Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 15
De Volta às Garras do Carrasco


Notas iniciais do capítulo

Oioioi!
Mais um capítulo fresquinho pra vocês. Espero que gostem. boa leitura ♥



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A pior parte com certeza eram as constantes mensagens de Luke que eu não fazia ideia de como responder. Eu havia tomado a decisão de me afastar para cuidar de Abigail pelo resto do verão, como eu devia ter feito desde o começo. Mas era muito difícil evitá-lo.

LukeVamos sair mais tarde?
VanessaVou estar ocupada ajudando minha avó :(
VanessaHoje não rola
LukeAh :(
LukeSe quiser posso passai aí pra deixar uns pãezinhos.
VanessaVocê é um chuchu kkkk

VanessaMas não precisa se preocupar. Obrigada.
VanessaA gente se fala depois, tá?
LukeTá bom
LukeSe cuida
VanessaVocê também

Mordi o lábio para impedir um suspiro triste de escapar. Abigail estava no quarto desde a hora do almoço. Pelo menos aqui tinha um sofázinho para uma noite mais confortável de sono. Vovó estava adormecida sob o efeito de sedativos pois acabara de retornar de um exame para checar o estado das úlceras no seu estômago.

O sol já se punha lá fora, lançando no quarto uma luz dourada através das persianas. Seria uma cena linda caso o ambiente não fosse o quarto de um hospital com minha avó desacordada na cama.

— Toc, toc — ouvi da porta.

— Amiga — eu exclamei me levantando.

Abracei Joyce com força. Ela trazia um balão de gás hélio em formato de coração que pairou acima das nossas cabeças.

— E aí, como ela está? — perguntou quando o abraço se partiu, prendendo o balão na ponta da cama.

— Melhor — eu disse. — A enfermeira ajudou a tomar banho assim que viemos para o quarto. Ela tomou alguns remédios pro estômago e fizeram o que eles chamam de alimentação intravenosa. Ela chegou agora há pouco de uma endoscopia para checar as feridas. A médica disse que se não melhorar nos próximos dias ela vai ter que operar.

Joyce franziu os lábios de preocupação, me olhando quase com pena. Eu detestava aquele olhar. Já o tinha recebido de quase todas as enfermeiras e médicos especialistas e nutricionistas que passaram por aquele quarto durante o dia de hoje. "Pobrezinha. A avó da menina tem câncer e os pais nem ligam o suficiente para vir visitar". Eu dava é graças a Deus por meus pais não estarem ali.

— E você comeu? — Joyce indagou, cruzando os braços.

— Belisquei o almoço do hospital — dei de ombros. Joyce negou com a cabeça, em clara desaprovação.

— Vamos te arrumar alguma coisa que dê sustância.

Ela me puxou pela mão para fora do quarto. Eu só me deixei levar, era bom ser cuidada por alguém depois de uma maratona de um dia inteiro que não parecia nunca se aproximar do fim.

Nós saímos do hospital e atravessamos a rua na direção do McDonald's. Joy me fez sentar em uma mesa como se eu fosse uma criança e se afastou para pedir o lanche. Meu estômago roncou só de sentir o cheiro do local após aquele almoço sem sabor que me fora servido no quarto. Quando ela retornou com os lanches na bandeja, eu nem esperei antes de atacar. Era uma fome colossal. Na primeira mordida, o molho especial preencheu meu paladar me fazendo experimentar um verdadeiro orgasmo gustativo. Era tão bom comer alguma coisa com sal pra variar.

— E então — ela disse de forma arrastada, puxando uma de suas batatas. Logo imaginei que uma bomba viria por aí. — E o Luke?

Eu parei com o refrigerante na metade do caminho para a boca.

— Eu vou me afastar dele, Joy — falei com o olhar baixo. — Vou fazer o que eu vim aqui para fazer: cuidar de Abigail. Eu acho ele incrível, mas eu não vou conseguir conciliar os dois.

— O que sua avó acha disso?

