Um Verão em Boulder City escrita por Carol Coelho


Capítulo 1
Bem Vinda à Boulder City


Notas iniciais do capítulo

Oláaa, sem bem vindos e boa leitura ♥



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E era daquele jeito que começava o até então nomeado primeiro dia do resto da minha morte: com uma viagem de quase cinco horas de Bakersfiled até a casa da minha avó. Eu sabia que eu tinha feito cagada bem quando eu não devia. Eu sabia que meus pais já estavam bravos comigo, mas mesmo assim eu fui teimosa e agora estava em Boulder City, meu maior pesadelo, durante os dois últimos meses do verão. Cidade pequena, povo desinteressante, poucos programas culturais, enfim, meu inferno na terra. Era a junção de todos os ingredientes para o pior verão possível. Eu sentia meus olhos ardendo e derretendo só de olhar para aquela placa estúpida de "Seja Bem Vindo à Boulder City, Nevada!" na entrada da cidade.

Mas, por outro lado tinha a minha avó. Abigail é a mulher mais doce, corajosa e dedicada que eu já conheci na vida. Infelizmente ela está um pouco doente e precisa de alguém que fique de olho nela o dia todo e esse foi a desculpa para o castigo que eu recebi: dois meses inteiros presa em Boulder City pensando sobre as minhas decisões e cuidando da minha avó. Tão típico dos meus pais.

Quando a banheira de meu pai parou na frente da casinha verde na rua pouco movimentada, minha mãe voou para fora do carro de pronto, gritando com minha avó que lentamente descia da escada onde se encontrava, pendurando alguma coisa na parede da frente. Um sorriso brotou automaticamente em meu rosto. Aquela velha teimosa.

— Vanessa — meu pai chamou. Resmunguei para mostrar que estava ouvindo. — Por favor. Você sabe que é o melhor pra você.

— Eu sei, pai — murmurei a contra gosto, passando uma alça da mochila pelo ombro e saindo do carro.

— Vanessa! — minha avó gritou, abrindo os braços para me receber.

— Oi, vó — sorri de forma ampla e a abracei com força. Eu não a via desde o Natal, quando ela foi passar uns dias na minha casa em Bakersville, então estava morrendo de saudades.

No carro, meu pai retirava as malas do porta malas e minha mãe as levava para dentro. Sempre tão empenhados em se livrar de mim.

Abigail passa o braços pelos meus ombros e me guia para o interior da casa.

— Eu tentei argumentar com sua mãe mas ela está resoluta, Nessa — sussurrou antes de chegarmos à soleira da porta. — Juro que vou deixar esse verão o melhor possível.

Eu sorri ainda mais, incapaz de expressar o quão grata eu estava pela existência daquela mulher. Joguei a mochila no sofá no momento que minha mãe descia as escadas após a última mala levada para o andar de cima.

— Acho que é só isso — comentou Rosemary, minha mãe, limpando as palmas das mãos na parte de trás do jeans. — Vanessa, se comporte e cuide da sua avó. E pense sobre o que conversamos — falou, tocando minha bochecha com um olhar condescendente.

— É para seu bem, querida — papai beijou minha cabeça e se precipitou para a saída. — Nós te amamos, meu anjo.

— Claro — respondi, sorrindo amarelo. — Vejo vocês em dois meses.

Como sempre, eu era ótima em fingir que tudo estava bem e que eu realmente ia pensar sobre todos os motivos que haviam me colocado ali na soleira da casa verde, acenando para a maldita bacia cinza de Jeremy Frederiksen que se afastava com velocidade de Boulder City e do problemão que a filha dele era.

Assim que o carro sumiu no horizonte, eu me virei para a sala de estar e bati a porta da frente. Como sempre, Abigail já havia sumido para continuar aprontando as suas estripulias no jardim de trás. Subo as escadas até o andar de cima e entro no meu novo quarto. Está bem organizado e a roupa de cama está limpa. Minhas malas estão encostadas na parede, mas decido não desfazê-las agora. Só puxo um short e uma camisa larga e me encaminho para o banheiro no final do corredor para tomar um banho. Depois de cinco horas na estrada rumo a um dos destinos que eu mais odiava no mundo inteiro, esse era o mínimo que eu merecia.

***

Mais tarde, depois que o sol baixou e a temperatura ficou mais agradável, eu me permiti sair da frente do ventilador em meu quarto e descer as escadas para checar se tudo estava bem com Abigail. Cheguei à conclusão que apesar de estar ali contra a minha vontade e porque havia feito besteira, minha avó ainda era uma senhora frágil e precisava de atenção. Eu jamais poderia virar as costas para ela por mais contrariada e puta que eu estivesse.

— Vó? — chamei assim que pisei no térreo, olhando para a sala.

— Aqui na cozinha! — respondeu com a voz abafada por sabe-se lá o que.

Passei pelo armário, pelo banhiro e por todos os quadros com arte e fotografias no corredor e cheguei na cozinha, onde me deparei com a velha de pé em cima de uma cadeira, com metade do corpo dentro do freezer.

