Lugar nenhum; qualquer dia de qualquer ano.

Caro Doutor,

Olá! Como vai você? Vivendo uma nova aventura? Correndo perigo? Quantos rostos você já teve até agora?

Desculpe a falta de identificação. Talvez você tenha visto esta carta e pensado: “Remetente? Remetente quem?”

Hahaha. Desculpe, piadinha infame. Se é que você me entendeu, pois, me desculpe dizer, mas seu senso de humor sempre foi meio questionável, não importando qual rosto você vestia. O que quero dizer é que meu nome não é importante. Nomes são apenas convenções, como você deve saber bem.

Sabe, Doutor, um dia desses, eu estava olhando o céu. É, esse céu tão azul, vasto e inabalável à passagem do tempo. Não lhe lembra algo? Eu me pergunto se os Senhores do Tempo se inspiraram no céu ao construir suas Tardis.

Mas, como eu ia dizendo, eu estava olhando o céu e percebi uma coisa brilhante: as estrelas são minha máquina do tempo pessoal, sabe. Quando eu era apenas uma garotinha, eu as olhava e via as Três Marias, Órion e o Cruzeiro do Sul. Eu pensava: “uau” e me perguntava o que tinha além delas, onde ninguém nunca sequer havia espiado. Hoje, eu estou mais alta e meu corpo tem mais hormônios, mas, um dia desses, quando eu olhei o céu e vi as Três Marias, Órion e o Cruzeiro do Sul, todas elas ainda eram a mesmas. Iguais. Imutáveis. Infindáveis. E eu senti como se tivesse revertido àquela mesma garotinha que sonhava com o mundo.

Você se sente assim, às vezes, Doutor? Você já viu tantas coisas. Você viu estrelas nascerem e morrerem, viu planetas surgirem e sumirem, viu civilizações inteiras crescerem e depois caírem como poeira. Mesmo a espada mais afiada é envolta na bainha do tempo. Você já viveu muito mais do que a melhor expectativa para mim. Eu me pergunto se algo ainda pode surpreendê-lo.

É, caro amigo, porque não importa o quanto você possa viajar no tempo e no espaço e moldá-los à sua vontade, você nunca poderá voltar ao que era no começo, antes de tudo. Eis o problema da realidade: você sempre estará fadado a não ser mais o que um dia já foi. Todos os seus rostos já se foram, nenhum deles vai voltar.

Eu olho o céu insistentemente, nesta minha vida humana pacata e passageira, num canto deste planetinha, que gira ao redor de uma estrelinha, dentre outras muitas estrelas, numa pequena galáxia, entre muitas outras galáxias, neste universo prestes a desaparecer. Eu espero insistentemente que algo apareça, uma máquina do tempo, uma caixa azul, um homem muito velho. Eu espero por você para vir me buscar, me contar uma história interessante, me mostrar algo fantástico. Eu sei que você nunca virá. Infelizmente, sou do mesmo tamanho por dentro e por fora, e nem ocupo tanto espaço.

Meu coração não é maior que o mundo, disse o poeta, ele é muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. E eu só tenho um.

Tudo bem, Doutor. Não vou ficar frustrada pelo fato de que meu herói nunca virá me ver. Para você, eu já morri e ainda nem nasci. Você está muito além de mim. Mas vou guarda-lo no único coração que tenho, até que eu não o tenha mais.

Continue correndo, seu homem velho. Corra o máximo que suas pernas aguentarem. Voe. Fuja. E lembre-se, há sempre mais aventura amanhã... ou ontem. A ordem realmente não importa. Nomes também não. Para mim você é e sempre será o Doutor, herói, guerreiro, maltrapilho, zelador, marido de Elizabeth I, garoto esperto.

Se um dia se sentir sozinho e cansado, olhe as estrelas. Eu sempre estarei olhando para elas.

Esta não é uma carta de despedida para você, Doutor. É uma carta de consolo para mim. Eu só queria que você soubesse. Todos você.

Eu tenho que ir, o tempo é curto. Fique bem, Doutor. Ria, chore, corra, coma maçãs e continue. E, caso sinta-se entediado, venha me visitar. Eu vou estar esperando.

Com amor,

Sender who.