fred riu e desceu da árvore com um pulo, parando à sua frente com um sorriso.

— Bom, quando um bruxo bate as botas, ele tem que ir a algum lugar. Bem-vindo a “algum lugar”.

Jorge piscou algumas vezes, tentando digerir tudo. Estava morto. Certo. E Fred estava ali. Quem mais estaria?

— Angelina tem sentido a sua falta. – o gêmeo pareceu ler sua mente, como de costume, e passou um braço por seus ombros – E até Percy já disse que esse lugar é bastante chato sem nós dois para aprontarmos. Mas você precisa ver o que eu e o Lee preparamos...

Passou um braço pelos ombros do outro, conduzindo-o pela estrada. Meio cambaleante, Jorge caminhou junto.

— Você está bem? – Fred parou, olhando-o com solidariedade – Eu lembro de como é confuso chegar aqui. E olhe que eu fui guiado por Dumbledore.

— Dumbledore? – Jorge massageou as têmporas – Eu só... Eu... Frederick...

— Ele vai ficar bem. – soava tão confiante que era difícil não acreditar – E acredite, ele logo vai estar aqui, antes que você perceba.

O recém-morto olhou em volta, admirando a paisagem um pouco mais. Era impossível que a estrada de terra de Ottery St. Catchpole onde ele crescera ainda era de terra e esquecida e exatamente como se lembrava. Mas ali estava. Respirou fundo, sentindo o cheiro claro e distinto de poeira e árvore, tão diferente do centro de Londres, onde morava desde os vinte e três anos.

Ainda assim, aquilo lhe lembrava indubitavelmente de casa.

Virou-se para Fred.

— Aposto que chego em casa antes de você.

— Ah, vai sonhando, velhote. – provocou o outro em resposta

Saíram correndo lado a lado, seus pés batendo na terra vermelha como nos velhos tempos. A poeira levantava-se ao seu redor, o vento soprava ao redor de seus cabelos, eles realmente tinham vinte anos.

O contorno alquebrado d’A Toca logo se tornou a própria. Pulou a porteira do quintal e parou, arfante, encarando a mesa posta sobre a grama verde e bem-cuidada. Alguns gnomos espiavam entre os arbustos, mas não o suficiente para que fosse necessária uma desgonomização ainda.

E colocando alguns pratos na mesa de toalha branca...

— Angel!

Ela se virou, surpresa, quando Jorge parou à sua frente, um sorriso de orelha a orelha cruzando seu rosto. A grifinória sorriu de volta e o abraçou com força, permitindo-lhe enterrar o rosto em seus cabelos.

— Você está bem? – perguntou, com os lábios em seu pescoço.

— Melhor agora.

— Ok, vocês podem se agarrar depois! – Fred riu, aproximando-se e jogando um balde de água fria na cena – Vamos entrar e dar oi à família.

Jorge revirou os olhos, mas Angelina apenas riu. Voltaram-se para a porta aberta da cozinha, mas Fred parou-os, segurando seu braço.

— Hey, Forge...

Ele se virou e, sem pensar, suas vozes se misturaram no ar, em uníssono perfeito:

— Senti sua falta.

Sorriram torto, como se prestes a aprontar uma, seus olhares encontrando-se em uma única frase silenciosa, igualmente uníssona, que nenhum dos dois precisava dizer.

“Eu sei”.


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Notas finais do capítulo

Os gêmeos Weasley sempre estiveram entre meus personagens preferidos e eu nunca consegui superar o fato de que o Jorge teve que continuar a viver sem o gêmeo.
De alguma forma, é isso o que mais me magoa na morte de qualquer um dos personagens: não que eles tenham morrido, mas que outros tenham ficado para sentir a dor de perdê-los.
Ok, anyways: gostaram? Odiaram? Podem me xingar ou elogiar nos comentários; não custa nada e me deixa bem feliz :3



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