— Mas o que caralhos a senhora está fazendo? — exclamei perplexa. Ela era uma da únicas pessoas da família com quem eu me sentia confortável para soltar uns palavrões de vez em quando.

— Estou fazendo o caralho do descongelamento do freezer — respondeu, sem sair de lá.

Sorri e balancei a cabeça. Tão típico. A barra de seu vestido xadrez balançava bem acima do joelho a cada movimento que ela fazia para puxar o gelo de lá de dentro, enxarcando o chão.

— Que família de malucos — suspirei, pegando um pedaço de pão que estava em cima da mesa. — O que a gente vai jantar? — perguntei apertando o pão e constatando que estava duro.

— Bem, eu não sei — respondeu, finalmente descendo da cadeira e limpando as mãos molhadas no avental. — O pão está muito duro? — questionou.

— Sim — respondi batendo com ele na mesa, fazendo emitir um som de pedra se chocando contra a madeira.

— Cruzes — resmungou. — Bem, por que você não vai até a padaria e compra alguns pães enquanto eu coloco as coisas de volta no freezer?

Ela enfiou a mão no bolso do avental e puxou de lá algumas moedas para me entregar. Concordei com a cabeça e antes de sair, pedi para que tivesse cuidado. Nem me dei ao trabalho de me trocar, afinal, eu estava em Boulder City. Não iria me produzir para ir à padaria.

Algumas crianças brincavam nas ruas, alguns casais passeavam pelas praças, algumas senhorinhas fofocavam nas pequenas vendas ao longo do caminho até a padaria. Como eu já havia dito: cidade pequena, povo desinteressante. Eu já me sentia pronta para chorar de frustração só de imaginar mais sessenta dias dessa monotonia infernal me engolindo.

Alguns rostos conhecidos acenavam para mim no caminho. Amigos da família, crianças com as quais eu brincava quando ia passar alguns dias na minha avó quando era mais nova, ex-colegas de escola da minha mãe e etc. Eu apenas sorria e acenava de volta, como um grande sábio havia me ensinado uma vez, tentando dessa forma esconder o tamanho do meu desgosto em estar ali depois de ter sido bem sucedida em me manter afastada desse purgatório por sete anos.

Avistei a padaria com sua parede amarela descascada e as pequenas florzinhas roxas que cresciam do estreito canteiro que cercava o estabelecimento, bem rentes à parede. A abertura da porta fez o sino acima dela tilintar. A padaria estava completamente vazia. Nem clientes nem funcionários. Fiquei parada alguns segundos aguardando alguém aparecer e nada. Abri e fechei a porta mais uma vez para fazer o sino retinir e chamar a atenção para que alguém viesse me atender.

Ouvi um barulho de algo caindo vindo da direção da porta atrás do balcão que devia dar para a cozinha. De lá, sai um homem alto e corpulento que reconheço como o velho Don, dono da padaria, que se encaminha para o caixa. Sigo seu movimento com o olhar e ele me esboça um sorriso simpático, a marca registrada dos moradores da cidade.

— Perdoe a distração, senhorita — se desculpou ao se posicionar atrás do caixa, estendendo o braço na direção do balcão, me apontando a direção para a qual eu devia ir para fazer meu pedido.

Atrás do balcão, um jovem contrariado enfia de qualquer jeito os cabelos escuros dentro da touquinha e colcoa luvas nas mãos.

— Em que posso ajudar? — perguntou com uma voz entre o tédio e a irritação se virando para mim, mirando minha figura de cima a baixo.

— Boa noite — cumprimento, me aproximando do balcão. O rapaz estreita os olhos claros na minha direção me deixando levemente desconcertada. Ele tinha um olhar muito intenso — Dois pães — peço finalmente, tentando imitar o Sorrisinho Simpático de Boulder City e erguendo a cabeça para tentar manter alguma dignidade apesar do cabelo bagunçado e do quase pijama.

Ele quebra nosso contato visual bufando e se vira novamente para colocar os pães dentro do papel pardo. Franzo as sobrancelhas pois ele é incrivelmente bonitinho e nem um pouco parecido com as pessoas que você costuma ver em Bouder City, todas amistosas até por demais e loucas para serem convidadas para um café da tarde ou qualquer coisa parecida.

— Algo mais? — ele pergunta ainda entediado, como se eu houvesse interrompido algo importante, pesando os pães e anotando o valor em um pequeno pedaço de papel.

— Ah, não — respondi meio vaga. Ele me entregou os pães e o papel com o preço antes de se virar e entrar novamente pela porta atrás do balcão, arrancando a touca da cabeça. Ainda com as sobrancelhas franzidas, andei até o caixa e paguei pelos pães.

— Obrigada pela preferência, senhorita — agradeceu Don, o típico bouldercitizien, sorrindo de forma polida. Aceno a cabeça e abandono o estabelecimento agarrada com o papel pardo me sentindo intrigada.

Já na rua, miro a padaria por cima do ombro, percebendo que talvez Boulder City possa ter um pouco mais a oferecer do que eu havia imaginado.


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Notas finais do capítulo

E entãooooo o que acharam?