O Pesadelo de Jeremiah escrita por Catherine


Capítulo 1
Capítulo Único




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            Fogo. Gritos. Imensas chamas e almas a queimar. Um calor brutal e imenso.

            Abri os olhos completamente assustado, era a quinta vez que voltava a sonhar com o fogo do Inferno, e a cada vez me parecia mais real. Tive uma sensação pesada em meio peito e me concentrei na pessoa que estava mais próxima de mim, de que eu confiasse. Acabei achando Gabriel em algum lugar, e transportei-me para perto de si. Franzi a testa encarando-o, ele estava sentado no chão de mármore branco e olhava para algo na Terra de forma intensa. Sentei-me a seu lado e mirei-o por segundos, ele nem se moveu para me olhar uma vez sequer. Ergui uma sobrancelha curioso.

 

            - o que estás a ver tão atentamente, Gabriel? – isso pareceu capaz de captar a atenção dele, mesmo que por uns segundos, que voltou ligeiramente o rosto para encarar os meus olhos de um estranho azul-acizentado, antes de voltar a olhar para o mesmo local de antes. Os cantos de sua boca ergueram-se um pouco demonstrando um sorriso ingénuo mas presunçoso.

 

            - Angeline – fora a única coisa que dissera. Segui o seu olhar com atenção e vi-a, estava na praia, ria alegremente enquanto brincava sozinha na água do mar e molhava as suas roupas, mas não parecia importar-se com essa facto. Notei um brilho triste os olhos de Gabriel e fiquei imaginando o quão ele não deveria desejar estar perto dela. Foi quando notei em outras pessoas próximas a ela. Um gosto amargo e metálico preencheu a minha boca assim que o vi. Lúcifer. Parecera-me ainda mais ameaçador agora que o vira, após me serem contadas tantas histórias sobre si. Mas ao vê-lo rir enquanto Angeline se divertia, fez-me ficar confuso. Cassiel estava lá também, e teria gargalhado por ele ter finalmente ganhado a coragem de se aproximar de Angeline se Gabriel não estivesse a meu lado, visivelmente sofrendo. Fiquei a seu lado sem decifrar o que deveria dizer durante alguns minutos, mas o que sabia eu para lhe dizer? Como confortar aquele Arcanjo que sofria de amores por uma caída? Suspirei frustrado.

 

            - Gabriel – chamei o seu nome capturando a sua atenção mas não o seu olhar – desejavas estar junto de Angeline? – os seus olhos voltaram-se violentamente para mim julgando-me, amordacei-me pela pergunta que fizera mentalmente e dei um suspiro pesaroso – digo, serias capaz de cair por ela? Se ela te pedisse que o fizesses? – os seus olhos fecharam e ouvi a sua respiração pesada.

 

            - ela nunca me pediria algo como isso, Jeremiah – foi a sua única resposta antes de voltar a abrir os olhos e direccionar o olhar mais uma vez á bela caída que brincava na água límpida do mar.

 

            - não foi isso que te perguntei – acusei e rapidamente me repreendi por faze-lo com receio de sua reacção. Mas nada, ele apenas respirou de forma ainda mais pesada e passou a mão pelos cabelos loiros, bagunçando-os um pouco.

 

            - é complicado – admitiu passado alguns minutos – por mais que eu a ame, devo colocar nosso Pai a cima de tudo, não o posso desiludir Jeremiah, sou um Arcanjo – suspirou passando a mão pelos cabelos. Senti-me revoltado, não teria Cassiel sido capaz de cair por Angeline? E seu amor não era nem retribuído! Mas para Gabriel, nosso Pai estava a cima de Angeline! Deixei-o sozinho e fui caminhar enquanto observava a caída dos altos. Dei uma gargalhada pensando em uma série de anjos que seriam capazes de cair por ela. Apenas Gabriel não via isso, com sua obsessão por ser um perfeito Arcanjo.

 

            Vi Michael ao longe, também ele estava sentado observando o mundo mortal, ergui uma sobrancelha enquanto caminhava na direcção dele e sentei-me a seu lado já esperando qualquer coisa. Ele levantou a cabeça para me olhar e deu um sorriso fraco.