— Ela não tem que achar nada. É o que eu vou fazer e pronto — teimei.

— Tá certo então — Joyce suspirou. — O que você vai falar pra ele? Ele me perguntou de você hoje mais cedo. Ficou preocupado com sua ausência e sua falta de respostas decentes pras mensagens dele. Queria saber se tinha feito algo de errado.

Droga! Luke estava preocupado comigo e, acima de tudo, preocupado que ele pudesse ter feito alguma coisa para que eu o afastasse. Mordi o lábio me sentindo tensa. Isso nunca era um bom sinal, eu sempre fazia isso quando ficava extremamente ansiosa. Durante meu relacionamento com Charles eu vivia à base de manteiga de cacau. Agora eu já sentia a feridinha resultante do constante atrito com os dentes dando o ar da graça novamente.

— Eu só vou dizer que... não quero um romance de verão.

— Você devia contar pra ele a verdade toda, Nessa.

— Eu não quero dar toda a explicação, entende? Ele não precisa saber que eu venho de uma família louca — eu falei. — Além do mais, vai ser melhor assim. Estar com ele altera totalmente o propósito do meu castigo em Boulder City.

— Agora você parece louca, Vanessa — Joyce rebateu. — Olha, para de achar que você merece algum tipo de punição pelo que quer que tenha acontecido para os seus pais te mandarem pra cá ou pelo que aconteceu com a vó Abby, tá?

— Se eu tivesse feito o que eu deveria ter feito, Abigail não estaria em uma cama de hospital nesse exato momento! — eu exclamei.

— Vanessa, sua avó está doente de verdade — ela frisou. — É uma responsabilidade pesada demais para uma garota de dezesseis anos!

Eu bufei, contrariada. Sabia que ela estava certa em partes, mas afastar Luke de mim não era só um tipo de auto punição: era um jeito de aliviar a culpa esmagadora que eu sentia e também um jeito de me manter cento e dez por cento focada no meu propósito em Boulder City.

— Ainda assim — falei. — Ele pode muito bem ser poupado dessa besteira desnecessária toda. Você tem que me prometer que não vai se meter nisso, Joyce.

Ela revirou os olhos e tomou um longo gole do seu refrigerante antes de me responder.

— Tanto faz. Menina cabeça dura dos infernos — reclamou.

— Promete pra mim, Joyce Rodriguez!

— Tá bom, Vanessa — suspirou. — Mas não esqueça que ele também vai sair disso magoado.

— Ia acontecer uma hora ou outra — falei, dando de ombros, fingindo não dar muita importância para isso. — O verão não dura para sempre.

E graças a Deus que não dura.

***

Entre exames, entradas e saídas constantes de enfermeiros e comida sem tempero, a segunda feira voou. Joyce havia ficado comigo e Abigail até as nove, quando acabou o horário de visita. A dra. Maria apareceu às dez para dar o seu parecer sobre o estado atual da vovó. Ela ficou por alguns minutos apreensivos observando os papéis com resultados dos exames que haviam acabado de chegar, fez algumas perguntas para a enfermeira que estava no canto do quarto e pergunteu à Abigail como ela se sentia.

— Bem — respondeu minha avó. — Melhor que ontem.

Doutora Maria assentiu e colocou os exames de volta no lugar.

— É, dona Abby — sorriu. — Parece que as úlceras diminuíram bastante entre ontem e hoje. Só inflamaram por causa da pimenta mesmo. O câncer não evoluiu — ainda era um pouco doloroso ouvir a palavra câncer, mas era algo com o qual eu deveria me acostumar. — Eu vou aumentar suas dosagens de Betaína e sua dieta vai precisar ser menos apimentada e o mais leve posível.

— Tá certo, doutora — Abigail concordou.

— Eu cuido disso — me pronunciei. Abigail revirou os olhos deitada na cama e a dra. Maria riu.

— Bem, em linhas gerais é isso — a médica disse. — Você fica aqui até quarta em observação pra ter certeza de que tudo está bem e, caso nada se altere, logo cedo eu te mando pra casa. Combinado?

— Combinado — Abigail disse.

— Boa noite para vocês — a dra. Maria desejou antes de sair da sala acompanhada da enfermeira e fechar a porta.

Sentei no sofá ao lado da cama de Abby e a olhei.

— Precisa de alguma coisa? — pergunto.

— Estou bem, Nessa — desconsiderou. — Pode ir para casa dormir se quiser.

— Eu ia odiar dormir sozinha lá — falei.

— Você pode chamar a Joyce — sugeriu. — Ou até o rapaz da van amarela quem sabe...

— Vó! — eu exclamei, sentindo minha cara arder.

— O que foi?! Eu já fui jovem um dia tá?

— Apenas... não! — eu sacudi a cabeça. — Que horror. Fico muito feliz em saber que seu senso de humor duvidoso permanece intacto.

Puxei o cobertor que estava embolado na ponta do sofá sobre o meu corpo e apaguei a luz que ficava bem ao lado do sofá.

— Boa noite, vó — desejei me aninhando no sofá.

— Boa noite, Nessa — ela respondeu com um suspiro.

Mal fechei os olhos e precisei os abrir de novo pois meu celular vibrou com a chegada de uma mensagem. Meu estômago se contraiu de ansiedade e eu torcia para que fosse Joyce.

LukeBoa noite, Nessa
LukeEspero que esteja tudo bem.

Mordi os lábios, querendo apenas morrer. Eu precisava cortar isso e logo, mas não queria passar a ideia de que ele tinha alguma culpa pelo meu afastamento. É uma situação altamente delicada e eu não tenho certeza se estou preparada para lidar com ela. Respirei fundo e respondi a mensagem.

VanessaBoa noite, Luke!
VanessaEstá tudo bem sim, e aí?
LukeTudo tranquilo c:
LukeVocê e Abigail aprontaram o que de bom hoje?
VanessaJardinagem
LukeParece sensacional
LukePodemos nos ver amanhã?

Seria essa a minha deixa? Parei para refletir durante alguns segundos. Listei minhas motivações para isso: (1) Luke não precisa saber que minha família é maluca porque (2) ele não tem que sentir pena de mim nem nada parecido. (3) Ele não tem nada a ver com isso e nem precisa ter. (4) Eu precisava me focar em cuidar da minha avó, coisa que se eu tivesse feito desde o começo, não precisaria tomar essa decisão agora. (5) Eu era um ser humano horrível demais, não conseguiria me perdoar nunca caso algo houvesse realmente ocorrido com Abby. Ele merecia alguém melhor.

Pensei sobre o que Joyce havia me dito de contar tudo o que estava acontecendo para ele e torcer para que ele entendesse, não me achasse uma louca desnaturada e/ou digna de pena, mas era muito para arriscar. Além de coisas que eu não tinha como controlar, havia todo um passado envolvido, um passado que eu preferia enterrar bem fundo porque me machucava. Mordi o lábio de nervoso. Demorei demais para responder e ele já havia mandando outra mensagem por cima.

LukeVai pelo menos comprar pão amanhã?
VanessaVocê sai 14h, certo?
VanessaTe encontro no estacionamento atrás da padaria por esse horário.
VanessaFechado?
LukeFechadíssimo :D
LukePrepare-se para experimentar minha mais nova obra de arte da confeitaria.

Fechei os olhos, sentindo-me um monstro. Ah, se ele soubesse o teor pesado da conversa que nos aguardava... Eu não queria ser grossa, mas também não queria alimentar esperanças.

VanessaBoa noite, Luke
LukeBoa noite, Nessa ♥

Suspirei e voltei o celular para o carregador, olhando para a bexiga de coração que Joyce havia deixado amarrada no pé da cama, banhada pela luz prateada da lua. Eu precisava conversar com ele, isso era inegável. Fosse para colocar um basta ou para explicar o que estava acontecendo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, até semana que vem o/