 

            - estiveste com Gabriel ? – perguntou-me erguendo a sobrancelha curioso.

 

            - sim, ele observava Angeline a brincar na praia – resmunguei de cara fechada. Michael riu bastante divertido e manejou a mão no ar como se dissesse já estar entediado com as acções de Gabriel e de sua irmã.

 

            - ouvi bastantes piadas sobre a queda de minha irmã – comentou mas sem grande interesse – mas além de Gabriel suspirando pelos cantos e fazendo o seu trabalho mal feito ainda tive Cassiel a cair por causa dela! – lançou as mãos ao ar num acto irritado, dei uma gargalhada – como se não bastasse, Hariel está enamorado com uma mortal e tenho receio que caía por ela – espreitei para o local que ele observava na Terra, era um jardim publico, e em um dos bancos estava uma jovem de cabelos encaracolados loiros, compridos e uns belos olhos azuis marinho. Imaginei que fosse aquela a apaixonada de Hariel e gargalhei, era bela de facto, mas existiam no céu dezenas se não centenas de anjos tão belas quanto ela. Michael franziu a testa descontente e parei de rir – por causa dessa mortal já tive bastante queixas do trabalho de Hariel, aquele maldito Romeu angelical não poderia fazer o trabalho direito por uma vez? – encolhi os ombros em resposta enquanto ele soltava um suspiro exasperante e passava as mãos no cabelo encaracolado loiro. Hariel era o anjo que mais se apaixonava no Céu por mortais, apesar de nunca ter tido a coragem de cair, sempre ficava distraído demais para fazer o trabalho em condições. Mas pelo tom de voz que Michael usava dessa vez, parecia que o caso era muito mais grave.

 

            - nunca me apaixonarei por uma humana – afirmei convicto de mim mesmo ao fim de alguns minutos em silencio, recebendo o olhar atento de Michael.

 

            - nunca é um tempo muito longo – disse gargalhando ao fim de um tempo – mas é bom que penses dessa maneira, ou terei ainda mais problemas a resolver – deixei-o sozinho após uns minutos e caminhei sozinho.

 

            Os dias no Céu foram-se prolongando cada vez mais, e fiquei apenas no posto de observador enquanto Michael resolvia todos os problemas que Hariel ia gerando ao longo dos dias. Suspirei enquanto passava por Gabriel, mais uma vez ele havia tirado um pouco de seu tempo para poder olhar Angeline, que a cada dia parecia ainda mais bela que no dia anterior. Encolhi os ombros e continuei o meu passeio, e foi quando o meu olhar caiu sobre a Terra novamente que me senti perder. Ela era perfeita. Tinha um rosto jovem e um sorriso encantador. A sua pele era morena e os olhos azuis claros pareciam brilhar ainda com mais vigor quando ria, tendo os cabelos castanhos emoldurando-lhe a face e dando-lhe um ar inocente. Sem que notasse, passei dias observando-a de canto, sorrindo no mesmo tempo que ela sorria e sentindo-me um idiota cada vez que a via.

            Foi quando percebi o que acontecia comigo. Estava apaixonado por uma humana. A verdade bateu em mim como pedra e senti-me atordoado de repente. Os sonhos não haviam cessado e senti que estavam cada vez mais perto de serem reais. Dei uma gargalhada metálica enquanto sentia a ironia pesar em minhas costas. Havia dito que não me apaixonaria por uma humana, pois existiam várias anjos tão belas quanto elas, mas acabava de o constatar. Amava aquela maldita humana e agora não seria capaz de voltar atrás. Eu viveria o meu pesadelo de qualquer forma. A cada dia que a olhava, sentia o desejo crescer dentro do meu peito juntamente com a luxúria, mas também o peso da consciência ao saber que Deus jamais me perdoaria, mas foi como se aos poucos esse peso evaporasse e eu não me questionasse mais sobre o que Ele desejava. Eu não era Gabriel, não tentava ser perfeito.

            Então ouvi a Sua voz.

 

            “ não estás mais a serviço divino, Jeremiah, pois cometeste o pecado de pensar na luxúria e em ceder aos teus desejos profundos. Cairás como muitos outros. Mas lembra-te, é a luxúria, nascida dentre a paixão, que se transforma em ira quando insatisfeita. A luxúria é insaciável, e é um grande demónio. Conhece-a como o inimigo.”

 

            Segui o caminho de muitos outros até encontrar Uriel e os restantes naquela sala escura e húmida. Fui jogado no chão como um animal e senti que já não me viam como um igual, mas sim como algo a aniquilar. Fechei os olhos pronto para a dor e senti as mãos de alguém cerrarem-se sobre as minhas asas. Pressionei os dentes com força para não gritar mas nada veio. Abri os olhos e vi que Gabriel os havia parado e os surpreendido. Este baixou-se a meu lado, fechou os olhos reflectindo e quando os abriu passou a mão direita pelo cabelo de forma nervosa.

 

            - se encontrares Angeline, diz-lhe que a amo e que lamento imenso.

 

            Apenas assenti, e antes que me preparasse para o que viria, arrancaram-me a asa esquerda e urrei de dor enquanto me lançava para a frente e caía no chão. Algo vermelho embaciou-me parcialmente a visão quando me arrancaram a asa direita e mais uma vez gritei mesmo que estivesse já a perder a voz. Sangue. O meu sangue. Vi penas brancas caírem no ar e arfei sentindo o gosto de ferrugem daquele liquido vermelho invadir a minha boca e as minhas narinas. Cuspi arrastando-me a um canto e enrolei-me em uma posição fetal enquanto suava e sentia o meu corpo queimar como se estivesse dentro de uma fornalha. Não. Era ainda pior. Era o fogo do Inferno que me queimava como que um convite e um forma de eu ver que já lhe pertencia.

            Os dias que fiquei preso naquela sala escura pareciam infinitos, e o cheiro de sangue seco estava impregnado nas minhas narinas. Imaginei se fora por aquilo que todos os outros passaram e afundei-me ainda mais no arrependimento. Que tinha um feito por culpa de uma humana? Abriram a porta de metal, não vi quem foi, a minha visão estava embaciada á muitos dias devido a agonia e dor porque passava. Pegaram em mim de dois lados e arrastaram-me. Tentei clariar a minha visão mas antes que o fizesse, jogaram-me do Céu para a Terra. A sensação de cair era horrivel, mas libretória. Cair era, sem outras palavras, perder o chão que tantos séculos tivemos sobre nossos pés para ganhar a sensação de se afundar num fogo eterno. E á medida que caía e o chão estava cada vez mais próximo de mim, a sensação de liberdade parecia apenas um borrão. Fechei os olhos aguardando o empacto. E em segundos tudo escureceu.

 

            Quando acordei estava sobre a relva, ouvia o cantar de pássaros próximos e sentia o meu coração leve. Abri os olhos, sentei-me e balancei a cabeça. Que raio havia eu feito por uma estúpida paixão humana.

 

            - encontraste bem? – parei de balançar a cabeça e levantei o olhar para ver a pessoa dona daquela voz melódica – chamo-me Grace – o meu batimento cardíaco parou durante minutos enquanto a via tão perto de mim. Era ela.

 

            - agora sim, sou o Jeremiah – confecei dando um largo sorriso. Ela riu divertida , e todo o meu ser preencheu-se de alegria. De trás das árvores ao longe vi Angeline piscar-me o olho rindo e dei-lhe um curto sorriso, de certo havia ter-me sentido quando caí e procurado saber se estava bem. Iria falar com ela sobre o que Gabriel pedira depois, mas agora queria aproveitar estar tão próximo de Grace. O arrependimento que sentia esvaiu-se em segundos ao ver o seu sorriso direccionado a mim. Talvez tivesse sido a escolha certa. Agradeci a Gabriel mentalemnte, pois saía que fora ele a deixar-me cair sobre o local onde ela se encontrava e ouvi uma gargalhada em minha mente que sabia ser a dele. Ao olhar os olhos azuis de Grace, eu não me importava de viver o meu pesadelo.


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Notas finais do capítulo

Entao que acharam?
Espero que tenham gostado !

O Pesadelo de Jeremiah pertece á série The Fallen:

— A Queda de Angeline
— O Pecado de Cassiel

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